Prisoner escrita por bitterends


Capítulo 16
Eu Não Sou o Único.


Notas iniciais do capítulo

Buona lettura!!!



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— Vejo que seus conselhos têm me feito bem, Valentina. - Dizia Khalil, em um restaurante em Cudillero, na Espanha. - Acho que finalmente conseguirei ser feliz com Alice.

— Senhor Abdu, nenhuma mulher gosta de viver presa, muito menos de apanhar e ser estuprada pelo próprio marido.

— Ora, mas eu não entendia como estupro. É a minha mulher, ela tem a obrigação de me satisfazer… Digo, eu pensava que tinha. Até que ouvi dela mesma que sou repugnante e que ela sente nojo, que segura o vômito quando me vê.

— E acredita que ela tenha razão por se sentir assim?

— Talvez.

— Desculpe perguntar, mas o senhor já contou a ela porque começou com tudo aquilo?

— Ela me traiu, deve saber que foi por isso.

— Não, o senhor supôs que ela o fez.

Khalil estava ficando visivelmente impaciente e puxou do bolso interno de seu paletó um charuto.

— Te incomoda se eu fumar?

— De forma alguma.

Valentina era uma moça que havia sofrido muito na vida e que, com esforço, estava se formando em psicologia , havia pouco mais de dois anos que recebia ajuda de uma das instituições filantrópicas que o homem ajudava. Khalil mantinha uma casa de amparo a jovens que haviam sido violentadas e prostituídas ainda na infância, além de alguns orfanatos no Egito, Porto Rico e na própria Espanha.

Parecia irônico, mas ele sempre fez questão de manter algumas dessas instituições e sua própria esposa não sabia até começar a investigá-lo.

***

Alice chegou ao aeroporto internacional do Cairo e foi de táxi até o antigo apartamento que morou com o marido assim que iniciou sua pós-graduação. Não sabia bem o que queria encontrar, mas ao invés de descansar, ela decidiu que recolheria todos os documentos que conseguisse do marido em cinco dias, uma vez que não sabia quanto tempo demoraria para ficar a sós com as coisas dele.

Foi necessário chamar um chaveiro para fazer uma cópia da chave e ela poder entrar.

Não havia muita poeira, os vidros das janelas estavam limpos, o que indicava que Khalil pagava para alguém manter o local.

Direcionou-se ao antigo quarto do casal, torcendo para que estivesse com a porta destrancada, pois o chaveiro estava impaciente esperando-a checar a casa. Todas as portas estavam trancadas. Quarto do casal, quarto de hóspedes, escritório, sala de televisão. O rapaz que protestava logo animou-se, pois era o maior serviço daquele dia e iria ganhar um bom dinheiro.

Duas horas depois e a casa estava totalmente acessível à moça, que escolheu primeiro o escritório para encontrar quaisquer documentos.

Ela se lembrava muito bem de como era lá dentro, apesar do pouco tempo que ali morou e de poucas vezes que usou o escritório sozinha, era impossível não ser tomada por algumas lembranças.

 

Uma parede tomada por uma estante de livros acadêmicos, dava pra ver somente as bordas em madeira mogno, a outra, por outra estante também em mogno com muitas gavetas e compartimentos. Era um espaço pitoresco do apartamento e maior que a suíte do casal, não parecia fazer parte dali. A mesa longa também em mogno muito bem lustrado, abrigava o notebook de Khalil, uma caixa de charutos, uma pasta de arquivo e um porta-retratos com a foto do casal, tirada no dia do casamento. A cadeira estofada em couro preto que era tão confortável e grande o suficiente para que o corpo do homem se encaixasse nela. Um tapete de pelos brancos iluminava o ambiente durante o dia.

A janela que ficava atrás da mesa e cadeira, era bem grande, quase que tomando a parede que estava afixada e tinha uma vista deslumbrante de parte do centro de Cairo. Khalil estava parado, olhando através daqueles vidros, fumando um charuto, perdido na paisagem lá fora.

Haviam poucos dias que Alice foi levada para lá e aquela foi a primeira vez em que observou o marido de costas por tantos minutos, naquele cômodo intrigante e lindamente sombrio que retratava perfeitamente aquele homem.

— Eu não sabia que você fumava. - Chamou a atenção de Khalil para si.

— Não é rotina, eu aprecio um bom charuto de vez em quando, para pensar ou relaxar. - O homem estendeu os braços, convidando a esposa a abraçá-lo. - E então? O que achou do escritório?

— Excêntrico. Fascinante. Lindo. Sombrio.

— Perguntei o que você achou do espaço e não de mim, amor! - Ambos riram e se abraçaram.

— Gostei de tudo. Obrigada por se sacrificar por mim…

— Não é sacrifício, querida. Na verdade, temos uma bela vista daqui e até que este apartamento é bem espaçoso.

— São apenas dois anos para que eu seja pós-graduada, logo poderemos voltar ao interior, para sua casa.

— Nossa casa. Tudo o que é meu, é seu também.

 

Andou até a mesa e pegou o retrato, que era a única coisa sobre ela e não pôde deixar de notar o quanto ambos estavam felizes e bonitos naquela foto. Tinham tudo para serem felizes.

Num primeiro momento, ela quis estilhaçar o porta-retratos no chão, mas conteve-se e colocou-o no lugar. Sentou na cadeira que era tão confortável quanto se recordava e abriu a pequena gaveta logo abaixo da mesa e encontrou uma caixa com senha numérica, combinou a data de nascimento do marido, depois a sua, depois a data de casamento… Forçou na memória outra data, a qual se amaram pela primeira vez… Forçou ainda mais, para a data em que se conheceram na praia caribenha e ouviu um “crec”, a caixa se abriu e ela sorriu.

Dentro desta caixa haviam quatro pequenas chaves, direcionou o olhar para a grande estante à sua esquerda e viu fechadura em duas gavetas e duas portas.

“Não pensei que fosse tão fácil.”

Escolheu uma porta e testou as chaves até encontrar a certa, quando a abriu encontrou uma grande caixa de presente e a pegou, sentindo o peso dela a curiosidade só aumentou.

“Quem guardaria um presente em um lugar que não frequenta?”

Abriu a tampa e dentro haviam livros, um estojo em camurça com canetas dentro e um cartão. Ela reconhecia os títulos, eram necessários em sua época de pós-graduação, o envelope datava treze meses antes, exatamente o dia em que toda sua infelicidade começou. Daquela data, ela jamais se esqueceu. Abriu o envelope:

“À minha amada Alice,

Desejo que siga em frente com sua MBA e seja a melhor aluna que esta faculdade já viu.

Tens o meu apoio e todo meu amor.

Sonhe alto, você pode ser tudo o que quiser.”

Seus soluços romperam todo o silêncio que existia no local e a confusão em sua mente aumentou. Se o homem estava disposto a apoiá-la, como no mesmo dia pôde mudar de ideia e brutalmente de personalidade?

— Ah, Khalil. Dessa vez você não passa sem me dizer o porquê.

Nas demais portas e gavetas nada de relevante encontrou em idioma que pudesse entender, se lamentou por entre os quatro idiomas que tinha fluência, nenhum ser árabe. Aprendeu a falar poucas coisas com seu marido, mas não tinha pleno conhecimento e tinha a sorte das pessoas lá falarem inglês ou ao menos tentarem.

Deu aquela caixa como o suficiente por enquanto, iria para seu “cárcere interiorano”, que dispunha de um escritório do tamanho daquele apartamento e acreditava que lá seria melhor sucedida.

Era madrugada e ela, por mais que quisesse sair daquele lugar, precisava esperar o amanhecer para conseguir um táxi que a levasse para seu destino.

Após uma noite mal dormida, finalmente estava em casa com a caixa do presente não dado e pela primeira vez em algum tempo, sentia-se confortável lá.

Encaminhou-se para a suíte de Khalil e começou a mover as coisas dele para a antiga suíte do casal, não utilizada desde que voltaram da capital. Depois levou suas coisas e passou o dia inteiro organizando tudo, com ajuda de uma empregada.

No dia seguinte entrou no suntuoso escritório e não haviam trancas em gavetas ou portas.

“Então aqui ele não tem o que esconder?”

Remexendo em cada canto, descobriu que ele era acionista de grandes empresas petroleiras da Arábia Saudita, o que explicava uma parte generosa de sua fortuna, era dono de um escritório de advocacia na Espanha e muitos outros negócios diferentes.

“Que investidor nato e sagaz. Financeiramente, eu não conseguiria levá-lo à falência… A menos que ele tenha bens importantes não declarados e sonegue taxação sobre fortuna, herança e investimentos… Embora eu mesma tenha feito pagamento de muitos de seus impostos e declaração de bens antes de toda confusão nos acontecer. São muitas coisas, não consigo listar tudo o que ele tem.”

Após mais algum tempo remexendo os arquivos de Khalil, encontrou os documentos das casas de amparo e conseguiu ler a maioria por estarem em espanhol, leu a proposta de cada casa e pra qual fim destinavam-se. Ficou extremamente chocada em descobrir que aquele homem praticava a caridade tão ativamente e em trabalhos tão bonitos, imaginou o quanto ele deveria estar afundado numa crise de identidade.

Era o suficiente para ela, pelo menos por enquanto. Quanto mais vasculhava a vida e os negócios de seu marido, mais surpresa ficava, além de constatar que ele não tinha algo comprometedor de tão fácil acesso para ela ou qualquer outra pessoa.

Lhe restou esperar os dias passarem e seu marido regressar.

Outros três longos dias, que a ansiedade por colocar o homem contra a parede a devorava.

***

Alice colocou o vestido preferido de Khalil, de cor escarlate com generosa fenda lateral e costas nuas, percebeu o quanto seu novo corte de cabelo realçou a sensualidade daquela roupa e ficou admirando a própria imagem no espelho por vários minutos.

Colocou a caixa que encontrou dias atrás sobre a cama do casal, vestiu poucos acessórios, calçou seu salto preto não tão alto e desceu até a sala no térreo para esperá-lo chegar.

Recebeu o marido com um caloroso beijo nos lábios e um doce sorriso, o que o fez franzir o cenho por alguns segundos antes de sorrir.

— Sentiu minha falta? - Perguntou ele.

— Às vezes precisamos da distância para sentir que alguém é importante.

— Hum… Eu não preciso ficar longe de você para saber o que você significa para mim.

— Que bom. Espera ganhar uma medalha por isso?

— Me contento com outro beijo seu.

Após sua recepção, a esposa o ajudou com as malas porque havia dispensado os empregados e queria mostrar-lhe uma surpresa, a sós.

Foi tamanho o susto dele quando entraram no “novo velho” quarto do casal.

— Seja bem-vindo ao novo quarto, meu amor.

— Isso não é brincadeira? Faz tanto tempo que eu sequer entro aqui…

— Nada é brincadeira. Aliás, aproveitando, vamos começar nossa nova fase as claras? Tem algumas coisas que eu gostaria de saber…

— Não tenho segredos para você…

— É exatamente o que eu quero ter certeza. E você pode começar dizendo o porquê de nunca ter me entregue este presente, senhor Abdu.

Alice não soube identificar a expressão do marido, mas sentiu-se aliviada por não ser parecida com as expressões que ele tinha quando estava prestes a desferir bofetadas nela.

Com tranquilidade ele retirou do bolso do paletó um charuto, caminhou até a sacada do quarto, abriu-a e acendeu o fumo.

— Neste dia eu tinha ido te buscar na faculdade, estava com essas coisas para entregar a você… Então te vi, enquanto um homem alisava seu braço e dava um beijo demorado no seu rosto.

— Ah… meu Deus, Khalil… Eu não posso acreditar que você começou a me agredir por isso… Eu me recuso a acreditar que você pensou que eu o traí naquele dia! - A mulher se desmanchou em lágrimas. - Você nunca me perguntou, você supôs, me bateu, me destruiu por algo que nunca aconteceu! Aquele homem era gay, Khalil! Ele havia estudado comigo na Itália e estava cursando história no Cairo! O namorado dele era um de meus professores! Qual é o seu problema? Qual é a porra do seu problema? - Levantou a voz e deu um empurrão no homem de frente para ela.

— Me perdoe… Eu nunca quis te machucar. - A voz dele mal saía.

Alice chorava descontrolada e fora de si, foi abraçada pelo marido e nos braços dele debatia-se, tentava inutilmente afastá-lo com tapas em seu peito e braços, mas ele envolvia-a ainda mais no abraço. Quanto mais o abraço apertava, mais vontade a moça sentia de chorar e gritar.

— Você é louco. É doente…

— Eu sei, meu amor. Acredite, eu busquei ajuda e as coisas vão ser melhores agora.

— Você é louco…

— Por favor, Alice. Eu preciso de ajuda e assumo isso. Não desista agora…

— Eu não falei em desistir. - Repentinamente ela se acalmou, suas lágrimas cessaram e ela secou seu rosto. - Vamos até o fim.

O homem intrigou-se com a frase dita por ela, mas preferiu ignorar a sentença por aquele momento, pois entendia o quanto a esposa estava nervosa e ele se sentia culpado por tê-la machucado fisicamente por se sentir traído.

Via a história de sua vida se repetindo e fez o que prometeu a si mesmo nunca fazer.

Estava em seu DNA fazer mulheres sofrerem e era por isso que ele não queria ser pai.

Horas depois, com a madrugada caindo foi que conseguiram voltar a conversar.

— Saber a verdade diminui o meu rancor. Você sabe que não se justifica o que você fez, mas estou disposta a ficar. Espero que reconheça a sua segunda chance.

— Obrigado. As coisas vão melhorar a partir de agora.

— Agora, chega. Esquece o mundo, esquece tudo e vem me amar.

“No que eu venho te transformando, Alice? Não é bom, mas eu gosto.” pensou ele.

Na manhã seguinte, enquanto ambos desfaziam as malas do homem, sua esposa encontrou uma garrafa de vinho pela metade em meio suas coisas.

— Dolce Piccante Alice … Que sugestivo. - Disse ela ao ver o nome do vinho.

— Gostou? Comprei em Amalfi. É bem diferente, é doce, mas também arde. Igual você.

Ela virou a garrafa para ler as informações de fabricação e encontrou o que já tinha certeza “Famiglia Bertoncello”. Um calafrio que percorreu sua espinha.

Foi inevitável pensar em Lorenzo e a partir dali ela sabia que seu amor de infância não estava mais seguro, que era apenas questão de tempo para Khalil ligar os pontos.

“Ai, meu Deus. O que eu fiz?!”


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Notas finais do capítulo

Ficou muito confuso de entender, a ordem dos acontecimentos ficou clara? Pode se sentir a vontade para criticar.
Até o próximo!



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