Corações Perdidos escrita por Syrah


Capítulo 34
34. Liderança requer sangue




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AS MÃOS DE Sara tremiam nervosamente ao lado do corpo.

Ela havia se deixado afundar novamente no sofá da sala, desviando o olhar do meu e observando os próprios pés com uma aparentemente renovada curiosidade. Seu aspecto tinha se tornado ligeiramente menos impressionante desde então, de modo que a garota parecia minúscula e reprimida ali diante de todos — algo totalmente diferente da jovem confiante e determinada que havia batido à porta horas antes.

Não havia nada de determinado em sua postura agora, muito menos confiante. Ela era, em suma, o exemplo perfeito de um filhotinho acuado.

— Sinto que a minha cabeça está girando a uma velocidade impressionante nesse exato momento — Dean cortou o silêncio com seu comentário, encarando Sara com uma expressão de evidente perplexidade. Ele não parecia irritado com a situação, apenas confuso, o que era totalmente compreensível. — Será que alguém pode resumir pra mim o que diabos está acontecendo aqui? — ele me direcionou um olhar interrogativo, antes de acrescentar: — Por que a filha do líder dos Remanescentes está sendo caçada pelo próprio clã e pelo seu pai? Porque é isso o que eu acho que você acabou de dizer.

Eu não disse nada, apenas encarei Sara com uma sobrancelha erguida e braços cruzados. A garota inspirou fundo, fechando os olhos por um momento; ela abaixou a cabeça e colocou as mãos sobre o rosto, soltando o ar lentamente e parecendo derrotada. Seus dedos tremiam — se de nervosismo, raiva ou pânico, eu não saberia dizer.

— Eu posso explicar tudo — sussurrou. Sua voz havia perdido o tom superior, a faceta da adolescente destemida e engraçadinha tinha desaparecido completamente. Sendo sincera, ela até parecia um pouco cansada de tudo aquilo. — Só... me dêem cinco minutos.

Sara não me encarava, nem a ninguém, na verdade. Seu rosto permanecia abaixado, ocultando seus olhos. As mãos caíram sobre o colo, inertes. A aura que a envolvia de repente pareceu sombria demais para uma simples garota.

Senti o olhar dos irmãos sobre mim, de modo que me virei para ambos. Sam me observava com certa curiosidade, parecendo perguntar o que devíamos fazer em seguida — como se eu soubesse. Dean alternava seu olhar entre Sara e eu com uma expressão familiar de impaciência e confusão estampadas em seu rosto. Apesar das dúvidas, eles permaneciam quietos, aguardando para ver o que eu faria a respeito de toda aquela situação e quais seriam as minhas explicações. Eu agradecia o voto de confiança, mas confesso que me sentia tão perdida quanto eles.

Me virei para Sara, ciente de que apesar de não estar encarando ninguém em particular, ela estava bem atenta a qualquer movimento ao seu redor. Era óbvio que seus sentidos haviam ficado automaticamente em alerta diante dos últimos acontecimentos, aquilo não me surpreendia.

Na verdade, pode-se dizer que eu estava contando com esse fato.

— Cinco minutos. — Murmurei, descruzando os braços e me aproximando dela lentamente. — Depois disso, se eu não estiver totalmente convencida, vou começar a cogitar aquela recompensa.

Sara estremeceu diante da última frase, fechando os olhos e parecendo contar até dez silenciosamente. Ela então os abriu e me encarou, assentindo uma vez e iniciando seu discurso com uma firmeza e calma impressionantes, ainda que sua voz soasse meio automática:

— Vocês sabem sobre clãs de raça, eu suponho — nós três assentimos, mesmo que aquela não fosse bem uma pergunta. — E conhecem algum, pelo menos? — ela direcionou sua pergunta a Sam e Dean, já que a minha resposta era óbvia. Os irmãos negaram, parecendo meio desconfortáveis por não saberem muito sobre aquilo. — Bom, a amiguinha de vocês aí, Emma, conhece dois, e eu também. São eles os Remanescentes, o clã dos lobisomens, e os Diurnos, o clã dos vampiros.

O olhar de Dean e Sam de repente queimou sobre mim. Eu me virei para eles, me sentindo um tanto culpada ao me lembrar da vez em que recusei explicar a Dean sobre os Remanescentes. Na época eu não tinha ideia de que eles eram o elemento chave daquela investigação, muito menos que estavam envolvidos diretamente com meu pai e seu suposto desaparecimento.

Sara continuou sua explicação sem hesitação, não dando espaço para questionamentos:

— Bom, o que vou dizer agora parece coisa de filme, mas garanto que é a estupidez mais real que vão ouvir nessa história toda — ela disse, fazendo uma pausa para que acompanhássemos sua narrativa. — Faz anos desde que esses dois clãs estão em rixa, e não é algo muito legal de se ver ao vivo. Digamos apenas que Los Angeles não tem sido um paraíso sobrenatural nas últimas décadas.

Ela me encarou significativamente, como se dissesse "Você sabe bem do que eu estou falando, certo?", o que fez com que eu imediatamente engolisse em seco. Do outro lado da sala, Sam parecia pensativo e Dean franziu o rosto.

— Um clã de lobisomens e outro de vampiros em guerra? — perguntou sarcasticamente. — Tenho absoluta certeza de que já vi isso em algum clássico.

Foi sincronizado; Sara e eu reviramos os olhos automaticamente.

— Por incrível que pareça — a garota disse, a expressão calma e serena como nunca — a rivalidade entre esses dois grupos não tem nada a ver com raça. É simplesmente uma questão de história e território.

Dean assentiu, curiosamente não se dispondo a retrucar. Sara continuou:

— Enfim, há cerca de cinco meses, foi planejada uma reunião no centro de Los Angeles; o clã dos Remanescentes e o clã dos Diurnos se encontrariam pra discutir uma suposta trégua — ela inspirou fundo, como se as lembranças do dia em questão fossem dolorosas demais. Ao meu lado e pela milésima vez naquele dia, senti os irmãos ficarem tensos à menção daquele nome; Remanescentes. Eu definitivamente teria que ceder algumas explicações mais tarde. — Foram designados três membros de cada clã para a reunião; o líder e duas outras pessoas que ele julgasse serem de extrema confiança. O objetivo era que até às dez da noite, tudo estivesse acertado e a rixa entre ambos os clãs fosse cessada. De vez.

De repente um pensamento não muito agradável passou pela minha cabeça, acompanhado de uma estranha sensação de desconforto. Dean curvou os lábios em uma expressão de descontentamento, parecendo partilhar dos mesmos sentimentos que eu.

— Me deixa adivinhar... a noite não correu como um rio de rosas? — sugeriu ele.

Sara assentiu mecanicamente.

— Algo deu errado. Muito errado. A reunião foi dada como encerrada, mas apenas dois membros do clã dos lobisomens retornou para a sede — ela nos encarou com um olhar sombrio em seu rosto pálido. — Foi dito que o líder dos Remanescentes, Maxwell Ross, havia sido assassinado pelos Diurnos como um ato de desafio. Desde então, o clã declarou abertamente guerra aos vampiros.

Eu estremeci involuntariamente, sentindo um calafrio terrível na espinha. Aquela história começava a soar cada vez pior e eu não sabia se estava gostando do rumo que os fatos estavam tomando.

— O clã dos Diurnos incitou guerra contra os Remanescentes? — perguntei, Sara assentiu. — Isso não faz o menor sentido. Eles vêm tentando esse maldito acordo há, sei lá...

— Dez anos — ela completou minha frase, dando de ombros. — Faz dez anos que tentam um acordo com os Remanescentes, desde que o atual líder dos Diurnos, Justin Blake, assumiu o posto.

E lá estava a bomba, diretamente na nossa cara. Eu havia previsto que essa revelação surgiria cedo ou tarde, mas isso não fez com que a situação fosse menos desconfortável. Eu senti Dean automaticamente ficar ainda mais tenso ao meu lado. Ele franziu o rosto, se virando para mim com um ar de questionamento.

— Justin Blake? — perguntou desconfiado. — Tipo o Justin? Aquele que sequestrou você naquela boate no dia em que você colocou os pés de volta na cidade? — assenti relutantemente, sentindo um nó desagradável no estômago. — O mesmo cara que te deu a pista sobre seu pai estar aqui em Dakota do Sul? Estamos realmente falando daquele idiota? — eu revirei os olhos com essa declaração. Ele era o Rei do Óbvio ou o quê?

— Sim, Dean. Esse Justin — murmurei irritada.

O Winchester parecia ainda mais perplexo que antes, se é que isso era possível.

— Você está me dizendo que nós não tínhamos lidado com um ninho qualquer de vampiros esse tempo todo? — ele me encarava como se esperasse que eu desmentisse tudo a qualquer momento, o que obviamente não aconteceu. — Emma, você sabe o que é um Clã de Raça, certo? É claro que sabe — murmurou um tanto quanto retoricamente. — Eu mesmo achei que isso era só a droga de uma lenda. Agora eu descubro que você está ligada a dois deles, e que nós inclusive quase cometemos o erro de matar o líder de um.

Eu suspirei, erguendo uma sobrancelha e dando-lhe uma expressão que eu julgava ser suficientemente desacreditada.

— Você está sendo dramático.

Ele balançou a cabeça, revirando os olhos impacientemente.

— Você sabe que não, droga! Um Clã de Raça é...

— Eu sei muito bem o que é, acredite — respondi rispidamente, interrompendo-o. Dean encolheu os ombros, desviando o olhar sem dizer mais nada.

Basicamente, um Clã de Raça era uma pequena organização formada dentro do mundo sobrenatural. Assim como nós humanos tínhamos os caçadores, grande parte das criaturas não-humanas tinham um Clã de Raça que as representasse. Apenas algumas espécies incapazes de raciocínio lógico não provinham disso (como os Wendigos, por exemplo). Os clãs eram ocultos para todos, inclusive aqueles de sua própria raça, de modo que eram poucos os que conheciam seus membros ou seus nomes. Os líderes raramente davam as caras; apareciam somente quando precisavam de novos recrutas ou estavam insatisfeitos com alguma criatura de sua própria espécie. É claro que tudo sempre foi feito com o máximo de discrição possível, com o intuito de afastar qualquer foco de atenção que suas ações pudessem causar. Atualmente, pelo que se sabe, um clã de raça não passa de uma lenda — provavelmente passada através de gerações — entre as famílias caçadoras. Infelizmente, eu havia descoberto desde bem cedo que não havia nada de fantasioso ou extraordinário nessas organizações, pelo contrário. Elas eram reais. E existiam até hoje, desde muito tempo atrás, calmamente escondidas sob os olhos de bilhões de pessoas — e criaturas, inclusive.

Em suma, pode-se dizer que exista apenas um Clã de Raça para cada espécie sobrenatural (as que tinham resolvido aderir a essa "política", pelo menos), sendo sua liderança geralmente composta por uma única pessoa, que recebe o devido respeito de todos os outros membros. A liderança era definida por sangue, ou seja, hereditariamente. O que acontecia se um herdeiro se recusava a assumir as rédeas? Nada de bom. Eu havia presenciado isso em cores, e não posso dizer que tinha gostado da situação.

— Preciso mesmo explicar que aquela não foi a primeira vez que lidei com Justin e seus capangas estúpidos? — perguntei para Dean, recebendo uma olhada feia em resposta. Ele estava claramente irritado comigo, quase furioso, eu diria. — Achei que isso houvesse ficado explícito durante o nosso breve encontro com eles.

Em toda a minha vida, eu tinha conhecido apenas dois clãs; os Remanescentes, que representavam o clã dos lobisomens, e os Diurnos, o clã dos vampiros — o clã de Justin. Era um feito considerável que eu houvesse topado não com uma, mas duas dessas organizações na vida. A maioria dos caçadores morre sem sequer saber de histórias sobre o assunto — eu mesma não sabia nem o nome dos outros clãs existentes e duvidava que pudesse descobrir futuramente. É claro que nenhum dos meus encontros com essa gente havia sido exatamente agradável, mas não era como se eu pudesse evitar — como já mencionei antes, minha vida inteira parecia estar entrelaçada a esse tipo de coisa maluca e surreal.

— Então você sabia com o que estávamos lidando e mesmo assim resolveu se arriscar? — Dean me acusou, enfurecido. — Tem alguma ideia do perigo que corremos naquela noite? Do perigo que você correu? Se tivéssemos sido cercados, você seria a primeira a morrer.

Honestamente, eu até entendia o porquê de ele estar tão exaltado, e não podia culpá-lo. Como uma sociedade, os clãs de raça prezam pela vida de seus líderes acima de tudo. Naquela noite, Dean julgara que eu por pouco não havia matado Justin; se isso houvesse realmente acontecido, nossa situação atual seria — para dizer o mínimo — extremamente complicada. Não que ele precisasse se preocupar com isso, é claro. Infelizmente, eu tinha de admitir para mim mesma que ainda não era capaz de matar aquele babaca, mesmo depois de tudo. Haviam coisas demais entre o passado de Justin e o meu, todas me impedindo de reunir coragem o suficiente para fazer o que era necessário.

Um silêncio desconfortável pairou sobre a sala naquele momento, envolvendo a todos. Sam permanecia quieto e pensativo, Sara estava calada, incerta se deveria continuar ou não sua narrativa, e Dean me encarava com uma raiva pulsante no olhar. Ele parecia chateado, furioso e estranhamente inconformado, de uma forma que eu nunca antes vira.

— Depois de todo esse tempo, eu ainda não sei porque me surpreendo toda vez que... — ele se interrompeu, parecendo se dar conta das próprias palavras e hesitando. — Enfim — seus olhos escureceram e seu rosto assumiu novamente a faceta firme e fechada de momentos antes —, vamos só terminar de escutar o que a pirralha aqui tem a dizer.

Sara deu a ele uma olhada feia, claramente insatisfeita com o apelido. Dean ignorou isso, se encostando em uma parede no canto da sala e retribuindo o olhar da garota com uma tranquilidade quase perturbadora. Eu suspirei, começando a me sentir cansada de tudo aquilo.

De repente, Sam se levantou e caminhou até Sara em passos decididos, encarando-a com um ar examinador e cruzando os braços. Eu tive a impressão de vê-la enrubescer diante do olhar dele, mas, novamente, quando seus olhos encontraram os meus não havia nada mais que impassividade em suas íris castanhas.

— Você disse que o líder dos Remanescentes foi assassinado pelos Diurnos? — o Winchester perguntou em um tom calmo, parecendo ponderar algo. Sara assentiu, e ele prosseguiu com as perguntas: — Por que eu tenho a impressão de que você não acredita muito nisso?

A garota franziu o rosto, parecendo surpresa. Pelo que seu olhar denunciava, ela definitivamente não contava que Sam fosse reparar naquilo. O Winchester continuou em sua postura tranquila, descruzando os braços e enfiando as mãos nos bolsos, aguardando por uma resposta.

Sara suspirou, balançando a cabeça e desviando o olhar, como se não soubesse exatamente como expressar o que sentia naquele momento.

— Não é... uma questão de acreditar ou não — começou, meio sem graça. Ainda assim, seu tom continuava firme. — Eu tenho certeza de que meu pai foi morto por um dos dele. Essa história dos Diurnos é só uma farsa pra prender a atenção do restante do clã que pensa que o conselho é composto de velhinhos bondosos e altruístas — ela debochou.

Automaticamente prendi a respiração. Até mesmo Dean se remexeu em sua posição, parecendo desconfortável por um instante. O que Sara estava dizendo? Que Max havia sido morto por um dos membros de seu próprio clã? Aquela afirmação soava praticamente insana aos ouvidos de qualquer um que conhecesse a definição básica de um clã de raça.

Sam ponderou as palavras da garota por um momento, pensativo. A calma dele me surpreendia, mas confesso que me sentia um pouco apreensiva com todo aquele suspense.

— O que te faz pensar assim? — Sara abriu um sorriso lateral ao ouvir aquilo, como se ele houvesse perguntado a coisa mais óbvia e simples do mundo à ela.

— Três coisas — disse. — Primeiro; como Emma mesmo disse, os Diurnos vem tentando um acordo de paz com os Remanescentes há anos, essa traição repentina e justamente no dia do acordo não faz o menor sentido. Segundo; eu estou sendo caçada por eles nesse exato momento, justamente por ser filha de Max, mas não é o que o clã acha. O "comando", por assim dizer — ela fez aspas com os dedos ao falar, entortando os lábios —, fez os membros remanescentes acreditarem que estão atrás de mim porque sou a herdeira deles e, consequentemente, sua líder legítima, e não porque querem a minha cabeça em uma estaca.

Franzi o rosto.

— E o que te faz pensar que querem a sua cabeça em uma estaca? — perguntei.

Sara se virou para mim.

— Aí entra a terceira coisa — ela disse com uma voz carregada de tensão. — Com a morte do meu pai, a liderança passou provisoriamente para a minha mãe. Vocês devem saber que a liderança de um Clã de Raça é hereditária e, portanto, praticamente impossível de ser alterada — ela nos encarou com um ar de profunda concentração. — Duas semanas após os acontecimentos desastrosos da reunião entre os Diurnos e os Remanescentes, eu estava andando pela sede do meu clã... bom, meu antigo clã — ela fez uma careta ao pronunciar aquilo, como se houvesse acabado de dizer algo errado —, e acabei ouvindo uma conversa bem sugestiva entre alguns membros do Conselho. Dentre eles, os dois que haviam sobrevivido ao suposto fiasco do tratado de paz.

Sam inclinou a cabeça para o lado, observando melhor a garota.

— O que você ouviu?

— Em resumo, eles planejavam acabar com o resto da "linhagem real" — disse ela com desdém. — Um dos membros contava sobre a possibilidade de alguém do clã descobrir sobre a farsa da reunião, enquanto os outros dois discutiam como fariam para que eu e minha mãe tivéssemos o mesmo fim — ela suspirou. — Eu já estava desconfiada antes. Não precisei de muito mais que isso pra deduzir o que tinha acontecido e chegar a conclusão de que os Diurnos não haviam tido absolutamente nada a ver com a morte do meu pai.

Eu soltei o ar, surpresa. Toda aquela história parecia coisa de outro mundo, algo que só acontecia nos filmes. Era surreal demais para acreditar. Sam, por outro lado, permanecia com uma calma inabalável, era quase irritante a forma como ele não se surpreendia com as coisas que Sara contava.

— E o que você fez depois de ouvir essa conversa? — ele perguntou a ela.

A garota suspirou.

— Eu fiz a maior burrada da minha vida, foi isso — declarou, desapontada. — Eu sabia que o restante do clã não tinha conhecimento daquela história toda, do contrário, nenhum daqueles três estaria vivo. Não adiantaria contar a todos, pois qualquer um julgaria a minha história no mínimo criativa — ela respirou fundo, desanimada. — Então eu fiz a primeira coisa que pareceu certa na minha cabeça: contei à minha mãe.

Sam ouvia a tudo pacientemente. Eu estava calada, extremamente atenta àquela história. Dean permanecia amuado no canto, mas sua postura indicava que também estava prestando atenção às palavras da garota.

— E o que aconteceu depois disso? — Sam perguntou. — Você contou a ela, e...?

Sara desviou o olhar, incomodada. As palavras pareciam presas em sua garganta.

— Ela cometeu o erro de desafiar o Conselho por causa disso — contou, os olhos marejados. — Uma semana depois, foi dada como desaparecida. Um mês mais tarde, um corpo foi encontrado no subúrbio de LA com marcas de mordida enfeitando seu pescoço. Outra vez, os Diurnos foram dados como os culpados da história — ela respirou fundo, esfregando os próprios braços, como se estivesse com frio. — Eles sequer me deixaram vê-la, disseram que seria demais pra mim.

Eu estremeci. Aquilo não ia nada bem, Justin devia estar furioso por causa daquela história. Seu clã estava sendo acusado de assassinar os dois últimos líderes do Remanescentes, quando tudo o que ele buscou nos últimos anos foi uma maldita paz entre eles. Eu não era capaz de imaginar como estava sua cabeça naquele momento.

Sara prosseguiu, como se de repente estivesse no automático outra vez:

— É claro que eu entendi na hora o que aquilo significava, e tratei de escapar o mais rápido possível — contou, suas mãos tremiam ligeiramente. — Infelizmente, o trio de traidores já havia percebido que eu sabia demais. Um preço foi colocado em minha cabeça e o clã foi informado de que sua herdeira estava foragida e precisava urgentemente ser encontrada. Mas é claro que eles não me querem de volta para reinar sobre suas cabeças. Eles querem simplesmente eliminar a única pessoa que sabe seu segredo, nada mais.

Sara de repente parecia extremante desconfortável. Eu a encarei, ainda chocada. Era muita informação. Muita informação mesmo.

— Se os membros do clã sabem que você é a líder por direito — comecei, franzindo o rosto enquanto ponderava a questão em minha cabeça —, o que te faz pensar que vão aceitar sua execução uma vez que os membros do Conselho te tenham em mãos?

Os Remanescentes tinham o péssimo hábito de serem leais demais aos seus, em um nível quase doentio — eu havia experimentado isso pessoalmente. Não fazia sentido algum que se virassem contra alguém do clã, especialmente o líder. Aquilo me soava estranho e suspeito.

— Lucian é o atual líder do clã — Sara respondeu diretamente para mim, parecendo ler meus pensamentos. — Bom, ele tá mais pra um regente no momento. Ele foi um dos membros que sobreviveu ao "ataque" do tratado de paz. Seu parceiro, Daniel Buckingham, atua como seu braço direito agora. O outro traidor continua sendo parte do Conselho. Ninguém desconfia de nada.

— Lucian? Tipo Lucian Greyghost? — perguntei, receosa. Eu conhecia aquele nome perfeitamente, e a lembrança não era das melhores.

Sara assentiu e me encarou de uma forma que deixava claro o seu descontentamento quanto à situação em que se encontrava. Por fim, eu a entendia. Se Lucian estava por trás da morte de Max, essa garota tinha um sério problema em mãos.

Dean se aproximou dela, me fazendo encara-lo por um momento, já que tinha esquecido totalmente de sua presença ali.

— Quem é esse tal Lucian? — o loiro perguntou, alternando o olhar entre a garota e eu.

— Ele é o braço direito de Max... ou era — respondi com um suspiro. — E é o crápula mais imbecil que eu já tive o desprazer de conhecer. Se está no comando agora, vai dar um jeito de impedir que as preces de Sara cheguem ao Conselho antes de sua execução, com certeza.

Dean ergueu uma sobrancelha, surpreso pela minha hostilidade, mas não disse nada, apenas assentiu. Sara concordou com um gesto rápido, balançando a cabeça.

— Se o clã souber da traição de Lucian, ele vai ficar em péssimos lençóis — disse. — Por isso ele precisa me encontrar e ter certeza de que todas as pontas soltas sejam eliminadas.

Sam, que até então permanecera calado, resolveu se pronunciar:

— Se você é a filha de Maxwell, isso significa que é a próxima líder, certo? — ele encarou Sara esperando uma resposta, ela concordou, mas notei que engoliu em seco. — Bom, você acabou de dizer que o restante do clã não parece ciente dos feitos desse Lucian, então por que não reivindica seu posto enquanto ainda pode? Ele não pode te matar em frente a todos sem ser declarado abertamente um traidor.

— Péssima ideia — a garota respondeu enquanto balançava a cabeça negativamente. — Todo esse tempo que passei fora já é suficiente para que Lucian e Daniel questionem minha capacidade de liderar o clã frente a todos. Isso torna tudo mais simples, eles só precisam retirar o cargo de mim.

Dean e Sam franziram o rosto ao mesmo tempo, provavelmente não entendo onde ela queria chegar.

— Retirar o cargo de você? — Dean repetiu lentamente, confuso. — A liderança de um clã de raça não é hereditária?

A garota assentiu, respirando fundo antes de responder:

— Ela é, até alguém decidir que é mais forte e mais capacitado para comandar o clã — seus olhos brilharam em um tom quase dourado de castanho ao dizer aquilo. Sara suspirou, como se houvesse chegado a um dilema interno, então acrescentou: — Existe uma forma de tomar a direção de um clã como esse, e ela é tão selvagem quanto simples.

— Espera — Sam encarou a garota, incrédulo, parecendo ter notado algo horrível. — Está falando de um combate direto?

Sarah concordou, o rosto sombrio demonstrava seu desagrado diante daquilo.

— Chamamos de "combate de sangue" — complementou, contrariada. — Mas os Remanescentes não realizam um há pelo menos um século. Agora, com toda essa confusão, tenho certeza de que Lucian não vai perder a oportunidade. Afinal, ele já tem todo o circo armado, só resta finalizar o show. O que ele tem a perder? Uma luta contra uma garotinha? — ela riu amargamente. — A vitória já está praticamente declarada. Mas esse é só o plano B. O plano A é me matar antes e encobrir isso ridiculamente como fizeram com meus pais.

Um silêncio pesaroso se instalou no cômodo, acompanhando de um clima desconfortável. Finalmente, alguém se pronunciou. Sam deu alguns passos em direção a parede, cruzando os braços e parecendo pensativo. Eu quase conseguia ver fumaça saindo de seus ouvidos.

— Ainda não entendo — ele comentou cautelosamente. — Se o problema é evitar uma disputa entre vocês dois, porque não conta tudo ao seu clã de uma vez?

Sara abaixou a cabeça, negando insistentemente.

— Antes eu até poderia, é verdade, mas não acreditariam em mim — comentou tristemente. — A situação não muda muito agora. E mesmo que eu pudesse dizer algo, depois de tudo, tenho certeza de que Daniel e Lucian farão de tudo para que o Conselho só ouça o que tenho a dizer sobre a traição se eu aceitar a maldita luta. Eles não terão muito problema pra convencer aqueles velhos idiotas a isso.

— Até aí eu entendi. Mas não é mais fácil você simplesmente abandonar a liderança e deixar que Lucian assuma? — Dean perguntou, confuso.

Aquela não era a melhor das opções, definitivamente, mas ainda era a mais fácil para ela. Ou seria, se não fosse totalmente impossível, mas os irmãos não tinham como saber disso.

Sara suspirou. Ela parecia de fato exausta, eu me perguntava se não estava se arrependendo de ter ido até ali.

— Você não entende — disse tristemente. — Não é tão simples. A liderança dos Remanescentes é hereditária, lembra? Eu sou a atual líder por direito e obrigação. Não é como se eu pudesse apenas renunciar, não funciona assim. Infelizmente.

Dean cruzou os braços, seus lábios formaram uma linha fina de descontentamento em seu rosto.

— Então, querendo ou não, você é obrigada a aceitar o combate? — ele perguntou a ela.

A garota cerrou os punhos, concordando.

— Primeiro, eles vão me capturar para me obrigar a assumir minha posição. — Ela fechou os olhos, parecendo não gostar de como aquela frase soava. — E aí entra o plano de Lucian. Ele pretende me desafiar para uma disputa de posse e, com isso, assumir a direção. Ele sabe que suas chances contra uma garotinha são bem maiores do que eram contra meu pai, por isso não arriscou um combate direto com ele. Lucian preferiu... — ela hesitou, parecendo furiosa por um segundo — assassiná-lo a sangue frio e colocar a culpa nos inimigos do clã, para depois me obrigar a entrar numa luta idiota por poder que, é claro, eu não posso ganhar.

Eu suspirei. Ao meu lado, os irmãos pareciam apreensivos. Dean foi o primeiro a se pronunciar.

— Você não se garante? — perguntou, sem qualquer resquício de ironia na voz.

Sara ergueu uma sobrancelha.

— Contra o ex-braço direito e praticamente vice líder do clã? — ela deu uma risada curta e amarga. — Lucian não foi escolhido pelo meu pai pela esperteza, acredite.

Franzi o rosto.

— Não entendo o seu ponto — falei, confusa. — Se você não pretende recuperar seu lugar por direito, o que você quer, afinal?

Ela deu de ombros.

— Primeiro, eu quero que você convença seu pai a me deixar em paz — ela começou, séria. — Segundo, eu tenho certeza de que ele não está sozinho. Quero dizer, não é como se Adam não desse conta do recado, ele inclusive é até bom demais nisso — resmungou, contrariada. — Mas os Remanescentes são muito desconfiados. Então acho... não, eu tenho certeza de que eles colocaram alguém com ele, pro caso de qualquer imprevisto. Conheço aquele clã melhor do que qualquer um, sei como funciona.

Suspirei.

— Deixei-me adivinhar — comecei, pensativa —, você quer que eu dê um jeito no idiota que designaram pra acompanhar meu pai?

Ela fez uma careta.

— Quando você diz assim parece pior do que eu realmente imaginei — comentou. — Mas sim, é isso. Acho que se algo acontecer com ele e Adam desistir da busca, aqueles idiotas vão entender que é melhor me deixar quieta. Eles precisam entender isso — completou baixinho.

Eu sentia de longe que aquela era uma má ideia. E sabia que não poderia me envolver naquilo. Era arriscado demais, perigoso demais.

Eu já tinha conseguido o que queria, certo? Sabia onde meu pai estava e sabia o que ele procurava, não precisava de muito mais.

Era necessário cortar o mal pela raiz de uma vez por todas.

— E então? — ela me encarou com expectativa. Era de cortar o coração, sendo sincera. — Você...

— Sinto muito, Sara — falei, interrompendo-a. A garota me encarou como se não entendesse o que eu estava dizendo. Seu semblante foi murchando aos poucos à medida que compreendia minhas intenções.

— Por quê? — ela franziu o rosto, parecendo confusa, mas eu sabia que já tinha entendido o meu ponto.

Silêncio no cômodo. Nenhum dos garotos disse nada. Eu suspirei, olhando para o teto por um momento. Ela não ia gostar do que eu estava prestes a dizer, definitivamente.

— Sinto muito — repeti com uma voz melancólica, embora séria. — Mas não posso te ajudar. Terminamos por aqui.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo: Sara se sente desolada com a negação de Emma, e está disposta a convencê-la do contrário a todo custo! Dean parece ter alguns assuntos pendentes com a nossa caçadora e está determinado a resolvê-los. Enquanto isso, Bobby quer saber o que diabos está acontecendo em sua própria casa.



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