Um chamado da Africa escrita por Bia_C_H_


Capítulo 3
Capítulo 3




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Estamos a caminho de Ibadan, em um jipe que pertence a um amigo de James que mora na cidade e se dispôs a ir junto para Lagos, me buscar. Apesar de estar empolgada e curiosa, mal consigo olhar para paisagem lá fora, pois Gowon não para de me fazer perguntas e tenta me ensinar algumas palavras no idiomas deles, e é assim que passamos o tempo, rindo de minhas tentativas nada boas de pronuncia e trocando informações sobre nossos países. Então James começa a contar histórias minhas de quando eu era pequena e no meio de uma delas acabo cochilando. Acordei cedo aquela manhã, arrumando as poucas coisas que havia tirado da mala e fechando a conta do hotel, deixando uma Nmachi decepcionada para trás, ela achava que eu ficaria mais tempo e agora não teria ninguém para conversar novamente. Encontrei com meus companheiros de viagem no mesmo lugar em que jantara na noite anterior e de lá logo partimos para nosso destino, numa animada e longa viagem. James me explicara que primeiro iríamos para a pousada que ele e Lúcia ficaram antes de se mudarem de vez para a floresta, pois seria lá que eu ficaria até me adaptar a tudo. Por alguns dias eu ficaria lá, tendo contato apenas com o povo que ali vivia, me acostumando com o idioma e a cultura local. Durante esse período, alguns àsikas iriam me fazer visitas para introduzir aos poucos o modo de vida deles em mim e decidir quando eu estaria pronta a mergulhar a fundo naquilo tudo e aí sim receber permissão para ter o primeiro contato com os Opòlò Oju.
– Chegamos, querida. - Sinto um toque de leve em meu braço e sei que é hora de acordar. Olho em volta acostumando meus olhos com a claridade e encontro um James sorridente me encarando. – Vamos, Lucia deve estar a sua espera na pousada, e se prepare para um ataque de beijos, abraços, lagrimas e perguntas. – nós dois rimos daquilo, pois sei que é pura verdade e amo esse fato.
– Acho que posso aguentar um pouco disso tudo! – digo ainda indo.
Dou uma olhada na pousada que será meu lar por algum tempo e a primeira vista causa uma boa impressão, com paredes brancas e bem cuidadas, uma faixada simples porém graciosa, e ostentando a bandeira da Nigeria, dos Estados Unidos e a da cidade de Ibadan.
– Alex, foi um prazer conhece-la e espero te encontrar mais vezes, mas agora preciso ir. – Gowon para ao meu lado sorrindo de um jeito contagiante que me faz sorrir de volta.
– O prazer foi todo meu, Gowon, muito obrigada pela carona! E se depender de mim com certeza nos veremos mais, seria uma honra conhecer sua família de quem você tanto fala! – e sou sincera quando digo isso, só ouvi historias animadas sobre uma esposa que adora cozinhar e três crianças cheias de energia. Então, ele me da um beijo na mão e volta para o jipe, acenando enquanto se afasta.
– Vamos, hora de conhecer seus aposentos reais! – brinca James, pegando minha mala e sem muita opção, eu apenas sigo-o, e sinto um frio na barriga de ansiedade.
A recepção é decorada em tons de branco e dourado, com um balcão grande de madeira escura, exibindo atrás dele dois recepcionistas vestidos em uniformes azuis, e que ao nos verem entrando abrem largos sorrisos e dão saudações animadas a James, como se fossem velhos amigos. Por alguns minutos, os três trocam graças e comprimentos esquecendo-se de mim, o que me permite olhar o lugar com mais

atenção, e reparo nas poltronas espalhadas pelo saguão, com apenas uma delas sendo ocupada por um senhor de pele muito branca lendo um livro no que eu imagino ser alemão, e presumo que deve ser um turista. Mas não me atenho muito a isso, pois escuto meu nome e vejo que está na hora das apresentações e então ponho um sorriso no rosto e me esforço para esconder a vergonha que sinto ao conhecer pessoas novas.
– Alex, esses são Fifi e Farid, os dois cuidaram de mim enquanto fiquei hospedado aqui e agora vão cuidar de você e sei que estará em boas mãos, não é? – ele lança um olhar ameaçador ao dois, que riem e assentem.
– Não se preocupe Àyinrin, cuidaremos de você muito bem! – Fifi sorri para mim e logo me simpatizo por aqueles dois. Fifi deve ser um pouco mais velho do que eu, tem a pele escura mas não chega a ser negra, e sim mulata, seus olhos, de um castanho profundo, são sorridentes e brilham quando ele sorri de forma travessa, balançando a cabeça de forma que seu cabelo trançado com fitas vermelhas e que vão até a altura do ombro, acompanham o movimento, dando-lhe um aspecto jovial e espirituoso.
– Obrigada, acho que precisarei de alguma ajuda com meus cabelos que ficaram tao sem graça de repente! – brinco, o que me surpreende, pois não costumo me abrir assim com quem acabo de conhecer. Fifi ri alto e se oferece para trançar meus cabelos mais tarde.
– Vejo que a senhorita tem senso de humor, gosto dela, Ómiran. – agora é Farid quem fala e sua voz é rouca e seu sorriso ao contrario do branco ofuscante de Fifi, é amarelado e com dois dentes faltando, o que lhe da uma expressão engraçada quando sorri. Farid é mais velho, possui uma pele negra como carvão, enrugada e levemente áspera, seus cabelos se espelham em cachos curtos e brancos, combinando com a barba que emoldura seu rosto. Ao olhar em seus olhos, sinto uma paz e uma confiança que me fazem abrir um sorriso. – Sabe o que significa Ómiran?
– Gigante – digo, orgulhosa por ter me lembrado. – James me contou que é assim que o chamam aqui e eu achei muito apropriado! – Fifi abre a boca para falar alguma coisa, mas nesse momento outra voz nos interrompe, vindo das minhas costas.
– Concordo com você, assim como achei que Àyinrin, que significa “azul”, lhe caiu muito bem, Alex. – E então eu desmorono, com o simples som daquela voz que preencheu tantas lembranças minhas, que me fez parar de chorar e me aconselhou infinitas vezes. Viro-me e mergulho num abraço cheio de saudade e carinho, sinto o cheiro tão familiar de laranja e cravo, a maciez de sua pele e sei que estou manchando de lagrimas a sua roupa, mas não consigo parar.
– Minha menininha, não precisa chorar, eu estou aqui! – e quantas vezes eu já ouvi essa frase já não sei, mas foi dita em todas as vezes em que me machuquei, que tive um coração partido, uma briga de irmãs ou um dia difícil. Aos pouco vou me acalmando e tomo ciência de estar sendo observada, o que me deixa extremamente constrangida, e sinto minha pele ficar vermelha e quente. Afundo mais uma vez a cabeça no refugio dos braços de Lucia, inalando seu perfume e então tomo coragem e me afasto de seu abraço. Não ouso olhar para os lados, foco apenas na encantadora senhora na minha frente, com seus olhos cor de mel e a pele morena contrastando com seus longos cabelos brancos e lábios vermelhos. Lúcia sorri para mim, e seus olhos marejados dizem que não fui a única a se deixar levar pelas emoções e isso me conforta, pois nunca conheci mulher mais forte do que essa, e se ela pode chorar eu também posso.
– Bom, agora que não há mais lágrimas, que tal você me contar como foi a viagem enquanto mostro a você seu quarto, querida. – faço que sim com a cabeça, sorrindo como criança e sigo na direção em que ela aponta, James se junta a nós, dando um beijo no topo da cabeça da esposa, que lhe acaricia as costas com carinho. Arrisco um olhar para trás e encontro dois pares de olhos me encarando, um com gentileza e o outro travesso, mas ambos sorrindo, de forma que dou de ombros como quem diz “desculpa, não consegui evitar agir como um bebê” e abro um sorriso envergonhado antes de entrar no elevador que acaba de chegar.
Subimos em silencio até o terceiro e último andar, e saímos em um corredor estreito e acarpetado, com paredes brancas e luminárias de madeira, que destoam um pouco com a decoração do carpete. Paro de andar, acompanhando o movimento dos dois e vejo que chegamos ao meu novo quarto, número 303, dia do meu aniversario, 3 de março, o que me faz sorrir de tão clichê.
– Nós ficamos hospedados nesse quarto enquanto estivemos aqui, e desde que decidimos prolongar nossa estadia na Africa, passamos a fazer essa pequena brincadeira, reservando sempre esse mesmo numero de quarto em todos os hotéis, para nos sentirmos mais próximos e também por saber que você acharia clichê, o que nos fazia rir. – é como se Lúcia tivesse lido minha mente, o que me faz sorrir.
– Sim, eu achei clichê, mas como estou morrendo de saudades tenho que admitir que achei muito fofo! – e sou sincera ao dizer isso. Os dois riem e então James abre a porta do quarto dando passagem para nós duas, com um sorriso que diz: primeiro as damas.
O quarto era pequeno, mas as paredes em tom de amarelo, com quadros enfeitando-as com paisagens africanas diversas, e os móveis de madeira escura, combinam e dão um ar aconchegante ao lugar. A cama é maior do que a do hotel em Lagos, com lençóis creme e uma colcha branca com pequenas margaridas bordadas, o que imagino ser coisa de Lúcia e não da pousada. Era tudo muito fofo e alguns pequenos detalhes davam ao quarto um ar mais intimo e pessoal, como as margaridas da colcha, os porta-retratos com diversas fotos pessoais e um potinho de vidro na cabeceira da cama com balas de hortelã.
– E então, o que achou? – a expectativa era nítida na voz de James,
– Eu simplesmente amei, está tudo perfeito e a minha cara. – eu estava até emocionada com tanto trabalho para me fazer sentir em casa – Obrigada pelas margaridas e as balas de hortelã!
– Eu te disse que ela repararia nas margaridas! – Lúcia dá pequenos pulinhos de alegria enquanto sorri para mim, com um olhar de “eu nunca me esqueço que você ama margaridas” e eu retribuo com um olhar de agradecimento.
– Bom meninas, acho que a senhorita Alex aqui está precisando de um tempo a sos com o novo quarto e um segundo para descansar da viagem. – James pega a mão da esposa e vai em direção à porta. – Passamos aqui em duas horas para te levar para almoçar, pode ser?
– Você mal chegou e ele já esta me levando embora! – Lucia faz biquinho, numa falsa indignação, o que faz com que riamos.
– Estarei de volta em pouco tempo, Lu, e ai contarei sobre o que quiser saber, prometo. – dou então um beijo nos dois enquanto acompanho-os até a porta. – Até mais tarde.


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