Um chamado da Africa escrita por Bia_C_H_


Capítulo 2
Capítulo 2




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– Bom, hora de falarmos em coisa séria. – já havíamos terminado nosso jantar e pago a conta, a qual ele se recusou a dividir comigo. Agora estamos indo para um pequeno lounge na parte de trás do restaurante, onde há enormes poltronas espalhadas, em que nos sentamos, no meio de vasos que abrigam diversas espécies de plantas, tornando o ambiente fresco e agradável. – Primeiro vou contar a história toda desde que cheguei aqui, o que automaticamente lhe responderá o porquê de meu peso e a cor da minha pele. – seus olhos escurecem e o sorriso já não esta mais ali, e percebo que as coisas são sérias e está na hora de falar sobre o que me trouxe até aqui.
Então James começa a me contar sobre sua viagem. Ele havia decidido vir para África a um ano atrás acompanhado de Lúcia, em uma viagem de férias para conhecer alguns lugares turísticos pelo continente. A intenção era que a viagem durasse um mês ou dois no máximo, entretanto as coisas começaram a mudar quando no meio de um dos passeios os dois conheceram uma tribo de nativos que ficava próxima ao local aonde haviam acampado com o guia deles, e fizeram amizade com a população. Os dias foram passando, eles seguiram viagem mas a partir dai uma nova ideia começava a surgir para os dois. Depois de completarem o roteiro original, James e Lucia decidiram explorar algumas tribos pela África, estudando sobre a cultura tão diversificada deles e tentando entender como aquelas pessoas viviam em meio a um mundo repleto de religiões, línguas e interesses distintos. Após mais dois meses viajando, estudando e vivenciando muitos conflitos civis, eles finalmente chegaram a Ibadan, uma cidade localizada no sudoeste da Nigéria e se encantaram com o local que era até recentemente a maior cidade nativa da África. A dualidade entre uma vida tranquila, mas ao mesmo tempo moderna, sendo a capital e o principal centro comercial do Estado de Oyo, fez com que o casal estendesse sua estadia por lá, a fim de conhecer melhor seus habitantes e o modo de viver deles. Um dia, enquanto se aventuravam pela floresta que margeia a cidade se depararam com uma pequena tribo que ali vivia, isolada de tudo o que se encontrava “pra la das árvores”. Fizeram amizade então com aquele povo nativo e decidiram se fixar por lá, ele como professor de inglês, ela como curandeira.
– Mas se eles eram nativos e tão acuados, como vocês conseguiram fazer contato com eles? – perguntei, tentando imaginar a situação e interrompendo pela primeira vez a história.
– Ah, isso não foi nada fácil e levou semanas até que começassem a nos aceitar por lá.- a lembrança fez James sorrir e eu pensei mais uma vez em como era apaixonada por esse sorriso. – Bom, na primeira vez que nos deparamos com eles, achamos que havia sido coincidência apenas e recebemos olhares desconfiados da população, o que fez com que não ficássemos muito tempo por ali, apenas o suficiente para uma apresentação ou outra que o nosso guia insistiu em fazer. Aquela situação deixou Lucia desconfortável e ela me pediu que voltássemos para nossa pousada e foi o que fizemos, e decidimos pesquisar um pouco mais sobre aquela tribo. Passamos a maior parte da noite assim, lendo artigos sobre a floresta, sobre a população que lá vivia e a sua relação com a cidade. O que descobrimos nos intrigou, pois dizia-se que a maior parte das tribos nativas haviam cedido aos encantos da cidade e apesar de ainda viverem na floresta faziam parte do comercio e se relacionavam com a população restante sem problemas nenhum, mas havia uma em particular que não fazia parte dessa interação, os chamados Opòlò Oju, “caras de sapo”, pois como havíamos notado em nossa visita, a maioria dos nativos, salvo algumas crianças, tinham um pequeno sapo de variadas cores pintados na bochecha. Esse grupo especifico vivia isolado da cidade e das outras tribos que viviam na floresta e não deixavam que chegassem perto de seus domínios, apenas aqueles nascidos lá é que tinha esse direito.
– Mas como vocês entraram, então? – interrompo mais uma vez, curiosa e atordoada com tanta informação ao mesmo tempo.
– Também fizemos a mesma pergunta um ao outro enquanto liamos esse trecho especifico da pesquisa e foi ai que surgiu a primeira pista e forma de contato com esse povo, o nosso guia, Akin.
James contou então como falaram com Akin sobre o que pesquisaram e como ficou estampado em sua face que ele sabia muito mais sobre o assunto e que estava tramando algo. Foi então que o guia contou a eles que nascera e crescera naquela tribo, mas quando chegou a hora de receber a sua tatuagem, ele optara por sair da floresta e conhecer o mundo que ela escondia com tanto afinco. Essa era uma opção a todos oferecida, e aqueles que partissem seriam sempre bem vindos de volta quando sentissem falta de casa, e Akin, como era muito apegado a terra apesar de sua curiosidade, não foi muito longe. Morava na parte “civilizada” de Ibadan, mas visitava pelo menos uma vez na semana a floresta e seus familiares. Entao por que levara os dois ate la? Foi isso o que o casal perguntou a ele e a resposta foi bem simples, o menino havia observado a curiosidade genuína e o respeito que tinham pelo povo africano e queria que os dois tivessem a oportunidade de conhecer aqueles que por ali eram os mais antigos e tradicionais moradores.
– E foi assim que começamos aos poucos a frequentar a floresta. – finalizou James. – Akin nos levava la uma ou duas vezes na semana, nos outros dias nos ensinava mais e mais o idioma nativo deles, o Yorubá , pois apesar de muitos falarem o inglês na região, os Opòlò Oju desconhecem a língua por completo, mantendo firmes suas raízes. Apenas os àsika, andarilhos, que um dia optaram por conhecer o “mundo” é que falam o idioma oficial. Não foi uma afinidade imediata, começamos conversando com o chefe da tribo, o Patakí, e depois que este se consultou com os orixás é que finalmente nos deixou frequentar a tribo. Em seguida fizemos contato com os àsika que eram mais acostumados com estranhos, e a partir dai fomos interagindo e ganhando confiança, até que hoje, sete meses depois, conseguimos manter uma ótima convivência com eles, sendo aceitos por todos. – James finaliza a historia e me encara com expectativa.
– Uau – diante de uma historia daquelas, essa é a única coisa que me vem a cabeça, tento organizar tudo e então formulo uma nova tentativa. – Então, esse tempo todo que recebi apenas noticias evasivas foi porque vocês dois estavam perdidos em uma aventura pela Africa em busca de uma nova familia.. Bem isso é ótimo! - nem tento disfarçar a mágoa em minha voz, mágoa essa gerada por meses de e-mails sem emoção ou noticia alguma além de algumas linhas falando sobre nada realmente, me deixando triste e preocupada. Vejo James se encolher com minhas palavras e quase me arrependo do que disse, mas apesar de saber que estou sendo criança e fazendo birra, no momento não me importo tanto.
– Desculpa, querida. – sua voz sai baixa. – Quando começamos a nos encontrar com a tribo, o Patakí impôs apenas uma condição, não contar sobre a tribo e o que aprendêssemos la à ninguém, nem mesmo um mero detalhe. Achei um preço justo a pagar, não tinha noção do quanto seria difícil pra você e ate mesmo para nós, eu escrevia e-mails pra você com menos frequência para evitar mentir, e dava noticias superficiais para que ao menos soubesse que estávamos bem. Me desculpa, Alex, não havia escolha. – Sua voz estava tão cheia de arrependimento e sinceridade que eu não também não tive escolha além de perdoa-lo.
– Tudo bem, eu entendo seu lado, está desculpado. – sorrio para quebrar aquele clima pesado e me esforço para parecer mais animada quando falo novamente. – Mas se não podia me contar nada sobre eles, porque mês passado recebo um email me convidando para ir a Africa encontrar vocês?
Com isso o sorriso volta aos lábios e aos olhos de James, e sinto mais tranquila por ver que o assunto passado fora deixado para trás.
– Bom, isso teve a ver, mais uma vez, com Akin. – franzo a sobrancelha ainda não entendendo como o guia entrava nessa parte da historia. – Eu estava conversando sobre minha antiga vida com alguns nativos, falando como fui parar no Brasil e como me casei, e quando cheguei na parte em que te conheci e contei como nos tornamos tão próximos, Akin se aproximou da roda e ouviu tudo atentamente, me fazendo milhares de perguntas sobre você. Então, alguns dias depois, ele veio me dizer que eu estava convidada a fazer parte daquela jornada, que seria muito bem-vinda na tribo, e como nós sentíamos tanto a sua falta, não houve nem o que ponderar, na mesma noite lhe enviei o convite e não imagina a minha felicidade e a de Lucia quando você aceitou!
– Impossível recusar! Eu estava morrendo de saudades e o convite veio na hora certa.
– Bom então pronto, aqui estamos! Agora, acho que já deu pra entender mais ou menos aonde estamos indo, e que não será uma experiência 5 estrelas, não haverá jantares como o de hoje mais cedo e nem colchoes de pena. – faço cara de emburrada com aquele comentário desnecessário.
– Eu não acredito nisso, você me passando um sermão desses! – ele ri, mas percebo que aquilo tudo é verdade e que será algo novo para mim.
– Achei melhor lembra-la enquanto ainda há tempo para desistir. – eu me preparo para responder, mas ele logo me corta. – Não estou brincando, Alexia, aquele lugar é lindo e repleto de coisas boas, mas a vida la não é como a que você costumava levar no Rio de Janeiro. Nós dormimos em redes, comemos apenas o que a natureza oferece e temos que trabalhar como qualquer outro ali na tribo, por isso quero que tenha certeza de que quer mesmo ir comigo. Não há nada de errado em desistir, mas há muito erro em continuar só para me agradar. – eu entendo o que ele quer dizer, mas já pensei em tudo aquilo e muito, desde o dia que recebi o inesperado convite.
– Eu já me decidi, James, e estou preparada para assumir essa decisão.

Quando chego no hotel de paredes descascadas, estou novamente exausta, como se aquelas horas de sono depois do voo não tivessem sido suficientes. Assim, não demoro a me trocar e me aprontar para dormir, de modo que logo me encontro deitada na cama com o pensamento em uma terra ali perto, cheia de mistérios e novidades, desafios pessoais e uma busca desesperada para encontrar a mim mesma e o meu propósito no mundo. Sinto um frio na barriga ao pensar nisso, e me desespero, tomada por um vontade de desistir e de chorar. “ O que estou fazendo aqui ? “ penso em um ato de desespero. Mas não tenho tempo para pensar muito nisso porque logo o meu celular toca novamente e é minha irmã quem esta ligando, e é como se ela soubesse e sentisse o quanto preciso dela nesse momento.
– Alexia? – Mila, é a única que pode me chamar assim sem que eu ache que ela está brava comigo, o resto das pessoas sempre me chamam de Alex e só usam meu nome completo quando a coisa fica séria.
– Oi Mi – e ai não consigo mais segurar, caio no choro no telefone mesmo, invadida por uma saudade enorme de casa, da minha irmã e dos meus amigos. Sei que assim vou deixa-la preocupada, sei que ela odeia quando choram na frente dela, pois não sabe o que fazer e sei também que fui eu quem escolheu viajar, mas ainda sim não consigo refrear aquela torrente de sentimentos em forma de lagrimas e soluços. Fico um tempo chorando, enquanto Mila apenas me ouve e sussurra que vai ficar tudo bem, como um mantra e tenho certeza que quando me diz isso esta dizendo também a ela mesma. Finalmente paro de chorar e então podemos conversar e conto a ela sobre a viagem, o ar condicionado, o taxista mau e o bonzinho, a recepcionista que não parava de falar e o maravilhoso jantar com James, que agora está muito magro e bronzeado. Ela escuta tudo com atenção e faz comentários quando acha necessário, perguntando se o taxista bonzinho era gato, ou se James e Lúcia estavam bem, e quando chega sua vez de me contar as novidades, ela fala sobre como Katie estava linda hoje em seu primeiro dia de aula e que me mandaria fotos depois, pois Felipe tirou milhões delas, como se a filha fosse uma famosa na estreia de uma novela. Sinto-me triste por perder esse dia tão importante para minha sobrinha, mas é reconfortante ouvir noticias de casa e faz com que me sinta mais pertinho de todos por lá. Quando desligo o telefone já me sinto mais confiante e menos arrependida de ter optado por aquela viagem, estou pronta para ela e para o que tiver que enfrentar. Alguns minutos mais tarde, recebo as fotos que Mila havia prometido e me derreto ao ver Katherina com seu primeiro uniforme e uma mochilinha cor de rosa da Barbie nas costas, sorrindo de expectativa e irradiando energia como só uma criança de 2 anos sabe fazer. Em algumas fotos Felipe aparece ao lado da filha, e percebo o quanto ele esta orgulhoso. Ele e minha irmã se casaram a três anos atrás e foi uma surpresa para todos, pois Mila nunca fora muito romântica e dizia que não queria se casar, mas parece que quando aquele médico, com seus olhos verdes e cachinhos, cheio de amor para dar, apareceu na vida dela não teve chance para menina durona que ela dizia ser, e ela se rendeu ao amor. Fiquei muito feliz pelos dois, ele era um cara legal, e hoje formam uma família linda junto da pequena Katie.
Depois da sessão de lagrimas, novidades e fotos sinto-me melhor e pronta para dormir, então após colocar despertador, fecho os olhos e deixo que o sono me leve para um mundo de sonhos e balas de hortelã.



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