Um chamado da Africa escrita por Bia_C_H_


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Bom, sejam bem-vindos à minha primeira fic original. Ela surgiu de uma curiosidade minha por culturas diferentes e entao decidi explorar um pouco a africana. Nem as informaçoes sobre a Africa, a Nigeria ou Ibadan são verídicas, então se alguem por acaso ja foi a algum lugar descrito no decorrer da historia, peço licença para abusar da licença poetica e rogo que abra sua mente para novas perspectivas. Enfim, vou deixar que tirem suas proprias opinioes sobre a historia, espero que gostem.



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Acabo de completar quase 24 horas de viagem contando minha escala em Dubai, me encontro a milhares de quilômetros de casa, uma distancia enorme, mas não me assusto com isso, os cansaços físico e mental não me permitem pensar em nada além de encontrar minhas malas e pegar um táxi ate o hotel. Estava frio no avião, como sempre acontece, o ar condicionado ligado a uma temperatura absurda fazendo os passageiros congelarem, tentando se abrigar ao máximo nas pequenas mantas distribuídas pelas comissárias de bordo. Entretanto, assim que desembarco posso sentir o calor atravessando as paredes de vidro do aeroporto, em ondas que irradiam do sol que queima la fora, brilhando solitário num céu azul despido de nuvens.
Não haviam muitos passageiros no vôo comigo, acredito que poucas são as pessoas que querem sair do calor do Rio de Janeiro para virem enfrentar um maior ainda na África, mais especificamente na Nigéria, na cidade de Lagos. Assim consigo encontrar minhas malas com facilidade e logo já estou a caminho do hotel, e feliz pelo ar que gela o ambiente e impede que o calor da cidade chegue até nós, não paro para pensar que menos de uma hora atrás estava reclamando de frio e amaldiçoando o que agora me traz tamanho alívio.
– Para onde, moça? – o inglês do taxista é carregado de um sotaque forte, mas não reconheço de onde. Falo para ele o endereço do hotel e encosto a cabeça na janela, na esperança de fazer com que meu cérebro cansado absorva parte da paisagem ao meu redor. Assim que saímos do complexo do aeroporto meus olhos disparam tentando acompanhar cada detalhe daquela confusão de carros, pessoas, lojas e bicicletas, tudo cheio de cor, barulho e cheiros que penetram pelo carro e me envolvem numa torrente de sensações.
São milhares de pessoas andando entre calçadas e no meio da rua, brigando por espaço entre os carros como se eles é que estivessem no lugar errado, o que gera congestionamento e faz soar buzinas irritadas na tentativa de fazer avançar o trafego. É uma confusão só, as ruas são cercadas por barracas que vendem todos os tipos de coisas, como comidas que vão de frutas frescas à uma espécie de avê depenada sendo cozida em espetos, espalhando cheiros pela cidade, também se vêm eletrônicos usados, sapatarias e principalmente lojas de roupas, tudo isso acompanhado de vendedores gritando suas ofertas em vários idiomas, puxando as pessoas para olharem suas mercadorias.
Logo me sinto perdida nessa confusão, além de chocada e sufocada por todo o tipo de poluição. Como as pessoas conseguem viver assim? Ao analisar suas expressões parecem tão normal, algo corriqueiro como se ao invés de estarem lutando por espaço e envoltos numa bagunça sem fim, estivessem apenas caminhando num espaço amplo e organizado. Mas aquilo é o dia a dia deles, foram criados assim e aprenderam a se organizarem em meio ao caos e a pobreza, é só olhar para as centenas de crianças, com suas barrigas inchadas expostas sobre as roupas surradas, para confirmar isso. Fecho os olhos por um segundo para digerir tanta informação, mas estou tão cansada que logo sinto minha mente se desligando e caio num sono pesado, esquecendo-me de tudo e de todos.
Acordo com um solavanco provocado por uma freada nada sutil do motorista, e encontro seus olhos pelo retrovisor, impacientes e inquisidores. Por quanto tempo dormi, onde estamos? Olho, então, para a janela, avistando um hotelzinho pequeno com paredes amarelas descascando e vejo que chegamos ao meu destino, e que o olhar inquisidor significa que já está na hora de pagar e sair do táxi para que ele possa continuar o dia. Então, para evitar maiores olhadelas, faço como o desejado, saindo do com um “tchau, tenha um bom dia”, recebido apenas por um aceno de cabeça rápido, seguido de uma partida, me deixando sozinha novamente. Olho ao redor, para a rua empoeirada que se estende pelo quarteirão, e me vejo cercada de sobrados e pequenos prédios, todos de aparência envelhecida, com tintas desbotadas e roupas penduradas nas janelas, para secar ao sol que agora se encontra na companhia de uma única nuvem. É um bairro modesto, não há miséria evidente, porém está longe de haver riqueza. Viro-me então para o saguão do pequeno hotel e indo a recepção, aonde uma jovem de pele muito negra e grandes olhos castanhos me atende com um sorriso surpreendentemente branco. Ela parece feliz em poder finalmente atender alguém e logo começa a conversar comigo, num inglês fluente, nada comparado ao do taxista, disparando perguntas sobre como foi a viagem, se gostei da cidade, e como meus olhos são lindos e diferentes. Respondo gentilmente a tudo aquilo, já acostumada com o comentário sobre os olhos, de um azul escuro herdados de minha mãe. Então, da maneira mais educada possível pergunto sobre minha reservar e ela finalmente parece lembrar de que sou uma hospede e preciso de um quarto. Não queria se grossa nem nada, afinal depois da grosseria e silencio vindos do taxista, uma conversa animada e uma recepção calorosas eram mais do que bem vindas, mas eu estava morta de sono e precisando urgente de um banho para tirar a sujeira e o suor do corpo. Nmachi, como estava escrito em seu crachá, rapidamente conferiu minha reserva e logo já estava me acompanhando ate meu quarto, ainda falando animadamente e me informando sobre a agua do hotel, que era gelada mas poderia solicitar que a recepção ligasse o aquecedor quando eu precisasse, sobre o serviço de quarto que funcionava apenas de 8:00 as 21:00 e era pago e mais algumas outras informações que mal eram processadas por mim.
Depois de um elevador, um pequeno corredor e uma virada a direita finalmente chegamos ao quarto, e Nmachi me deixa a sós. Meu primeiro pensamento é que está muito abafado e ligo o ventilador de teto aparentemente novo, em seguida sinto o cheiro de lavanda que parece rodear o quarto, mas nada enjoativo, na verdade sorrio com isso, pois me lembra o perfume de minha avó. Começo então a fazer uma pequena exploração, notando as paredes azuis com um papel de parede de jasmins brancas minúsculas, o abajur de madeira do mesmo tipo que é feito a cômoda com quatro gavetas grandes que se encontra ao lado oposta da cama. Essa por sua vez é um pouco maior que uma cama de solteiro e está arrumada com lençóis brancos e travesseiros com fronhas azuis escuras. Logo sinto uma simpatia pelo lugar, sua aparência provoca uma sensação de limpeza e suavidade que de cara já me fazem relaxar, e me arrasto para o banheiro pequeno, mas limpo a fim de tomar logo meu banho e poder me deitar e deixar o sono me tomar por algumas horas. A água do chuveiro está gelada mas é tudo o que preciso agora, levando embora a poeira e o cheiro de avião dos meus cabelos e da minha pele. Me enxugo, boto uma camisola leve e me deito sobre os lençóis sem nem notar a leve aspereza do tecido, ou a espessura dos travesseiros, ciente apenas do barulho do ventilador que começa a me embalar e põe em sono profundo em poucos segundos.
Não sei por quanto tempo dormi até que o toque do celular me desperta, me obrigando a levantar da cama. Olho para o relógio e vejo que já são cinco da tarde o que significa que dormi por umas quatro horas, o que me lembra do quanto estou faminta. O celular para de tocar antes que eu consiga atende-lo, mas ao olhar para o número no visor, já sei que se trata de James, e imediatamente ligo de volta.
– Alô. - a voz grossa e levemente rouca dele é reconfortante e me faz sorrir.
– Não me diga que me acordou por nada ! Estava sonhando tranquilamente com mil balas de menta caindo do céu - escuto uma risada do outro lado. Sou viciada por balas de menta desde que James me apresentou a elas quando eu era mais nova e desde então sempre traz algumas pra mim quando me vê. - Oi James.
– Me perdoe querida, não quis tirá-la de um sonho tão mágico, mas acredito que deva estar com fome se estava tendo um sonho desses. - ele me conhece perfeitamente - Podemos nos encontrar para jantar?
– Acho que meu estômago já respondeu por você! - digo ao ouvir meu estômago roncar ao som da palavra "jantar". - Me fala o endereço que fico pronta em uma hora.
Conversamos mais um pouco e eu anoto o endereço, até que ele se despede e eu olho desanimada pra minha mala enorme pensando no que vestir. James havia me falado que o restaurante era na parte nobre da cidade então opto por um vestido mais arrumado e prendo meu cabelo em um coque soltinho, pois está muito quente para deixá-los soltos. Como havia dito, em uma hora eu estava no taxi, devidamente maquiada, vestida e cheirosa. Havia mais de um ano que eu não o via e queria estar linda, afinal ele significa muito para mim e quero mostrar-lhe que eu cresci e estou bem. O taxista da vez é um jovem negro e muito simpático, e conversamos o caminho todo, enquanto o cenário empoeirado e modesto que conheci vai aos poucos se tornando luxuoso, limpo e iluminado. Zaire nota meu olhar curioso e espantando e me explica que aqui em Lagos, assim como na maior parte da Nigéria, as cidades apresentam uma enorme diferença social que vai da miséria absoluta até a mais milionária riqueza. Penso então no Brasil e em como isso acontece na maior parte do mundo, apesar de ser mais acentuada aqui.
Meia hora depois estamos estacionando na frente de um luxuoso hotel, com luzes por toda a parte e gente entrando e saindo em carros importados. Agradeço a Zaine pela conversa e digo para que fique com o troco pelos serviços de guia. Ele ri e diz que foi um prazer, mas aceita o dinheiro e me deseja uma boa noite. Então, mais uma vez estou na porta de um hotel olhando um taxi partir, só que dessa vez o taxista era gentil e o hotel não tem a tinta das paredes descascando e sim vidros lustrosos e paredes brancas como a neve. Assim que entro na recepção, sinto alguém abraçar-me por traz e tapar meus olhos com mãos grossas e calejadas. Sorrio e sinto o cheiro característico do perfume dele, e sei exatamente a quem pertence àquela abordagem tão usada nas inúmeras visitas.
– James !
– Alex, minha menina. - ele me solta e me envolve em um enorme abraço de urso, e meu peito se enche de saudades e meus olhos de lágrimas. Então o abraço se afrouxa e me afasto para encarar um par de olhos pretos como a noite, uma pele bronzeada e cabelos grisalhos, mas ainda espessos e despenteados do jeito que me lembro nas minhas mais antigas memórias .
– Senti tanto a sua falta! Como você está? Parece mais magro e mais bronzeado também! Por que demorou tanto pra me ligar hoje? - disparo a falar impulsionada pela empolgação de finalmente estar ali e pela ânsia de saber tudo o que aconteceu enquanto eu estava longe.
– Hey mocinha, vamos com calma, uma coisa de cada vez. E não chore, vai estragar essa linda maquiagem. - sua voz se abranda ao dizer isso e ele enxuga uma lágrima fugitiva que escorre em minha bochecha. - Venha, vamos encontrar nossos lugares.
Em um idioma desconhecido pra mim, James conversa com um garçom provavelmente explicando que tínhamos reserva e logo estamos a caminho de uma mesa para dois, muito charmosa. O garçom puxa a cadeira e me sento sorrindo timidamente em agradecimento.
– Bom, agora que já estamos sentados, falta só mais uma coisa antes de começarmos a colocar a conversa em dia. O pedido! - eu rio daquilo, ele sempre faz tudo como quer e não tem como discutir, disso eu sabia bem, então deixo que ele escolha os pratos e as bebidas.
– Já tenho autorização para falar capitão? - utilizo um velho apelido que lhe dei quando tinha cinco anos e que faz com que ele abra um pequeno sorriso.
– Autorização concedida, soldado.
– Que bom que ligou, passei o voo todo esperando para te encontrar. - mal consigo esconder a agitação em minha voz. - Chegou hoje na cidade?
– Também estava com saudades - diz ele com uma risada rouca que me lembra a do papai noel. - Cheguei sim, a apenas algumas horas. Liguei para saber de você assim que me convenci que você já tinha tido tempo suficiente para se recuperar da viagem. E por falar nisso, como foi? Deu tudo certo?
– Apesar de quase congelar durante os voos e de ter passado algumas horas perdida no aeroporto em Dubai, ocorreu tudo bem. - Eu havia ficado meio perdida quando desembarquei para fazer escala, o aeroporto era enorme e eu não conseguia achar informações sobre meu voo até que depois de muito tentar evitar falar com alguém, tive que pedir ajuda a um segurança que me mostrou o caminho para o portão de embarque.
– Bem a sua cara mesmo! Imagino seu desespero ao ter que pedir ajuda. - com isso ele faz uma imitação exagerada de mim e nós rimos. Bem na hora chega o nosso jantar, numa rapidez incrível!
James era como um pai pra mim, alguém com quem eu pude contar a vida inteira. Ele fora meu primeiro professor de inglês, eu tinha apenas cinco anos e minha mãe me colocara no curso por recomendação de uma amiga, que dizia que era essencial ensinar as crianças logo cedo porque tínhamos maior facilidade em aprender. Então lá estava eu, com minhas chiquinas no cabelo, óculos cor de rosa e minha mochila da Barbie, olhando para um monte de crianças barulhentas correrem pela sala enquanto o professor não chegava. Lembro como se fosse ontem de quando ele chegou, se abaixando para não bater a cabeça na porta e segurando uma maleta preta surrada. Na época seus cabelos eram castanhos bem claros e sua pele branca como leite, destacando os grandes olhos pretos. Mas o que mais me chamou a atenção não foram os quase dois metros de altura e sim o seu sorriso que se espalhou pela face assim que avistou aquele monte de crianças bagunçando sua sala, foi um sorriso tão gentil, refletido naquele olhar doce e cheio de expectativas também. Em alguns minutos ele colocara a turma sentada e em mais alguns já tinha conquistado a todos. Eu era uma criança muito tímida e não gostava de falar em público, mas James fora paciente comigo e se tornou meu amigo, de modo que mesmo quando passei de turma no final do ano, continuei visitando sua sala para conversar e treinar meu inglês que começava a se tornar minha paixão. Ele era tão mais velho, tinha mais idade que meus pais, mas ainda sim me ouvia e me tratava como igual, nunca rindo de mim ou me menosprezando por ser tão criança. Assim os anos passaram, ele se tornou meu professor particular e também um amigo da família e desde então nunca mais paramos de nos falar.
James viera da Inglaterra para o Brasil quando tinha 20 anos, a fim de aprender um pouco sobre nossa cultura, mas se apaixonou pelo país e por Lúcia, e decidiu ficar de vez, casando-se e tornando-se professor de inglês. Nunca tiveram filhos, pois ele era estéril, por isso acredito que viu em mim alguém para quem passar seus conhecimentos e contar as histórias que um dia sonhara contar a seus próprios filhos. Sou eternamente grata por ter sido escolhido por ele e pela mulher, que me trataram tão bem e com tanto carinho.


– Bom, hora de falarmos em coisa séria. - a voz James baixa um tom e seus olhos fixam no meu.



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