Azul escrita por sunshine, Lanny, Olhos de Ressaca


Capítulo 2
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

" Amor

Amemos! quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu'alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu!
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d'esperança!
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minh'alma, meu coração...
Que noite! que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento,
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor!"

— Álvares de Azevedo.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/611537/chapter/2

Inglaterra, Losterwood, 1726

– Você está lindo, querido. – Sua mãe lhe assegurou.

Ajeitando a gravata borboleta pela trigésima vez, ele não se convencia. Seu ato foi interrompido pelas mãos firmes, mas delicadas de sua mãe.

– Não se preocupe, ela vai achar-te um encanto.

Ele a encarou. Como ela era bela. Seus cabelos longos e castanhos, traços marcados, mas uma beleza tão suave. Era a mulher mais formosa do reino, de certo. Sua beleza só era equiparável à de sua amada.

– Estou com medo, mamãe.

– Ora, mas essa é a parte prazerosa. – ela sorriu – Esse friozinho na barriga é que torna tudo divertido. Agora, esteja de pronto que a carruagem nos espera. – Dando-lhe um beijo na testa, sua mãe dirigiu-se até a varanda, e o garoto seguiu-a, seu pai vindo logo atrás.

O cocheiro aguardava-o com a porta da carruagem aberta.

– Lorde e Lady Patterson. – fez uma leve reverência.

Adentrou a carruagem e acomodou-se. Os pais conversavam sobre algo, mas ele não ouvia. Seus pensamentos estavam em um único lugar. Ou melhor, em uma única pessoa. Imaginava quão bela e formosa estaria. Seu estômago dava pequenos saltos ao fazê-lo. Conforme avançava o caminho, imaginava como seria a dança deles. Seria o pequeno espaço de tempo necessário para arrebatar aquele coração que tanto desejava, desde a sua infância. Poderia hoje ser o prometido, e então sua vida estaria completa. Fechou seus olhinhos e deixou-se levar por suas fantasias.

~~*~~

O salão estava cheio. Diversos rostos conhecidos pairavam por sua visão, mas ele ansiava por um específico rosto, apenas.

– Joshua. – seu pai colocou a mão firme em seu ombro – Lembre-se: você é um futuro lorde Patterson, então se comporte como tal.

Os olhos castanhos e profundos de seu pai penetraram em si, fazendo-o deixar de lado todas as tolices de amor e seguiu o roteiro. Os homens da família Patterson tinha uma reputação há gerações; eram os mais seletivos e os que casavam com as melhores damas do reino. Não seria ele quem quebraria a tradição. Acompanhou o pai até o grupo de colegas.

A conversa não era de seu agrado, e mais uma vez passou os olhos pelo salão, dessa vez procurando qualquer atrativo. Viu então o jovem Príncipe Edmund Domaschesky acenar ligeiramente com a cabeça, convidando-o para o grupo de garotos que se encontrava mais adiante. Dirigiu-se até eles então.

– Você já soube Joshua? – um sorriso brincava nos lábios do Príncipe.

– Do noivado? Sim, naturalmente.

– Mas você sabe quem é o pretendente?

– É claro que não, ninguém sabe ainda. Será anunciado momentaneamente.

Os garotos riram como se fosse uma piada interna, deixando Joshua confuso. Michael Yordlee esclareceu:

– Tem um certo Lorde Buckingham aqui, dizem que ele veio especialmente pra receber a promessa da mão de Lilian.

– E tem mais – acrescentou Lionel Trentfiel – Ele estava em Londres, estudando pra ser conselheiro.

Joshua sentiu o sangue em seu corpo parar de circular, o suor escorrendo pela palma de suas mãos. Aquilo não era verdade, não podia ser.

– Isso é um blefe – disse Joshua, tentando convencer mais a si mesmo do que os garotos.

– Bem, se não acredita, julgue a veracidade por si só. – Michael apontou na direção em que Lilian estava. E como estava linda.

Era quase impossível lembrar-se de que aquela moça, tão formosa e graciosa estava no auge de seu décimo terceiro aniversário. Estava a poucos passos de distância quando seus olhares se cruzaram. O sangue de Joshua ferveu, e ele sentiu seu corpo arder de desejo. As bochechas de Lilian coravam no mesmo ritmo, com a sua costumeira timidez. Poucos passos os separavam quando a música ambiente cessou e foi anunciado que o baile começaria.

As damas formaram fila para serem tomadas a dançar. À frente de Joshua estava Marylin, filha do Conde Badrween. A música começou três movimentos e então, o parceiro foi trocado. Katheryn Bronson reverenciava agora. Joshua levantou os olhos e ficou feliz por ver que Lilian seria a próxima.

Quando se abaixaram para reverenciar aproveitou a distração dos outros ao seu redor e questionou-a.

– E o noivado? Eles blefaram quando disseram sobre esse tal Lorde de Londres, não?

–Não, Joshua. Ele está mesmo aqui por minha causa.

– Mas ele ainda não é confirmado, certo? O escolhido ainda não está definido.

Ela suspirou e encarou o chão. Ela não parou de dançar, mas Joshua pôde percebê-la hesitante.

– Nós não podemos mais nos ver, Joshua. Eu ficarei noiva dentro de alguns minutos e todos os nossos laços deverão ser cortados.

Joshua estagnou. Era hora de trocar de par, mas suas pernas não se moveram.

– C-cortar os laços? Mas Lil, nós nos amamos.

– Joshua – ela suspirou e então ergueu a cabeça e elevou sua postura – eu irei honrar o nome e legado de minha família. Deverias fazer o mesmo.

– Com licença, senhor. – Alguém tocou-lhe o ombro - É a sua deixa e minha vez.

Atrás de si, estava parado um garoto alto, de porte magro, mas com postura impecável. Não precisava ser nenhum gênio para adivinhar. Mas antes que se manifestasse, Lilian tirou-lhe as dúvidas.

– Lorde Buckingham.

Joshua assistiu o Lorde tomar sua amada pela mão e conduzi-la para o centro do salão. Percebeu a música mudar, e então uma valsa os guiava nos passos definitivos.

Não havia mais o que fazer; agora era tarde.

Um nó se formou na boca de seu estômago, e a única coisa que desejava era fugir dali o mais rápido possível. Não deu tempo de pensar. Virou as costas e deixou o salão. Passou por multidões distraídas, viu o olhar questionador de seus amigos e sentiu o pesar acusador de seus pais.

Não importava.

Não importava que fosse noite e teria que ir por si só embora.

Não importava que fosse receber sermões de seus pais no final da noite.

Seu quarto seria seu singelo refúgio naquele momento de tão tremenda dor. Fechou-se lá e apenas esperou. Horas se passaram. Não sabia dizer quantas. Até que enfim ouviu barulhos indicando chegada. Não demorou até que ouvisse a chamada pela qual já esperava.

– Joshua. Desça imediatamente.

As orelhas de seu pai estavam vermelhas, indício básico de raiva alarmante.

– O que foi aquilo? – um momento de silêncio seguiu. Joshua não se atreveu a responder – Fraqueza! Isso que houve. Você ofendeu as damas do recinto. Desonrou o nome da família Patterson e desrespeitou nosso legado. O seu noivado poderia ter sido definido esta noite, mas você preferiu agir como um inconsequente! Quer acabar um libertino? Como... Como...

– Tio Bartholomew? – tapou a boca, mas já era tarde. O pai corava mais escarlate, a mãe soltou um suspiro de censura.

O nome proibido.

– Me desafias? – gritou o pai – Além de desacatar-me publicamente, ainda acha que tem liberdade para mencionar esse deslocado? Não mencionamos deserdados! A não ser que queira-se acabar com eles. É o que você quer garoto tolo?

– N-não – a voz falhava – Não senhor.

– Então tome jeito! Tenha compostura.

Virando-lhe as costas, o pai se retirou da sala de recepção, deixando o garoto fitando o chão, confrontado e de certo modo aterrorizado também. A mãe afaga seu rosto.

– Não pode desacatar os princípios, Joshua. Já não é mais criança, o legado de família já pesa sobre ti. – soltou um longo suspiro antes de complementar – Amanhã cedo partiremos para a Colônia. Ocorre uma crise e precisam de suporte. A criada Laqueen ficará a seu serviço.

Dando-lhe um beijo na face, despediu-se do garoto e retirou-se também do recinto. Joshua não tinha mais o que fazer, exceto retirar-se dali também.

~~*~~

Acordou com o barulho que já sabia o que significava. Olhou pela janela de seu quarto e viu o cocheiro colocar a última mala de seus pais na carruagem e então eles adentraram.

Seria assim. Sem despedidas. Não se surpreendeu, afinal, sentimentalismo não era característica da prezada família Patterson. Não que fizesse alguma diferença, já estava acostumado. Até preferia evitar o pai a ter de encarar mais uma repreensão do mesmo.

Já sabia o que faria a seguir, e não tardou a realizá-lo.

Lilian mostrou-se surpresa ao abrir a porta. E não sorriu de volta, embora Joshua se mostrasse excepcionalmente contente em vê-la.

– O que você está fazendo aqui? – ela olhava por sobre os ombros, analisando se ninguém estaria ali por algum motivo.

– Vim vê-la. E conversar. Não conseguimos fazê-lo no baile.

– Joshua, pela misericórdia de Deus! Você não pode aparecer aqui assim.

– Mas... O quê? Por que não? Sempre nos encontramos às tardes.

Lilian olhou pra trás. Ninguém havia. Agarrou então o ombro de Joshua e o levou para os fundos da casa. Claro, o Grande Carvalho os esperava. Era ali onde se encontravam desde pequeninos. Ao alcançarem o pico mais alto da pequena colina, Lilian inspirou fundo e disse de uma vez:

– Não podemos nos encontrar nunca mais.

O sorriso nos lábios de Joshua foi morrendo, ao mesmo ritmo que sentia seu sangue esvair de seu coração.

– Lil. Mas...

– Não me chame assim. É Lady Campbell. E futuramente Buckingham. Eu vou me casar, Joshua. Aceite isso.

Um soco no estômago, um tapa na cara, uma facada no peito. Nada teria sido tão doloroso quanto aquilo. Sua boca estava seca, o dia tornara-se cinza de repente e podia até jurar que o ar estava mais gélido que no mais frio dos dias.

– Está dizendo... – Tentou reunir as palavras, mas o nó em sua garganta impedia-as de saírem – Nós...

– Não. Não nos veremos nunca além de um modo social e aceitável.

Sua expressão impassível atingiu-o em cheio. Preferiu a morte. Ser submerso em água fervente; Decapitado em público; a cadeira da tortura; Qualquer coisa seria menos mortífero do que aquele golpe.

– Adeus, Sr. Patterson. – Lilian deu as costas então e desceu a colina, com uma pose impecável e inalterada.

Joshua assistia seu grande amor ir embora. A cada passo para longe que ela dava era como uma estaca sendo cravada em seu peito. Não podia acabar assim. Eles tinham planos, desde sua infância; Planos que não podiam ser destruídos assim por um simples ‘dever de família’. Não fazia sentido.

Mas no fundo, ele sabia que fazia sim.

Sabia que Lilian tinha razão. Seu pai tinha razão. Deveria honrar os compromissos de família, assim como ela estava a fazer. Mas todas aquelas expectativas criadas há tanto não podiam simplesmente aceitar serem diluídas tão imediato.

Observou Lilian chegar até a porta de sua casa e sentiu seu coração se trancar. Talvez para sempre, talvez por tempo determinado. Mas não reabriria tão brevemente se não por aquela dama tão formosa. A porta se fechou.

Ela não olhou pra trás.

~~*~~

– Sr. Patterson, é pra você. – disse Laqueen após atender a porta.

Joshua levantou-se do divã e dirigiu-se até a porta onde um homem o aguardava.

– Sr Patterson? Filho e herdeiro de Lorde Archibald Patterson e Lady Rosimary Flaire Patterson?

– Sim. – confirmou o garoto. Finalmente teria notícias dos pais. Já fazia quase uma quinzena que estavam na Colônia.

– Venho a ordens do Rei para uma mensagem impreterivelmente urgente. – Desenrolou então o pergaminho e iniciou a leitura. – Declaro, por meio desta, os registros que me foram ordenados segundo decreto do Rei Edward Domaschesky em seu encontro com o velejador Daniel P. Porton na manhã desta quarta feira. Segue abaixo a narração dos fatos:

“Estávamos velejando já há dezesseis horas ininterruptas, próximo de completar mais oito até a Colônia...”

– Passe para a parte que me interessa. – disse Joshua rudemente.

– Certo, certo – e o mensageiro continuou.

“Estávamos na madrugada e uma tempestade horrenda se formava. Não havia como fugir. Já estávamos preparados para lidar com o que viria. Ou pelo menos achamos que estávamos. O mar estava enfurecido, Deus quisera assim. Já começávamos a questionar nossos pecados, em expectativa de uma possível forma de evitar tal feito. Mas não adiantou. O mar ergueu-se contra nós. Os marinheiros a estibordo lutavam para recolher a água que invadia o navio e a despejar de volta à sua fonte. Mas a bombordo as coisas estavam relativamente péssimas. O navio tombava, dificultando o equilíbrio e comprometendo a navegação. Não precisamos lutar por muito tempo. Num só golpe, a onda do demônio apossou-se do navio, como uma mão que o estapeasse para o fundo. E assim aconteceu, o convés foi quebrado ao meio e logo o navio afundou. Nada podíamos fazer.”

Enquanto o mensageiro fazia uma pausa para recuperar o fôlego e Joshua absorver as informações, o ar no ambiente tornava-se tão denso que até mesmo Laqueen sentia-se desconfortável.

“Vi, através de meus próprios olhos o sofrimento alheio. Perdemos a tripulação. Marinheiros, trabalhadores e senhores de família. Tudo se esvaiu na imensidão azul. Fui o único sobrevivente, senhor Rei. E prezo para que todas as famílias afetadas sejam devidamente preparadas para tal feitio cruel. E com isso encerro meu relato.”

O silêncio que se seguiu foi tão longo que poderia ter durado minutos, ou até horas. Joshua não sabia bem como se sentia. Tudo aquilo que ouvira parecia tão irreal aos seus ouvidos que tornava difícil acreditar.

– Portanto, meus pais...

– Estão mortos – acrescentou o mensageiro – Meus pêsames, Sr. Patterson. O Rei pede para comunicar que tentou contato há dois dias com Bartholomew Robb Patterson, seu único relativo conhecido. Mas a localização desconhecida de Sr. Bartholomew torna as coisas incertas demais. Por isso a demora em tomar conhecimento, Sr. Patterson. Recomenda-se que fique em casa até as medidas certas serem tomadas. – recolheu o pergaminho e fez uma breve referência antes de se afastar e dizer: - Com licença.

Estava só.

Não conseguiriam contato com tio Bartholomew. Porque ele vivia em alto mar, jamais estava em um local fixo. Iria viver o resto de seus dias sozinho. Se não ali, então em algum internato em Londres ou Cambridge. Não importava onde, estaria por conta própria de qualquer jeito.

E seu coração, já dilacerado, perdera mais fragmentos do tão machucado pedaço que restava.

~~*~~

Era tarde quando seu sono fora interrompido por barulhos no parapeito de sua janela. Achou ter sido alucinação do sonho, mas logo ouviu o barulho novamente. E então um rosto um tanto familiar surgiu no vidro.

– Abra a janela, garoto.

Seu corpo não queria obedecer, mas algo familiar lhe disse que era o certo a ser feito. Com a janela aberta e o rosto próximo, reconheceu.

– Tio Bartholomew. O que está fazendo aqui?

– Vim lhe buscar. Você agora é minha responsabilidade.

– Mas não podia esperar até o amanhecer?

– Sem perguntas, garoto. Apenas venha. E em silêncio. Não podem nos ver.

O garoto o seguiu, passaram pelo bosque discretamente e chegaram então até o porto, onde um grande navio os aguardava.

– Uau.

– Eu sei. – disse o tio sorrindo orgulhoso – Ele é incrível. Mas aprecie de dentro. Vamos.

E então o garoto entendeu porque não poderiam esperar até o amanhecer. Olhou mais atentamente as roupas do tio ao seu lado, agora com o sono totalmente escasso e notou: Estava ao lado de um pirata; em frente a um legítimo barco pirata.

A bordo do navio, recebeu algumas saudações e logo desancoraram. Debruçado com o tio na proa do navio, esclarecidas suas dúvidas começaram a ser.

– Bem, a pirataria é minha ambição desde os doze anos. Ao completar meus dezoito, decidi seguir aquilo que sempre desejei. Lógico que a família Patterson não aprovou. Afinal, pirataria é crime – soltou uma risada debochada antes de continuar – Mas sabe quando você sente que nasceu pra algo? Então... Além do mais, o Barba Negra e toda a tripulação do Caveira Azul me acolheram muito bem. É a minha família agora.

Um período de silêncio seguiu. Então o tio continuou:

– Sinto muito por seus pais, garoto. Mas esteja certo de que estarei aqui com você sempre. Você aprenderá as peripécias da pirataria e se tornará um de nós.

– Sinto-me grato, tio Bartholomew. – O garoto sorriu sincero - Já me sinto parte da tripulação.

– E, bem... Pra isso funcionar, meu nome é Bart. Nome de pirata. Podemos arranjar um pra você com o tempo. – abraçou o menino fortemente, como se pra matar a saudade de todo o tempo que passara afastado. – Você vai ser orientado por um descendente direto de nosso Capitão.

O tio saiu então, deixando-o sozinho a observar a paisagem. Por longo tempo admirou a cidade onde crescera ser deixada pra trás. Foi então que sentiu a realidade atingir-lhe.

Sua vida estava transtornada. Nunca mais veria seus pais. Nunca mais veria Lilian. Teria de lidar com a dor inevitável que o assombraria todas as noites. Tinha o tio agora, mas perdera seu amor, sua família e mesmo sua identidade. Tudo teria que se fazer novo. Não podendo conter mais, algumas lágrimas escaparam, lhe molhando a face.

– Não as permita sair. – disse firme uma vozinha feminina. Joshua virou e deparou-se com uma garota com aproximadamente sua idade, que obviamente fora criada com piratas desde bem pequena.

– Não posso controlá-las. Estão guardadas há muito e gritam por sair.

– Então as sufoque até que parem de gritar.

– Eu estou sofrendo, sabia. Perdi meus pais, perdi a garota que eu amava e perdi minha identidade.

– Ah, sinto-me comovida por compaixão... – fingiu um sofrimento claramente sarcástico – Tolice! Isso não te torna mais especial que ninguém. Todos aqui temos dores, e sabemos domá-las. Portanto, sua primeira lição é aprender a controlar as suas. Faça delas motivação, combustível para a vida. Porque a vida é uma tirana insensível, ela não terá piedade de você. – ela apontou a espada para a garganta de Joshua – e nem nós. Então não vacile.

O garoto olhos nos olhos que o encaravam desafiadores. Olhos esmeraldas, de um tom que brincava entre azul mar e verde grama. Olhos que ardiam como o mais selvagem fogo, e cortavam como a mais afinada das lâminas. Mesmo sem conhecê-la, Joshua não se atreveria a contrariar aquela garota. Porque seu olhar, postura, comportamento, cada célula de seu corpo exalavam uma força que ele não ousaria desafiar. Uma força insuperável, acompanhada por experiência, sabedoria e domínio.

– Quem é você? – O garoto enfim questionou já não aguentando mais sustentar aquele olhar que parecia penetrar no mais profundo de seu ser.

– Eu sou Samira, sobrinha do Barba Negra – a garota estampou um sorriso desafiador que o fez tremer – e serei seu pior pesadelo.

~~*~~

Inglaterra, algum lugar em alto mar, 1738.

A arma ainda estava empunhada enquanto retornava ao navio, por precaução.

– Mais um saque bem sucedido! – Joshua comemorou e a tripulação gritou em coro.

– Ah, que grande novidade – Samira comentou – Lógico que foi bem sucedido, eu estava no comando.

Joshua abaixou a bandana da garota tampando-lhe os olhos.

– Ah, cale a boca – disse rindo.

– Ei, vocês dois – Bart chamou-os – acho bom descansarem, porque essa noite vamos ancorar e quando chegarmos na ilha vocês é quem vão fazer reconhecimento de território.

– Nós? – Samira questionou – Mas Bart, acabamos de realizar um saque...

– Muito bem sucedido, só para acrescentar – disse Joshua.

–... Não pode mandar outros?

– Não. É importante que Joshua vá, e você deverá ir com ele. – Bart encerrou o assunto.

Na proa, onde costumavam sentar-se, Joshua e Samira ficaram conversando durante o trajeto. O sol já se punha quando foi anunciado que estavam a poucos metros do destino.

– E então, o que pretende fazer nessa pausa em terra? – Samira questionou-o.

– Não estou muito certo. Dar um tempo, talvez. Arrumar mulher, filhos... Aumentar a tripulação do Caveira.

Joshua não comentara antes, mas sentia dentro de si um recente desejo arder: formar uma família. Já tivera diversas mulheres em suas viagens, garantindo-lhe diversão e chances de saciar seus desejos carnais. Mas era algo muito além de uma noite apenas.

A pirataria era algo muito inconstante, ainda mais com tantos saques sendo realizados. Barba Negra morrera há alguns anos, deixando seu tio Bart no comando. E ele já fora avisado que seria o sucessor de seu tio quando chegasse o momento. Precisava – e muito ansiava – deixar um herdeiro.

– E você? – retrucou a garota – Vai procurar um troglodita que a encare para constituir uma família?

– Tolo – socou-lhe o braço e logo em seguida ria. – Bem, talvez eu tente. Ou não.

– Que decisão firme.

Ambos riram, e logo sentiram o impacto do navio ancorar. Após ajudarem a tripulação a se organizar, foram chamados para iniciar o reconhecimento do local. Joshua pisou os pés em terra, sentindo uma leve vertigem por estar parado após tanto tempo em alto mar.

Mas não tanta vertigem quanto sentiu ao ver onde estava.

Losterwood, doze anos depois.

Sentiu suas entranhas desmancharem, em um conflito interno sua vida dupla lutava pra se difundir. O garotinho de família nobre e o homem libertino e fora da lei o qual se tornara.

– Pronto pra começar a jornada? – Samira perguntou.

– Sim. Vamos.

Mas não. Ele não estava.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :3
.sunshine



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Azul" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.