Azul escrita por sunshine, Lanny, Olhos de Ressaca


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

SE EU MORRESSE AMANHÃ

Se eu morresse amanhã, viria ao menos
Fechar meus olhos minha triste irmã;
Minha mãe de saudades morreria
Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!
Que aurora de porvir e que amanhã!
Eu perdera chorando essas coroas
Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que doce n'alva
Acorda a natureza mais louçã!
Não me batera tanto amor no peito
Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora
A ânsia de glória, o doloroso afã...
A dor no peito emudecera ao menos
Se eu morresse amanhã!

(Álvares de Azevedo)



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Ela estava com os olhos fechados, impedindo-os de observar seus olhos cor de mel e tão cheios de vida; seu cabelo caía sobre seus ombros moldando os cachos esculturalmente; sua pele branca sob a pálida iluminação a fazia parecer como espírito de luz tremeluzente. O longo vestido azul, feito em seda, realçava seus cachos escuros como ébano; o espartilho que esmagava suas costelas causava uma dor que não podia ser sentida; as joias que ganhara de sua mãe há cerca de um ano estavam lhe dando um ar real e ao mesmo tempo etéreo.

Várias pessoas passavam ao seu redor, observavam-na atentamente, vislumbravam sua beleza e até mesmo sua pouca idade. Sua família estava toda ali para adorá-la em seu leito e reconfortarem-se.

O ar frio fazia com que os narizes ali presentes se retorcessem de dor; as cortinas estavam fechadas e as velas amarelas e desbotadas pelo tempo, acesas. Muitos nada falavam, outros andavam de modo silencioso e fantasmagórico de um lado ao outro. Aquela situação estava causando às ladies e senhoras muito desconforto e sensibilidade. Os lordes e senhores mantinham-se rígidos e indiferentes a tal sentimentalismo.

Todos ali presentes estavam finamente vestidos. Muitos ali eram da nobreza e esbanjavam esses benefícios que vieram já pelo fato de nascer em berço de ouro. Os vestidos feitos exclusivamente para aquela ocasião; As cores eram escuras e exaltavam nas senhoras a palidez de sua pele e sua beleza angelicalmente gótica.

Os senhores estavam muito bem vestidos também, transbordando sua elegância. A maioria deles não fazia a menor questão de estar ali. Observando as pessoas nesse peculiar vai e vem, o silêncio como música e as velas davam ar mais quente. Porém, faziam com que todos estivessem no epitáfio, como se estivessem dando seu último suspiro antes de apagar a vela de sua própria vida.

No recinto havia também dois homens que sofriam perdidamente pela mulher naquela dura cama de madeira, que fazia seu corpo mais gelado e sem vida. Os dois perderam um pedaço de sua vida junto com aquela beldade, e fariam de tudo para protegê-la. Mas não mais. Agora era tarde.

O piso de madeira range, anunciando mais uma chegada. Logo, outros passos se fazem ouvir, irrompendo aquele silêncio cortante. Cerca de dez rostos se manifestam silenciosamente, mostrando uma falsa compaixão pelos presentes.

Parasitas. Só queriam uma notícia na capa de seus malditos jornais. Como eram capazes de se aproveitarem da dor alheia para satisfazer seus próprios caprichos?

- Todos de pé, para que possamos rezar por essa bondosa alma. – Pediu o padre, com sua mão direita esticada sobre o cadáver – Repitam após mim. – E assim seguiu-se a reza, pelo corpo que já se encontrava frio e rígido pelo tempo.

Mas aquilo era só fachada. Muitos ali nem acreditavam mesmo em vida pós-morte, e aproveitavam a ocasião para pedirem coisas a si mesmas. Mal conheciam aquela defunta para clamarem por sua vida póstuma.

- Descanse em paz, minha querida. – Terminou o padre, melancolicamente fazendo o sinal da cruz.

Após mais uma hora de espera, o corpo começou a ser transferido da capela do castelo para a igreja, onde seria enterrada. Não era de costume das damas acompanharem nessa dura jornada, ainda mais com a ventania convidando-as para prestarem seus sentimentos no conforto do castelo. Os homens, então, seguiram pela estrada branca e fofa pela neve, que os fazia afundar a cada passo. As fortes e geladas rajadas de vento que os atingiam tornavam seus corpos tão mortalizados quanto o que carregavam, e muitos baforavam suas mãos para evitar que congelassem.

Quando o corpo pálido da jovem moça começou a ser coberto com terra, seus dois amados sentiram fisgadas em seus corações dilacerados. Era como se uma janela fosse fechada na vida todos eles, impedindo a entrada calorosa e iluminadora do Sol que era aquela moça.

Enquanto todos prezavam manter distância, um homem jovem se aproximou. Seus cabelos claros mal eram vistos pela neve que o cobria. Seu corpo robusto, coberto com várias camadas de elegantes roupas fazia-o ficar aquecido por fora. Mas em seu coração, uma pedra de gelo se alastrava cada vez mais fundo, fazendo com que tudo que ele sentisse fosse o congelar de seu sangue. Seus claros e belos olhos, outrora hipnotizantes e tão belos, estavam agora pálidos e sem vida, marejados pela dor que transbordava de seu peito.

- Eu te amo, Lilian... – disse num tom que só ela escutaria – Sempre a amarei, até... – sua voz foi morrendo aos poucos, revelando seu estado atual. Virou as costas então e deixou a igreja. Era insuportável demais ficar ali, sabendo que sua vida agora se fora, e outra nova teria que começar. Ou não.

A vida com Lilian sempre fora agradável e justa; recebia mimos de todos e amor da maioria. Ela talvez tivesse nascido com esse propósito: participar da vida como ela é, marcar em curto tempo a vida de todos ao seu redor de uma maneira que eles jamais esqueceriam. Há pensamentos ruins em pessoas boas, há pensamentos bons em pessoas ruins; e há pessoas que não são nada, mas tornam-se tudo. Talvez Lilian fosse dessas pessoas, que ensinou a todos que a vida era dura e muitas vezes má, até seu último suspiro foi sofrido. Mas deixou lições muito mais valiosas que palavras não expressam.

A morte causa um efeito diferente em cada pessoa. Talvez para aquele homem, que dedicava seu amor a uma morta enquanto milhares de damas desejava intensamente aquilo, a morte seja algo bom. Porque depois de todo sofrimento veio paz e vivacidade; Ou talvez aquela tenha sido a pior e mais profunda dor de sua vida, que deixará as mais profundas marcas que jamais cicatrizarão, afinal, sua vida lhe fora tirada de forma brutal e impiedosa.

Mas ninguém nunca disse que a vida era generosa, gentil e confiável; Nunca disseram que viver era fácil, e suas alegrias seriam eternas. Mas o que ninguém diz, é o benefício de não fazer isso.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenha gostado, até mais! :3



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