Eu ainda estava meio tonto quando Kyle me puxou pelo braço. Fiquei surpreso ao ver que a manga do meu casaco estava suja de sangue. O moreno já havia me dado dois socos, a força dele não combinava nenhum pouco com seu tamanho.

– Eu estou sangrando. – Protestei.

– Desculpa. – Ele continuava me puxando. – Vamos sair daqui.

– Pra onde você quer ir? – Perguntei.

– Praia.

***

Mesmo não dividindo o mesmo sangue, Kyle era incrivelmente parecido com Miles, principalmente na categoria “vou fazer alguma coisa completamente aleatória e fingir que nada aconteceu”.

– Você me bateu. – Murmurei.

– Sim, eu te bati. – Ele continuou batucando o volante no ritmo da música que tocava no rádio. – Você é retardado?

– Oi?

– Oi, tudo bem? Você é retardado? – Ele sorriu.

– Não...

Se existisse uma lista de coisas assustadoramente perigosas, “Kyle na direção” estaria nessa lista. Não só por ele ser uma das pessoas mais distraídas do mundo, ou por ele ser incrivelmente barbeiro. Kyle não sabia ficar com a boca fechada.

– O acelerador serve pra acelerar, então acelera, seu caralho azedo! – Fui interrompido. – Leo, o que temos com o Miles hoje é o mais perto de paz que nós vamos ter. Você está perturbando a porra da paz.

– É só o Miles...

– Só o Miles? – Kyle gargalhou. – Só o Miles? Leonard, você acha que ele vai deixar barato? Eu posso ser assassinado enquanto eu durmo.

– Acho que você está exagerando. – Dei de ombros. – Ele é imprevisível, vingativo, uma naja, tem probleminha, mas é só o Miles.

Seguimos o resto do caminho em silêncio. Não usamos o mesmo caminho que da ultima vez. Kyle acabou escolhendo um caminho muito mais tranquilo, apenas um ou outro carro passava por nós. Fiquei muito agradecido por isso, mas resolvi manter o meu silêncio.

– Para onde estamos indo? Obviamente não é a mesma praia da ultima vez. – Perguntei por fim.

– Minha avó tem uma casa por aqui. – Kyle respondeu.

– A mãe do Carter?

– A mãe da Puta.

– Por que você odeia tanto a sua mãe? – Perguntei. – É pela história dos gêmeos?

– Não. – Ele respondeu. – Quando ela e o Carter se separaram eu não podia ver o meu pai, você sabe dessa história. O fato é que a senhora minha mãe é uma grande mentirosa.

– Todo mundo mente. - Falei. - Qual foi a mentira que fez você odiar ela?

– Como está o seu nariz?

– Por que você sempre foge das coisas sérias? – Perguntei irritado. – Qual é o seu problema? Você está virando uma versão menos irritante do Miles.

– Você não disse isso. – Ele me encarou.

– É, eu disse. – Encarei de volta. – Você odeia tanto o Miles, mas na verdade é uma cópia dele.

– Então você está me fodendo porque não conseguiu foder ele? – Kyle riu. – Por que eu não estou surpreso? Você perdeu para o Mike, isso é ridículo.

Aquilo doeu mais que os dois socos que eu havia levado. Kyle realmente sabe como magoar alguém. Não era mentira, eu estava usando ele como substituto, mas isso não era segredo nenhum, porém eu não fazia nem ideia que Miles e Mike haviam ido tão longe.

– Isso é verdade? – Perguntei assustado.

– Como eu acabei de dizer, eu odeio mentira. – A raiva na voz dele era evidente. – Você não sabia?

– Não. – Gritei. – Você sabia que eu não fazia nem ideia que isso estava acontecendo.

Em todo meu tempo de convivência com Kyle, essa era a primeira vez que eu estava com raiva dele e eu não gostei nada disso.

– Talvez.

– Você é igual ao Miles!

– Não...

Kyle não terminou de falar. Nem mesmo terminou o caminho até a praia. Não terminei de ouvir. Nem terminamos o que íamos fazer. Apenas ficamos ali, de cabeça para baixo, Kyle desacordado e eu muito tonto para fazer alguma coisa.

Tentei soltar o sinto de segurança, não consegui. Tentei chamar Kyle, não consegui. Tentei ficar acordado, não consegui.

***

– Acho que ele está acordando. – A voz de Miles fez com que eu voltasse da escuridão.

Meus pais e Miles estavam em pé ao meu lado. O lugar era claro e gelado, eu estava com frio e tonto. Já havia estado em situações assim uma porção de vezes. Eu estava internado.

– Como você se sente? – Meu pai perguntou, não como um pai perguntaria, mas como um médio.

– Bem. – Falei vazio.

– Leonard, você...

Então eu percebi que elas não estavam ali.

– Minhas pernas. – Falei desesperado. – Pai, eu não estou sentindo as minhas pernas. Por que eu não estou sentindo as minhas pernas? Eu devia estar sentindo as minhas pernas.

Minha mãe começou a chorar, Miles ficou branco como papel e meu pai riu.

– Você teve que passar por uma cirurgia, está anestesiado. – Ele falou tirando o cobertor. – Elas estão bem aqui. Perfeitas.

Minha perna esquerda estava totalmente engessada, a direita estava engessada apenas do joelho para baixo.

– Onde está o Kyle? – Perguntei assustado.

– Aqui, idiota. – A voz do garoto veio da cama ao lado. – Você me fez bater o carro, cuzão.

– Kyle! – Carter chamou a atenção do garoto que revirou os olhos. – Desculpe, ele está um pouco irritado.

– Como sempre. – Miles disse, lágrimas molhavam as suas bochechas. – Vocês são idiotas? Eu achei que eu tinha perdido não um, mas os dois. Qual é o problema de vocês? Eu quase tive um ataque do coração, quem tem um ataque do coração com dezoito anos? Kyle, eu não aguentaria ser filho único naquela casa. Leonard, nós nem somos casados pra você me deixar viúvo, você é muito idiota, eu te amo, Leonard Cage, mas você é um grande idiota.

Ele fez uma pausa.

– Já é bem difícil estar te perdendo por eu ser o maior otário que existe. – Ele pegou minha mão. – Eu não suportaria te perder pra sempre.

– Isso foi uma declaração de amor? – Minha mãe perguntou tão confusa quanto eu.

– Não. – Miles limpou as lágrimas. – Foi sim.

Miles tinha sorte que eu não estava sentindo as minhas pernas, porque eu queria dar um enorme soco na cara dele.

– Vamos deixar vocês sozinhos. – Meu pai falou acompanhando minha mãe para fora do quarto.

– E eu? Vocês vão me deixar aqui? – Kyle perguntou desesperado. – Leo não está sentindo o pau dele, então eles não vão transar comigo no quarto, não é?

– Kyle, quando seu palavreado começou a ficar assim? – Carter perguntou.

– Quando você e a minha mãe foderam. – Kyle sorriu. – Pai, eu não quero ficar aqui.

– Pai? – Carter sorriu.

– Carter, ele está tentando te agradar pra você deixar ele sair. – Miles falou. – Eu ensinei isso pra ele.

– Eu só quero dar privacidade pra vocês. – Kyle disse irritado. – E eu quero andar de cadeira de rodas.

Mesmo sendo a pessoa mais irritada do mundo, no fundo Kyle ainda era uma criança de sete anos.

– Carter, você pode levar ele? – Pedi. – Por favor.

O homem concordou com a cabeça, ajudou o filho a se sentar na cadeira de rodas do hospital e empurrou o garoto para fora.

– Miles, nós precisamos ter uma conversa séria. – Eu falei.