A neve caía tranquilamente do lado de fora. A casa estava quente o suficiente para usar apenas a suéter que Freya tricotou e me mandou diretamente da Rússia no ano passado. O embrulho malfeito e o pequeno bilhete escrito com alguns erros de ortografia mostravam que a garota não havia mudado nada.

Observei Kyle por algum tempo. Ele estava jogado no sofá assistindo uma reprise de um episódio de natal de algum dos vários seriados que ele assistia. Mesmo com quase trinta e cinco ele continuava parecendo ter vinte e poucos.

– Pai! – A garotinha de olhos verdes e cabelo escuros, assim como os do pai, chamou. – Tem alguém na porta.

A pequena Charlote tropeçou nos pequenos pés enquanto corria atrás de Fiona que reclamava aos miados. Mesmo depois de velha, a gata não perdia a mania de reclamar das coisas com longos miados, além de tudo ainda não gostava de tomar banho.

– Já vou atender. Cuidado por onde corre. – Respondi passando os dedos no coque que Kyle havia feito. – Chame seu irmão, o jantar está quase pronto.

– Tyler! – Ela gritou tão alto que até mesmo Kyle se assustou.

– A tia Olivia e o Tio George já chegaram! – Ele gritou animado. – Estou indo abrir a porta.

– Como eles podem ser tão barulhentos? – Kyle perguntou pegando Charlote no colo. – Devíamos ter usado a sua genética.

– Eles herdaram isso da mãe. – Respondi sorrindo.

De todas as possíveis barrigas de aluguel do mundo, acabamos escolhendo Freya. Foi muito divertido, os bebês nasceram ótimos, Tyler tem o cabelo claro da mãe e é um pequeno russinho com a força de um urso. Já a pequena Charlote é uma versão menor de Kyle, magra, com senso de humor estranho e tendencias pirogóticas. Mesmo sendo gêmeos, Tyler é quase quinze centímetros mais alto que a irmã.

– Que droga. - Tyler voltou para a sala carrancudo. - O bebê ainda está dentro dela.

Quase fiquei emocionado quando vi Rato e Liv depois de tantos anos, Liv havia se tornado uma das melhores pessoas do mundo, vivia na África fazendo dezenas de trabalhos comunitários para ajudar crianças. Rato expandiu seus talentos de abelha rainha para a vida, logo se tornou um dos líderes da maior construtora da África do Sul.

– Vocês estão ótimos. – Liv deu o seu sorriso sincero e acolhedor.

– Faz muito tempo. – Abracei ela cuidando com a gigante barriga de grávida.

– Leo.

– Rato.

George sorriu quando ouviu o antigo apelido. Abracei o loiro que me ergueu alguns centímetros do chão.

– Bem, vamos comer. – Charlote disse tentando sair do colo de Kyle.

– Vai com calma, macaquinha. – Kyle quase jogou a própria filha no chão.

Kyle não era um pai maravilhoso. Eu não conseguia contar direito quantas vezes ele havia caído no sono enquanto cuidava de um dos gêmeos. Sem contar que pelo menos uma vez por semana ele deixava as crianças com tanto medo que elas tinham que ir para a nossa cama no meio da noite. Mas as crianças adoravam o fato de ele nunca dizer não. E eu adorava o fato de ele ser o outro pai dos meus filhos.

Enquanto Kyle colocava a mesa e eu contava as novidades para Liv e Rato, a campainha tocou. Senti o frio percorrer minha espinha. Miles?

– Alguém pediu uma modelo? – O sotaque russo, de Freya invadiu o pequeno apartamento. – Leo? Kyle?

– Tia Freya! – os gêmeos gritaram ao mesmo tempo.

Os gêmeos amavam a “Tia Freya” sem ao mesmo saber que foi ela quem trouxe os dois ao mundo. Era estranho pensar que um dia eu teria que contar para eles que a Tia Freya na verdade era a mãe deles e por isso Tyler era loiro e Charlote morena.

Assim que a loira entrou na cozinha veio o grito mais conhecido do mundo.

– Amiga! – Freya se atrapalhou toda para abraçar Liv. – Abraço em grupo!

Ela me puxou pelo braço. Mesmo sendo uma modelo feita de pele e osso, a loira era incrivelmente forte. Provavelmente ela adquiriu a força quando entrou para a luta livre, mas acabou desistindo da carreira quando quis ser a nossa barriga de aluguel.

O momento foi quebrado pela voz rouca de Miles.

– Posso me juntar ao abraço? – Ele perguntou largando uma mala no corredor.

– Quem é esse? – Tyler perguntou.

– Sou o seu tio Miles.

– Não é não. – Charlote falou. – Não temos nenhum tio Miles.

Miles me encarou.

– Crianças esse é o seu tio Miles, vocês não conhecem ele porque ele é aventureiro, e sempre está viajando. – Kyle se ajoelhou ao lado de Charlote. – Quando vocês forem maiores ele vai levar vocês para viajar. Não é tio Miles?

– Claro. – Miles piscou assustado. – São seus...

– Sim, são nossos filhos. – Falei irritado. – Você ficou fora por cinco anos, muita coisa acontece em cinco anos.

Era estranho todos estarem reunidos depois da formatura. E mais uma vez eu estava com raiva de Miles, aquilo era tão nostálgico, tão... Lindo.

– Agora vamos comer e você nos conta como foi sua viagem. – Sorri.

Mesmo depois de todos os anos, aquele ainda era Miles Foxx e todos amavam Miles Foxx.