A Divisão Entre Mundos escrita por PeressIgor


Capítulo 2
Capítulo 2 - Ruas Vazias




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/610626/chapter/2

Capítulo 2 – Ruas vazias

Por maior que seja o número de anos que vivi naquela cidade, não sei porque, mas parecia ser um lugar totalmente diferente do qual eu conhecia. As ruas estavam desertas, coisa que absolutamente não é normal em uma cidade tão movimentada e com um trânsito caótico com ela. As lojas e casas estavam abandonadas, muitas estavam até com suas portas e janelas barricadas, tornando impossível que eu entrasse para ver se havia alguém lá.

Estava perto da entrada da cidade, em uma pequena praça, rodeada por lojas de roupas, eletrônicas, entre outras. Algumas estavam abertas, então resolvi entrar. Estavam bagunçadas e não havia ninguém dentro delas. Havia uma mercearia próxima, que pertencia à um homem chamado Johnson, um homem gentil, que sempre conversava com as pessoas que passavam por lá. Eu o conhecia, comprei várias coisas na sua loja, e toda vez ele me atendia com um sorriso no rosto, mesmo quando a situação não era das melhores.

Resolvi dar uma passada lá, para ver se o encontrava. Quando cheguei lá, pude perceber que a porta estava barricada antes, mas alguém deve ter conseguido entrar, pois ela estava parcialmente destruída. Não havia nenhum tipo de alimento lá, provavelmente alguém entrou e levou tudo. “Os bloqueios, as barricas, o roubo de alimentos. Queriam se proteger de algo, mas do quê? ”. Até pensei na hora: zumbis. Seria uma “boa” explicação, mas eu devia tentar seguir o lado da razão mesmo. Vamos deixar o humor de lado.

Abri uma porta atrás do balcão que levava a um pequeno “escritório” dentro da mercearia. Lá, havia uma mesa com uma folha de papel em cima, com algo escrito. Era um bilhete, e nele:

“Para quem estiver lendo isso, saiba que ainda há tempo para se salvar e se livrar de um terrível fim. Fuja. Não hesite. Nós todos temos que pagar pelo o que fizemos, não importa como. Não importa quem você seja. Mesmo que esse seja seu lar, todos temos que sair de casa um dia. Se houver mesmo alguém lendo isso, então é provável que meu fim já tenha chegado. Ainda há esperança para você, então vá. Ah, e cuidado com o caçador. ”

Aquela letra era de Johnson, pude a reconhecer pois ele já tinha escrito notas quando eu comprei coisas na sua loja. Eu não estava entendo nada. O que aconteceu naquela cidade? Quem era o tal de “caçador”? Minha mente nunca esteve tão confusa, e eu parecia estar ignorando aquele suposto sonho da garota das flores e daquela fazenda. E o hotel? Aqueles andares todos destruídos e ensanguentados. Parecia que minha cabeça só começou a absorver essas coisas a partir daquele momento. Foi como se eu tivesse travado nesse momento, eu simplesmente parei, sentei e fiquei olhando para uma parede por uns 10 minutos.

Era de tarde quando saí da mercearia. Decidi dar uma passada em casa então, talvez houvesse comida lá (eu não havia comido nada durante o dia inteiro). Andei bastante, tanto que quando cheguei já era escuro. Quando cheguei na frente da minha velha casa, fiquei parado, observando-a, relembrando. Cresci naquela casa, brinquei muito naquela rua. Lembro-me de uma vez que estávamos eu e um grande amigo meu, chamado Gabriel, brincando com alguns caras mais velhos na rua. Eram babacas que gostavam de rir da desgraça dos outros. Eu e meu amigo éramos ingênuos na época. Desafiaram-nos a subir numa árvore muito alta. Eu não queria que pensassem que éramos covardes, mas também não queria subir, pois morria de medo. Gabriel estava com mais medo ainda, e ele era bastante introvertido. Não sei o que deu em mim, mas passei cinco minutos tentando convencê-lo, até que consegui. Então, ele começou a subir. Todos podiam ver que ele estava morrendo de medo, mas não sei porque, mas eu não ligava, eu só queria que ele subisse para que não pensassem que éramos covardes.

Foi “legal”, até o momento que ele escorregou, caiu e acabou quebrando seu braço direito. Eu não consegui dormir por uma semana, pensando no que eu fiz. Ele era um grande amigo meu, ajudou-me muitas vezes, e eu consegui convencê-lo a fazer algo que acabou o prejudicando só porque eu não queria parecer um covarde. Pensei mais na minha imagem, no que as pessoas pensariam de mim, do que meu próprio amigo. O pior é que essa foi a primeira vez de muitas. Foi a primeira gota do veneno que envenenou minha alma durante os anos.

Depois de lembrar um pouco da minha infância, segui para entrar na casa. A porta da frente estava escancarada, com se queriam que eu entrasse. A casa continuava a mesma coisa, os mesmos móveis, os mesmos eletrônicos, a mesma decoração. Na geladeira, havia um prato de comida, igual aos que minha mãe costumava fazer. Aquilo estava estranho demais, mas eu estava cheio de fome, então comi. Estava delicioso, como sempre. Resolvi subir para ver meu antigo quarto. Estava igualzinho como eu havia deixado. Minha cama, minha cômoda, tudo lá.

Já era de noite nessa hora. Do nada, ouvi um barulho vindo debaixo. Era o som de vidro se quebrando. Peguei o revólver que havia achado no hotel e desci. O barulho veio de um quarto que ficava abaixo do meu. Quando cheguei lá, vi porta-retratos com fotos minhas, todos no chão, quebrados. Alguém tinha os derrubados. Ouvi passos, bem lentos, mas altos. Ouvi portas se abrirem e se fecharem. Tinha alguém lá dentro comigo. Dei uma andada pela casa, mas não encontrei ninguém.

Do nada, comecei a sentir um cheiro de fumaça, vindo do porão. Alguém havia colocado fogo lá. A casa começou a queimar. Desesperei-me, não sabia o que fazer. Tentei salvar alguns porta-retratos, mas os deixei cair na hora que saí da casa. O fogo engoliu a casa inteira, tanto que até chegou no jardim. Saí correndo, contendo lágrimas que tentavam sair. Olhei para trás. Na frente da casa em chamas havia uma figura. Vi que estava vestida de preto, tampando o rosto e usando um chapéu, com um rifle de caça amarrado nas costas e um facão amarrado na cintura. Não sei como pude perceber tantos detalhes, até porque estava escuro, mas as chamas acabaram iluminando o indivíduo ao ponto de eu poder vê-lo. Seria ele o tal de caçador mencionado no bilhete? Não pude prestar muita atenção, pois após me avistar, ele tirou o rifle das costas e mirou. Corri, e corri muito, fazendo “ziguezague” para que ele não me acertasse, e não olhei para trás até que cheguei em um ponto onde não era mais possível ver a luz produzida pelas chamas.

As ruas estavam escuras, não podia ver para onde estava indo, acabei me perdendo. Que coisa, 15 anos depois e eu ainda me perdia por aqueles arredores. Apesar das ruas não estarem bem iluminadas, o céu estava lindo. Fazia muito tempo que eu não levantava a cabeça e olhava para cima, em ambos sentidos conotativo e denotativo. Olhar para cima e observar o céu, as estrelas e o espaço me faz pensar em como somos seres pequenos e insignificantes em relação à grandeza do nosso universo. Imagino se algum dia poderemos explorá-lo em sua totalidade e, quem sabe, descobrir novos mundos. Infelizmente, eu sei que eu não verei esse dia, mesmo que ele chegue enquanto eu ainda estiver vivo, pois me afastei de tudo e de todos, fui parar em um lugar de onde não sei como sair. Talvez você entenda mais para frente.

Eu havia chegado em uma pequena praça, que possuía uma pequena estatua de alguém que foi importante para a cidade no seu centro. Veio-me à memória uma situação que ocorreu quando eu tinha uns 14 anos. Eu costumava andar muito sozinho naquela época. Meus pais não ligavam tanto. Eu era um garoto digamos “normal”. Estudava, assistia TV, saía com amigos, etc. Naquela praça, sempre tinham uns caras que ficavam lá bebendo, pegando alguém, pagando de machões e arrumando encrenca. Uma vez estava passeando por lá e encontrei uma garota de quem gostava e creio que ela também gostava de mim. Começamos a conversar, e ficamos um tempão lá. Eu descobri bastante sobre ela, e ela sobre mim. Eu estava me divertindo muito, e eu vi que ela também, tudo estava indo muito bem. Até que aqueles caras chegaram...

Ela era muito bonita, e não queria nada com eles, então resolveram seguir aquela lógica: “se eu não posso ter algo, ninguém mais pode”. Vieram mexer com a gente, tentei ficar na minha, sem ser grosso ou mal-educado, mas eles não queriam saber, eles sabiam como aquilo ia terminar. Tentei sair de lá, mas me impediram, e começaram a me provocar mais ainda. Xingaram-me dos piores nomes possíveis, e não só eu, mas meus pais e até mesmo a garota. Ela passava por alguns problemas na época. Vi que ela ficou muito pra baixo nessa hora. Nessa hora eu me irritei, e era isso que eles queriam que eu fizesse. Apanhei. Apanhei muito, e ainda por cima fui humilhado não somente na frente da garota da qual eu tanto gostava, mas sim da praça inteira. Nunca mais tive coragem de falar com ela. Não foi a primeira vez que eles fizeram isso, fizeram isso com várias pessoas.

Resolvi descobrir um pouco sobre quem eles eram. O que descobri não foi tão surpreendente. Eram três caras, não lembro o nome deles, mas estavam todos envolvidos com pessoas e “negócios” não muito bons. Muita gente sabia, mas ninguém falava nada, porque ninguém podia mexer com eles. Viviam sempre pisando nos outros, como se fossem superiores. Infelizmente, para eles, suas vidas de tiranos não duraram muito.

Um dia eu estava perto da praça, de noite, e pude vê-los lá, bebendo, tirando com os outros. Haviam poucas pessoas lá. Toda a “curtição” deles acabou quando um carro lotado parou perto de onde eles estavam e quem estava dentro dele atirou várias vezes na direção dos rapazes. Nenhum deles sobreviveu. Enquanto as pessoas corriam e gritavam, eu fiquei parado, observando, pensando. Podem me achar a pior criatura da Terra, mas eu fiquei satisfeito com aquilo. Eles no futuro poderiam acabar sendo como aquelas pessoas que estavam no carro. Todos devem pagar pelas coisas que fazem ou fizeram, e isso também me inclui. Foi nessa época que começaram a aparecer rachaduras dentro da minha mente.

Depois de observar as estrelas e lembrar um pouco do passado, fui até a estátua que ficava no meio da praça. Não dava para ler o que estava escrito na plaquinha. Estava me esforçando para tentar entender o que estava escrito lá com minha lanterna, quando de repente, um alto barulho de disparo ecoou de longe e o braço esquerdo da estátua foi arrancado. Foi um tiro de rifle. O caçador ainda estava atrás de mim.

Puxei meu revólver e me abaixei. Tentei apontar a lanterna para a direção de onde veio o tiro, mas não consegui ver nada. Foi quando houve outro disparo que arrancou um pedaço da parte direita da região do estômago da estátua. Entrei em desespero, não sabia o que fazer. Apaguei a lanterna e fui para trás de uma grande árvore, sem fazer muito barulho. Por alguns momentos, ficou tudo em silêncio, mas, do nada, ocorreu outro disparo, que dessa vez passou bem perto de mim.

Saí correndo e me escondi atrás de uma barbearia que ficava na esquina. Fiquei em silêncio e inclinei a cabeça suavemente para tentar ver alguma coisa. Percebi que algo se movimentava na praça, mas não conseguia enxergar. Ouvia passos, que iam se aproximando de mim. Ele estava quase me achando. Foi quando eu peguei uma pedra do chão joguei bem longe. Percebi que os passos mudaram de direção. Infelizmente, eu cometi o erro de me inclinar mais bem na hora que ele estava olhando para trás. Aí não teve jeito, tive que correr. Alguns segundos depois que comecei a correr, ouvi mais um disparo, que acabou acertando uma janela.

Nesse momento, percebi que ele estava correndo atrás de mim. Enquanto corria, virei a cabeça algumas vezes, mas não conseguia vê-lo. Sim, passou pela minha cabeça atirar com a minha arma, mas minha mira é ruim, não estava enxergando nada e ele corria muito rápido, ou seja, até que eu conseguisse mirar nele, já estaria morto.

Por um momento, achei que aquilo seria o fim. Ele estava se aproximando, e eu não aguentava mais correr. Foi quando ouvi o barulho de um carro se aproximando. O carro veio na nossa direção. Eu gritei: “me ajudem! Tem alguém querendo me matar! ”. Um grito saiu do carro que havia acabado de estacionar: “saia da frente! ”. Sem melhores opções, fui para o lado e começaram a atirar em quem estava me perseguindo. Depois que ele fugiu, fui até as pessoas que estavam no carro. Um homem fardado carregando um fuzil veio falar comigo.

– Você está bem? – Disse o homem.

– Sim, tirando o fato de que não faço ideia do que está acontecendo nesse lugar! – Exclamei. – Quem era aquele cara tentando me matar?

– Ele era o caçador, e você, sua presa – Ele me respondeu.

– Mas de que merda você está falando? Como assim “presa”? – Indaguei.

– Meu amigo, neste mundo, somos todos presas – Disse enquanto colocava a mão no meu ombro. – Venha com a gente, sei que nada faz sentido agora, mas acredite, uma hora tudo fará.

– Quem são vocês?

– Somos nós mesmos – Disse com um tom irônico – Eu sou Jack, quem é você?

– Meu nome é Adam, sou apenas um ser insignificante nesse universo.

– Bom, se você diz...

Entrei no carro e parti com eles. Fomos até um antigo depósito utilizado pela prefeitura antigamente. Era um grupo de sete pessoas. Jack, o líder, militar, lembrava-me de um amigo que tive durante a adolescência. Todos lá atendiam por apelidos, não entendi o porquê na hora. Os outros eram: Jester, Runner, Breaker, Lysa, Yara e Meena. Era como se todos tivessem um papel no grupo. Jack liderava, ele era muito experiente nisso pelo fato de servir no exército. Jester era um pouco piadista, mas quando alguma pessoa estivesse para baixo, ele sempre fazia com que ela melhorasse. Runner era meio introvertido, mas era um cara legal de conversar. Breaker era uma daquelas pessoas que enfrentavam todos os problemas sem medo, inspirando os outros. Lysa era como Runner, sempre que precisasse, ela estava lá para ajudar. Meena era sarcástica, não se relacionava tanto com os outros, na hora não sabia porquê. Yara era legal com os outros, ajudava no que desse, mas era mais reservada também.

Já era bem tarde. Resolvi conversar com Jack, para ver se conseguia algumas respostas acerca do que estava acontecendo.

– Jack, está ocupado? – Perguntei a ele.

– Não, como posso lhe ajudar, Adam?

– Eu preciso de respostas – Disse em um tom sério. – O que aconteceu com a cidade? O que aconteceu como todo mundo? Que é esse “caçador”? Não faço ideia do que está acontecendo aqui.

– Gostaria que fosse possível explicar. A verdade é que eu também não sei. Faz tempo que estou procurando as respostas para essas mesmas perguntas.

– Desde quando a cidade está assim?

– Alguns anos, talvez uns cinco.

– Cinco anos?! – Questionei.

– Brincadeira, haha, foi mal. A verdade é que eu não sei.

– Como isso começou?

– Simplesmente começou. Do mesmo jeito que você viu. De uma hora para outra, tudo tinha mudado.

– Como você conheceu o resto do grupo? – Perguntei a ele

– Do mesmo jeito que você nos conheceu. – Respondeu com um sorriso no rosto. – Sozinhos, nós somos presas fáceis, mas juntos, temos uma chance melhor de sobreviver aqui.

– Fale-me sobre o caçador.

– Não sei dizer muito sobre ele, apenas que ele anda pela cidade, caçando e acabando com qualquer sinal de vida. Ele matou dois membros do nosso grupo. Hope e Dream. Eram pessoas tão legais, faziam uma grande diferença, nos davam algo para acreditar, mas quando eles foram tirados dessa vida, a esperança e o sonho morreram, em ambos os sentidos.

Percebi que começou a chover nesse momento, que grande coincidência, hein? Bom, já estava aprendendo a me acostumar com coincidências.

– Fale-me sobre você, Adam. O que você fazia antes disso? E como você veio parar aqui?

– Eu gerenciava alguns negócios, administrava algumas empresas. Já ouviu falar de um hotel chamado Lextan Hotel?

– Creio que sim, é um que fica um pouco longe da cidade?

– Sim. Eu acordei lá. O lugar estava todo ensanguentado e bagunçado. – Expliquei.

– Qual a última coisa da qual você lembra antes de acordar no hotel?

– Não tenho certeza, acho que simplesmente fui dormir e acordei lá.

– Entendo.

Não falei sobre a floresta e fazenda para Jack, não sei o porquê, mas senti que talvez fosse uma má ideia. Fiquei pensando naquele lugar depois que terminei de falar com ele. Por mais que eu insistisse para eu mesmo que foi apenas um sonho, no fundo eu sentia que não tinha sido apenas isso. As sensações foram todas realistas. Lembrei daquela garota com as flores, que chamou meu nome algumas vezes. Lembrei de como a névoa se abria para que ela passasse. Por mais que eu nunca tivesse visto ela antes, seu rosto era familiar, e a sensação que ela passava também.

Com muito custo, consegui dormir, mas não foi por muito tempo. Acordei no meio da madrugada. Havia sonhado com a casa em que eu morava sendo engolida por chamas e o caçador olhando fixo para mim. Mesmo ele tendo colocado fogo na casa, por causa de mim a estrutura familiar dela já havia sido destruída. Mas por que fogo? Por que eu estava tão obcecado com isso? As minhas memórias iam voltando conforme as coisas acontecendo. Acabei me lembrando de um amigo meu na adolescência. Leon, esse era o seu nome.

Eu havia começado a estudar em uma escola nova, onde não conhecia absolutamente ninguém. Ficava sozinho durante os intervalos, não falava com ninguém. Algumas pessoas até me achavam esquisito, não sei se era porque eu tinha muita vergonha na época, talvez tenha sido isso. A minha primeira semana lá foi horrível, estava quase largando mão daquela escola. Um dia comum, eu estava sozinho em um dos intervalos e um cara veio falar comigo.

– É Adam, certo?

– Sim, por que quer saber? – Respondi de forma grossa.

– Por nada não. O que está fazendo?

– Nada de interessante.

– Por que você fica aí parado sem fazer nada todos os dias?

– Não tenho nada melhor pra fazer.

– Por que você não deixa eu te apresentar pro pessoal aqui? É melhor do que ficar aí sem fazer nada.

– Cara, o que você quer comigo?

– Nada, só quero te dar uma ajuda, já que você é novo aqui.

– E se eu não precisar da sua ajuda? – Respondi num tom agressivo.

– Precisar eu sei que você não precisa, mas eu sei que, no fundo, você não quer fica aí sozinho para sempre.

Aquilo que ele disse me fez pensar, eu não queria ficar daquele jeito para sempre, então levantei e ele me apresentou a algumas pessoas. Nos primeiros meses, todos os dias eu andava com ele, ficava conversando, ele era um cara muito legal, ajudava-me quando eu estava com problemas e já até me apresentou algumas amigas deles. Foi por causa dele que eu consegui me enturmar naquela escola, devo muito a ele. Como você já pode estar imaginando, eu arrumei um jeito de estragar tudo.

Eu comecei a conhecer e a sair com várias pessoas da escola, que eu achava que fossem amigos, e com o tempo fui deixando Leon de lado. Chegou a um ponto que eu não conversava mais com ele. Eu fui ingrato, e deixei quem era meu amigo de verdade para trás, tanto que algumas vezes ele veio falar comigo de assuntou gerais e problemas, mas eu o respondia mal, e até o ignorei algumas vezes. Você pode estar se perguntando: “ tá, mas e o fogo? ”. Bom, muito tempo depois, recebi a notícia de que ele havia morrido em um incêndio, junto com outras pessoas.

Aquilo foi suficiente para acabar comigo. Eu chorei, chorei muito, e o que fez com que eu me sentisse pior, foi que eu tratei ele como merda várias vezes, sendo que eu devia tudo que consegui naquela escola a ele. Nunca havia me sentido tão mal. Todos os dias eu ia visita-lo no cemitério, sempre implorando por desculpas. Com o tempo, eu deixei de visita-lo e o nome Leon acabou se tornando apenas uma memória escura guardada na minha mente. Senti vontade de chorar quando lembrei disso.

Não consegui dormir direito aquela noite, ficava refletindo sobre tudo o que aconteceu, e parecia que ia piorando quanto mais eu pensava. Acordei cedo, levantei e andei um pouco pelo enorme depósito. Vi que Yara estava acordada, mas parecia não estar muito bem. Fui falar com ela.

– Yara, você está bem? - Perguntei

– Estou sim.

– Você não parece bem.

– É que... eu não dormi muito bem.

– Eu também não, qual foi o problema, pesadelos?

– Acho melhor eu não falar.

– Pode dizer, não problema.

– Foi um sonho. – Disse com a cabeça baixa. – Nele, eu vi alguém atirando em Jack e esfaqueando Meena.

– Como essa pessoa era?

– Bom... ela tinha o seu rosto...

Eu não sabia o que dizer na hora, simplesmente fiquei olhando para ela, sem falar nada. Antes que eu pudesse falar mais alguma coisa, ouvimos o barulho de um alarme de um carro disparando. Ela foi chamar Jack. Eu e ele saímos para ver o que era, tentando não fazer muito barulho. O alarme do carro não parava de tocar. Eu já ia me aproximando dele para ver o que era, mas Jack me segurou.

– Espere, isso não está certo.

– O quê?

De repente, o carro com o alarme tocando explodiu. Meu coração acelerou de modo que achei que ele ia sair do meu peito. Logo após, ouvimos vários latidos.

– Que merda acaba de acontecer? E existem cachorros por aqui? – Perguntei gritando.

– Cachorros normais não. O caçador soltou os cães de caça.

– O quê?!

Antes que ele pudesse falar mais alguma coisa, vimos uma matilha se aproximando. Não eram cães normais. Seus dentes eram enormes, seus pelos eram bem compridos e seus olhos brilhavam. Começamos a atirar, mas era inútil, eles eram muito rápidos. Subimos em cima de uma caminhonete estacionada, mas não ajudou muito, pois eles pulavam bem alto. Breaker e Runner vieram ajudar. Runner tentou atrair o máximo de cães possível para outra direção, enquanto Breaker atirava com sua escopeta. Eram muitos, por mais que a gente conseguisse acabar com alguns, vinham mais.

Um deles conseguiu passar e morder a perna de Breaker, que, mesmo caído no chão, ferido e com dor, continuou atirando e acabando com mais alguns deles. Depois de uma luta, eles pararam de vir.

– Que merda foi essa, Jack? – Perguntei.

– Antes de atacar diretamente, o caçador manda seus cães para que fique mais fácil para ele.

– Quer dizer que ele está vindo agora?

– Talvez, mas não são somente os cães que ele manda.

– Quem mais, então? – Questionei.

– Ele tem seu próprio exército, que pode aparecer a qualquer momento.

Não demorou muito para que ele viesse. Os alarmes de alguns carros começaram a disparar, mas sabíamos que era uma cilada. De repente, começaram a esmurrar o portão do armazém. Discretamente, olhei por uma janela. Eram vários deles. Todos mascarados, vestidos de preto, carregando armas brancas. Uma hora ou outra eles iam derrubar o portão. Notamos que alguns estavam tentando entrar pelos fundos. Não tivemos escolha, tivemos que atacar.

Atiramos várias vezes, mas eles não iam embora, eles simplesmente atacavam mais. Conseguiram derrubar o portão da frente. Nós tínhamos que fugir de lá. Eram muitos deles. Se eu ia morrer, ia morrer dando minha vida por alguém. Por mais que Jack me puxasse, eu não ia embora. Alguns deles vieram para cima de mim. Atirei em dois deles e puxei uma faca, pois minhas baladas tinham acabado.

Consegui matar o primeiro que veio para cima com um golpe no coração, mas quando vi o segundo se aproximar de mim, já era tarde demais. Senti sua lâmina passar entre minhas costelas direitas. Soltei a faca. Era como se tivesse perdido todos os movimentos. Ele estava prestes a dar a facada final, quando tudo escureceu para mim.

Acordei no que parecia ser um porão, sem sentir nenhum tipo de dor. Quando abri meus olhos, percebi que havia alguém me observando, mas que depois sumiu. Levantei e subi as escadas. Estava em uma casa que não me era estranha. Cheguei na sua porta de entrada e vi as escadas com um buraco no meio. Foi quando eu abri a porta e olhei para fora que eu percebi.

Eu estava de volta na fazenda.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Divisão Entre Mundos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.