CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione escrita por AppleFran


Capítulo 53
Capítulo 46 - Parte 1


Notas iniciais do capítulo

Explicações sobre a demora ao fim do capítulo! Divirtam-se! :)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/608713/chapter/53

 

 

 

Hermione Malfoy

Estava perdida entre o que era real e o que era sonho. Não sabia o que havia acontecido a ela. Talvez estivesse morta. Tentava buscar suas memórias, mas sempre havia aquele mar escuro onde ela acabava se afundando. Muitas vezes desesperava-se para tentar encontrar a superfície, buscando por ar, como se tentasse vencer a corrente das forças que cercavam, mas perdia-se sem saber pra qual direção ir. Acabava-se por se entregar e era quando ela vinha. Morgana. A intrusa de seus sonhos. Quando a via com tanta clareza, era quando verdadeiramente sentia-se acuada.

Fraca.

 

Era o que ela dizia.

Um potencial desperdiçado. Falhou como todos os outros.

A figura dela já não era mais pavorosa como antes havia sido. Havia se conectado a ela, havia se permitido sentir toda a magia escura que a envolvia. Havia se permitido mergulhar no rancor, no senso de vingança, no desejo de soberania. Havia permitido que a guiasse. Não esperava que fosse acabar afundando naquele mar infinito.

Como vai se salvar agora? Como vai se proteger? O mundo sabe quem é.

 

Sentia-se vulnerável. Perdida.

Precisa de mim. Só eu posso te fazer forte.

Não. Ela havia sido forte sua vida inteira sem precisar se conectar a força de Morgana. Tentou lutar novamente contra o mar que a afundava. Sem saber pra qual direção ir, qual rumo tomar, apenas lutou. Céus. Estava exausta. Era a única certeza que tinha.

Transitou entre mundos estranhos. Reviveu lembranças e fantasiou realidades. Sempre voltava para o mar onde afundava. Lutava para tentar encontrar a superfície. Quando se entregava derrotada escutava o pior das faces de sua alma dizer:

Fraca.

Lutou para encontrar a superfície. Lutou para não afundar. Mas era impossível. Toda aquela escuridão a cercando, a consumindo. Era um castigo? Um castigo por ser fraca? Por não estar sentando no trono de Voldemort naquele exato momento, exigindo que o mundo se ajoelhasse aos seus pés? Transitou entre realidades inventadas novamente. Entre lembranças boas e ruins. Sofreu e riu com os sentimentos que elas lhe traziam e acabou naquele mar outra vez.

Fraca.

Ela não aguentava mais lutar. Entregou-se a escuridão. Permitiu afundar. Sentiu seu corpo pesar cada vez mais. Aceitou ir. Foi quando começou a notar vozes muito longes numa discussão monótona. Foram se tornando mais audíveis a medida que ela conseguia notar que o mar a sua volta tomava uma tonalidade diferente. Era o mundo real?

Ter uma gota de esperança de atingir o mundo realmente lhe trouxe uma esperança desesperadora. Quis lutar, mas seu corpo estava pesado. Não conseguia mover. Não tinha controle sobre seus membros, suas ações. Nada. A aflição não permitiu que pudesse se focar nas vozes que escutava. Talvez fossem familiares. Ela não entendia.

Fraca!

Escutou novamente e caiu no mar escuro. Afundou sem forças. Apagou.

Tempo? Será que tinha qualquer chance de poder conseguir entende-lo, medi-lo? Estava morta? Era isso? Sua alma perdida, será? Quanto tempo duraria? Ela queria o mundo real. Queria a realidade. Nada substituía a realidade.

Foi quando abriu os olhos. Demorou alguns segundos para entender que estivera de olhos fechados antes. A claridade foi quase irreal comparado ao mundo de escuridão ao qual estivera presa. Piscou perdida e começou a tomar consciência do restante de seu corpo. Encarava um teto muito familiar. Mas sua memória e suas lembranças estavam bagunçadas. Moveu os membros de seu corpo muito calmamente e sentiu cobertas pesadas a cobrindo. Virou o rosto para ver uma gigantesca fachada de janelas cobertas por longas cortinas finas. Ela conhecia aquele lugar.

Whitehall?

Tentou sentar, mas seu corpo exclamou de exaustão. Ainda assim, ela insistiu. Um elfo doméstico limpava os livros da enorme parede de estante e ao lado da porta e virou-se para encará-la assim que percebeu a movimentação e os gemidos que escapavam da boca dela ao tentar vencer a fraqueza de seus membros.

Kip?

Era um dos elfos de sua casa. Ajudava Tryn no jardim e na cozinha. Ele estalou os dedos e sumiu no momento em que a viu consciente. Hermione jogou as cobertas para longe do corpo e notou estar vestida com uma roupa de dormir que não pertencia a ela. Os babados do fino e claro tecido de linho caíam por seus ombros apesar do laço sobre seu colo estar amarrado no máximo. Ela pisou com os pés descalços no piso frio encarando a renda ao final do longo vestido de dormir. Fechou os olhos e respirou fundo tentando se situar e colocar sua cabeça no lugar. Tudo em seu corpo doía. Cada célula parecia protestar de alguma forma.

Permitiu passar os olhos pelo quarto e aos poucos sua memória foi construindo tudo que havia passado. A medida que suas lembranças clareavam, seus olhos foram embaçando. A pressão em seu peito começou a esmagar seu coração e quando tudo entrou em ondem em sua cabeça, ela fechou os olhos e deixou as lágrimas rolares.

Levantou-se tentando entender como ainda estava viva depois de ter enfrentando a maldição de Brampton numa de suas maiores irresponsabilidades mágicas. Ainda estava surpresa por ter conhecido uma extensão de suas habilidades mágicas que agora tinha medo de pensar que fazia parte dela. Tentava entender ou buscar em qual momento tudo havia saído de seu controle. Quando foi que todo aquele mal que ela havia absorvido para ter Brampton Fort debaixo de seu controle e usar a força da magia a seu favor havia a deixado aterrorizada? Quando foi que seu temperamento fugiu de seu próprio controle? Tudo parecia ter tanta coerência em sua cabeça e agora tudo parecia ter sido o pior dos seus pesadelos.

Ela ainda se lembrava o modo como a coerência de todo o pensamento e o sentimento que havia a levado até ali perdera todo fundamento quando Draco caiu aos seus pés assumindo a derrota de não poder mata-la, mesmo tendo o motivo do porque sua família se certificava que pessoas com o sangue dela não existissem no mundo escancarado bem a sua frente.

Ainda assim, ela não conseguia colocar sua mente no lugar a respeito do momento em que seu cérebro havia trocado o significado de tudo. Não conseguia se entender, não conseguia encontrar as respostas sobre o que fora e o que era, o que realmente queria, para onde iria, o que faria. Porque tudo estava misturado em sua cabeça. Tudo fazia sentido até Draco...

Uma aflição começou a roubar dela o ar e ela cobriu o rosto apoiando-se num dos dosséis da cama. Onde estava Draco? Como que Whitehall ainda estava intacta depois de tudo que havia acontecido? Apressou seu passo sentindo que poderia cair sem forças contra o chão a qualquer momento e foi até uma das janelas. Empurrou a cortina e viu depois do pátio leste a extensão da cidade, seus perfeitos telhados, suas paredes de pedra. Pessoas caminhavam pelas ruas, sem suas capas ou casacos de pesados, aproveitando o sol que brilhava por entre as nuvens brancas que ela rara as vezes havia visto no céu daquele lugar.

Não entendia...

Seu corpo encolheu minimamente quando escutou a porta se abrindo. Era estranho se ver tão frágil quando se lembrava de ter estado tão forte. Virou-se para receber quem quer que fosse a porta de Whitehall. Qualquer um seria uma surpresa, e ver Neville Longbottom parado ali foi uma para ela. Eles se encararam alguns segundos em silêncio. Hermione notou a maleta que ele carregava junto com seu chapéu e ele a notou de volta. As bochechas dele coraram e ele limpou a garganta para se aproximar desviando o olhar.

— É bom de te ver de pé. – Ele disse indo até a cama e pegando um roupão que havia pendurado no dossel. – Tome. – Ele se aproximou e estendeu a peça de roupa sem voltar a colocar os olhos sobre ela.

Hermione se aproximou e pegou o roupão notando antes que o linho da camisola que usava era fino o suficiente para que ele pudesse ver atrás do tecido. Vestiu a pesado e aveludado robe amarrando o na cintura e alisando o semblante da Catedral bordado no peito.

— Esteve apagada por muito tempo. Mais de uma semana. Honestamente, não sabia se iria mesmo acordar. – Neville retomou a fala enquanto colocava sua maleta e chapéu sobre a mesa próximo a lareira. – Na verdade, estou surpreso que esteja de pé depois de ter enfrentado uma magia tão obscura, lendária e ancestral quanto a maldição de Brampton. Não sei como sobreviveu. Creio que nem mesmo Morgana em pessoa teria a coragem de peitar uma maldição como essa. - Ela não queria ter peitado a maldição de Brampton. A queria apenas como aliada. Queria ter extraído forças dela para poder carrega-la sobre Voldemort, para assustar seus aliados. Não esperava fosse ser completamente domada. – Eu verdadeiramente pensei que não fosse abrir os olhos nunca mais, Hermione. – Ele ergueu os olhos para ela. – Pensei que fosse viver presa no mundo dos sonhos. Talvez uma última vingança da maldição que você conseguiu destruir. – Ele apertou um sorriso. – Sempre se provou muito habilidosa em tudo. Desde que a conheci.

Hermione não sorriu de volta. Ainda se lembrava de sentir seu corpo ser puxado para todos os lados, das células de seu corpo quase se desintegrando, da angústia, de não saber exatamente como lutar, de buscar o conhecimento que seu cérebro tinha dificuldade para acompanhar. Morgana não estaria orgulhosa de saber que poderia ter tomado a força daquela maldição para si, mas escolhera lutar contra ela.

Fraca.

Talvez essa fosse a linha que ela passaria para se dividir do que quer que fosse que havia nela sobre Morgana. Não que achasse que conseguisse. Conectar-se a ela agora era completamente inevitável. Mas tentaria. Ao menos tentaria. E aquele seria um bom começo. Desviou o olhar dele para encarar as cortinas que escondiam a vista do pátio leste e da cidade. Tinha mil perguntas entalas em sua garganta.

— Como que a cidade está de pé? – Ela perguntou. Sua voz completamente estranha por não falar por tanto tempo. Tentou limpar a garganta. – Porque as pessoas voltaram?

— Foi uma guerra longa. Um império longo. Essa é a única casa que muitos conhecem. As pessoas fizeram uma vida aqui. – Respondeu ele encarando a luz que passava pelas cortinas assim como ela. – É um lugar definitivamente... Estranho. – Aquele comentário soou quase que mais apenas para si. – Eles levantaram o máximo que conseguiram do lugar em poucos dias. Quero dizer, só a parte ao redor da Catedral. Ainda estão trabalhando nas partes mais distantes. Luna havia me dito que era um lugar grande, mas eu não esperava que fosse tão grande. – Voltou seu olhar para ela novamente. – As pessoas dizem que tudo está diferente agora que aparentemente parece não haver mais a opressão da maldição ou a influência de Voldemort. Para mim se parece apenas com uma fria cidade de pedras. – Hermione voltou a encará-lo. – Tenho te acompanhado desde que a colocaram nessa cama. Acho que sou de confiança. Gostaria de fazer alguns testes agora que está acordada. Poderia se sentar? – Sugeriu ele apontando para a cadeira logo ao seu lado. Hermione apenas piscou calmamente e aproximou-se tomando o assento. Neville abriu sua maleta e puxou uma cadeira para próximo dela sentando-se logo a sua frente. – Como se sente? – Começou ele.

— Exausta. – Ela respondeu.

Ele assentiu como se esperasse por aquela resposta. A instruiu a apoiar o braço sobre a mesa para que ele pudesse medir sua pressão. Hermione o obedeceu e enquanto ele bombeava o apetrecho médico, ela notou que seu anelar, onde sempre carregara o anel Malfoy desde seu casamento, estava vazio. Ela se sentiu completamente nua. Roçou os dedos um contra o outro e a sensação estranha de ter aquele lugar de seu corpo descoberto e exposto tomou conta do seu foco, que só foi quebrado quando escutou a voz de Neville novamente.

— Baixa. – Ele comentou enquanto anotava os números em uma pequena agenda. – Mas não completamente anormal. Um bom sinal.

— Eu aceitaria uma poção para reanimo. – Sugeriu ela, sabendo que o efeito ajudaria na dor de cabeça que sentia.

Neville apertou os lábios de uma forma estranha.

— Talvez fosse bom evitar magia por algum tempo. – Ele pareceu incerto. – Seria uma alternativa para dar seu corpo algum descanso. - Ela soltou o ar cansada. Não dava a mínima e ele pareceu notar que ela pouco se importava com o que quer que ele estivesse fazendo ali. Jogou algumas fortes luzes contra seus olhos e estimulou alguns de seus sentidos. – Preciso fazer algumas perguntas. – Ele anunciou quando terminou seu exame e esperou que ela concordasse. Hermione assentiu. Ele limpou a garganta e puxou sua pequena agenda. – Nome?

— Hermione. – Respondeu.

— Completo. – Pediu.

Ela suspirou. Quis fechar os olhos, mas tentou manter-se comportada.

— Hermione Jane Malfoy.

Houve um silêncio curto entre eles. Sabia que sempre soaria estranho para ele que ela tivesse o sobrenome Malfoy. Talvez para ela também nunca fosse soar certo. Ele ajustou sua postura na cadeira.

— Casada?

— Sim.

— Nome do marido?

— Draco Lúcio Malfoy.

— Filhos?

Seu coração apertou.

— Dois. – Respondeu.

— Nomes. – Pediu ele.

— Scorpius Darion Malfoy e Hera Drina Malfoy.

— Onde se conheceram? Você e seu marido?

— Hogwarts. Primeiro ano. Nos adiávamos. Qual o objetivo disso?

— Verificar se sua memória está intacta ou se foi alterada como mecanismo de defesa. – Respondeu ele. – De que lado esteve durante a grande guerra?

— Do lado que esteve contra Voldemort. – Respondeu ela.

— Alguma organização em específico?

Ela suspirou cansada.

— Ordem da Fênix. Lutei por anos até me deixar ser capturada. Foi quando Voldemort me fez uma comensal e me forçou a casar com Draco. – Adiantou ela. – Os jornais irão te contar uma história diferente. Nunca quis me casar com ele, nunca fui agente dupla. Nunca tive um relacionamento com Draco que não fosse o de inimigos enquanto fiz parte da Ordem da Fênix.

Neville apertou os lábios e assentiu. Estava visivelmente desconfortável. Ele checou algo em sua agenda, moveu-se inquieto e continuou:

— Quem matou Voldemort?

Foi involuntário sentir seu sangue esquentar ao responder aquela pergunta para si mesma primeiro. A saliva quase desceu seca por sua garganta.

— Harry o matou. – Respondeu.

Ele escreveu algo em seu caderno.

— Como se sente a respeito disso?

Ela ergueu as sobrancelhas surpresa por estar ouvido aquela pergunta.

— Eu pensei que isso fosse sobre minha memória.

Neville puxou o ar ajeitando-se em sua cadeira outra vez.

— Hermione. – Mordeu o canto na boca. – É difícil explicar, mas... – Parecia perdido. – Existem coisas obscuras sobre você que talvez não saiba...

— Sei o que sou. – Hermione o cortou. - Morgana conseguiu dividir sua alma em fragmentos ao morrer. Carrego uma parte dela. Sei disso e sei que você também sabe. Uma magia pouco conhecida, mas temida o suficiente para te fazer vir aqui e assumir o papel que está fazendo para se certificar de que não estou pretendendo nada glorioso demais. – Ele desviou o olhar. – Não é necessário que fique desconfortável ou constrangido. Eu sei onde estou. Isso é Whitehall. Estou sendo mantida prisioneira. Não estou?

Neville fechou sua agenda. Massageou a ponte de seu nariz e soltou o ar.

— Não acredito que esse seja o termo correto. – Ele desviou.

Ela suspirou, quase impaciente. Tudo doía, até mesmo respirar lhe parecia um esforço.

— Sei o que eu fiz. Sei o estrago que causei. E sei do potencial que tenho em repetir tudo de novo. Você não precisa ser nada menos do que honesto, Neville.

Um silêncio desconfortável se instalou entre eles.

— É necessário... – Ele limpou a garganta como se estivesse precisando de tempo para encontrar a palavra certa. – Monitora-la.

— Entendo. – Ela respondeu. – Por quanto tempo?

Neville apertou os lábios.

— Pelo resto da vida, Hermione. Sua... condição... não iria pedir menos do que isso.

— Não acha que eu poderia aprender a administrar minha... condição?— Seu coração acelerava com a forma como aquilo estava se desenrolando.

— Essa é a expectativa, Hermione.

— Expectativa? – Perguntou confusa. - Sua?

— Sim. – Ele respondeu. – Me sinto no dever de tentar guia-la. Se quiser, obviamente.

Hermione estreitou os olhos um tanto perdida.

— Por que?

— Por que me sinto no dever? Porque eu quem li os códigos no seu sangue, eu quem o decifrei. Eu quem herdei os arquivos de Snape. Eu quem confirmei ao seu marido sua condição. Eu quem a defendi quanto Gina não viu nenhum uso a sua existência. Eu que estive ao seu lado quando se livrou da marca de Voldemort. Me sinto no dever de guia-la porque depois de tudo que passou, merece um amigo. Um que entende que o modo como foi informada sobre sua procedência foi completamente desumano ao seu psicológico e extremamente perigoso a sua condição. O momento em que se tornou consciente do seu sangue, se conectou com uma parte sua que esteve dormente até então. Não teve aconselhamento, informação, mal soube a extensão daquilo que era, foi obrigada a mergulhar em tudo isso com os olhos vendados, enquanto tinha que enfrentar as ameaças de um império, enquanto tentava proteger os filhos depois de já ter perdido uma, enquanto sabia que a família que a acolhia rejeitava seu sangue.

Hermione puxou ar com dificuldade ao escutar aquilo. Ajeitou-se, gemendo muito baixo, pelo protesto de cada músculo de seu corpo.

— Como sabe de tudo isso? – Perguntou curiosa.

— Tive longas horas de conversa com Draco Malfoy. – Ele respondeu.

— Porque ele não está aqui também?

Neville limpou a garganta.

— É um trabalho árduo e continuo colocar o mundo em ordem depois de tudo que aconteceu. Tem o consumido bastante tempo.

Hermione captou o redirecionamento daquela resposta imediatamente.

— Eu pedi para não ser nada menos que honesto.

O homem moveu-se incomodado. Soltou o ar. Inclinou-se e puxou de sua maleta um familiar medalhão. Colocou-o sobre a mesa bem ao lado dela.

— Malfoy é alguém difícil de ler. Mas se eu tivesse que chutar, poderia dizer que ele está lutando contra a irresponsabilidade de te querer em casa. – Ele acenou para o medalhão que Hermione havia dado a Narcisa antes de fazê-la fugir de Brampton Fort com Scorpius. – Você quis o deixar primeiro. Ele entende que a consequência de não ser capaz de te matar é te deixar livre. Você está livre para ir, ele sabe que não pode te segurar. O medalhão não foi usado, o portal ainda está ativo. Malfoy chegou a conclusão de que a melhor alternativa para o pior dos casos seria usar de outros para te caçar e isso seria o máximo que ele conseguiria cumprir do dever que herdou dos Malfoy com relação ao sangue que você carrega.

Hermione apertou os lábios e fechou os olhos lutando contra o nó em sua garganta.

— E seu eu não quiser ir? – Perguntou com a voz trêmula.

— Então eu estarei aqui amanha novamente. Iremos conversar, estudar caminhos pelo qual seguir para encontrar a melhor forma de se conhecer de um modo saudável e menos arriscado. Minha esperança é que se entenda da melhor forma possível, para ter capacidade de se dividir, se reconhecer, recuperar sua identidade.

— Acha que estou perdida? – Abriu os olhos deixando um par de lágrimas lhe escapar.

— Você não acha que está? – Ele devolveu.

Ela ponderou relutante e acabou por assentir.

— Quero falar com ele. – Disse. – Draco. – Especificou.

Neville suspirou outra vez. Massageou outra vez a ponte do nariz.

— Hermione... – Ele abaixou os olhos. – Não acho que Malfoy tenha planos de vir até aqui. Ele me pareceu bem convencido de que a melhor forma de lidar com isso é saber que a perdeu.

Dessa vez, ela não foi capaz de segurar as lágrimas. Até tentou. Mas acabou tendo que cobrir o rosto. O máximo que conseguiu conter foram seus soluços. Fungou tentando colocar pra dentro seu estado miserável e frágil. Limpou o nariz e o rosto com as mangas do robe grosso sentindo-se uma criança. Céus! Ela entendia. Ela o entendia.

— Eu não pensei que fosse ser a maior das derrotas dele. – Ela justificou soluçante tentando limpar a constante cachoeira de lágrimas. – Draco nunca falhou em cumprir um dever. Abriu mão das próprias vontades a vida inteira para servir os interesses de seu sobrenome. Eu era um dever. Um que ele não foi capaz de cumprir. Nem quando eu o implorei por isso, Neville! – Ela estava consciente de seu choro alto e queria se sentir patética por isso, mas tudo dentro dela doía. – O que acredita que eu fosse esperar de um homem que me ensinou sobre e necessidade e a importância de sacrifícios? Eu estive debaixo do mesmo teto que ele! Fui abraçada, tocada, beijada incontáveis vezes. Eu lia claramente o afeto dele. Mas também tive que lidar com as vezes que segurava seus silêncios e evitava meu olhar. Ele vivia o dilema dele e tudo que me restava era a dúvida. Que outra alternativa eu tive senão testá-lo? E ele não me falhou nenhuma vez! – Tudo nela revirava. Fungou limpando o rosto mais uma vez. – Quando Scorpius foi parar nas mãos de Voldemort e nós deixamos Brampton Fort, ele agiu exatamente como esperava que ele fosse agir. Entendeu que o afeto apenas nos colocava debaixo do medo e passou a tomar decisões como se fosse Lúcio Malfoy. Abandonamos o cuidado de Hera, tive que ouvi-lo mapear estratégias como se Scorpius não pudesse ser usado para nos castigar, vi quando ele cortou os fundos da mãe deixando-a sem acesso a um centavo sequer, escutei todas as vezes em que pediu para que eu não fosse fraca quando sabia que eu queria gritar e fugir do meu dever ao lado dele. Tudo em nome da vitória Malfoy. Eu sei que ele não queria nada daquilo, não queria ser parte de nenhuma daquelas decisões, mas ele entendia que era necessário, mesmo que o doesse tanto. O que esperava que eu pensasse diante disso? Esperava que fosse mesmo acreditar que quando chegasse minha vez ele fosse me colocar acima do sobrenome? Faz ideia da sanidade que isso me custou? Tudo em mim parece ter sido feito para me entregar inteiramente a ele, tudo em mim quer ser totalmente dele, e você não sabe o quanto é exaustivo passar o tempo que passei, me segurando, porque meu racional me alertava constantemente que deveria me proteger.

Chorou. Já estava quase sem forças. Neville se mostrava extremamente quieto em sua cadeira logo a frente dela.

— Sinto muito, Hermione... – Ele soltou quase num sussurro.

Ela negou com a cabeça lutando contras as lágrimas.

— Não. – Cobriu o rosto novamente e tentou encontrar os pedaços de si mesma esparramados em sua mente para tentar se recompor. – Eu quem sinto! Eu quem sinto muito por não ter acreditado que o que havíamos vivido era real. Por não ter visto que se apaixonar por mim havia o desafiado de todas as formas possíveis. Por não ter entendido o valor da união que tínhamos.

— Honestamente, eu acredito que nem ele mesmo entendia. – Neville soltou.

Ela deu de ombros. Soluçou. Procurou respirar fundo e tentar acalmar sua respiração.

— O estrago foi feito de qualquer forma. – Limpou o rosto uma última vez. – Eu o entendo.

Neville puxou o ar. Pressionou os lábios num sorriso cheio de condolências e se levantou. Começou a tirar coisas de sua maleta. Colocou sobre a mesa uma pilha de jornais e outra de cadernos desgastados. Pegou o chapéu e o resto de seus pertences.

— Precisa descansar. Irei pedir para um dos elfos da Catedral lhe trazer algo para comer. – Ele começou sua conclusão. – Os jornais podem te ajudar a entender o que tem acontecido. Os cadernos são anotações de Snape. Podemos conversar mais sobre o que encontrar. Estarei aqui amanhã se também estiver. – Acenou com a cabeça desajeitado e deu as costas indo em direção a porta.

— Neville. – Ela o parou. Ele voltou-se para ela. - Quero ver meus filhos.

O homem abaixou a cabeça e fechou os olhos, soltando o ar como se estivesse exausto do papel que fazia.

— Não acho que queira mesmo vê-los. – Foi o que ele disse.

Hermione não entendeu.

— O que quer dizer? – Perguntou confusa.

Neville suspirou.

— Não acho que queira segurar seus filhos e depois ter que os ver serem levados embora. – Ele disse pesaroso.

Hermione demorou mais do que alguns segundos para processar aquilo. Mas não ficou surpresa no momento em que ela passou a ver o mundo através de lágrimas novamente. Dessa vez, ela já estava tão sem forças que elas apenas pularam de seus olhos livremente enquanto ela se manteve quase sem reação. Tudo em seu corpo tremia.

— Sinto muito, Hermione. – Escutou a voz de Neville bem distante.

Notou quando ele bateu na porta. Alguém do outro lado a abriu e ele foi embora. Hermione apenas ficou onde estava. Sem forças. Frágil. Sozinha. Quis sumir, desaparecer, deixar de existir. Estava sem forças. Ficou ali por alguns longos minutos, chorou o que precisava até sentir a pele de seu rosto irritada pela insistência dela em tenta-la manter seca. Seu corpo reclamou demais por não estar na horizontal e ela acabou por levantar. Gemeu sentido como tivesse sido atropelada.

Foi até o lavatório, onde conseguiu se encarar no espelho. Estava mais abaixo do peso do que se lembrava. Seus olhos estavam fundos e quase sem vida. O desenho de seu rosto não parecia saudável. Estava pálida. Soltou o ar enquanto passava os dedos pelas ondas despenteadas de seu cabelo, agora curto. Queria entender o porque tudo parecia ter acontecido em outro planeta, tudo dentro de sua cabeça.

Deu as costas para o seu reflexo não querendo ter que lidar com o conflito de ver uma mulher que nunca pensou que fosse ser. Foi até a banheira e começou a enchê-la notando que seu corpo pedia para ser limpo assim como seus músculos gostariam de algo que pudesse aliviar um pouco da exaustão. As lágrimas já pareciam um acessório natural do qual ela teria que aprender a gostar. Livrou-se da estranha roupa que usava e enfiou-se na água quente assim que estava cheia o suficiente para cobrir o corpo dela. Ainda deixou que a água rolasse por um bom tempo até quase fazer transbordar.

Fechou os olhos com a água lhe cobrindo até o queixo. Sentir-se sozinha e perdida. Tentava encontrar sua identidade, mas não conseguia colocar sua cabeça no lugar. Ela se lembrava de ter sido a heroína da Ordem da Fênix. Lembrava-se de ter protegido Harry Potter. Lembrava-se do medo de ter sido capturada. Lembrava-se do dia do seu casamento com Draco Malfoy. Lembrava-se da ânsia de querer salvar seus filhos. Lembrava-se de ter aceitado se fazer uma Malfoy, de ter esperado que isso a tornasse forte. Lembrava-se do crescente medo e ódio por Voldemort. Lembrava-se das incertezas que o silêncio de Draco lhe provocavam, dos embates que vivia entre os dias que ele sorria com ela e os que se afastava cochichando com a mãe a olhando por cima dos ombros. Lembrava-se de ter sido colocada no escuro quando via a crescente divisão da Catedral, de Brampton Fort, do departamento de Draco enquanto tinha o marido em casa lhe falando que tudo estava sob controle. Lembrava-se de ter se sentido vulnerável e furiosa quando tudo desmoronou, quando precisou fugir de Brampton Fort as pressas, quando soube que seu filho estava nas mãos de Voldemort, quando caiu e não soube lutar contra a força da Marca Negra que quase a matou. Lembrava-se de ter visto sua identidade Malfoy ruir a medida que os dias passavam e ela se via cada vez mais distante de seus filhos, de seu marido, do castelo de areia que haviam vivido. Lembrava-se de ter esperado que isso fosse a deixar forte, que isso fosse lhe trazer mais razão e menos sentimento para pode sacrificar o que fosse necessário para finalmente ter um fim. Talvez assim ela pudesse provar a lógica da frieza Malfoy. Mas no fim das contas, qual foi o fim? O fim. Era esse o fim? Voldemort estava morto. Lembrava-se de ter se visto tão frágil, e sem se dar a alternativa de procurar o afeto de sua família para lhe acalentar, procurou por Morgana. Lembrava-se de ter procurado pela força dela, pela maneira dela, pela vingança dela. Lembrava-se de ter se reescrevido, de não ter se deixado derramar mais lágrimas, de não esperar por ninguém. Lembrava-se de como havia sido natural, fácil, rápido, de como aquilo a dominou tão intensamente. Lembrava-se de ter se sentido livre, até se ver acorrentada a todas aquelas forças quando tudo escapou de seu controle, quando desejou querer que o mundo se ajoelhasse por teme-la. Viu-se morrer aos poucos, sair de seu próprio controle, adquirir vontades que se ver completamente reprimida e longe de poder fazer soar sua própria voz. Talvez os Malfoy tivessem razão. Talvez ela fosse perigosa demais para existir. Céus! O desespero de se ver perdida dentro de si mesmo, presa dentro de si mesmo! Ela não sabia qual força vencer. Morgana ou a maldição? Elas se completavam, a usavam e ela se viu completamente fora de controle. Lembrou-se de como a presença de Draco lhe trouxe claridade. Lembrou-se do pedido desesperado que fez a ele, para que pegasse a arma e lhe desse um fim. Lembrava-se de ter almejado com vontade a paz que sabia que viria no momento em que sentisse a maldição que colocara sobre a arma paralisar seus sentidos. A morte. Vinha sempre acompanhada da paz.

Soltou o ar e afundou-se por inteiro debaixo da água.

Fraca.

Almejou pela paz, mas ela não veio. Esperou pelo som do estouro que fosse acabar com todo o seu conflito, a dor de ser tomada pela força de Brampton, a opressão da vingança de Morgana fluindo por ela. O fim não veio para ela. O que se lembrava era a voz profunda e dolorosa de seu marido fazendo ecoar para dentro de sua mente que a amava. De repente tudo pareceu voltar para o seu lugar. De repente ela se achou em algum lugar no meio de toda aquela loucura. De repente se viu forte. De repente ela quis gritar para ele que também o amava, que havia o amado muito antes dele mesmo se dar conta, que havia sido exaustivo ser cautelosa. Mas estava a mil montanhas longe de poder ter a voz, sua voz, para deixa-lo saber disse. Mas nunca teve tanta disposição para vencer todas essas mil montanhas. E foi a pior dor de sua vida inteira. A força daquela maldição era tão palpável e estava tão presente. Mas ela lutou. Ao mesmo tempo que conhecia aquela magia, a matava. Cada elemento. Cada princípio. Cada ligação. Matou um por um na mais árdua e espontânea guerra que seu cérebro e sua capacidade mágica já havia travado. Ela pensou que fosse morrer, que fosse se partir ao meio, que o mundo fosse engoli-la. Mas quando pensou que o fim não fosse chegar, que não era forte o suficiente, sentiu a magia se desintegrar e se dissipar. Lembrava-se de não ter a mínima ideia se estava inteira ou não, mas sentiu os braços de Draco a envolverem. Queria ter dito que o amava, mas sabia que o homem que nunca aceitara uma derrota na vida, estava ali, completamente derrotado, segurando nos braços uma das maiores ameaças a pisar na terra, consciente da própria incapacidade de dar um fim a ela. Que outra escolha ela teria senão se desculpar?

Fraca.

Não. Não era. Mas, quem era? Hermione Malfoy? Hermione Granger? Hermione, descendente de Morgana? Era vingativa? Poderosa? Heroína? Leal? Honrada? O que era? Quem era?

Emergiu da água quando seu pulmão se desesperou por oxigênio. Puxou o ar enchendo o peito. Encostou o rosto contra a porcelana da beira da banheira e chorou deixando as lágrimas rolarem sabendo que não havia ninguém por perto para vê-la tão frágil. Sentiu falta da Hermione, descendente de Morgana, que não se permitia uma lágrima sequer. Sentiu falta da Hermione Malfoy, que se enxergava acima do mundo. Sentia falta da Hermione Granger, ingênua, que apenas queria cumprir seu papel de heroína.

Cansada. Exausta. Perdida. Deixou o tempo passar enquanto se permitia externar aquilo que a enchia. Queria deixar de sentir. Mas sabia que a última vez que se empenhara em livrar-se de seus sentimentos, daquilo que a deixava frágil, daquilo que a cegava, acabara se tornando alguém que agora, temia.

A exaustão lhe venceu e acabou perdendo os sentidos ao entrar no mundo dos sonhos contra sua própria vontade. Quando voltou a abrir os olhos, a água estava fria, seus dedos enrugados e tudo estava escuro. Saiu da manheira, vestiu o robe da Catedral e arrastou-se para a cama, onde deitou e se aproveitou de como se sentia anestesiada para cair no mundo dos sonhos novamente. Acordou e tudo estava claro novamente. Ela não via o sol bater diretamente contra as janelas, o que dava a entender que não era mais manhã. Estava perdida no tempo. Nos dias. Levantou-se. Seu corpo protestou. Não como antes. Mas ainda dava sinais de sua fragilidade.

Arrastou-se pelo quarto até a mesa próximo a lareira. Havia uma jarra de água junto com copo vazio, uma pobre seleção de frutas e torradas. Ela escolheu as torradas depois de molhar a boca com água. Não tinha fome, mas sabia que precisava de algum tipo de alimento. Seus olhos caíram sobre o medalhão, que havia dado a Narcisa, ainda em cima da mesa. Suspirou e o pegou. Seu coração apertou e ela se permitiu sentir sua dor.

Foi até o closet e viu uma enorme seleção de roupas finas, caras e escuras. Narcisa havia sido a última ocupante daquele quarto. Ela estava de luto. Hermione passou os olhos por algumas, procurando por uma que fosse, discreta. Todas eram. Soltou o ar frustrada e apertou o medalhão em sua mão. Sentiu inveja da Hermione decidira que dera aquele medalhão para Narcisa. A lógica que havia carregado ali havia sido cega, mas ao menos havia nela algum senso de liberdade, de irresponsabilidade. Soltou o ar irritada e voltou para o quarto. Largou o medalhão sobre a mesa.

Seus dedos moveram-se discretamente contra o espaço vazio que havia em seu anelar, onde por tanto tempo carregada o anel da família Malfoy. Vazio. Era tudo que sentia agora. Puxou alguns jornais e foi até a janela. Empurrou a cortina e sentou-se no vão fundo para ver a vida se desenrolar do lado de fora. Ao longe ela pode notar um grupo de bruxos que parecia trabalhar na reconstrução de algumas partes claramente em ruínas. Não sabia quanto tempo exatamente havia se passado desde que desacordara, mas era louco para ela ver as pessoas ali. Andando e vivendo naquela cidade, como se tivesse esperado pelo momento em que pudessem retornar. Havia mais gente na rua do que algum dia houvera quando Voldemort ocupara a torre principal da Catedral. Ela já podia construir a lógica de fazer a cidade bruxa de Brampton Fort entrar no mapa. Era claramente valiosa agora que ela havia conseguido eliminar a maldição das terras. A quantidade de oportunidade juntada a curiosidade alheia abria o mercado, trazia mais pessoas para o local, mas dinheiro, mais investimento, mais interesse. O Ministério daria incentivo, tentaria provar que a cidade era segura, buscaria diversificar seu público para que não fosse apenas o local onde habitava todos os antigos aliado de Voldemort. Não duvidava que em alguns anos, Brampton Fort competiria com todas as principais comunidades bruxas espalhadas pelo norte da Europa.

Ela sempre se lembraria daquele lugar como frio, hostil, cinza. Por vezes até mesmo, assustador. Para ela, o espírito de Voldemort sempre estaria ali, procurando uma forma de atormentá-la. Mas apesar do pesadelo que Brampton Fort significava para ela, era impossível não ver aquele lugar como sua casa, seu lar, o lugar onde se transformara, crescera, aprendera, o lugar onde assumira papeis inimagináveis, o lugar onde se casara, onde se tornara mãe, onde se apaixonara pelo homem que havia odiado a vida inteira.

Ficou ali. Remoendo seu vazio, tentando encontrar um lugar em sua mente onde podia se firmar para tomar alguma atitude. Mas continuava perdida. Viu a noite cair aos poucos conforme as horas foram passando. Quanto mais o tempo passava, mais se convencia do porque havia suplicado para que Draco pegasse a arma guardada em sua capa.

Fechou os olhos e lembrou-se de seus pais, da sua infância, dos anos de Hogwarts. Lembrou-se dos sonhos que havia tido, daqueles que havia amado, dos hormônios da adolescência, das aventuras e dos amigos que agora viviam vidas longe da dela. Aquela guerra havia estragado muita gente. Para ela, havia trazido a superfície o pior que havia dentro de si. Não conseguia confrontar tudo isso agora que havia encontrado o fim.

Leu algum dos jornais sob a luz da lareira quando abandonou a janela. O Primeiro Ministro Isaac Bennett fazia seu serviço como porta voz do novo governo. Parecia havia uma discussão sobre a reabertura do parlamento. Provou-se certa quando leu sobre as regulações e abertura da nova cidade de Brampton. Leu uma nota sobre a animadora recuperação de Harry Potter e outra sobre as viagens internacionais de Draco Malfoy, em sua tentativa de reunificar as nações bruxas debaixo da antiga ordem. A prisão de Azkaban tinha uma página quase inteira em sua dedicação. Era composta pela enorme lista com nome de capturados e procurados. Parecia haver uma discussão sobre a aplicação de pena de morte para algum dos nomes. Ficou curiosa com uma nota a seu respeito. Estava em evidência e ela a leu com atenção.

“...Após continuas tentativas de reanimo, Hermione Malfoy continua inconsciente em seu quarto na Catedral, onde boa parte dos departamentos do Ministério se instalaram para melhor funcionamento, enquanto a magia de segurança do Ministério ainda não é reestabelecida. Apesar do quadro da Sra. Malfoy ser indefinido, ela continua recebendo os cuidados necessários no único lugar seguro o suficiente para abriga-la, por enquanto. Draco Malfoy continua se recusando a comentar sobre a esposa e apenas pede que respeitem o momento delicado pelo qual a família vem passando. Hoje se completam dez dias desde o anúncio de que a excepcional bruxa sucumbiu a exaustão após batalhar o fim da maldição das terras de Brampton. Essa semana o Ministério da Magia soltou uma nota oficial em agradecimento histórico pelo esforço da brilhante mente por trás da queda de um dos maiores tiranos da história bruxa. Em um depoimento, Draco Malfoy esclareceu que implorou para que a esposa não usasse de sua extraordinária habilidade mágica para deter Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado, mas que não se surpreendeu de vê-la sacrificar-se tão heroicamente. Depoimentos de homens e mulheres que estiverem no centro daquele campo de batalha, detalharam a dificuldade em enfrentar a intensidade da maldição que a controlou. Fontes próximas a família informam que Draco Malfoy está esperançoso, e que acredita que a mulher está lutando para recobrar a consciência do mesmo modo como foi forte e lutou para vencer a maldição....”

Hermione ergueu os olhos cansada do que estava lendo. Óbvio que Draco encontraria uma forma de criar uma narrativa para imprensa. Tudo era sempre uma mentira e uma distração na mídia. Tentou desvendar qual seria a história que ele soltaria caso ela resolvesse usar o medalhão. Caso escolhesse provar ao mundo a força do sangue que carregava. Deixou os jornais de lado e fechou os olhos para sentir a dor da prisão que viveria para o resto da vista, sabendo que aquela escolha não seria sua e sim de Morgana.

Arrastou-se para a cama outra vez e ficou ali até cair novamente no sono. Teve sonhos estranhos, mas soube que era sonhos. Acordou com a luz em seu rosto a incomodando. A cortina ainda estava aberta e ela levantou para fechá-la. Foi até o banheiro. Encarou-se no espelho. Ainda era uma estranha. Não teve animado para nada, mas teve fome. Comeu um novo prato de torradas e frutas. Sua mente a atormentou e ela chorou, mas dessa vez, conseguiu encontrar uma forma de se controlar, apenas porque estava irritada de ter que limpar o rosto constantemente. Encarou as quatro paredes por um bom tempo e quando pensou em ir buscar os cadernos que Neville deixara, escutou alguém bater na porta.

Hesitou por um minuto. Depois esperou para que a pessoa se mostrasse. Mas acabou se levantando e indo até a porta quando percebeu que ela teria que ir receber sua visita. Neville estava do outro lado. Carregava a mesma maleta e seu chapéu. Ela deu espaço para que ele entrasse e ele assim o fez.

— Vim ontem, mas você estava dormindo. – Ele anunciou. – Sei que é importante que descanse, portanto decidi não a incomodar. Como se sente? – Perguntou descansando seus apetrechos na mesa, como no primeiro dia.

— Cansada. – Respondeu. – Meu corpo inteiro dói.

Ele assentiu.

— Posso conseguir alguns remédios trouxas, se quiser tentar. Não acho que irá funcionar. Seu esforço não foi apenas físico e sei que ainda deve haver resquícios da magia que derrotou ainda sendo processados pelo seu organismo. É importante que descanse. – Ele informou. Ela assentiu.

— Quando foi que se tornou medibruxos? – Ela indagou sentando-se na mesma cadeira que havia sentando quando conversaram pela primeira vez. Neville fez o mesmo.

— Posso falar apenas do seu caso. – Ele respondeu. – Não sou nenhum entusiasta. A verdade é que Malfoy não quer ninguém em contato com você, tenho que fazer meu melhor se quiser te ajudar. Tudo que eu tenho é um monte de informações soltas. Malfoy me conseguiu uma autorização do Ministério para ter acesso as coisas de Snape e preciso colocar tudo em ordem...

— Pare. – Hermione o cortou e ele engoliu rapidamente as palavras. – Assinou algo com Draco? – Neville fez que não havia entendido a pergunta e Hermione reformulou. – Disse que Draco conseguiu uma autorização do Ministério para que você tivesse acesso aos pertences de Snape. É exclusivo?

— Sim. Ninguém além de mim pode colocar as mãos em nada do quarto dele, do cofre, herança, nada. Nenhum pertence de Snape pode ser manuseado por ninguém que não seja eu. – Neville parecia incerto ao dizer aquilo, talvez por estar lendo a reação dela.

— Draco te fez assinar acordo de confidencialidade? – Ela perguntou e ele assentiu, confirmando que havia. Hermione fechou os olhos e soltou o ar, não aliviada, mas minimamente preocupada. – O Ministério está envolvido?

— Não. É um acordo apenas com os Malfoy. – Ele disse.

— Neville... – Ela fez uma careta. – Não deveria assinar coisas com Malfoys. As consequências podem ser cruéis.

— Eu sei. – Ele apressou-se a dizer. – Assinei muito consciente do que estava fazendo. Sei ao que estou me prendendo. Malfoy foi quem me procurou e o fiz pela minha própria segurança. Ele quem quis o acordo e foi bem claro quanto aos interesses que tinha. Foi a forma mais fácil dele conseguir agarrar as coisas de Snape antes que o Ministério tivesse posse de tudo. Snape guarda muito sobre você e os seus filhos. Malfoy não queria que isso fosse parar nas mãos do Ministério.

— E por que ele confiaria em você? – Ela indagou sabendo que um assunto severamente privado como aquele colocava Neville numa situação delicada dentro de qualquer acordo que pudesse ter assinado.

— Talvez pelo mesmo motivo que você confiou a mim o arco do véu. Era bem óbvio que não havia mais nenhuma intenção da parte dos Malfoy em devolvê-lo para o Ministério, mesmo se Voldemort caísse. Você me isolou, colocou o artefato, já da sua família, nas minhas mãos.

— Você é inteligente. – Ela justificou.

— Sim. Mas também sou passivo. Submisso. Facilmente manipulável. – Pontuou ele. – Você aprendeu a ser uma boa Malfoy e não há dúvidas de que seu marido é o melhor deles. Não sou idiota. Sei que sou uma peça fácil no jogo de um Malfoy. Seu marido precisa ser orientado quanto aos filhos, com provas concretas. Precisa saber como cria-los, como ajuda-los, como torna-los grandes. Eu sou o peão perfeito. Obediente o suficiente e com um cérebro de não se jogar fora.

Hermione sabia que o medo era o pior inimigo de Neville.  Era por isso que ele sempre optara por se esconder atrás dos livros, atrás de suas pesquisas, suas curiosidades. Neville havia assinado aquele acordo por medo. Com Snape e Gina Weasley mortos, ele era o único fora da linhagem Malfoy que carregava o segredo de Hermione, Scorpius e Hera. O acordo de lealdade e confidencialidade era uma garantia de sua própria segurança. Ele agora estava debaixo das asas daqueles que poderiam o destruir.

— Não pode cometer erros, Neville. Draco não é naturalmente inclinado ao perdão e o mundo que ele faz parte aceita crueldade com muita naturalidade. Não deveria ter assinado nada com um Malfoy, mas entendo o porque o fez. Se for leal, ele irá te proteger a todo custo.

Neville assentiu.

— Não é como se me afiliar de forma tão oficial a família Malfoy fosse um sacrifício, Hermione. A essa altura, tem gente se matando para conseguir cinco segundos com um Malfoy. – Ele puxou seu caderno, o abriu e a encarou concentrado. – Pronta para conversar?

Hermione deu de ombros. Era melhor do que estar sozinha. Ele usou novamente das luzes em suas pupilas. Testou alguns de seus sentidos e fez novamente as mesmas perguntas da primeira vez. Nome. Estado Civil. Filhos. História. Hermione as respondeu, tentando entreter-se com a interação.

Então eles conversaram. Neville parecia apenas um curioso e Hermione se deixou ser levada pelo direcionamento dele. Sabia que era mais um objeto de estudo ali do que qualquer outra coisa, mas ela contou sobre nunca ter se achado diferente de nenhum outro bruxo. Contou sobre sua obsessão por se provar merecedora em Hogwarts, apenas porque sabia dos estigmas sobre Nascidos Trouxas. Nunca imaginou que ser capaz de projetar feitiços sem sua varinha fosse uma habilidade especial. Minerva havia lhe dito que aquilo era apenas reflexo de sua extrema dedicação ao conhecimento mágico. Nunca, em um milhão de anos, ela iria sequer ter imaginado que podia carregar uma gota de sangue de uma das mais clássicas figuras bruxas da história da magia.

Quando Neville a perguntou sobre como acreditou na revelação de sua descendência, ela trouxe a referência da pedra da família Malfoy, presenteada por Merlin. A pedra não permitia que ela a tocasse. Também contou sobre o efeito que seu sangue teve na transformação da aparência de Lorde Voldemort. Contou sobre ter passado a se explorar e descobrir elementos de si mesma que a surpreenderam. Sobre como estranhos sonhos que sempre tivera desde criança passaram a fazer sentido. Ele pareceu curioso com os sonhos e ambos começaram uma longa discussão sobre detalhes e significância.

Chegaram juntos a conclusão de que havia um padrão no modo como Hermione se sentia em seus sonhos e o modo como havia se conectado as suas surpreendentes habilidades. A sensação de algo claramente alienígena, algo que não parecia exatamente parte dela. Um intruso. E foi ali que eles pararam. Neville foi embora e Hermione ficou ali, remoendo sua solidão para o resto do dia. Ousou ler algum dos cadernos de Snape, mas pareciam cheios de códigos e ela não tinha a motivação que precisava pra estuda-los de verdade.

Enfiou-se na banheira quente para tentar aliviar a tensão de seus músculos. Comeu duas colheres de sopa. Dormiu. No dia seguinte, Neville voltou. Eles conversaram mais. Especularam. Hermione contou sobre sua vida com Draco. Sobre seu casamento. Sobre os medos e sentimentos daquele início. Dos desafios dos primeiros meses. Sobre a culpa que carregou por tanto tempo, quando desprezava Draco, mas ao mesmo tempo o desejava. Sobre como o usou para alívio físico e como aos poucos se viu querendo mais e mais da atenção dele. Contou sobre sua primeira gravidez. Sobre o peso cruel que se viu carregar quando perdeu a primeira filha. Sobre como aquilo uniu ela e o marido. Chorou outra vez e Neville foi embora.

Ela repetiu o mesmo do dia anterior. Acabou por se ver passar horas encarando a vida lá fora pela janela. Lia os jornais que Neville trazia para ela, mas seu interesse por tudo diminuía muito rapidamente. Dormiu e recebeu Neville outra vez no dia seguinte para mais uma rodada de especulações. Dessa vez, Neville trouxe ideias mais consistentes e sugeriu exercícios. Hermione se recusou a fazê-los e eles discutiram mais uma vez sobre os sentimentos dela, seus medos, seus julgamentos. Perguntou pelos filhos e Neville desviou do assunto. Perguntou sobre Draco e ele fez o mesmo.

A rotina veio como um alívio para a existência patética que ela tinha dentro daquelas quatro paredes. Neville sempre vinha pela manha e eles passavam horas se debruçando em estudos e documentos de Snape. Hermione ainda se recusou a tentar qualquer atividade mágica. Ela sempre perguntava sobre os filhos e tudo que recebia de volta era que estavam bem, estavam saudáveis e estavam felizes por terem um ao outro. Os dias foram se passando e ela não teve interesse de conta-los ou de saber em que momento do calendário estavam. Ela apenas... existia. Neville tentava lhe passar algumas informações sobre o mundo do lado de fora. Sobre as discussões atuais. Sobre as vidas de seus amigos, Harry, Rony, Luna, família Weasley. Hermione tentava perguntar sobre seu círculo social, mas Neville nunca tinha respostas muito concretas. Não era a vida dele. Morava atualmente numa das novas pousadas no centro, próximo a Catedral e afiliava-se somente com Draco. O que não permitia que fosse inserido propriamente no mundo da elite bruxa.

Não soube exatamente quanto tempo se passou, mas numa das visitas de Neville, antes de ir embora, ele parou próximo a porta e, quase que hesitante, disse que poderia tentar ver se conseguia trazer Scorpius e Hera para que ela pudesse os ver. Ela não soube exatamente como reagir além de beirar o choro. Seu estado frágil e sensível e de medo era tudo com o que ela sabia conviver. Sabia que não merecia nenhuma ajuda dele ou nem mesmo a companhia que vinha recebendo. Sem muitas palavras, apenas disse que não saberia como pagá-lo se pudesse ter um segundo com os filhos que fosse. Ele assentiu, informou que tentaria e deu as costas para ir embora.

— Neville. – Hermione o chamou antes que ele fosse. Neville parou e tornou a encará-la, sentada no vão da janela, vestida num das roupas de luto que havia no closet de Whitehall, mesmo que não fosse seu tamanho. – Sinto muito. – Ela teve que soltar.

Ele não entendeu.

— Por? – Indagou confuso.

— Eu matei Gina.

Neville soltou o ar. Fechou os olhos e pareceu envelhecer oitenta anos em segundos. Ele não parecia preparado para ter que lidar com aquilo.

— Sim. – Começou parecendo muito cansado. – Muitos não sabem disso, mas eu sei. – Disse. – Os Weasley também sabem, mas... eles têm um coração bom, Hermione. Sempre vão se importar com você, não acho que na cabeça deles, eles te vejam como menos do que uma outra filha. Mas não espere mais nada caloroso. – Ele disse e ela assentiu.

Hermione suspirou. Entendia havia destruído seu relacionamento com os Weasley. Queria poder arrepender-se, mas já era tarde demais.

— Sei que a amava. – Disse a ele.

Neville abaixou os olhos a soltou um riso fraco. Fez uma careta e negou com a cabeça.

— Nós todos a amávamos. Quero dizer, a convivência com Gina era extremamente difícil, Hermione. Mas todos queríamos apenas ajuda-la a sair do buraco a qual se colocou. Era um esforço inútil que nunca trouxe qualquer resultado que não fosse o negativo, mas todos estivemos lá por ela e pelos Weasley. Mas... engana-se ao pensar que eu a amava. Ao menos, não da forma a qual está se referindo.

Hermione estreitou os olhos confusa. Era quase senso comum que Neville tinha sentimentos por Gina.

— Você nunca negou o fato de todos acreditarem que a queria. – Hermione questionou. – Por que? O que estava tentando esconder?

Neville mostrou-se incomodado imediatamente. O silêncio foi estranho entre eles enquanto o homem se movia de acordo com a guerra que acontecia dentro de sua cabeça.

— O impacto que você teve na vida de Harry fez com que ele não tivesse olhos para ninguém mais. E a pressão que eu sabia que Gina tinha sobre o psicológico dele, tendo que lidar com alguém que não era menos que obcecado por ele, me fez chegar a conclusão que talvez não fosse a melhor ideia adicionar mais um elemento a essa sopa.

Hermione ergueu as sobrancelhas surpresa. Era a última coisa que ela esperava ouvir. Não soube como reagir por alguns segundos.

— Oh, Neville. – Ela soltou. Harry estava em Londres, em um péssimo estado, internado no St. Mungus. Muito longe da hospedaria onde Neville morava temporariamente. – Por que está aqui? Sei que iria querer estar ao lado dele.

Neville negou com a cabeça.

— Harry e eu não somos uma possibilidade, Hermione. Ele nunca vai passar por cima do que vocês dois tiveram. Eu não pretendo parar minha vida por algo que nunca vou ter, nem espero lamentar o resto dos meus dias, como Gina, o fato de que ele nunca irá olhar para mim. Harry é um amigo e agora é disso que ele precisa: amigos. – Ele apressou-se para esclarecer. Parecia muito bem resolvido. Hermione apenas assentiu concordando com a decisão que ele tomara com relação a isso.

— Não acha que ele mereceria ao menos saber sobre o que sente? – Questionou dela.

— Harry não precisa de mais isso. – Ele informou. – Ele já tem demais no próprio prato. Tem seus próprios monstros pra vencer. De todos nessa guerra, ele foi quem carregou o maior peso e por mais tempo que todos nós. Somos bons amigos e sei que no momento que ele souber o que sinto, as coisas vão mudar, e ele irá sentir que estará perdendo um amigo. Ele não precisa disso. Serei o amigo que ele precisa e fim.  – Neville suspirou. – Guardo o seu segredo, Hermione. Guarde o meu.

Hermione apertou os lábios. Assentiu. Sabia que Neville acabaria eventualmente encontrando alguém com quem provavelmente dividiria algo muito mais saudável. Fazia bem em desassociar-se do trabalho que seria ter que lidar com Harry e toda a carga que vinha junto com ele. Qualquer relacionamento com Harry era trabalhoso. Ela bem se lembrava de todo o trabalho que havia sido quando abraçou todas as nuances de Harry Potter e suas sombras.

Disse a Neville que torcia para que ele encontrasse alguém em sua jornada. Agradeceu pela tentativa que ele faria de trazer Hera e Scorpius e eles se despediram outra vez. Naquele dia, ele tirou mais tempo do que o usual para encarar a vida acontecendo do lado de fora. A paisagem mudava constantemente a medida que mais e mais pessoas chegavam a cidade. Hermione podia apenas imaginar os investimentos que fluíam para dentro daquele lugar.

Levantou-se como sempre, foi até a banheira e tomou seu longo banho. Pegou qualquer outro vestido do closet e o vestiu. Olhou-se no espelho. Era irreconhecível. Aquela estranha figura magra, de olhos fundos e pele malcuidada. Precisava pentear o cabelo, mas não iria. Precisava hidratar seu rosto, mas não iria. Precisava comer mais, mas não tinha fome. Seus olhos estavam opacos. Ele as vezes perguntava: “quem é você?”, para si mesma, enquanto se encarava ali.

Deu as costas e ignorou os livros que havia prometido a si mesma que leria. Encolheu-se na cama o resto do dia. Era incrível como sabia que deveria estar indo a loucura. Sabia que deveria estar querendo derrubar todas aquelas paredes, que deveria estar querendo se entreter, ser produtiva, otimizar seu tempo. Mesmo que fosse naquele espaço. Naquele exílio. Mas ela conhecia aquele sentimento. Aquele que a colocava deitava naquela cama sem a vontade de levantar para fazer qualquer outra coisa.

Podia fechar os olhos. Chorar até cansar. Dormir. Repetir o mesmo ao acordar. Já havia vivido aquele ciclo quando perdera sua primeira filha. A diferença era que daquela vez, a cama lhe parecia uma prisão que ela não conseguia vencer. Agora, o quarto onde estava era uma gaiola segura de onde ela não queria sair. A cama era o lugar onde ela merecia ficar. Ali ela estava contida, não poderia machucar ninguém ou destruir nenhuma cidade. Ali ela não dava a chance de Morgana ter sua vingança, beber sua vitória. Ali, com o espaço neutralizado, ela não podia praticar magia nem que tentasse. Talvez, com o tempo, aceitasse sua condição e ao invés de querer passar o dia encarando a vida lá fora, ela pensasse em pelo menos começar a ler novamente.

No dia seguinte, Neville não apareceu. Hermione estranhou, mas não lhe fez muita diferença. Queria ver os filhos ao mesmo tempo que não queria. Que tipo de mãe era? Mal estava se dando o trabalho de trocar de roupa. Que mulher ela queria que seus filhos vissem quando passassem por aquela porta. Não esperou por ninguém. Mas chorou ao tomar consciência de que não só seria exposta aos filhos como estava agora, como os veria serem tirados de seus braços quando fossem levados embora.

No outro dia Neville também não apareceu. Hermione continuou a esperar por ninguém. Colocou-se na banheira tentando aliviar os últimos resquícios das dores que seu corpo ainda sentia. Vestiu mais um dos vestidos pretos que escorriam por seus ombros e não fechavam direito em sua cintura e observou a vida lá fora sentando-se no vão da única janela que usava.

Era início de tarde quando sua porta foi aberta e alguém entrou, sem avisar, sem bater, sem respeitar que o espaço fosse dela. Hermione não se moveu ainda encarando a vida lá fora, sabendo que quem quer que fosse, não faria diferença.

— Hermione? – A voz feminina e quase perdida soou as suas costas.

Hermione fechou os olhos já se sentindo exausta. Com calma, e quase que com preguiça, ela se moveu muito devagar virando-se para encarar Narcisa Malfoy, parada no meio do quarto, com a postura firme de sempre, vestida em sua constante elegância. Elas se encararam, e foi tempo o suficiente para que Hermione conseguisse ler o desconforto da mulher de estar ali, e o modo como lutava para não se desestabilizar ao ver a figura de uma Hermione completamente vazia. Foi imediatamente claro e visível que ela não estava esperando aquela visão.

Hermione a viu perder a postura aos poucos, a medida que se encaravam em silêncio. Conseguia ler pouco do dilema que Narcisa parecia remoer parada ali, mas era nítido a luta que acontecia dentro da cabeça da outra mulher. Ela tomou o ar duas vezes e abriu a boca, como se fosse falar algo, mas nada saiu.

— Como você está? – Ela finalmente deixou sua voz soar outra vez. Não havia uma gota de confiança em seu tom.

Hermione a encarou tentando encontrar uma forma de simpatizar com a figura dela novamente como um dia já havia.

— Não me parece ter vindo até aqui com o intuito de saber isso. – Ela devolveu.

Narcisa puxou o ar e desviou os olhos, claramente desconfortável.

— Eu... – moveu-se minimamente, sem saber para onde ir. – Vim aqui como uma mãe, falar com uma mãe. – Ela pareceu tentar acertar a postura. – Scorpius e Hera estão sendo bem cuidados. Estão saudáveis. Eles não têm autorização para vir aqui e isso não vai mudar.

Tudo começou a fazer sentido dentro da cabeça de Hermione. Não podia imaginar que tipo de discussão Neville havia entrado com Narcisa ou Draco sobre levar os filhos até ela, mas sabia que algo havia acontecido. E havia sido o suficiente para fazer Narcisa ir até ela. Apenas assentiu em resposta, mostrando que havia entendido o recado.

— Obrigada por cuidar deles. – Foi tudo que respondeu.

Narcisa ergueu as sobrancelhas mostrando-se confusa com o que havia escutado.

— É isso? – Indagou a encarando. – Não vai brigar pelo direito que tem sobre eles? Ainda mais depois de ter tentando me usar para poder fugir com os dois?

Hermione suspirou e fechou os olhos quando encarou o fato de que queria fugir daquela discussão com ela. Puxou as pernas e a abraçou, encostando a cabeça contra o vão do nicho da janela. Não estava pronta para ser acuada sem desmoronar.

— Convivi tempo o suficiente como você para entender o porque acredita poder me julgar por querer ir embora com meus filhos. – A encarou. - Para longe de uma família que planejou meu fim desde o inicio. Uma família que tinha o intuito de me usar. Uma família que colocou o próprio filho debaixo de uma mentira.

Narcisa pareceu imediatamente ofendida.

— Isso foi Lúcio! – Retrucou.

— E você! – Hermione devolveu. – Você aceitou!

— Eu não tive escolha! Eu nunca tive outra escolha, Hermione! Tinha um papel a cumprir, mas acha mesmo que eu queria...

— Minha morte? – Cortou a mulher. – Não acha que consigo ler estampado em sua cara que nunca me quis morta? Não tenho nenhuma dificuldade de ler isso em você. Nunca tive. O problema é que você nunca colocou isso a frente do seu dever, do seu papel como Malfoy. – Soltou o ar exausta, sabendo que não tinha forças para qualquer discussão com a mulher. Tudo nela doía para que pudesse se expor diante daquele confronto. Não demorou a ter os olhos embaçados. Cobriu o rosto querendo soltar um palavrão alto por estar novamente sendo obrigada a sentir as lágrimas cobrindo seu rosto e o nó apertando sua garganta. Limpou as lágrimas com rapidez antes que elas escorressem seu rosto e precisou respirar fundo, não querendo deixar a dor dentro dela vencer. – Me deixe julgá-la por isso se for me julgar por eu querer ir embora com meus filhos.

Quando voltou a poder encarar Narcisa, a expressão inabalável da mulher dissolvia. Havia dor em seus olhos e era muito legível. Ela pareceu engolir tudo o que havia preparado para dizer naquela visita que fizera, deu as costas em silêncio e foi até a porta. Parou como se estivesse exausta com a mão na maçaneta. O silêncio foi quase que eterno enquanto Hermione tornava-se consciente de que não queria que a mulher fosse embora.

— Eu sei. – Narcisa falou muito baixo, quebrando o silêncio. A voz dela era quase inaudível. – Eu sei que estamos todos quebrados. Draco, você, Scorpius, Hera. – Soltou o ar cansada. – Eu. – Disse. Soltou a maçaneta e tocou a porta como se precisasse de apoio para poder vencer uma batalha que travava em sua cabeça. – Lúcio quem começou tudo isso e eu o avisei que iria nos destruir. Eu estava certa, mas não acho que se ele acordasse e visse tudo isso, entenderia que não restou mais nada de nós mesmos. Ele colocaria a venda sobre os olhos como sempre fez, e se faria ver apenas a vitória, os jornais, as portas abertas para o nome Malfoy. – Ela mantinha a cabeça baixa. – Ele se fecharia para enxergar a dor de ver Draco em ruínas. – Narcisa puxou o ar e Hermione se viu lidando novamente com aquele nó entalado em sua garganta ao escutar sobre Draco. – Nenhuma mãe merece ver o filho assim.

— Como ele está? – Ela queria fazer mil perguntas, mas resumiu-se apena a aquela.

Narcisa balançou a cabeça de um lado para o outro ainda de costas.

— Agindo de modo automático. Faz o que precisa ser feito. Por o mundo em ordem é uma tarefa difícil. Mas eu sei que quando o vejo abraçando Hera ou Scorpius no meio da noite, no chão do quarto dos gêmeos, tentando confortá-los da falta que você faz, ele está completamente derrotado. Eu temo... – Ela soltou o ar e colocou a mão sobre o estomago, como se o pensamento que tivesse a assolando a fizesse passar mal. – Temo que ele irá viver o resto da vida assim. Sendo consumido pela sua memória. Pela família incompleta que restou em suas mãos e agora tem que criar. – Narcisa finalmente ergueu os olhos cheios de dor e encarou. – Sempre tive uma lista de motivos pelo qual deveria odiá-la, pelo qual eu deveria ao menos me sentir ameaçada pelo que era e pela sua imagem. Mas nunca fui capaz. Nem mesmo agora, sabendo que meu filho nunca mais será o mesmo. Que as lembranças que você construiu nele irão o atormentar para o resto da vida. Eu queria estar com raiva ao menos. Cheguei ao ponto de fingir ter raiva, apenas por achar que se eu mentisse vezes o suficiente para mim mesma, acabaria acreditando nisso. Mas, a verdade é que me dói saber que está onde está. Que convive com seus medos. Que mal sabe sobre os próprios filhos.

Hermione assentiu limpando as bochechas das lágrimas que silenciosamente lhe escapavam. Ela também lamentava pelo mesmo. Soluçou quando puxou o ar para tentar acalmar o nó na garganta que a torturava. Levantou-se com cuidado, tentando não pesar as partes de seu corpo que ainda reclamavam. Pegou o medalhão ainda jogado em cima mesa e foi até Narcisa, aproximando-se dela muito cuidadosamente. Pegou a mão da mulher e colocou o objeto caro ali. Olhou em seus olhos.

— Tem um coração bom Narcisa. – Hermione nunca havia duvidado daquilo apesar de todas as escolhas ruins que ela já havia tomado. – Leve isso a Draco. Por favor.

Narcisa negou com a cabeça e abaixou os olhos para a mão de Hermione, cobrindo a sua, com o medalhão entre elas.

— Eu não posso fazê-lo mais miserável do que já está. Está tentando te apagar e quer que eu o mande um recado? Não posso fazer isso.

— Por favor. – Suplicou Hermione. – Preciso que ele saiba que não vou a lugar algum.

Narcisa precisou de um longo minuto encarando a conexão das duas. Hermione torceu para que a mulher não recuasse. Sabia que as chances de ter Narcisa dando as costas e indo embora por acreditar ser a decisão mais prudentes eram altas. Mas depois de um longo minuto, a mulher ergueu os olhos para Hermione e aquela conexão dolorosa das duas, fez com que Narcisa fechasse os dedos em volta do medalhão e o guardasse. A proximidade das duas fez com que Hermione fosse tocada muito suavemente no braço.

— Tem se alimentado, Hermione? Precisa comer. – A voz materna de Narcisa sempre fora uma bastante firme, mas Hermione havia aprendido a enxergar o cuidado e preocupação por trás dela.

— Não tenho muita fome. – Hermione respondeu.

— Você não parece saudável. – Dessa vez, a mulher pareceu estar falando mais consigo mesma do que com Hermione. – Longbottom disse que você estava bem. Estava certa em duvidar da palavra dele.

— Estive pior. – Foi o que optou por dizer.

Narcisa ergue a mão e passou pelos cabelos da mulher, como se estivesse lamentando por algo.

— Seu cabelo continua bonito. – Ela soltou perdida nos próprios pensamentos. – Deveria cuidar melhor de si mesma.

— Estou dando o meu melhor. – Já fazia muito ao trocar de roupa.

— Sei que pode fazer melhor. – Insistiu a mulher. – E sei bem o quanto esse lugar pode parecer sufocante e deprimente. – Ela passou os olhos pelo quarto como se estivesse procurando por algo. Passou por Hermione, pegou uma cadeira e a arrastou para coloca-la de frente ao espelho de corpo de pé ao lado da cama. – Aqui. – Chamou Narcisa. – Sente-se. – Ordenou e foi até o lavatório. Hermione não entendeu o que a mulher estava tentando fazer, mas hesitante e confusa, ela se sentou e esperou a retorno da outra, que quando apareceu novamente, tinha uma escova na mão. – Penteie o cabelo. Vai se sentir melhor. – Disse, colocando o objeto na mão de Hermione.

Hermione soltou o ar cansada.

— Não. Eu não...

— Vamos. Acredite. Vai se sentir melhor. – Insistiu Narcisa. Hermione sabia que mesmo a mulher se sentia perdida, mas que seu instinto de tentar ajudar vinham com as melhores das intenções.

Tentou. Realmente tentou. Tentou por Narcisa, por saber que ela poderia ter lhe dado as costas muito antes. A decisão mais prudente teria sido nunca nem mesmo ter ido aquele quarto vê-la em primeiro lugar. Por isso ela tentou.

Gemeu de dor ao erguer o braço com dificuldade. A exaustão de seu músculo mandou todo o tipo de sinal negativo possível para seu cérebro, mas mesmo assim ela tentou. Viu-se quase sem força para segurar a própria escova quando a deslizou pelo cabelo. Tentou só mais uma vez, mas se deu o alívio de descansar o braço logo depois, já quase exausta do esforço. Qual era a finalidade daquilo? Sentir-se melhor? Não precisava se sentir melhor, bem ou contente.

— Não consigo. – Gaguejou cansada e imediatamente seus lábios tremeram quando o nó em sua garganta venceu. Limpou a lágrima com pressa e viu Narcisa pegas a escova de sua mão no segundo seguinte.

A mulher assumiu a tarefa depois de presenciar o estado verdadeiro ao qual Hermione realmente se encontrava. Ela começou a deslizar a escova pelo cabelo da nora muito cuidadosamente e aquilo fez Hermione se lembrar das dezenas de vezes em que Narcisa havia a ajudado a se vestir nas primeiras semanas após ter tido os gêmeos. Seus olhos foram embaçando cada vez mais, a medida que sentia o cuidado e suavidade de Narcisa ao ajeitar o cabelo dela da melhor forma que conseguia, sem usar a varinha. Ela tirou um grampo de seu próprio cabelo, puxou duas mechas do cabelo da nora e as prendeu atrás da cabeça. O melhor penteado que conseguia. Passou os dedos pelas pontas do cabelo dela, espalhando as ondas que haviam lhe restado e por fim descansou a mão em seu ombro. Hermione ergueu os olhos para ela e viu Narcisa com os olhos brilhantes. Não conseguia se lembrar de ter visto a máscara de Narcisa alguma vez dar espaço para uma lágrima que fosse.

— Sinto muito, Hermione. Por tudo isso. – A voz da mulher soou muito baixo e fraca.

Hermione segurou a mão da mulher em seu ombro.

— Obrigada. – Teve que dizer. – Apesar de tudo, obrigada por ter estado ao meu lado. Por ter cuidado de mim e me compreendido de tantas formas diferentes, nos momentos que eu mais precisei, nos meus estágios mais delicados. Mesmo que fosse do seu próprio jeito e mesmo que eu, muitas vezes, me frustrasse por isso. Obrigada. Não sabe quantas vezes não me senti sozinha no mundo porque você esteve presente, porque me escutou, porque me fez companhia.

Narcisa apertou os lábios e assentiu, aceitando as palavras da mulher ao mesmo tempo que deixava uma lágrima solitária pular de seu olho.

— Talvez não saiba, mas você preencheu vários vazios que eu carregava. – Ela soltou, como se tentasse, mesmo que perdida, encontrar a mascara inabalável que deixara escorregar a bastante tempo. – Me abriu os olhos outros mundos e me deu dois presentes maravilhosos.

Hermione assentiu, sabendo que verbalizar aquelas palavras uma para a outra seria algo que nenhuma delas havia pensado que algum dia que fariam. Mesmo que fosse bem claro que se compreendiam daquela forma. Encararam-se por um bom tempo pelo espelho, até Narcisa finalmente deslizar a mão para longe dela, dar as costas e ir embora, atendendo finalmente ao seu senso de prudência.

O silêncio voltou a lhe fazer companhia. Hermione sentiu-se minimamente melhor, não por ter o cabelo arrumado, mas por ter interagido com Narcisa depois de tudo que havia acontecido. Encarou seu cabelo bem penteado. Nada perto de um penteado bem elaborado ou de um que Hermione realmente usaria, mas ao menos não se parecia mais com uma selvagem. Aquilo lhe deu animo para fazer seu caminho até o lavatório e lavar o rosto. Se viu ainda mais pálida e sem qualquer rosado nas bochechas ou cor nos lábios. Não tinha mesmo uma aparência saudável.

Esforçou-se para comer a janta quando o preto chegou. Sentiu-se mal com a porção ingerida, mas lutou para mantê-la em seu corpo. Na manhã seguinte Neville tornou a não aparecer e ela começou a se sentir curiosa com o fim que tinha tomado a discussão sobre levar os filhos até ela. Ficou encarando a vida do lado de fora, surpreendendo-se com a imagem de carros passeando pelas novas ruas pavimentadas que sua vista lhe permitia assistir. Bruxos não eram grandes fãs de grandes engenhocas trouxas. Tinham orgulho da variedade de formas que tinham para se transportar. Mas antes da guerra, com o Ministério da Magia usando e incentivando cada vez mais o uso de carros, talvez com o fim de melhor se misturarem aos trouxas, famílias bruxas começaram a adotar automóveis movidos a magia muito frequentemente. Obviamente que com a chegada de Voldemort, meios trouxas foram completamente banidos. Ter carros passeando pelas ruas de Brampton Fort parecia agora uma grande ironia.

Comeu todas as refeições que lhe foi servida. Mesmo que não quisesse. Ajeitou o penteado de Narcisa, reforçando o grampo atrás de sua cabeça, como se não quisesse que a significância daquilo fosse perdida caso o penteado se desfizesse. Lavou o rosto. Procurou por algum sinal de saúde e não encontrou em lugar algum. Dessa vez, hidratou os lábios e o rosto, tentando se desfazer da pele ressecada. Procurou por um vestido que fosse lhe caber melhor, e mesmo não tendo encontrado nenhum, encontrou formas de ajustá-lo da maneira que pode.

Pela primeira vez, puxou os cadernos que Neville havia deixado em sua mesa. Encarou a capa por um bom tempo. Suas mãos tremiam sempre que se convencia de que deveria abri-los. Puxou o ar decidida, sentou-se na cadeira, puxou o primeiro caderno e o abriu. Encarou as anotações e começou a lê-las com atenção. A maioria das primeiras anotações eram sobre notáveis comportamentos que eles haviam conversado a respeito. Algumas páginas adiante ela viu desenho de runas, mas a maioria delas estavam cruzadas com um grande “x’. Tentou encontrar a linha de raciocínio e logo conseguiu entender que a correlação em criação ali não deu certo. Nas páginas seguintes havia um extenso estudo de aritmância seguido de várias teorias de numerologia, com tabelas e gráficos. Aquela era uma de suas especialidades e não demorou a entender que toda a lógica do estudo era entender a natureza de uma pequena tabela de números que se repetia por várias e várias página. Era o código de seu DNA.

Puxou uma folha de um dos jornais velhos e começou a refazer o estudo de números seguindo algumas de suas mais confiáveis teorias. Refazer o caminho da construção de sua natureza faria com se entendesse melhor e mal percebeu quando as horas se passaram e o dia virou noite. Sentiu-se bem por ter passado por cima de seus medos e enxergado todo o seu trabalho apenas como a solução de um enigma.

Levantou de sua cadeira com a cabeça latejando. O prato de sua janta estava frio e intocado. Foi até o lavatório e lavou o rosto novamente tentando ver se a água fria conseguiria paralisar seu rápido e continuo raciocínio. Era tarde da noite. Desejou por uma série de poções que não tinha acesso no momento. Encheu um copo de água e encostou-se contra pia, molhando a boca de pouco em pouco a medida que colocava em ordem todas as conclusões imprecisas que havia conseguido desenvolver. Precisava conversar com Neville, mas não sabia se podia apenas pedir pela visita dele ou se deveria esperar.

Escutou a porta do quarto abrir e fechar fora do lavatório e ela acendeu um sinal de alerta dentro de sua cabeça. Queria que fosse Narcisa novamente, mas não fazia sentido que ela estivesse ali aquela hora. Hesitou por alguns segundos paralisada, tentando entender quem poderia ser. Esperou por qualquer chamado, mas ele não veio. Neville teria batido antes de entrar. Moveu-se com calma deixando o copo sobre o balcão da pia e saiu do banheiro um tanto quanto apreensiva.

Sentiu seu estomago gelar ao ver Draco encostado em sua mesa, com as mãos enfiadas no bolso, a cabeça baixa, os cabelos bagunçados e a roupa desfeita, mangas puxadas, gravata desatada, alguns botões abertos. Era uma figura muito familiar. Se parecia muito com a imagem de quando era tarde da noite e ele ainda não havia tido tempo para tomar banho porque tivera que levar trabalho para casa, ou quando chegava cansado da Catedral e se permitia beber em seu escritório, ou até mesmo quando não tinha tempo de se trocar para ajudar Hermione a dar banho em Scorpius e Hera. Aquele era o Draco fora de seu alinhamento perfeito, fora de sua imagem pública sem defeito. Sabia que era exclusiva por achar tão familiar vê-lo daquela forma.

Ele ergueu os olhos para ela e Hermione travou quando seus olhos se encontraram. O silêncio entre eles consumiu a alma dela. Tentou ler cada linha de expressão no rosto dele e todas elas eram uma mistura de raiva, dor, rancor, cansaço. Hermione foi se sentindo mais e mais consciente de sua fraqueza e fragilidade. Aquele constante nó que havia em sua garganta apertou, mas ela o engoliu. Draco tinha total controle da interação que teriam e ela sabia que poderia ser seu fim, porque não havia se preparado, minimamente que fosse, para aquele encontro.

Draco finalmente moveu-se, e sem desviar os olhos dela, tirou o medalhão do bolso e o colocou sobre a mesa. Bom. Narcisa havia passado a ele o recado dela. Daria um milhão de sacas de galeões para ter a chance de escutar, cinco segundos que fosse, daquela interação. Não queria apenas ter que lidar com o resultado dela.

— Por que quer que eu vá embora? – Ela notou sua fragilidade pelo próprio tom instável de sua voz. Estava fraca.

— Você quem quis ir em primeiro lugar. – Ele devolveu. – Por que não vai? Não tenho pretensão alguma de fazer sua vida mais miserável. Por favor. – Ele pareceu quase suplicar. – Você é livre. Sua porta não é trancada. Você não é minha prisioneira.

— Sei que não sou. – Quase não conseguia fazer com que sua voz tivesse força o suficiente para chegar até ele. Céus. Ela não sabia lidar com aquilo. Nunca se sentira tão perdida. Havia se perdido em seu relacionamento com ele. A luta deles sempre havia sido para se manterem na mesma página, agora ela nem sabia mais em qual livro estavam.

— Então vá. – Ele pediu. - Vá para que eu possa ter a chance de talvez criar esperança em recuperar minha saúde mental. Não posso te ter aqui, tendo que tomar decisões sobre quantas vezes te enviar comida, sobre quantas vezes Longbottom pode te ver no dia, qual medibruxos irá te acompanhar, quando Scorpius e Hera poderão fazer visitas. Eu não quero tomar essas decisões. Eu não quero ter que lidar com você como se fosse minha prisioneira. Vá. Apenas, Vá!

Engolir o nó em sua garganta ficou ainda mais difícil. Seus olhos embaçaram, mas ela ainda lutou.

— Quão difícil foi se convencer de que dar ordens para me caçar te faria dormir a noite melhor do que me ter aqui? – Provocou, tentando encontrar seu instinto provocador e orgulhoso no meio de seu estado frágil e instável.

— Não tente, Hermione. – Ele a cortou rapidamente. – Você quis ir. Você quem pegou esse medalhão no salão de relíquias antes de desaparecer. Você quem ativou a chave de portal nele. Estou te devolvendo aquilo que você queria: ir embora. Vá!

— Não quero ir. – Sua voz quase não saiu com a pressão do nó estalado no caminho.

— Não foi essa a mensagem que passou. Você quis ir! – A raiva e o rancor era tudo que ela lia dele.

— Não quero ir, Draco. – O sussurro de sua voz foi rejeitado por ela mesma. Irritada com sua incapacidade de retrucar também com raiva.

— Quantas vezes vai mudar de ideia, então?

— Não estou mudando. Quero ficar pelo mesmo motivo que quis ir!

— E qual seria o motivo?

— Medo! – Como ele não conseguia chegar a aquela conclusão? – Antes, tive medo de você. Agora tenho medo de mim mesma.

Draco calou-se, fez uma careta e pareceu quase que imediatamente ofendido.

— Medo de mim? – O tom dele abaixou. Soou confuso.

Céus. Ele não fazia mesmo a menor ideia?

— Seu dever é me matar! – Ela foi extremamente direta. – E até o dia em que te dei a costas, não conseguia me lembrar, ou buscar, um segundo sequer, na sua história de existência, em que você não havia priorizado seus deveres como Malfoy. Como acha que eu deveria lidar com isso?

Ele ainda parecia incrédulo.

— Em que momento do nosso relacionamento, depois de termos nos acertado, acreditou que eu fosse ter a coragem de levantar a varinha para você?

— Para você não existe coragem, existe dever.

Ele fez outra careta.

— De onde tira essas coisas?

— Do que me ensinou! Do que sua mãe me ensinou! De todos os livros e todas as cartas e documentos que tive que ler sobre a história e o legado de família para poder dizer ao mundo que sou parte dela. Do general que sei que é. Do comprometido filho Malfoy que sei que é. Do garoto que levantou a varinha para matar Dumbledore, não por ter coragem, mas para cumprir um dever. Dos dilemas que enfrentava por saber quem eu era. Das vezes que não quis voltar para casa para me evitar. Dos silêncios que haviam entre nós. Como pode não ver? Como pode questionar por eu ter tido medo, como se eu fosse louca?

Ele se calou. Precisou de tempo para processar o que havia escutado. Seu olhar deu mais espaço para a dor dessa vez.

— Fui honesto com você quanto aos meus dilemas. Mas pensei que tivesse entendido que teria que explodir o mundo ou se voltar contra mim para que eu visse razão em apontar minha varinha pra você, mesmo sabendo o que é.

Ela fechou os olhos e assentiu. O nó em sua garganta venceu.

— E por isso me desculpei por não ter enxergado isso. – Abaixou os olhos e se preparou para ter que lidar com a costumeira e irritante sensação das lágrimas lhe escorrendo o rosto. – Se ao menos eu soubesse com antes a herança que Morgana me deixou. Se ao menos eu soubesse a fragilidade da minha mente. Acredita que é isso que eu desejei para a vida? Viver longe dos meus filhos? Presa em um quarto por reconhecer minha própria instabilidade? Eu sei o que fiz! Entrei em contato com a extensão de uma habilidade que agora me assusta. Sofri debaixo do que eu mesma criei na minha irresponsabilidade. Beirei o meu fim tentando reverter tudo que eu mesma ergui e me apossei. Não existe lugar onde eu me veja que não seja entre quatro paredes, num ambiente neutralizado onde magia é suprimida. É o único lugar onde eu posso me sentir minimamente salva de mim mesma. Acredita mesmo que eu pedi por isso? Que é isso que eu mais esperei para ter? – Limpou o rosto e deixou o silêncio durar entre eles por um bom minuto. – Eu não quero ir. – Concluiu ao erguer os olhos decidida.

Draco ficou em silêncio um bom tempo. Ele vivia seu próprio conflito inteiro ali e Hermione notou que o brilho nos olhos dele intensificava a medida que sua mandíbula travava e suas sobrancelhas se uniam, como se tivesse o direito de ter raiva por ter que sentir dor.

— De qualquer forma. Indo ou ficando. – Ele deu de ombros perdido. – Como espera que eu faça agora? – Puxou os cabelos para trás, quase que em agonia.

— O que? – A voz dela saiu baixa.

— Viva! Como espera que eu durma em uma cama vazia agora? Como espera que eu sente sozinho para uma refeição? Como que irei criar Scorpius e Hera? O que espera que eu diga a eles quando crescerem? Como explicar sobre você? Como espera que eu tenha que lidar com isso sem definhar? Não existe nenhuma forma de eu me proteger da minha própria ruína. Nem se eu aprender a criar uma armadura como o do meu pai. Mesmo se eu me tornar o Malfoy mais cruel da história. Por dentro, eu ainda vou estar morto. – A voz dele estava barganhada.

Deus! Ela queria poder aliviar o sofrimento dele, mas mal conseguia lidar com o seu. Apertou os olhos para se livrar das lágrimas presas ali e abraçou o próprio corpo, querendo se fechar em sua dor.

— Como espera que eu também viva? Presa. Com medo. Sem qualquer perspectiva. Sem ambição. Uma mãe sem filhos. Sem família. É assim que eu devo lutar contra Morgana? – Limpou o rosto.  Viu uma lágrima silenciosa e solitária pular do olho do marido. – Você é minha família. – Sussurrou com a voz presa.

— E você é a minha. – Ele devolveu para ela, num tom não tão diferente.

Ela apertou os lábios.

— Sim. – Assentiu. – Agora sei que realmente sou.

Hermione deu um primeiro passou receosa. Aproximou-se com muito cuidado. Parou de frente para ele, muito próxima, querendo poder sentir seu calor. Relutante, mas de forma muito natural, as mãos dele se colocaram sobre os quadris dela e a puxaram para ainda mais próximos, fazendo seus corpos se tocarem. Ela ergueu a mão e tocou o rosto dele, limpando o caminho de sua lágrima solitária. O contato físico e o contato de seus olhares fizeram com que abandoassem a relutância. Draco soltou o ar e fechou os olhos encostando sua testa na dela. Hermione inalou a presença do marido, o toque, o afeto. Céus, tudo naquilo era verdadeiro. Era real. Havia sido tão estúpida em sempre carregar suas dúvidas escondida no fundo de sua alma.

— Tudo sobre nós, desde o começo, foi sempre um ponto de interrogação na minha cabeça. Eu nunca entendi o porque o universo pareceu nos unir. Logo eu e você. – Murmurou, quase por debaixo de sua respiração. - Na minha cabeça, somos dois elementos de espectros tão opostos que não existia sentido em dar propósito a um mundo onde pudéssemos estar juntos. Por isso foi confuso quando me vi completamente imersa nas vontades que meu corpo tinha pelo seu. Foi confuso quando minhas entranhas pareciam torcer com a ideia de te imaginar nas mãos de outra. Foi confuso quando eu quis de você mais toque, mais atenção, mais cuidado. Quando eu comecei a me sentir privilegiada por ser sua esposa. Quando eu me encontrei de uma forma completamente nova no momento em que unimos forças, no momento em que me permiti aprender de você, que permiti te entender. Foi completamente confuso quando nos entregamos um para o outro, quando construímos nosso pequeno lar, quando compartilhamos nossas inseguranças, medos, esperanças, sonhos. Quando desbravamos nossos desafios como pais. Eu não entendi. Nunca fez nenhum sentido em minha cabeça que tudo o que eu vivia, tudo o que sentia, tudo o que construía, tudo que aprendia, era com você. Logo você! – Suspirou. – Não parecia real. Honestamente, nunca pareceu real. Eu sempre esperei pelo momento em que toda essa ilusão fosse se desfazer. Ou talvez pelo momento em que eu fosse acordar, talvez em Hogwarts, com onze anos, e ter que lidar com o fato de que havia tido um sonho bem louco. – Apertou os lábios, quase que com raiva de si mesma. – Lamentar a ideia de perder tudo que havíamos vivido nunca pareceu cruzar minha cabeça mais do que a sensação que eu tinha de que nada era real. Até você me provar que era. Então perder tudo que havíamos vivido me engoliu como uma onda violenta. E eu me sinto tão... Estúpida, por não ter enxergado antes. Por não ter me deixado aceitar e viver tudo que eu queria com você sem reservas.

Ele deslizou a mão pelas costas dela. Exalou parecendo cansado. Soltou um palavrão muito baixo para si mesmo.

—  Eu não quis vir aqui. – Confessou ele. – Quis fugir da chance de te ver vestida de uma mulher que eu não conheço, para esconder os restos quebrados da que eu amo. – Era incrível como a honestidade dele soava tão real depois de tudo que haviam passado e a desmontava por inteira. – Eu preciso de você. Preciso juntar todos os seus pedaços. Preciso ser a armadura que você irá usar, porque eu sei que quando está mais frágil, é quando consegue ser mais forte e eu não quero que faça isso sozinha. Não mais. Eu nunca deveria ter te deixado fazer isso sozinha.

— Draco... – Ela fechou os olhos e balançou a cabeça. – Se fosse só isso...

— Eu sei que não é!

— Sou uma Horcrux!

— Eu sei! – Ele insistiu e ela abriu os olhos para encará-lo. – Sempre foi. E isso nunca te impediu de ser brilhante! De ser amada! De ter amigos, família. De crescer. De aprender a ser amável, cuidadosa, genuína. De ter sua própria vida.

— Eu fui longe demais. – Ela continuou a contrapor.

— E eu te encontrei! No meio de todo aquele caos, eu te encontrei. Eu te enxerguei por trás de toda aquela camada impenetrável e assustadora. E eu entendi que morreria mil vezes se destruí-la fosse te custar também.

Ela balançou a cabeça e as lágrimas começaram a escorrer pelo seu rosto.

— Você não entende. – Ela disse com a voz apertada. Colocou as mãos contra o peito dele, tocando-o para agradecer a Deus que fosse, que ele estava bem. – Eu me lembro de tudo. – Ela soltou. – Eu ia te matar, Draco. Tudo que eu enxergava era raiva e dor. Tudo. E eu cheguei... tão perto. – Soluçou.

— Não era você.

— Sim. Era eu! – Ela se lembrava de tudo. – Era uma versão de mim que não conseguia pensar para além de nada que não fosse minha própria dor, minha própria raiva e meu senso de justiça.

Eles se silenciaram. Ela viu Draco digerir aquilo e ele não se afastou ou demonstrou qualquer vontade de se afastar.

— Por que não matou? – Ele perguntou. – Disse que ia me matar. Por que não matou?

— Porque o amo. – Não precisou fazer qualquer esforço para responder aquilo. Era o único ponto claro que havia no meio da bagunça que se encontrava.

Ele processou aquela resposta como se duvidasse do que escutava.

— Quão certa está disso? – Indagou ele.

Ela soltou o ar entendendo o porque ele tinha todas as razões para duvidar.

— Eu sei que já disse amar muitas coisas. – Ela abaixou os olhos. – Eu pensei que conhecia muito sobre o amor. Sobre todas as faces, todas as formas, todos os modelos dele. Talvez eu devesse ter sido muito mais cética como você porque... – Ela molhou os lábios. Queria encontrar as palavras certas para fazê-lo entender, da forma certa, a única certeza que ela tinha naquele momento. – Eu... – Pensou. – Nunca acreditei em destino. Mas... Quando meu corpo travou, incapaz de erguer um dedo contra você, mesmo enxergando tudo através do filtro da raiva e do ódio, eu entendi que o universo nos desenhou juntos. – Tornou a encará-lo. – Juro que nunca pensei no destino dessa forma, Draco. Nunca acreditei que daríamos certo. Nem quando me apaixonei por você, nem quando somente a menção do seu nome me desfazia por inteira. Meu racional sempre entendeu que por mais que nos quiséssemos, tudo sobre nós parecia de alguma forma entrar em conflito em algum momento porque não havíamos sido feitos um para o outro. Mas a verdade é que nossos caminhos foram entrelaçados antes mesmo de existirmos. Não importa o nosso fim, não importa para onde eu vá no mundo, não importa se eu o amo ou o odeio, não importa se você é aquele que vai me matar ou me libertar da Horcrux que carrego, não importa se seremos inimigos ou família, não fui feita para viver uma história que não seja com você. – Limpou o rosto. – E é louco a forma como eu mesma lutei contra isso. Talvez por sentir que o sonho irreal de uma vida perfeita foi roubado de mim o dia que me casei com você. – Soluçou. Céus! Teria sido muito mais fácil escrever tudo aquilo. – Mas nós nos pertencemos e eu fui tola de não acreditar.

Draco continuou a encarar os olhos dela enquanto digeria as palavras lançadas a ele. Passou a mão em uma de suas bochechas, ajudando-a a se livrar do molhado que escorria de seus olhos. Suspirou.

— Você estaria errada se não tivesse sido tão impossível para mim fugir de você. Porque eu tentei. Deus! Como eu tentei. – Ele disse e ela soltou um riso triste. Fechou os olhos e encostou contra o peito dele. Draco a abraçou. Eles ficaram em silêncio por um bom tempo. – Volta para casa. – Sussurrou para ela, finalmente.

Hermione viu a ironia em ver que ele havia ido até ali pedir para que ela fosse embora e agora pedia para que ela fosse para casa. Seu coração apertou.

— Eu estou uma bagunça, Draco. – Disse. – Não sei quanto de mim sou eu mesma e quanto é uma projeção de Morgana. Enquanto eu não souber encontrar a linha que nos divide, minha mente estará vulnerável a se enjaular. Exatamente como fez quando dei as costas a você.

— Tenho tanto receio quanto você. Mas tudo é uma jornada. – Ele a afastou e segurou seu rosto. – Comece pelos detalhes. – Ele enfiou a mão no bolso, tirou o anel dela dali e o colocou em sua mão.

Ela encarou o anel que havia usado em seu dedo por tanto tempo. O anel do passado dele. O anel que dava a ela o nome dele.

— Você não gosta de riscos, Draco, e eu não tenho um plano. Honestamente, tenho passado dificuldade em criar coragem para pensar em um.

— Não quero que pense em um.

— Então quer dizer que está se arriscando? Mesmo depois de tudo que viu?

— Está querendo me convencer de que eu não deveria?

— Certamente. Acaso não te restou racional algum?

— Tem se vendido ao medo. – Ele franziu o cenho como se tentasse ler o que se passava na cabeça dela. – Quem tem te chamado de fraca? Você nunca comprou esse adjetivo.

Algo bateu contra ela ao escutar aquilo. Afastou-se.

— Você não entende. – Ela assumiu uma defensiva quase que de modo automático.

Ele suspirou.

— Realmente não entendo. Não entendo nada sobre isso, sobre você, sobre seu passado, seu sangue. Nada. Mas estou disposto a arriscar, mesmo sabendo que posso passar o resto da vida lutando contra. Me acuse de louco. Quem quiser. – Devolveu e Hermione não conseguiu projetar nada em resposta. O silêncio pairou entre eles por pouco tempo. – Vou te deixar com suas escolhas. – Sua voz soou frustrada. – Direi a Longbottom para vir amanha. Não sei o que fiz quando o obriguei a não vir mais.

Ele deu as costas com calma e foi embora. Tudo que a restou foi encarar o anel em sua mão, o medalhão e as paredes daquele quarto.

** 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

CONTINUA --->



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.