CIDADE DAS PEDRAS - Draco & Hermione escrita por AppleFran


Capítulo 54
Capítulo 46 - Parte 2




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 **

 

Fraca.

Escutava de longe no escuro.

Fraca.

 

Por todos os cantos de sua cabeça.

Fraca. Fraca. Fraca. Fraca. Fraca...

— Hermione?

Ela despertou num soluço. A dor no pescoço a fez gemer imediatamente. Levantou os olhos e enxergou a figura de Neville no lavatório de Whitehall, carregando sua maleta e seu chapéu. Ele parecia confuso e ela logo entendeu. Acabara dormindo encostada na banheira, decidindo se deveria ou não tomar outro banho.

— O que houve? – Ele perguntou.

Hermione moveu-se devagar, tentando encontrar uma forma de mexer o pescoço sem fazer com que seu cérebro mandasse a mensagem de agonia para quase todo o seu corpo.

— Ia tomar banho.  – Fechou os olhos e tentou se alongar. Quando tornou a abri-los, Neville estendeu a mão para ajuda-la a se levantar.

— Sei que Malfoy veio aqui ontem. – Ele disse quando ela se equilibrou de pé. – Ele me disse que te devolveu seu anel e pediu para que voltasse para casa. Acredito que recuperou algum tipo de senso ter te visto sobre outra luz. Não posso culpa-lo por se isolar na defensiva depois de tudo que aconteceu. Acho que ele tinha medo de ter que engajar numa vida onde tivesse que te caçar. Estava se preparando para isso. Mesmo que estivesse se consumindo em... honestamente... – limpou a garganta. – Loucura. – Findou.

— Não posso ir para casa. – Ela sussurrou encostando-se contra a pia.

— Sim. Ele me informou sobre sua relutância. – Disse Neville. – O que não me surpreende. Teimosia é algo que nunca lhe faltou.

Ela poderia rir se não estivesse tão longe do humor.

— Sabe que tenho motivos extremamente justificáveis. – Tentou massagear o pescoço.

— Sim. Motivos do qual Malfoy está também bem consciente.

Ela fez uma careta.

— Acredita mesmo que eu posso voltar para casa, Neville? Que eu posso escorregar perfeitamente de volta para o meu papel de mãe quando não consigo nem mesmo me decidir se devo ou não tomar banho?

— Estou tão vendado quanto você sobre o que deve ou não fazer. Mas sei que ficar aqui não irá te fazer bem algum. Sei que sente que seu julgamento de certo e errado está completamente desalinhado depois de ter acreditado, com tanta certeza, que destruir metade do mundo para poder ter a cabeça de Voldemort era válido. Mas acredito que, abrir mão de sua família por medo de quem é soa muito como a Hermione altruísta quem pensa mais em quem ama do que em si mesma. – Ele apertou os lábios num sorriso sem jeito. – Você teve que fazer muitos sacrifícios até aqui. Foram eles que te colocaram onde está agora. Não acho que deva fazer o maior desses sacrifícios logo agora, estando tão frágil. Você precisa de forças, Hermione, e encontrá-las em algo fora de si não pode ser menos do que saudável. Principalmente depois de ter passado tanto tempo encontrando forças dentro de si mesma.

Ela não respondeu nada. Continuou a massagear seu pescoço, até finalmente desencostar-se da pia e voltar para o quarto, para onde Neville a seguiu. Andou de um lado para o outro por um bom tempo, abraçando o próprio corpo vestido no roupão pesado. Pensou em silêncio até finalmente parar e encarar Neville.

— Me dê uma poção. – Pediu.

Neville não entendeu.

— O que?

— Uma poção. Ou sua varinha. Qualquer coisa.

— Para que fim? – Indagou ele. Curioso.

— Apenas me dê algo mágico, Neville.

Ele mostrou-se receoso.

— Hermione, não sei se está totalmente recuperada...

— Eu não acho que um dia vou realmente estar. Não como tem esperado. – Ela o cortou. – Perdi a conta de quantas vezes preciso mergulhar na banheira quase escaldante para aliviar a dor pelo meu corpo. Os dias tem passado e não tenho notado qualquer melhora. Sabe por que? Porque esse quarto está neutralizado e cada parte do meu corpo pede por magia, mas não a tem. Faz ideia da dimensão ao qual eu consegui me expandir? Não tem volta para o que eu experimentei. Minha mente, meu sangue, meu corpo, estão completamente conscientes de onde eu posso chegar, como se tivessem sido acordados. Não posso voltar atrás e fazer cada célula do meu corpo tornar a acreditar que consigo praticar magia simples sem varinha por mera dedicação. – Ventilou ela e viu Neville sem palavras por algum segundo. – Preciso sentir magia novamente. Apenas para ter a certeza do que eu terei que lutar caso eu deixe esse quarto.

Neville puxou o ar. Mostrou-se relutante por um longo minuto, até finalmente colocar sua maleta sobre a mesa e abri-la. Ponderou por um tempo olhando sua pequena seleção de poções. Puxou um pequeno frasco e o estendeu a Hermione, que avançou e o tomou da mão do homem.

Ela se viu hesitar mais de uma vez quando tirou o frasco. Aquele receio de rever a intrusa que havia dentro de si. Whitehall ainda estava neutralizada, portanto havia aquele obstáculo caso perdesse seus sensos. Mesmo assim, quando dera as costas a Draco, estava bem consciente de si.

— Não é a magia, Hermione. É o que faz com ela. – Neville disse.

Hermione processou. Sim. Tinha que concordar com o homem. Respirou fundo, contou até três e virou o frasco. Foi instantâneo. Sentiu a reação de todas as propriedades mágicas daquela poção descer por sua garganta, ser absorvida quase que imediatamente pelos tecidos de seu corpo, chegar a sua corrente sanguínea, percorrer suas conexões nervosas e inibir seu sintoma de dor de cabeça. Podia até mesmo dizer quais ingredientes, quantas gramas de cada, qual tempo de cozimento. Era uma magia simples, mas deu a ela aquela sensação de pertencimento, de alimento, de satisfação. Sentiu seus dedos formigaram. Ela queria mais. E o fato de saber que aquele sempre seria um desejo constante, fez com que seus olhos mergulhassem novamente em lágrimas contidas.

— Meus filhos. – Ela engoliu o nó em sua garganta. – O sangue Malfoy os protege, certo?

Neville limpou a garganta.

— Na prática, sim. Ainda estou tentando desvendar a teoria disso tudo. Se eu pudesse estudar a pedra dos Malfoy, herdada de Merlin, quem sabe eu encontraria padrões que pudessem me dizer o porque o sangue deles conseguiu se tornar tão resistente. Mas sei que Malfoy jamais me deixaria chegar perto dela. Sei que temos um contrato, mas entendo o porque ele não iria querer que eu tivesse acesso a uma magia tão ancestral. Aposto que a família Malfoy hoje, vive mais das histórias fantasiosas carregadas pelas gerações de antes sobre a pedra, do que buscam saber do que realmente é composta.

— Eles têm documentos. Draco me disso. Mas seria como tentar decodificar o arco do véu. Magia ancestral é tinha uma leitura completamente diferente de como a entendemos hoje. – Hermione colocou o frasco sobre a mesa. – Acha que haveria alguma chance de usar o sangue Malfoy para me salvar do que sou?

O homem se sentou pensativo, como se tentasse encontrar as palavras certas.

— Não da forma como seus filhos foram protegidos. – Ele começou. – Seus filhos são especiais, irá ter trabalho em protege-los. Não é segredo para ninguém que Voldemort usava o sangue deles e o mundo nunca vai deixar de produzir ambiciosos. Mas entenda, Hermione, se tudo o que sei até o momento sobre sua condição for correto, teríamos que reconstruir todo o seu código sanguíneo e eu não acho que ninguém no mundo sabe como fazer isso sem te fazer morrer. – Findou ele.

Hermione tentou conter o nó apertando a garganta, mas novamente, lá estava ela, limpando sua bochecha dá lágrima que escorria.

— Como eu posso vencer isso então? Como eu posso vencer Morgana? Como vou poder ser livre? Quando que eu vou poder me ver livre de inimigos muito maiores do que eu? – Jogou para o ar, quase sem qualquer esperança.

— Hermione. Morgana não é maior do que você. Ela está morta! O que carrega é uma sombra dela que você mostrou ser capaz de rejeitar. Não precisa vencer Morgana. Ela já foi derrotada anos atrás. E se sente que, mesmo assim, deve luta-la, você tem todas as vantagens para tal. Provou ser mais forte e que desaforo poderia ser pior do que ter a última Horcrux dela carregando o sobrenome Malfoy? De todos os homens no mundo, gerou filhos com Draco Malfoy! Você quebrou uma linhagem que vem se arrastando pelas sombras há séculos! Tive acesso aos seus históricos médicos. Sei que não pode ter mais filhos. A não ser que aprenda a dominar, sem esforço, o funcionamento de seu próprio corpo, como fez quando se livrou da Marca Negra. Mas acabou, Hermione. Você é a última e o fato de estar confinada nesse quarto, sabendo muito bem que pode sair quando quiser, prova que preferiria morrer entre quatro paredes do que dar a chance desse fantasma derrotado qualquer sabor de vingança que for.

Ela levou tempo para querer digerir as palavras dele. Era difícil receber aquilo de uma forma positiva quando ainda conseguia sentir os resquícios mágicos da poção que tomara em seu organismo. Seria assim agora? Conseguira se estender magicamente para tão longe que sua percepção mágica agora ficaria ligada no modo sensível constantemente. Ela teria que aprender a lidar com aquilo.

Ficou um bom tempo em silêncio. Teria que aprender a se ver maior. Maior do que Morgana. Teria que aprender a rejeitá-la, a reconhece-la dentro de si e separar-se dela. Porque ela tinha uma família e queria ficar ao lado dela. Merecia se vingar de Morgana, por ter que lidar com tudo isso. Por ter que carregar aquela constante sombra de um passado que não lhe pertencia. Tinha em suas mãos a chance perfeita. Poderia sorrir se já não tivesse tido a realização de que o universo havia escrito aquilo muito antes mesmo de existir.

— Neville, prepare minha ida para casa. – Ergueu o olhar.

Neville soltou o ar. Sorriu e se levantou.

— Finalmente. – Foi tudo que ele precisou dizer.

**

Voltar para casa havia sido um trabalho mais demorado do que ela imaginara. Teve que esperar para que a imprensa divulgasse sua saída, precisou passar por avaliações médicas falsas, soltou uma nota oficial e esperou. Esperou pela liberação do novo time de Tina Miller, que basicamente cuidava da imagem da família.

Olhava-se no espelho, ainda em Whitehall. Estava vestida num de seus caros vestidos, de pé sobre um salto desconfortável, cabelos bem ajeitados num penteado que lhe parecia completamente estranho. Era a primeira vez que usava cabelos curtos em sua vida. A maquiagem estava simples, embora muitos ainda dissessem que era carregada, principalmente a Hermione de anos atrás que jamais sonhara em carregar o sobrenome Malfoy na vida.

Era seu dever manter-se conectada com aquela Hermione. Era sua história, de onde havia vindo. Aquela Hermione amava seus pais, seus verdadeiros pais, aqueles que haviam a criado, que haviam lhe dado amor, atenção, que haviam sonhado um futuro com ela. Aquela Hermione que não conhecia seu potencial mágico e se via apenas como uma dedicada bruxa. Aquela Hermione era simples, sonhadora, leal, corajosa. Aquela Hermione via o bem no mundo, via amor em tudo, conectava-se com as pessoas de maneira genuína. O mundo estava livre agora, ela não precisava mais mudar para conseguir resistir as trevas da qual o mundo bruxo havia mergulhado. Ela não precisava mudar para ser uma Malfoy que os princípios da família exigiam. Ela quem havia assinado aquele contrato que a atava ao sobrenome por obrigação. Carregaria com orgulho o troféu de quem quebrava a tradição Malfoy, do mesmo modo que aprenderia a carregar com gosto o título de quem também quebrara sua própria linhagem.

Deu as costas ao espelho e encarou o fim de tarde vibrar do lado de fora das janelas bem limpas e enormes de Whitehall. Sentia um calor gostoso em seu peito por saber que faltava pouco para pisar em casa. Sabia que sua família estava de volta em Brampton Fort, na casa que ela conhecia como lar. Levaria meses para restaurar toda a magia de segurança do Ministério, portanto a maioria dos departamentos estavam distribuídos entre Malfoy Manor e a Catedral, os únicos dois lugares daquela guerra que ainda tinham uma boa barreira de segurança erguida. Por causa disso, eles estavam de volta na pequena mansão onde ela e ele haviam iniciado suas vidas juntas.

Encarou o relógio. Faltava pouco.  Seus olhos pararam sobre o medalhão ainda em cima da mesa. Percebeu que seu cérebro começava a remoer ideias e ela precisou balançar a cabeça para livrar-se delas. Avançou, pegou o objeto e o lançou contra a lareira apagada. Certo, precisava destruir a chave de portal ali, mas sabia que isso exigiria de sua varinha, mais do que os simples feitiços de ajudes que usava para seu cabelo, seu rosto, suas roupas. Não estava pronta para sentir magia fluindo dela novamente.

Neville havia desfeito a neutralidade do quarto alguns dias atrás e desde então ela conseguia sentir tudo. Da simples magia que segurava as paredes daquela edificação até o mais distante carro movido a magia que cruzava a avenida principal do centro. Sua percepção mágica era aguçada e constante, mas aprendia a ignorar aquilo, e a cada hora que se passava ela fazia um trabalho ainda melhor em apenas: ignorar.

Precisava de algo simples. Seu cérebro vasculhou todo o banco de dados que tinha a respeito de princípios mágicos. Substancias simples que explicavam a complexidade da natureza mágica e da vida. Água, fogo, terra, ar. Simples o suficiente para ela, poderoso o suficiente para dar fim a relíquia. Puxou sua varinha e sentiu a conexão se firmar imediatamente. Era sua varinha, era bela, porém vivia de aparências e agora entendia o porque aquela varinha havia a escolhido. Se carregava uma varinha, era apenas para manter aparências. Não precisava de uma. Acendeu a lareira, preparando-a para queimar até que o objeto fosse destruído e o portal fechado.

Soltou o ar calma sentindo-se surpreendentemente leve. Colocou sua cabeça em ordem e se concentrou em continuar a esperar. Não demorou e Neville apareceu, batendo na porta e entrando. Ele vinha acompanhando de um homem e uma mulher vestidos com o uniforme da guarda do Ministério.

— Pronta? – Ele perguntou e ela assentiu.

— Iremos te escoltar para o seu carro, Sra. Malfoy. – Informou o casal de guardas.

— Eu sei onde a saída leste fica. – Retrucou ela confusa.

— Sabemos que sabe. – Respondeu a outra mulher. – É para a sua própria segurança. O mundo ainda está muito divido, existe muita especulação em cima do seu nome e a imprensa está em todo o lugar. Iremos acompanha-la até que pelo menos deixe o prédio.

— Sei bem lidar com isso. – Ela teimou.

O homem pigarreou e tomou ar para dizer algo, mas a mulher ao seu lado o parou.

— Sua família detém basicamente todo o controle sobre o mundo bruxo nesse exato momento. Não pode andar por aí sem proteção. Tudo está muito dividido, há muita especulação em cima de seu nome e a imprensa está em todo lugar. Mais tarde, depois de ter tido tempo para escutar as orientações do novo chefe de segurança, podemos discutir como prefere que sua equipe de guardas seja formada, quais serão as regras e os limites, mas por enquanto somos encarregados de preservar sua integridade física, guardamos sua porta com excessivas rondas e iremos nos certificar que saia dessa extensão do Ministério com segurança.

Hermione podia quase revirar os olhos. Certamente eles não sabiam do que ela era capaz. Ou talvez sabiam e fingiam completa alienação. Mas era uma simples tarefa e naquele momento, ela preferia que eles quem tivessem que usar suas varinhas caso preciso. Portanto apenas assentiu um tanto quanto descontente e informou que eles deveriam ir atrás dela. O casal concordou um tanto relutante e ela seguiu caminho.

Pouco havia mudado, mas a atmosfera era completamente diferente. Pessoas normais, completamente normais cruzando de uma ala a outra, vestidas formalmente com seus broches do Ministério da Magia brilhando no peito. Todas pareciam extremamente ocupadas. Os olhares voltavam-se imediatamente para ela por onde passava.

— O Ministério está em uma reunião que tem durado quase três dias já no salão principal. – Neville cochichou para ela. - Tanto o Primeiro Ministro quanto alguns chefes de departamento e outros líderes de estações tinham tudo em mente de como a transição funcionaria, mas haviam feito tudo nas sombras. Alguns nomes importantes têm resistido a mudanças e ninguém sabe se eles são fiéis soldados de Voldemort, revoltados, tentando se esconder para não pararem em Azkaban, ou se apenas querem discutir a relevância de seus departamentos na nova configuração do Ministério.

— Draco tem cuidado disso? – Ela perguntou.

— Bennett quem vem observando. Ele tem tido voz e autoridade para mandar prender quem for. Mas o mundo inteiro sabe que quem manda em Bennett é seu marido. – Ele respondeu.

Hermione puxou o ar e apenas continuou sem caminho sem dizer mais nada. Neville informou que Draco estava preso em outra reunião que acontecia com a outra metade do Ministério alocadas em Malfoy Manor. Recebeu a informação de que ele lutaria para estar em casa para o jantar. Hermione apenas engoliu a frustração de não o ter ali para lhe fazer companhia no dia de sua liberdade.

Toda a imprensa havia sido afastada, mas ela ainda viu alguns flashes dispararem a distancia quando avançou para o lado de fora. Viu o marido de Edmond Miller abrir a porta do carro para que ela entrasse e ela assim o fez, sendo seguida por Neville e por fim, o marido de Tina. O interior do veículo era suficientemente maior do que esperava e optou por sentar-se no assento de frente aos outros dois homens.

— É bom vê-la recuperada, Sra. Malfoy. – Edmond começou assim que a porta foi fechada. – Devo confessar que o burburinho é de que todos estavam ansiosos para vê-la de pé em público. – Hermione apertou um sorriso amarelo em resposta. Sabia que ainda estava abaixo do peso e que usava maquiagem para disfarçar a falta de cor em seu rosto.

O carro finalmente começou a se mover. Fazia tempo que ela não andava em um carro, mas estranhou imediatamente a falta do som do motor apenas pela referencia que tinha de carros. Óbvio que carros com motor não faziam sentido para o mundo bruxo. Não havia nada mais alienígena para um bruxo do que mecânica, motores, engrenagens.

— Hermione ainda precisa de descanso e privacidade. – Neville lembrou a nota soltada pelos medibruxos que a visitaram.

— Sei que não me quer por perto. Sei que tudo que quer é ir para casa. Mas meu papel é lembrá-la de que ainda é a Sra. Malfoy e sou muito bem pago para cumprir meu dever. – Ele abriu a pasta que carregava. – Separei os convites mais importantes e que definitivamente precisarão de uma resposta imediata e bem pensada. – Edmond estendeu a primeira carta a ela. – O Ministério está a intimando para fazer parte dos esforços em erguer novamente a magia de segurança. Se conseguiu zerá-la, certamente saberá reativar tudo como antes.

Hermione trocou olhares com Neville. Mergulhar em magia novamente a intimidava e por mais que acreditasse que pudesse restaurar o trabalho que tivera para desfazer todos os milenares feitiços de proteção do local, aquilo iria demandar muito de suas recém conhecidas habilidades e ela se sentia muito instável e desconfortável com elas.

— Não pretendo colocar meus pés no Ministério tão cedo. – Ela disse.

— Então teremos que pensar em como solucionar isso diplomaticamente. Tenho ideias em mentes. Podemos discutir isso mais tarde. – Ele puxou outra carta e estendeu a ela. – Os membros da antiga Comissão estão esperando que vá conseguir inseri-los dentro do Ministério de alguma forma. Posso pedir a Tina que tente arranjar algumas reuniões com membros importantes para discutir qual seria a melhor forma de progredir com a ideia.

— Draco não pode fazer isso? – Hermione perguntou.

Edmond piscou um tanto confuso.

— Até onde sei, sua figura os liderou tanto quando fizeram parte do Império, assim como quando trocaram de lado com a divisão dele. Os membros da comissão não esperam que ninguém além de você tenham seus os melhores interesses em mente.

Hermione limpou a garganta. Apertou os lábios e assentiu mostrando que entendia o recado. Não era uma mulher comum. Podia apenas sonhar que voltaria para casa e teria apenas a si mesma com quem se preocupar.

— Bem... – Prosseguiu Edmond. Vasculhou sua pasta e estendeu a ela outra carta. – O círculo de famílias tradicionais está exigindo uma reunião fechada. Cada um quer barganhar pelo seu pedaço de poder, posição e status agora que o antigo mundo tem se restaurado e ninguém detém mais controle sobre ele do que os Malfoy.

Hermione sentiu-se exausta quase que imediatamente ao ouvir aquilo. Soltou o ar sem paciência.

— Vai ser um circo ou uma carnificina. – Comentou ela. – O que Draco tem em mente?

Edmond deu de ombros.

— Ele está ocupado em segurar o Ministério e todos os contratos feitos na sua busca de alianças pelo mundo quando se voltaram contra o Império. Considerando que sei que irá passar mais tempo em casa, tomei a liberdade de assumir que teria mais disponibilidade para receber as dezenas de visitas que irão bater em sua porta diariamente exigindo um pedaço da pizza. E sendo franco, acredito que é, de longe, a melhor pessoa para lidar com isso. Seu marido é familiar com o mundo da classe alta, ele tem respeito pelo sistema. Você, por outro lado, não tem a mesma paciência. Portanto, qualquer um que souber que terá que sentar para conversar com sua pessoa, saberá que não irá haver rodeios.

Hermione suspirou em resposta. Ainda resistente.

— Fez um bom trabalho em me convencer, Edmond. – Foi tudo que respondeu.

Ele fez um sinal respeitoso com a cabeça e estendeu para ela mais algumas cartas.

— A Administração da Cidade de Brampton quer uma reunião e nomeações para compor as agencias responsáveis pela ordem da cidade. Eles têm revisado seu trabalho de quando fez parte do departamento de Nott e me parecem bastante admirados. – Continuou e Hermione apenas mostrava que estava atenta. – Essa outra é uma lista de veículos de imprensa que fizeram pedido para imprimir sua história. Seu marido acredita ser precoce se dirigir a imprensa agora e eu concordo. Recomendo que apenas solte notas oficiais em nome da família. Meu trabalho é encaminhá-las. – Ele disse. Limpou a garganta e continuou. – A nova diretora de Hogwarts quer que faça parte da comissão que irá debater sobre o novo quadro de professores para a escola. O convite foi enviado assim que soltamos a nota de que St. Mungus havia te liberado para voltar para casa...

Ele continuou a jogar contra ela os deveres que teria para resolver com urgência. Sua vontade era ignorar tudo aquilo, mas sabia que no dia seguinte ele apareceria com outra pasta cheia de cartas para lhe entregar. Portanto, deu a ele a atenção que deveria, mesmo sem estar inteiramente disposta. Felizmente, a jornada da Catedral para a Vila dos Comensais era bem mais rápida feita de carro. Com todo o entretenimento que Edmond a proporcionou, mal teve tempo de apreciar a vista das novas avenidas da cidade. Longas, largas, bem urbanizadas, bem iluminadas. Tinham um ar completamente diferente do que ela se lembrava. Talvez essa fosse a intenção com toda a restauração do lugar.

Assim que passou pelos portões tudo foi familiar, do som das rodas se movendo contra as pedras soltas do pátio de chegada até as sombras que as árvores projetavam. A fachada daquela casa aqueceu seu coração e por um breve segundo, sentiu-se salva, aliviava, segura de si mesma, porque aquele havia sido seu refúgio por tanto tempo e estava retornando a ele.

Saltou do carro e encarou a beleza daquela casa que agora lhe parecia tão pequena, quando sabia que já havia lhe parecido tão gigante. Duas coisas apenas estavam diferentes. A primeira delas era o sol, batendo contra a fachada, a segunda era Luna Lovegood, muito bem vestida, de pé logo ao fim da escadaria da entrada. Subiu até encontrar a loira que carregava um bolho de chaves e um pequeno caderno. Hermione parou confusa diante da figura bem profissional dela.

— É bom te ver de pé. – Começou Luna. – Posso carregar suas coisas. – Ofereceu a mulher.

— O que está fazendo aqui?

Luna abriu um sorriso animada.

— Sou coordenadora da casa. Administro toda a logística de funcionamento. Os elfos, a limpeza, as governantas, o jardim, a segurança e outros serviços. – Explicou Luna.

— O que aconteceu com Tryn?

— Ela não conseguiria administrar duas casas e com o Ministério tomando Malfoy Manor, ela teria o triplo de serviço. Malfoy precisava de alguém de confiança para ficar perto das crianças e com o número de visitas que ele recebe, não queria elfos domésticos perambulando para cima e para baixo. E honestamente, acredito que Malfoy queira pagar pelo serviço que alguém como Tryn fazia. Acredito que ele queira criar um ambiente melhor onde as crianças vão crescer. Você sabe, elfos domésticos são praticamente escravos.

Hermione ficou imóvel por alguns segundos. Draco e ela haviam discutido sobre aquilo inúmeras vezes. Ela não queria elfos domésticos, se tivesse que tê-los por perto, queria pagar pelo serviço que faziam. Tentou convencer Draco um milhão de vezes, e ele em sua maldita cultura e o modo como havia sido criado não abria mão da conveniência. Dizia que famílias como a dele não conheciam nenhum outro modo em que uma casa poderia ser gerenciada, que havia sido assim por milhares de anos e que ela tinha se acostumar.

— O que Draco te disse? – Ela queria saber os termos daquele contrato.

Luna desfez o sorriso e limpou a garganta.

— Bem, na verdade não conversei com ele. Nunca consegui trocar mais do que algumas poucas palavras com ele. Quase nunca está em casa. Tina Miller quem cuidou de toda a contratação. – Explicou a loira.

Hermione demorou alguns segundos para processar aquilo e quando finalmente engoliu a situação, soltou:

— Não. – E continuou seu caminho sem passar o que carregava para Luna.

— Não o que? – A loira a parou.

— Não. – Repetiu Hermione. – Não quero você aqui.

— Como? – Luna gaguejou e passou pela mulher. – Hermione! Por que?

— Porque você é melhor do que isso! – Exclamou Hermione parando de frente a porta. – Eu não quero você me servindo. Eu não quero ter que te dar ordens. Eu não quero.

— Isso é bom para mim! – Apressou-se Luna. – Tem ideia de quantas pessoas estariam se matando para ter a posição que consegui! Estou me associando aos Malfoy, sou muito bem paga e ainda estou próximo das crianças! Eu me apeguei a elas! Isso me coloca num lugar muito bom.

— Luna! – Ela não entendia. – Esse lugar... – Hermione começou, mas antes mesmo que pudesse continuar, um nó subiu a sua garganta sem que quisesse. Seus olhos embaçaram e ela precisou olhar para cima e puxar o ar antes que perdesse o controle. – Esse lugar... – Tentou melhorar seu tom. – É para onde eu voltava depois de ter torturado inocentes, depois de ter assistido a mortes, depois de ter feito acordos sujos, depois de mentir, depois de ter ajudado a destruir interesses que antes haviam sido tão próximos a mim! Esse foi o lugar onde eu aprendi a lidar com tudo isso. O lugar onde eu mudei. O lugar que passei a amar um inimigo, onde eu criei uma família, onde eu gerei filhos! Esse é o meu santuário, Luna! Eu não quero você ou ninguém...

— Ninguém dos seus antigos amigos por perto, certo? – Cortou Luna, que mesmo séria ainda tinha aquela adorável voz suave. – Ninguém da sua antiga família. – Alfinetou ela. – Escute, Hermione. Acho que é hora de entender que você não foi a única que precisou mudar por causa de Voldemort. Não é a única que carrega cicatrizes, não é a única que precisou se vender, que precisou pagar caro por vitórias, não é a única que viveu debaixo de ameaças. Está agindo como se o tempo que passou conosco na Ordem também não tivesse sido difícil, como se também não tivesse precisado mudar e aceitar colocar a vida de outros em risco e lidar com a morte daqueles que sacrificávamos e se sacrificavam para poder dar a Harry a chance de chegar a Voldemort. A diferença é que quando estava conosco, tudo o que fazíamos era em nome do “bem” e isso te ajudava a dormir de noite quando encostava a cabeça no travesseiro. Todos nós mudamos, Hermione! Todos nós carregamos nossos próprios monstros. – Disse Luna e depois logo soltou o ar cansada. – Veja bem. Rony me trata diferente agora. É a primeira vez que temos a chance de pensar em nós dois como algo duradouro. Finalmente temos a chance de talvez considerar uma família. Queremos ficar juntos, e o mundo como está agora não é ideal para ninguém. O Ministério mal tem dinheiro para pagar seus funcionários, o comércio está fragilizado, a maioria de nós tem vivido graças a magia. Acabamos de sair de uma guerra. Eu preciso disso! É bom pra mim. Não quer dizer que vou ficar aqui pra sempre. É temporário. – Eles se encararam em silêncio depois de tudo que a loira havia vomitado. – Entende? – Luna quis saber.

Hermione suspirou. Ainda incomodada, olhou para os lados e com calma, passou o que carregava para Luna. As duas se olharam. Luna apenas moveu a boca para dizer um “obrigada” discreto e abriu a porta para Hermione. Luna não entenderia. Nunca entenderia o que Hermione havia passado, tudo que havia sido obrigada a encarar, as coisas que precisara engolir. Luna saberia o que era não dormir com medo de acordar e olhar para o berço vazio de seus filhos. Nunca saberia o que era torturar. A diferença dela para o resto das cicatrizes que o resto do mundo carregava por causa de Voldemort, era que ela havia se perdido que por inteiro.

— Nos mudamos no início da semana, então ainda estou organizando tudo da melhor forma possível. – Anunciou Luna.

Passou para o lado de dentro e o cheiro do lugar a confortou. O ar frio que circulava na casa a acolheu. As cores. Os móveis. As luzes. Texturas. Ela andou com calma fazendo o salto estalar contra o piso bem polido e caro. Tocou o boiserie da parede enquanto encara os ornamentos no teto. Aquela casa. Era tão... Especial.

Parou quando logo ao fim do vestíbulo, no hall de entrada, viu uma fila de não mais do que seis ou sete homens e mulheres bem uniformizados e alinhados. Luna tomou a frente e apresentou o primeiro deles como sendo o primeiro secretário dos funcionários e pediu para que ele direcionasse Edmond e Neville até o escritório do andar. Luna continuou a apresentar o restante das figuras ali de pé. O segundo secretário, a cozinheira, sua ajudante, o jardineiro, a limpadora e... O coração de Hermione apertou quando viu Narcisa aparecer acompanhada de suas mulheres também uniformizadas. Uma carregava Hera e a outra segurava a mão de Scorpius, o ajudando em sua caminhada pelo hall.

— Renée e Greta. As governantas. – Apresentou Narcisa.

Uma soltou um comprimento em francês, a outra em alemão. Hermione ergueu as sobrancelhas. Podia fingir que sabia francês, mas alemão definitivamente estava longe de sequer arranhar.

— Governantas? – Soltou.

— Sim. – Narcisa parecia decidida.

— Scorpius e Hera acabaram de fazer um ano. – Rebateu Hermione.

— E o que esperava? Que Molly Weasley fosse servir de babá? – Riu de sua própria ironia. – As crianças precisam de bons tutores e tomei a liberdade de escolher bons nomes para o cargo. Preciso lembra-la de que é Hermione Malfoy e que ter o dia para se dedicar aos filhos não é nada mais do que uma doce ilusão para você. – Narcisa ajeitou sua postura. – A propósito, bem-vinda de volta.

Hermione puxou o ar. Claro. Narcisa sempre seria Narcisa. Assentiu cansada, mas logo foi distraída por Scorpius, que ergueu a pequena mãozinha e apontou para Hermione. Soltou um “mama” do modo mais casual que alguém de sua idade era capaz de atuar. Hermione sentiu tudo dentro dela derreter. Abaixou-se ao nível do filho sentindo o nó em sua garganta apertar.

— Sim. – Sussurrou para ele. – Mama. – Confirmou. Scorpius riu e ela não conseguiu fazer com que suas bochechas apertassem seus olhos também. Mordeu os lábios e estendeu as mãos para o filho, que foi deixado pela governanta para caminhar até os braços dela. Os olhos de Hermione encheram-se d’água ao ver seu pequeno herói equilibrando-se de pé, sem a ajuda de ninguém, fazendo seu caminho até ela, que o apertou nos braços, sentindo seu cheiro familiar, doce. Seu corpinho mais robusto. Mais firme. Crianças mudavam rápido naquela fase e ela sentia que havia perdido tanto. – Perdi seus primeiros passos, meu menino. – Limpou a bochecha da lágrima que lhe escorreu e ergueu os olhos para Hera, que a encarava curiosa. – Acaso perdi os seus também? - Renée a colocou no chão e a menina caminhou até a mãe, mais curiosa do que qualquer outra coisa. Hermione passou os dedos pelos fios finos e loiros, afastando-os dos olhos dela. – Me desculpe, minha princesinha. Vocês me parecem tão grandes. – Puxou a menina para os seus braços. Beijou-os ao mesmo tempo que tentava não desmoronar. Céus! A dor do nó em sua garganta. – Me desculpem. – Sussurrou para eles, muito consciente da culpa do abandono.

— Hermione. – Escutou uma voz calma e firme logo ao seu Lado. Sentiu uma mão em seu ombro e quando olhou para o lado, Narcisa estava ali. – Você conseguiu. – Ela usou de uma voz quase pausada. – Eles são livres agora.

E a que custo? Hermione quis rebater. Apertou os lábios para lidar com a pressão em seu peito. Sabia que a mulher tentava mostrar a ela que não merecia se culpar por ter colocado os filhos nas mãos de terceiros para lutar uma guerra. Negou com a cabeça.

— Eles nunca vão ser livres. – Sempre haveria alguém interessado em explorá-los e agora ela tinha o dever de protege-los do mundo. Eles eram diferentes. Tinha muito o que aprender para poder ensiná-los. Tinha que camufla-los de um mundo curioso e perverso.

— Sra. Malfoy? – Uma voz masculina emergiu e tanto Hermione quanto Narcisa ergueram os olhos. O homem intitulado como secretário dos funcionários havia retornado. Ele limpou a garganta. – Hermione Malfoy. – Especificou. – Gostaria de servir chá aos convidados?

Hermione trocou olhares com Narcisa, um tanto quanto perdida. Passou os olhos pela sala e deu de ombros sem saber o que responder.

— Chá seria bastante conveniente, Porlock. Obrigada. – Luna interviu. Dispensou o resto dos funcionários e voltou-se para Hermione. – O Sr. Miller parecia bastante agitado em poder conversar com você mais cedo, portanto sei que ele deve estar se remoendo em ter que te esperar no escritório.

Hermione soltou o ar. Assentiu e afastou a mãozinha de Hera, que brincava com uma mecha de seu cabelo. Encarou o rostinho de seus filhos e distribuiu beijos outra vez não querendo distanciar-se deles. Sentiu a mão encorajadora de Narcisa em seu ombro, como se tentasse lhe passar a mensagem de que deveria achar conforto em assumir suas responsabilidades.

Levantou-se e as duas governantas avançaram para distraírem Scorpius e Hera para longe da mãe. As duas crianças não se mostraram afetadas o que partiu o coração de Hermione. Lembrava-se de seus filhos serem apegados a ela ao ponto de mal poder sequer se levantar para buscar algo do outro lado de um quarto.

— Eles passaram pela mão de bastante gente, Hermione. – Narcisa disse, parecendo ler exatamente o coração de Hermione naquele momento. – Scorpius principalmente. – Lembrou-a. – Eles acabaram de te ganhar de volta. Não se atormente.

Hermione apenas assentiu. Voltou seu olhar para a sogra. A que havia escondido dela a verdade por tanto tempo. Que sempre cumpria seu papel como Malfoy, mesmo que esse fosse contar ao filho sobre os planos de Lúcio em eliminá-la.

— O que eu sou para você? – Hermione precisava saber.

Narcisa apertou os lábios mostrando imediatamente que gostaria de fugir do peso de ter que responder aquela pergunta.

— Não é confortável para mim te ver com uma filha, cuidar de você como uma filha, me preocupar com você, querer sua companhia, seu afeto. Mas é muito mais forte do que eu. Me dê tempo. Vou precisar dele para poder me livrar da voz dentro de mim que constantemente me lembra que sou uma Malfoy e devo cumprir meu papel e te ver como um perigo, a voz que me lembra que Lúcio nunca errou em manter o nome dessa família.

Hermione concordou.

— Todos nós vamos precisar de tempo para muita coisa. – Concluiu ela, sentindo-se mais confortável por escutar a sinceridade da sogra a respeito da relação delas de agora em diante. Tudo estava fragilizado.

Hermione pediu licença e foi até o escritório onde estavam Edmond e Neville. Rapidamente eles a engajaram em elaborarem uma nota oficial sobre sua volta para casa e o que tinha a dizer sobre a queda de Voldemort, seu papel na última batalha, a destruição de Brampton e sua experiência de quase-morte. A peça bem elaborada que aquela nota deveria ser já estava majoritariamente esboçado por Edmond, que detinha o papel de passar em detalhes, a narrativa que entraria para os livros de história. Hermione dava pouco de sua opinião, sabendo que aquilo já havia sido acordado entre o time de Tina com Draco.

Teve a chance de ler os últimos jornais e seus títulos em destaque. “Primeiro Ministro pede mais confiança no papel das instituições.”; “Novos líderes se agrupam para reabertura do Parlamento.”; “Gringotes fecha extensões por tempo indeterminado; Sede no Beco Diagonal mantém funcionamento normal.”; “Nova diretora de Hogwarts faz discurso comovente e apresenta reforma no quadro de professores”; “Draco Malfoy e sua equipe apresentam novo acordo entre Ministério Britânico e Americano.”; “St. Mungus divulga nota que confirma melhora no quadro de Harry Potter”; “Extensão do Ministério discute derrubada da muralha ao redor do território de Brampton.”

Não muito tempo depois, eles foram interrompidos pela chegada de Dean Clifford, o primeiro treinador de Draco, que estava exilado na Ásia e agora retornava por um chamado de Draco em acordo com Neville. Hermione estranhava não atender mais a porta de sua casa, estranhava que convidados fossem trazidos até ela e estranhava que houvesse tanta gente naquele santuário que era só dela e de Draco.

Tentou ser a melhor anfitriã que conseguia ser naquele momento quando Clifford foi levado até o escritório. Já havia ouvido histórias sobre o primeiro treinador de Draco e a diferença que ele fizera na vida do marido. Ele quem havia transformado maior parte do Draco que ele fora em Hogwarts. Era um homem já de meia idade, baixo, cabelo escuto, boa forma. Parecia carregar uma densa carga de experiência e tinha uma voz forte. Mudara-se para a Ásia quando quis distanciar-se do coração do império de Voldemort com a justificativa de querer aperfeiçoar-se em magia e autocontrole sob técnicas asiáticas milenares de meditação. Aparentemente, Neville e Dean já estavam se correspondendo. Hermione sabia que ainda nenhum contrato havia sido firmado, mas a confiança que Draco tinha no homem já o permitira ter ideia do porque Draco tinha interesse em sua volta.

Edmond se retirou e ela, Neville e o antigo treinador puderam explorar mais sobre o interessante caso que ela era. Hermione sabia que precisava se acostumar com a ideia de ser um objeto de estudo, até para ela mesma. Sabia que ignorar ou querer fugir daquela jornada que teria que percorrer seria completamente imprudente. Apenas tentou estar aberta as melhores estratégias que os dois tinham. Escutou e por mais receio que tivesse das propostas apresentadas, aceitou tentar o treinamento e meditações diárias. Neville parecia animado e bastante confiante com os resultados que aquilo traria e começou a estipular metas e se animar sobre expectativas de quando fosse seguro o suficiente para começar a puxar mais dos limites dela. Hermione cresceu em seu receio, mas felizmente o tempo passou rápido e logo Luna interferiu para direcionar Dean Clifford ao aposento onde ficaria até encontrar sua nova locação no país. O jantar seria servido logo e todos precisavam de tempo para se prepararem para ele.

Hermione vagou calma até seu quarto, tocando os boiserie, os painéis de madeira das paredes, os ornamentos, as armações dos quadros pendurados. As lembranças daquele lugar. Eram tantas. Vinham juntos com os medos e as esperanças que havia vivido ali. Era diferente agora. Foi lembrada disso duas ou três vezes quando empregados cruzaram com ela pelo corredor, onde antes tinha liberdade para saber que era somente seu.

Recebeu a notícia, no meio do caminho, de que Draco não iria conseguir chegar para o jantar devido a histerias levantadas em uma de suas reuniões. Entrou no quarto e sentiu-se exausta por saber que teria que passar o jantar com Neville, o treinador, Narcisa. Ela não tinha cabeça para todo aquele trabalho social. Queria deitar no chão do quarto de Hera e Scorpius na companhia de Draco e ficar ali, se possível, sem ter que abrir a boca. Apenas viver a companhia da família que era sua.

Tomou outro banho, vestiu uma nova roupa própria para o jantar, colocou joias apropriadas, mudou de sapato, refez o penteado do cabelo. Respirou fundo diante do espelho, testou alguns sorrisos e desceu no horário marcado para o jantar. Sentou-se na mesa bem-posta na companhia de Narcisa e os outros convidados. Ficou grata pela sogra ter assumido o papel de fazer boa parte do social, permitindo que ela pudesse admirar mais quieta toda a estranheza de estar sentada em sua mesa de jantar sabendo que seus filhos já haviam comido e provavelmente estavam no banho naquele exato momento, dentro da casa onde ela costumeiramente havia feito tudo aquilo sozinha com Draco antes. O jantar se mais do que ela se lembrava, talvez pela presença dos convidados. A conversa foi levada para uma sala de jogos, onde Narcisa parecia mais do que animada para uma partida de cartas.

Hermione pediu licença para poder checar as crianças. Deixou Narcisa continuar a entreter Dean e Neville, que já parecia quase que completamente acostumado com as firulas e protocolos da alta classe. Subiu as escadas andou pelos corredores bem iluminados até o quarto de Hera e Scorpius. Suavizou o passo tentando fazer o eco de seu salto diminuir, vendo a porta do quarto deles entreaberta. Parou bem antes do vão e espiou a penumbra do lado de dentro. Greta organizava o quarto silenciosamente enquanto Renée cantava bem baixo, uma canção calma em sua língua bem ao lado do berço de Scorpius, que diferente da irmã, ainda estava acordado, brincando com a mamadeira. A voz da governanta era doce e bonita, diferente de quanto Hermione tentava ninar os filhos para dormir. Era certamente um talento que ela não tinha.

Foi difícil evitar aquela dor no peito outra vez ao ver seus filhos sendo cuidado por outras mãos quando ela estava bem ali. Era difícil saber que eles haviam estado ao cuidado de outros já por um tempo quando antes, tudo que existia na pequena bolha de Hera e Scorpius não passava muito dela e Draco. Assistiu as mulheres trabalharem de modo muito profissional. Sem dúvida eram experientes e sabiam o que estavam fazendo. Não duvidava da capacidade de Narcisa em ter feito uma seleção extremamente rigorosa.

Não queria atrapalhar o trabalho das mulheres, nem mesmo queria atrapalhar a rotina dos filhos. Estavam confortáveis, alimentados, limpos, saudáveis, contentes. Ficou ali. Cruzou os braços, encostou-se contra a parede e ficou na companhia do calor das lágrimas silenciosas que faziam o caminho de suas bochechas saber que era muito provável que os filhos não tivessem mais nem ela nem Draco como costumavam ter.

Não demorou para poder escutar a movimentação do andar de baixo. A voz de Draco chegou até ela muito distante, mas foi o suficiente para fazer suas mãos suarem e seu estomago esfriar. Parecia ter se passado uma década desde a última vez que o vira. Queria ter entendido a conversa e o que se passava lá embaixo, mas ficou exatamente onde estava. Viu Greta terminar seu serviço e ficar surpresa ao vê-la na porta quando deixou o quarto. Hermione apenas fez um sinal para que ela ficasse em silencio e a mulher assentiu, passou por ela e foi embora.

Continuou a ver Renée terminar mais uma canção. Dessa vez Scorpius já tinha os olhos fechados, encolhido contra um canto do berço em sua posição preferida. Assistiu a mulher diminuir o tom de voz com calma até finalmente levantar de sua cadeira de balanço e começar a arrumar o lado dele do quarto muito silenciosamente. Foi quando escutou passos as suas costas. Sabia que eram de Draco, mas mesmo assim, permaneceu a assistir Scorpius em seu sono ainda leve, sem se mover.

Notou a sombra dele quando parou muito próximo a ela, O familiar perfume do marido a envolveu e ela quis se desfazer no calor e conforto daquele cheiro. Ele enfiou as mãos nos bolsos da calça e espiou a mesma visão dela por cima de seu ombro. Eles ficaram em silêncio.

— Dói. Não é mesmo? – Ele quebrou o silêncio usando sua voz calma e baixa depois de um bom tempo. – Não cuidar deles como costumávamos fazer.

Hermione assentiu,

— Sinto tanta alta deles. – Sussurrou. – Sinto que perdi tanto deles. – Suspirou. Soltou o ar com calma balançou a cabeça tentando esquecer aquilo mesmo que fosse impossível.  - Sua mãe conseguiu finalmente arrumar a casa como sempre quis que eu fizesse. Governantas, empregados, jardineiros. Acho que finalmente somos verdadeiros aristocratas. – Ela comentou e ele soltou um riso fraco em resposta.

— Sabe que pode mudar o que quiser. Essa é sua casa.

Ela concordou com a cabeça.

— Sei. Mas também entendo que precisamos de toda a ajuda possível.

Renée deixou o quarto, fazendo uma breve reverencia para os dois ao passar por eles, mostrando-se pouco surpresa por vê-los ali. Hermione encostou as costas contra a parede e voltou-se para o marido. Draco piscou e abaixou o olhar para ela. Eles se encararam em silêncio por alguns segundos.

— Não faz ideia do que é te ter de volta, Hermione. – Ele finalmente disse. Hermione abriu um sorriso involuntário. Tocou a camisa dela e aproximou-se. Não demorou a ter os braços dele a envolvendo num abraço quente, familiar, confortável. Agora sim ela se sentia em casa. Agora sim estava completo – Minha cabeça parece me fazer esquecer o tanto que é linda só para me ver sem fôlego todas as vezes que coloco os olhos sobre você.

Ela soltou o ar por baixo da respiração num riso frágil. Ela queria poder zombar do romantismo que de nenhuma forma vestia Draco Malfoy bem, mas não conseguia. Ter o afeto dele era valioso demais.

— Eu te amo. – Ela sussurrou para ele. Parecia tão certo dizer aquilo. Tão natural. Parecia já ter dito a ele aquilo um milhão de vezes.

— Eu também. – Ele devolveu. Tão naturalmente quanto ela. Beijou o topo de sua cabeça. – Quis estar aqui quando chegasse. Quis ter te visitado mil vezes. Mas se soubesse o tanto de coisa pelo qual estou responsável. Preciso colocar o mundo em ordem. Está nas minhas mãos. O mundo tem olhado para nós. Temos que fazer isso. Não só por poder, mas pelos nossos filhos.

Ela assentiu.

— Eu sei. – Entendia. Estava disposta a mergulhar naquilo tanto quanto ele. Por mais indisposta que estivesse, precisava daquilo. Seria seu propósito tanto quanto o dele. Sabia a importância de terem seus objetivos alinhados. – Obrigada por trazer seu treinador. Neville parece muito otimista.

— Longbottom é uma boa pessoa. Ingênua, mas cheio de caráter. Ele é leal a você. Pareceu tomar partido disso com força quando ele e Ginevra discutiam fervorosamente sobre sua natureza. Está feliz pelo objetivo de poder se dedicar a você. Quanto a Dean temos que discutir uma aliança. Ele saberá muito sobre os segredos que carregamos, sobre você, sobre Hera e Scorpius, precisamos nos certificar que ele estará disposto a entrar em um acordo para guardar tudo isso.  – Hermione assentiu concordando. – Tenho que descer para vê-los. Soube que Dean teve complicações em sua vinda para cá e também não o vejo há anos. Quer que eu diga que está indisposta?

— Por favor. – Pediu ela sem hesitar.

Ele riu e ela sorriu sabendo que ele conhecia bem o quanto ela sempre havia odiado todo tipo de socialização formal. Eles se afastaram e Draco deu as costas para seguir seu caminho sem olhar para trás. Ele sempre seria uma general, sempre focado em seu dever, seu trabalho, suas responsabilidades. E ela amaria cada pedaço de tudo aquilo.

Se permitiu ficar ali por mais um bom tempo, velando o sono dos filhos, em paz por saber que eles ficariam bem, que nenhuma ameaça os roubaria do berço no meio da noite. Deu as costas quando se apegou a aquele pensamento e se sentiu leve como nunca havia se sentido antes. Foi para o quarto, e sem pressa alguma tirou seu vestido, vestiu sua camisola e robe, limpou o rosto e soltou os cabelos, exatamente como costumava fazer no fim do dia. Tudo estava no lugar exatamente como ela havia deixado. Achou, no mínimo, engraçado que o livro inacabado que deixara na gaveta de sua cabeceira ainda estava ali. Tirou-o de lá e sentou-se no sofá próximo a lareira. Chamou por Tryn, mas quem apareceu foi Kip. Pediu por uma taça de vinho que apressadamente lhe foi servida. Procurou pela marcação de onde havia parado e continuou a leitura mesmo achando difícil se concentrar. Precisava apreciar a ironia de estar naquela casa novamente, no mundo que Voldemort havia criado, com seus filhos dormindo não muito longe, carregando uma vitória que havia a deixado cheia de cicatrizes por todos os lados.

Era estranho que apesar de tudo que sabia que havia pela frente, sentia-se leve. Aquele era seu santuário e ela estava de volta. Tudo que precisava estava ali também. Draco no andar de baixo, seus filhos no quarto ao fim do corredor. Aquela vida não era nada utópica, nada do qual sempre havia sonhado. Não era nenhum amor idealizado. Nenhuma aspiração perfeita e imaculada. Aquela vida era sua realidade inusitada e cada pedaço perfeito e imperfeito era sagrado. Era sua história, seu propósito, e era real, concreto, palpável.

Esperou por Draco e ele demorou. Fez viagens até o quarto dos filhos uma ou duas vezes, sentindo aquele aperto no peito, a saudade de estar com eles, de cuidar deles. Sabia que se chorassem no meio da noite, quem iria acolhe-los seria Renée ou Greta e ela teria que mudar aquilo. Por mais que tivesse muito no que trabalhar, ela queria ser a figura de quem os dava cuidado. De quem os alimentava, de quem os colocava para dormir.

Draco apareceu tarde, ele carregava uma expressão exausta no rosto e um copo de conhaque na mão. Ela abaixou seu livro, cercou os joelhos contra o peito e apoiou a cabeça contra o braço encostado no espaldar do sofá para assistir a figura cansada do marido se movimentar pelo quarto. Ele deixou o copo na mesa de centro próximo a ela, livrou-se no cinto de sua calça, tirou os sapatos, abriu a camisa, bagunçou o cabelo e jogou-se ao lado dela, pensando a cabeça para trás, fechando os olhos e colocando os pés para cima, apoiados sobre a mesa. Draco não andava mais de farda como antes, mas sempre se vestia muito formalmente.

Eles ficaram em silêncio por alguns segundos, mas não foi um silêncio intimidador ou desconfortável. Parecia um fim de dia como qualquer outro, com a diferença de que agora o mundo havia virado de cabeça para baixo.

— Sente como se fossemos estranhos um para o outro? – Ela quebrou o silêncio curiosa. A voz calma e paciente.

Ele assentiu calado.

— Nos vemos sob luzes diferente agora. – Ele comentou depois de um tempo. – Parece que estamos começando tudo do zero, mesmo carregando a bagagem que temos. - Ela tinha que concordar. Viu Draco abrir os olhos e direcionar-se para ela, ao seu lado. Eles se encararam. – Não podemos falhar mais em comunicação, Hermione. Você é algo que eu não posso me dar o luxo de perder. – Ele foi sério.

Ela concordou com a cabeça. Estendeu o braço e pegou a mão dele, abriu a palma e colocou ali o anel da família Malfoy.

— Não posso usar mais esse anel. Ele representa uma aliança com o nome Malfoy e minha aliança é com você. Você é minha família.

Ela o observou pegar o anel para analisa-lo. Soltou um longo suspiro cansado.

— Somos Malfoys para o mundo, Hermione. Use você um anel ou não.

— Mas não somos Malfoys um para o outro. E não me diga que devemos ser, porque foi exatamente isso que nos quebrou.

Ele soltou o ar. Abaixou a perna, sentou-se e apoiou o perto do tronco sobre os cotovelos que se ajustaram um contra cada joelho. Ele passou a mão pelos cabelos e apertou os lábios incomodado.

— Eu sei. – Disse. Aquela era uma realidade dura para ele. Ela sabia que era. Ia contra tudo que ele havia sido ensinado a vida inteira. Ajeitou-se desconfortável. Ficou em silêncio por um tempo. Abriu a boca duas ou três vezes, mas nada saiu dela. Analisou o anel novamente e depois de alguns bons segundos, finalmente começou: - Talvez saiba que tudo que eu quis por muito tempo foi desvendar um caminho que eu pudesse trilhar como Malfoy, onde eu conseguisse alcançar o sucesso sem que eu precisasse ser como meu pai. – Disse calmo. Sem encará-la. – Te encontrar no meio dessa busca foi um alívio. Eu me senti forte com você ao mesmo tempo que me descobri vulnerável de outras mil formas. Eu me sinto humano demais com você por perto, do mesmo modo como sinto que somos duas forças indestrutíveis juntos. Nós nos encontramos, Hermione, e o significado disso reverbera entre nós. Somos os únicos a apreciarmos a verdadeira beleza do que somos de verdade, mesmo com toda a carga que vem com isso. – Ele pausou por um breve segundo para parecer colocar os pensamentos em ordem. - Mas o mundo não sou só eu e você. – Levantou os olhos para ela. - Estamos de pé num posto que nenhum Malfoy antes teve a chance de estar. Os sacrifícios que fizemos, todo trabalho que tivemos, as ameaças que enfrentamos, a influência que alcançamos, o poder que detemos. Tudo começou com meu pai. A ascensão dentro da hierarquia de Voldemort, a confiança dentro do ciclo, as cabeças que meu pai levou para dentro dele, as articulações no ministério, a descentralização do poder de Voldemort, a posição que eu ocupei e os homens que trouxe para o nosso lado. Estamos de pé numa fundação que ele construiu, e essa fundação está implantada no solo fértil de todo os nossos antecedentes que se sacrificaram igualmente pelo nome Malfoy. – Ele pegou o anel que ela deixou sobre a mesa. Encarou-o por alguns bons segundos. – Eu posso te dar um outro anel. Posso mandar fazer um da forma exata que sei que irá agradá-la. Posso coloca-lo no seu dedo e prometer todas as coisas que quero te prometer. Coisas que já prometi antes da boca para fora, no dia do nosso casamento. Sabemos o que somos um para o outro dentro das quatro paredes dessa casa, com nossos filhos, dentro do nosso lar. Mas para o mundo, nós detemos o controle das instituições, das opiniões, do futuro do mundo bruxo. A vitória que construímos é tão sólida, que depois de todo o mal que eu já fiz em nome de Voldemort, que nós já fizemos, o mundo ousa nos ver como algum tipo de salvação. A responsabilidade do que carregamos é gigantesca. Os sacrifícios que devemos fazer são inevitáveis e não são apenas para nos manter grandes, mas também são para nos proteger. A queda de onde estamos agora é grande. Não sei ser forte sem me refugiar no meu sobrenome. Tudo o que sei são lições Malfoys. Eu quero nos priorizar, quero nos colocar a frente de qualquer nome, de qualquer legado. Mas isso vai contra tudo que conheço e é difícil dar as costas a uma fórmula que provou apenas sucesso entre gerações.

Ela assentiu. O entendia. Entendia também que ele estava atrás de soluções e não de convencê-la sobre algo que também já sabia. Respirou pensativa. Arrastou-se até ele, abraçou seu tronco e descansou a cabeça em seu ombro. Vasculhou alguma de suas memórias e depois de um tempo optou por dizer:

— Draco, quando eu sentei no trono de Voldemort, não me senti eu mesma, mas a ideia do poder que aquilo me trazia nunca ultrapassou tudo que eu senti ao seu lado. Ter o seu nome, me sentir sua, conspirar com você, chamar essa casa de nossa, te dar herdeiros, ter sua atenção, sentir seu afeto. Estar com você me fez experimentar poder de uma forma que eu nunca imaginei. Eu não me importo para onde vamos, quão grande vamos ser, que influencia vamos ter. – Ela disse. - Mas me lembro bem do que Victor Krum gritou antes de morrer. Não fez o menor sentido para mim naquela época, mas hoje eu sei que ele não estava errado. Somos fortes juntos. Trabalhando juntos, sonhando juntos, planejando juntos. Quem venceu essa guerra fomos você e eu. Quem dividiu o império fomos eu e você. Nós quem nos fizemos, porque a verdade é que o nome Malfoy me quer morta e minha natureza te quer como inimigo. Mas nós quem nos fizemos indestrutíveis. Juntos. Quantas vezes já nos resolvemos e nos “desresolvemos” durante os anos que passamos juntos? Já viajamos várias vezes entre a vontade de matarmos um ao outro e de morrer um pelo outro. A vida sempre será difícil para nós dois. Sempre haverá uma guerra para lutar. Seja porque carregamos um alvo bem no meio de nossas testas. Seja entre as nossas diferenças, nossas desavenças, seja enfrentando o mundo, seja lidando com as figuras públicas que somos. Seja nas nossas tempestades, seja nos nossos melhores dias. Sempre vai ser difícil. Sempre. – Estava extremamente consciente daquilo. – Mas sempre fomos presentes. Sempre dormimos na mesma cama, sempre voltamos um para o outro no fim do dia, nos amando ou nos odiando. Essa foi a nossa fórmula e foi assim que nos construímos, nos encontramos, nos estruturamos, nos fortalecemos. Não precisamos do nome Malfoy, não precisamos do legado Malfoy, dos antepassados Malfoy, da influencia Malfoy. Somos Draco e Hermione e estamos escrevendo os livros de história.

Draco ponderou brevemente.

— Não podemos nos livrar do nome Malfoy. – Ele retrucou engajado.

— Sei que não. – Ela devolveu. – Por isso podemos usá-lo. Mas não é o que somos. – Ela se afastou e ele virou para encará-la. – Não seria libertador? Tanto para mim quanto para você? Nossa fórmula, nossa história, nosso legado. Eu e você. Para nós e para o mundo.

Ele tornou a encostar contra o sofá. Calmo e pensativo. Estendeu a mão e tocou o rosto dela, a contemplando.

— Posso fazer isso. – Usou um tom baixo. – Te dar um novo anel. Um que seja sobre você e eu, e não sobre o nome Malfoy, não sobre o nosso casamento forçado ou sobre a expectativa de terceiros em nos unir.

Tocou a mão dele em seu rosto.

— Não estamos rompendo com o nome Malfoy. Apenas estamos nos priorizando. Certo?

Ele assentiu. Ela sorriu. Ele sorriu.

— O que for necessário. – Ele disse e ela sentiu aquele aperto em seu peito. Aquela pressão em sua garganta que fez seus olhos embaçarem.

Céus! Não era dor. Não lhe doía. Era inacreditável ouvir da boca de Draco Malfoy que ele estava disposto a romper com o legado Malfoy para que eles se fortalecessem e tomassem aquele lugar. Sentia-se tão idiota de ter duvidado da profundidade daquilo que haviam vivido. Sentia-se idiota de nunca ter confiado completamente, de nunca ter se entregando inteiramente, de nunca ter apostado neles sem duvidar, de nuca ter acreditado em sua própria realidade. E saber que podia se fundir a ele sem reservas, sem que nenhum lado de sua alma machucada levantasse algum sinal vermelho, era como receber a revelação da entrega de sua maior aspiração, uma que ela nunca havia imaginado tão relevante, uma que ela até mesmo havia duvidado da existência.

— Agora sim somos um. – Ela sussurrou com a voz apertada.

Ele sorriu, inclinou-se e colou sua boca na dela sem pressa, num beijo simples, mas cheio de significado.

— Agora sim nós somos. – Draco sussurrou de volta. Puxou o corpo dela para próximo e ela passou uma perna por ele para se sentar em seu colo. – Acha que sou louco por dizer que viveria tudo isso mil vezes novamente se tivesse a certeza de que iria te encontrar?

Ela sorriu tendo a certeza de que ele não era nem um pouco louco por isso. Cercou o pescoço dele com os braços e usou seus lábios para brincar com os dele.

— Não. – Respondeu. – Porque sei que passaria por tudo isso mais um milhão de vezes se tivesse a certeza de que teria você.

Draco abriu um sorriso que a cativou, ele a puxou para si e a beijou. Eram a maior recompensa um do outro. E mesmo que a tivessem o mundo nas mãos para concertar, as opiniões públicas para lidar, dois filhos para proteger e criar, mil teorias de Longbottom para avaliar, um relacionamento naturalmente conflituoso para preservar e um legado para levantar, sabia que nem ela nem Draco iriam querer nada que fosse menos desafiador.


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Notas finais do capítulo

N/A: OKAAAAYYY!!!! Sei que devo explicações. Vamos lá. Logo depois que postei o capítulo 45, comecei a modificar algumas partes do 46. Foi pouca coisa, mais corrigindo erros de digitação do que qualquer outra coisa. Mas acabou que fiquei com uma parte de história incompleta ao reescrever alguns parágrafos. Daí acabou que eu me mudei de casa, fiz uma viagem suuuper longa, mil coisas ficaram atrasadas no trabalho, perdi quase todas as minhas deadlines e eu não consegui abrir o capítulo para terminar minhas modificações por um bom tempo. Daí qndo consegui finalmente terminar, sofri por alguns dias não querendo dar um fim definitivo a essa história ao postar. Me perdoem a demora, mas esse momento é um pouco difícil pra mim. É um tchau definitivo a Cidade das Pedras. Capítulo 47 é mais um epílogo do que qualquer outra coisa. Esse último parágrafo encerra uma história longaaaaa, que fez parte da minha imaginação por anos. A verdade, é que na minha cabeça, o dia-a-dia deles continua. Eu poderia literalmente escrever isso aqui pra sempre. Mas a gente tem que aprender a abandonar projetos ao dar um fim para eles.
Espero que vocês tenham gostado. Por mais que eu quisesse um fim dramático e cheio de profundidade, um que fosse chocante ou algo do tipo, a verdade é que me senti muuuuiiiiitoooo mais feliz quando fechei esse ciclo deles de modo leve e com esperança. Gostei desse tom de continuidade, de saber que eu posso continuar essa história na minha cabeça, dar outros tons, outros desafios a ela. Mesmo que eu nunca mais venha escrevê-la. Acho que assim vocês mesmos também podem continua-la na imaginação de vocês.
Obrigada por sempre terem esperado pacientemente por essa fanfic e espero que continuem acompanhando para quando postar outros projetos também. Pretendo terminar Confidencial logo.
Deixem seus comentários poooooorrrr favooooorrr!!! Esse é um momento mto especial e gostaria de saber o que está no coraçãozinho de vocês. :)