Waves of Fate escrita por Lirael


Capítulo 9
Segredos




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Dez anos depois

Os cachos vermelhos normalmente se agitariam indomáveis com o vento selvagem que soprava do oceano, mas não naquele dia, pois estavam firmemente presos em um rabo de cavalo. O frio não parecia ser um problema para o rapaz, na verdade ele estava sem camisa. Suas mãos tinham calos onde os remos encontravam os dedos - sua mãe implicava com ele por isso - mas os calos era bem vindos. Junto com eles vieram os músculos, esculpidos por dias e dias de braçadas vigorosas. Seu peito e ombros eram salpicados de sardas, e a pele levemente bronzeada por causa do sol, mas o suor ainda conseguia fazê-lo brilhar.

Ao ver o cais despontando no horizonte, Kyle sentiu seu coração palpitar, e falhar uma batida quando reconheceu um dos navios ancorados ali. Por um instante desejou largar os remos e pular a água, indo para Berk a nado mesmo. Mas sabia que as águas eram geladas demais naquela época do ano e que nadar seria suicídio. Ele franziu a testa e remou com mais força. Mas sabia que haviam lugares em que o mar era quente o ano todo. As histórias dos marinheiros o levavam para muito, muito longe de Berk, e ele sentia como se estivesse preso àquela ilha como um navio fixo por sua âncora.

Mas havia alguém que podia mudar isso. Remou com mais força, como se pudesse fazer o pequeno navio de pesca chegar mais rápido à terra firme. Houve um tempo em que sair com os marinheiros para o mar aberto em busca de peixe parecia uma grande aventura para Kyle. Apesar das reprimendas de Soluço e do avô, ele sempre podia contar com a ajuda da mãe para escapar para as ondas.

Merida parecia compreendê-lo bem demais, de um jeito que Soluço jamais compreenderia. Sempre que o Líder tentava conversar com ele sobre escolher um dragão para si, Kyle conseguia se esgueirar para dentro de algum navio de pesca e não voltava durante dois ou três dias.

Quando chegava em casa, normalmente estava tão exausto e faminto que Soluço esperava para abordar assunto em outra hora.

Mas em algum momento aquilo deixou de ser suficiente. O mar aberto chamava-o para cada vez mais longe de casa e ele se pegava desejando ouví-lo, se aventurar sem data certa para voltar e conhecer os lugares que as histórias falavam. Lugares onde nunca nevava, ou onde as árvores não perdiam o verde nunca. Lugares onde o mar era de areia, onde as pessoas tinham a pele escura e usavam tantos brincos que quase não se podia ver suas orelhas. Lendas de praias com areia branca e morna, sem uma única pedra pontiaguda onde se pudesse cortar os pés.

As histórias já não bastavam. As ondas já não bastavam. O que ele queria mesmo era cortar as amarras que o prendiam ao lar que o fazia tão infeliz e se lançar no oceano.

E aquele navio que ele reconhecia tão bem e que esperou por meses poderia lhe dar isso.

O barco de pesca atracou e Kyle saltou por cima da amurada mesmo, correndo cais acima e vestindo a camisa por cima do corpo ensopado de suor. Sem nem mesmo parar para recuperar o fôlego, ele fez seu caminho até sua casa.

Subindo a colina para chegar até sua casa, ele viu a pequena figura sentada nos degraus da escada. Elora tinha os braços cruzados sobre o peito e uma expressão extremamente aborrecida. Não era difícil para ele adivinhar o porquê daquilo.

Ela o viu e se levantou imediatamente, sorrindo de orelha a orelha. Mas não correu até ele para abraçá-lo. Ele finalmente a tinha convencido a não fazer mais aquilo. Satisfeito por ver que ela se lembrou de obedecê-lo, Kyle correu até a varanda e a prensou em um abraço de urso, girando-a. Elora dizia seu nome entre as risadas.

– Kyle! Por que demorou tanto, seu grande idiota! - ela brincou.

Kyle a colocou no chão com cuidado e se endireitou. Aquilo a fez parecer menor ainda. Como ele não respondeu, ela lhe deu um soco fraco no braço.

– Ai! - ele se queixou - É assim que recebe seu irmão mais velho, tão cansado depois de três dias no mar?

Ela bufou.

– É o que você merece. Você ficou fora por mais de uma semana! E nem mesmo se despediu de mim! Tem ideia do quanto fiquei entediada? - ela o repreendeu.

Os olhos azuis de Elora contrastavam com o cabelo castanho indomável. Os cachos dela corriam livres pelos ombros, uma antítese clara aos da gêmea, que estavam sempre presos em uma trança grossa.

– Ivarr e Ingrid a deixaram sozinha de novo? - ele perguntou, de cenho franzido.

– E quando é que eles não me deixam sozinha? Nunca me chamam para brincar com eles... Só por que eu não posso... - Ela fez uma pausa.

Kyle olhou para a irmã, triste pela condição dela. Elora sempre tinha sido a mais frágil dos quatro irmãos. Algo acontecera com ela, algo que a fez nascer menor que os outros e lhe dava dificuldade para respirar. Quando se exercitava, seu peito chiava e ela perdia o ar, às vezes chegando até mesmo de empalidecer. As outras crianças sabiamente a excluíam das brincadeiras após duas ou três de suas perigosas crises, mas Elora não parecia gostar nada disso.

Kyle odiava aquela sensação de não poder fazer nada. Acreditava que a resposta talvez estivesse em outro lugar. Queria muito viajar para buscar novos horizontes e aventuras, mas também para procurar uma cura - ou pelo menos um alívio - para o mal que afligia sua irmã preferida.

– Mamãe está em casa? - ele perguntou, tentando deixar aquele assunto de lado.

– Está sim. Na sala. - ela confirmou.

Kyle entrou em casa e Elora tentou seguí-lo, mas ele ergueu a palma da mão para ela.

– Preciso falar com ela. - ele explicou. - Você se importa?

Elora fez que não com a cabeça e continuou andando.

– A sós. Preciso falar com ela a sós. - ele ressaltou.

Elora fez beicinho e voltou a se sentar na escada.

Kyle terminou de empurrar a porta e vislumbrou o brilho avermelhado dos cabelos da mãe, tão iguais aos dele, indomáveis e selvagens como as ondas.

Ela estava sentada escrevendo alguma coisa em caligrafia elegante, e quando ouviu a porta abriu, ergueu o olhar. Ao vê-lo, ergueu-se mais do que depressa e o abraçou. Inspirou longamente o cheiro dele.

– Senti sua falta. - ela declarou.

– Eu também senti sua falta, mãe.

– Você ficou muito tempo dessa vez. - Ela o acusou, mas não havia repreensão em seu tom. Apenas saudade.

Quando se afastaram, Kyle teve que se inclinar para lhe dar um beijo no rosto. Era incrível que já fosse quase uma cabeça mais alto que ela, e uns poucos centímetros mais alto que o pai. Estóico gostava de se gabar dizendo que o rapaz tinha puxado sua constituição física, mas Kyle não achava que fosse esse o caso. Se não fossem os remos dos barcos de pesca, seria mais magro que o pai.

– Encontrei Elora na entrada de casa. Está emburrada comigo por ter demorado.

Dessa vez Merida não escondeu o tom de censura.

– Ela sentiu muito sua falta. Perguntava por você todos os dias. Você sabe como ela é apegada a você.

– Eu sei. É por isso que precisava falar com você a sós. Você sabe qual navio está atracado no nosso cais, não sabe?

Merida franziu a testa.

– Sim. O do comerciante Johann. Chegou a dois dias.

– Eu vou poder ir com ele dessa vez?

A expressão de Merida virou pedra. O comerciante Johann visitava Berk de tempos em tempos, trazendo mercadorias e notícias, e da última vez que viera, deixara explícito o convite de levar Kyle como um membro de sua tripulação. Mas suas viagens demoravam meses e Merida não tinha certeza de que queria seu filho longe por tanto tempo assim.

– Mãe... - Kyle chamou sua atenção, vendo que ela parecia perdida em pensamentos. - Mãe, ainda estou aqui.

– Eu vou falar com o Soluço. Mas ele não vai aceitar, Kyle. Você é o filho mais velho. Ele ainda espera que você se torne líder.

Kyle explodiu.

– Líder! - zombou. - Mãe, apenas olhe para mim! Eu não tenho um dragão, não sei manejar um machado e nem mesmo tenho um ofício. Você consegue me ver como líder? Acha mesmo que os vikings me seguiriam? Eu nunca serei o que ele quer que eu seja!

Merida não disse nada. Ficou olhando para ele, impassível. Era tão estranho que a história se repetisse, anos depois, de um jeito um tanto diferente! Merida sabia da paixão de Kyle pelo oceano. Era uma coisa tão forte quanto a dela, por sua floresta. Ele não era como outros vikings, nunca seria feliz em Berk, e ela sabia. Estaria sendo egoísta se o deixasse preso ali apenas para tê-lo por perto. Mas ainda assim...

– Me desculpe. - Ele disse. - Eu sei que não é sua culpa. É só que... Eu não aguento mais esse lugar, mãe.

Kyle saiu, e fechou a porta. Elora rapidamente sentou-se de novo em um dos degraus, alisando o vestido disfarçadamente.

– Estava escutando atrás da porta? - Kyle inquiriu, com uma sobrancelha levantada.

Elora assentiu, com uma expressão culpada, sem nenhuma tentativa de mentir.

– Por que quer tanto ir embora? - ela perguntou.

– Você sabe por quê.

– Você não pode ir embora só por que as pessoas dizem que você tem medo de dragões. Você me disse que não ligava para eles!

– Eu não tenho medo de dragões! - Kyle respondeu, com um tom um pouco mais ríspido do que pretendia. Então suspirou, ao ver a expressão assustada da irmã. Caminhou pela varanda e se sentou ao lado dela, passando o braço ao redor de seus ombros estreitos. - Desculpe por falar assim com você.

Ela assentiu e eles ficaram em silêncio por alguns segundos.

– É a altura. - ele disse de repente.

Elora piscou confusa e o encarou.

– O quê?

– Não são os dragões. Não é o fogo, nem as garras, nem os dentes, nem os rugidos. - ele disse baixinho. - É a altura. Eu odeio altura, odeio lugares altos. É por isso que tenho medo de voar. - ele simplesmente deixou sair. Nunca tinha dito isso a ninguém.

A boca de Elora se abriu em um "o" perfeito. Ela se recuperou do choque e disse em seguida.

– Não vou contar a ninguém. - ela assegurou.

Kyle sorriu e despenteou seu cabelo.

– Eu sei que não vai.


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Notas finais do capítulo

Só para os que não sabem, o comerciante Johann é um personagem da série, ele não aparece nos filmes. Ah, e eu não esqueci dos outros irmãos do Kyle, tá? Eles )vão aparecer no próximo. (Só Deus sabe quando vai ser isso, mas tudo bem.)