Intercâmbio escrita por LaisaMiranda


Capítulo 4
Capítulo 4




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— NÃO ACREDITO QUE VOCÊ SE ATREVEU!

Os gritos de Enzo invadiram o meu quarto. Já se passava das duas da manhã quando acordei assustada com os berros.

Levantei-me receosa e abri a porta com cuidado para não fazer barulho.

Shut up! — escutei a voz de Lacey. Ela não berrava igual o irmão, mas consegui ouvir mesmo de longe, depois disso não escutei mais a voz dela.

— EU NÃO ESTOU NEM AÍ! ELA QUE ESCUTE! — continuou Enzo, com raiva.

Eles estavam na sala ou na cozinha, mas eu ainda achava que o barulho vinha da sala. Andei com cuidado até a escada, no entanto não desci. Fiquei parada, tentando ouvir o que eles estavam discutindo. Eu nunca fui de espiar, porém não pude deixar de escutar a voz deles e ficar curiosa. Afinal eles podiam estar falando de mim, quer dizer, eu tinha certeza que estavam. Lacey devia ter contado sobre a entrevista de amanhã. Eu sabia que isso não daria certo.

— Como pôde fazer isso comigo, Lacey? — a voz de Enzo já estava mais baixa, porém não menos agressiva. — Você sabia que eu não aceitaria e mesmo assim pediu para o Nico contratar ela?

— É só uma entrevista! — explicou Lacey.

— Nós dois sabemos que o Nico faz qualquer coisa por você. Ainda mais agora que vocês estão brigados.

— Eu não vejo qual é o problema, Enzo. For God sake.

— Você sabe o que eu penso sobre isso.

— O que eu sei, é que já faz um ano. One year, Enzo. Você precisa mudar. Não pode passar a vida toda descontando a sua raiva nos outros. A Giselle não tem culpa do que aconteceu...

— Você não entende, droga! — gritou ele. Eu já não estava entendo nada. O que tinha acontecido? — Nunca entendeu. Ninguém nunca entendeu. — ao terminar ele não gritava mais.

My little brother, você precisa esquecer o que aconteceu. — A voz de Lacey era suave, confortadora — Precisa seguir em frente.

Fiquei imaginando o que será que eles queriam dizer. O que tinha acontecido na vida do Enzo? Era por isso que ele era tão amargo? Mas o que será que o fez mudar tanto?

— Eu vou dormir — ouvi ele dizer por fim, então me preparei para ir para o meu quarto, antes que me pegassem ali. As coisas já estavam muito ruins, eu não tinha que piorar. Assim que me virei, ouvi sua voz de novo — Essa conversa ainda não terminou. Você mudou de assunto, Lacey, conseguiu o que queria. Mas amanhã é outro dia, e eu não vou cansar até conseguir o que eu quero.

— Enzo? — suplicou Lacey e tomei isso como sinal de que ele estava subindo. Corri para o meu quarto sem fazer barulho e fechei a porta um pouco.

Deixei uma fresta e consegui enxergar Enzo entrar no quarto. Ele estava abatido, e pensei se não era porque a irmã tocou no assunto. Mas que assunto era esse? Eu precisava descobrir.

Antes de fechar a porta, notei Lacey subindo as escadas e entrar no quarto ao lado do meu. Fechei a porta junto com ela e deitei-me na cama, pensando no segredo que Enzo guardava consigo.

Na manhã seguinte demorei para levantar. Quando abri os olhos e chequei as horas, já se passava das onze. Rapidamente coloquei-me de pé,  troquei de roupa e fui até o banheiro. Antes de entrar verifiquei se não tinha ninguém, não queria ter o azar de tombar com Enzo saindo do banheiro de novo. Ainda mais depois de ontem.

Quando desci, Lacey estava sentada no sofá, lendo um livro.

Good Morning! —Era engraçado como ela sempre estava de bom humor. — Ou devo dizer boa tarde?

— Desculpa, eu não costumo acordar tarde, é só que ontem a gente chegou quase meia-noite — expliquei, me juntando a ela no sofá.

— Não tem problema. É sábado! E é bom que você acostuma, já que vai ter que trabalhar à noite.

Esse assunto de novo. Ela realmente não percebeu que foi uma péssima ideia eu ir trabalhar no bar, nem quando estava discutindo com o irmão?

— Mas é só uma entrevista, não é? — tentei sondar, quem sabe assim ela não desistia da ideia.

— Você acha mesmo? — Lacey disse como se aquilo fosse impossível — Pode ter certeza que o emprego já é seu.

Ai, como eu queria que ela repensasse isso. Por que eu fui pedir ajuda?

— Seu irmão ficou muito bravo, depois que você contou? — perguntei, fingindo nem saber da noite passada.

— Estou surpresa que você não ouviu os berros dele ontem à noite.

— Acho melhor eu não aceitar — tentei mais uma vez, quem sabe assim ela não mudava de ideia. Eu conhecia Lacey por pouco tempo, no entanto algo me dizia que convencê-la era quase impossível.

— Nem pense nisso — de repente ela ficou brava — Não faça besteira só por causa do meu irmão idiota. Promete para mim?

— Lacey.. — pretendia continuar, mas ela não deixou, é claro.

— Promete Giselle. Eu estou falando sério.

Quase ri com seu jeito autoritário.

— Tudo bem — me rendi por fim — Meu Deus, você pareceu a minha mãe agora.

Falei isso da boca para fora e logo me arrependi. Lacey podia se ofender com isso.

— Mais uns anos e quem sabe? — fiquei surpresa com a resposta dela — Quantos anos você tem?

— Vinte três — respondi rápido — E você?

— Trinta? — ela quase me fez uma pergunta. Não acreditei.

— Nossa. Você parece bem mais nova.

— Agora sim eu te amo.

— É sério, eu pensei que você tivesse uns vinte e seis, não sei.

— Meu irmão que tem essa idade. Eu sou um pouquinho mais velha.

Então Enzo era apenas três anos mais velho que eu. 

Ao mencionar o irmão me lembrei da noite passada. Da história, que eu ainda não sabia, por de trás dessa personalidade forte de Enzo.

— Está nervosa por hoje? — perguntou Lacey de repente. Talvez percebendo a minha expressão um tanto suspeita.

— Um pouco — depois que pensei a respeito, fiquei mesmo nervosa — Já faz um tempo que não faço entrevista.

— Pense que é uma conversa entre alguém que você acabou de conhecer. Eu faço assim.

— E o que eu vou ter que fazer lá?

— Acho que servir as mesas. Igual o Clayton faz, mas não sei direito.

Eu não tinha experiência nenhuma nisso. Então não deixei de ficar preocupada.

— Seu irmão faz o quê?

— Ele é bartender.

— Isso sim é legal!

— Eu vou com você. Preciso conversar com o Nico de uma vez.

— Já sabe o que vai fazer?

— Acho que sim. Não consigo ficar brava com ele por muito tempo. Mas uma coisa é certa. As coisas vão mudar por aqui.

Enquanto Lacey falava do namorado, eu pensava em outra coisa. Está certo que eu tinha exigido para mim mesma parar de pensar em Enzo, porém agora tudo era diferente. Eu estava estimulada a descobrir o que tinha acontecido na vida dele.

— Giselle? Você está me ouvindo? — perguntou Lacey, interrompendo meus pensamentos.

— Desculpe. Me distraí.

— Com o quê? — perguntou realmente interessada.

— Nada, coisa boba.

— Sei. — É claro que ela não acreditou, porém também não insistiu mais.

Enzo desceu um momento depois. Não pude deixar de olhar para o rosto dele, como se por magia fosse descobrir algo só por observá-lo com atenção. Ele não olhou para mim, passou reto e foi para cozinha. Consegui perceber que ele ainda estava bravo por saber da última.

Antes das duas da tarde, saímos de casa. Com "saímos" quero dizer, eu e Lacey. Porque é claro que Enzo não viria com a gente. E isso não é porque ele tem um carro, mas por não querer ficar perto de mim, nem por um segundo.

Quando chegamos no Crazy Joker, encontramos Nico logo de cara. Ele cumprimentou Lacey com um beijo na bochecha (seria na boca se ela não tivesse virado o rosto). Depois ele se virou para mim.

— Como vai, Giselle?

— Bem — respondi nervosa.

— Eu já falo com você — disse e voltou a olhar para namorada. — Só preciso ter uma conversa com essa linda mulher aqui.

Lacey sorriu, aceitando o elogio.

— Enzo não veio com vocês?

— Você precisa mesmo fazer essa pergunta? — indagou Lacey.

— Você disse que conversaria com ele. — Nico questionou, preocupado.

— E conversei, mas você sabe como meu irmão é. Teimoso. Não se preocupe. Com o tempo ele se acostuma.

— Com o tempo, né? — ele suspirou, mas logo um sorriso apareceu em seu rosto. E parecia bem ansioso. — Então vamos?

— Eu já volto. — avisou Lacey, saindo com ele.

Depois que eles desapareceram de vista fiquei sozinha no local. O bar estava deserto. Não tinha aberto ainda, era muito cedo. As cadeiras estavam em cima das mesas e o chão aparentava estar limpo, como se alguém tivesse acabado de passar um pano úmido.

— Olha se não é a brasileira! — Ouvi uma voz conhecida e me virei para ver quem era.

— Clayton — disse, me lembrando do nome.

— Você lembra do meu nome? Agora sim me apaixonei.

Sorri, o achando engraçado.

— O que está fazendo aqui? Lacey veio com você? — perguntou gentilmente.

— Vim fazer uma entrevista.

— Você vai trabalhar aqui? — Ele estava animado. — Meu Deus, até que enfim uma alma bonita nesse estabelecimento. Sem desmerecer as outras, é claro. Aliás, não comenta com a Hilary que eu disse isso, tá?

— É só uma entrevista — comentei quase rindo. Ele era muito palhaço.

— Acho que o emprego já é seu. As outras garotas que vieram ontem não convenceram muito o chefão. E você é amiga da Rainha, então é certeza que o emprego já é seu.

Eu estava cada vez mais convencida disso.

— Onde está o Enzo? — perguntou Clayton.

— Eu não sei.

— Cara, ele deve ter ficado bolado. Eu daria tudo para ver qual foi a reação dele quando descobriu. — Clayton soltou uma risada e depois fez uma cara estranha — Ou ele ainda não descobriu? Desculpe, eu sou um chato, né? Quando eu estiver falando assim, sem parar, você pode mandar eu calar a boca. Sem ressentimentos.

— Vou me lembrar disso.

Não demorou muito para Lacey voltar. Ela me mostrou onde ficava o escritório de Nico. Subi as escadas e encontrei uma porta, onde havia uma placa com o palavra "Gerência" escrito. Bati na porta e esperei até Nico aparecer e me convidar para entrar.

— Pode se sentar.

Sentei-me na cadeira de frente para ele. Havia um mesa entre nós. O bom disso era que ele não conseguia ver minhas pernas, pois no momento elas estavam tremendo que nem piso em terremoto.

— Então, Giselle. Quanto tempo dura seu intercâmbio?

— Seis meses.

— Lacey me disse que você está estudando de manhã. Então o trabalho a noite não vai atrapalhar, espero.

— Não.

— Você tem alguma experiência com pub? Já trabalhou em algo parecido? Servindo mesas, por exemplo?

— Na verdade, não — respondi com sinceridade. Já tinha trabalhado antes, mas apenas como recepcionista.

— Tudo bem. Não é difícil, você pega com o tempo. Vamos ao salário.

Aquela conversa não estava parecendo uma entrevista e sim uma contratação.

— Aqui vocês recebem por hora — continuou ele. — Pagamos três libras por hora, então se você souber fazer a conta de cabeça perceberá que saí uma grana legal no final do mês. Sem contar com a gorjeta dos clientes, que dependerá totalmente de você, é claro.

Estava tentando fazer a conta na minha cabeça. Eu não era muito boa nisso, porém não parecia que ele estava me passando a perna. Eu sabia que o salário na Inglaterra funcionava diferente do Brasil. Com esse valor por hora era capaz de eu passa fome. No entanto, não estávamos falando de reais e sim de libras. 

— Alguma pergunta?

— Sim — respondi. — Eu queria saber sobre a folga.

— Bem, Lacey me disse que você estuda de semana. Ela conversou comigo e pensei bastante... resolvi que vou lhe dar duas folgas. Portanto no final de semana se não estiver disposta não precisa vir. Porém é como eu te disse. Vocês ganham por hora, então quanto mais trabalhar, mais você receberá. Fica a seu critério o que fazer. Só me mantenha informado se quiser vir trabalhar no sábado.

— Então isso quer dizer que já estou contratada?

— Sim. Lacey realmente me tem nas mãos dela.

— Sinto muito por isso — disse depressa. A culpa era minha se agora ele estava tendo que fazer esse sacrifício. — Não queria lhe causar problemas. Eu pedi a ajuda dela, mas não pensei que fosse...

Nico riu, me fazendo parar de falar.

— Não precisa se desculpar. Eu estou mesmo precisando de funcionária mulher, e é bom que seja alguém que Lacey confie tanto.

Esse era o problema. Eu não sabia por que Lacey confiava tanto assim em mim. Isso era muita responsabilidade.

O resto do tempo em que passei dentro do escritório de Nico, foi resolvendo os assuntos, e informando documentação para a contratação. 

Assim que retornei ao andar de baixo. Lacey estava me esperando. Clayton também estava lá. Ela me perguntou como tinha ido. Até parece que não sabia a resposta. Afirmei o que ela já considerava. Não havia motivos para segredos.

— É disso que estou falando! — se animou Clayton.

— Ótimo — disse uma voz que reconheci na hora. Era Enzo. Eu não tinha percebido que ele já havia chegado. Estava atrás do balcão com um pano na mão. Sua expressão era fria. Nada que eu não tivesse visto antes. Se ele estivesse feliz, aí sim eu estranharia.

— Não liga pra ele — disse Lacey e depois olhou para além de mim. — Sabia que não me desapontaria.

Ela se aproximou de Nico e lhe deu um selinho.

— Acho que mereço mais um desse — pediu ele.

— Quem sabe mais tarde.

— Enzo. Clayton. Venham aqui. — Nico os chamou e olhou para mim — Você também — me aproximei junto com Clayton.

Enzo demorou para chegar. Estava indo de má vontade.

— Giselle vai ser a nova colega de vocês. Quero que a treinem. Ensinem tudo o que sabem — ele olhou para Enzo. — Espero que não aja problemas aqui.

Enzo não abaixou a cabeça. Ao contrário, encarou Nico com um olhar curioso, que eu não soube decifrar.

— Pode deixar chefe — disse Clayton. — Vou ensinar tudo direitinho.

— Assim espero.

Nico e Lacey saíram, nos deixando sozinhos.

— Ensina ela — mandou Enzo, me lançando um olhar frio. — Eu tenho mais o que fazer.

Então saiu andando. Voltando para atrás do balcão.

— Espera! —gritou Clayton. —O Nico disse para nós ajudarmos ela.

Enzo fingia não escutar. De repente tive uma ideia.

— Deixa —falei, segurando o braço de Clayton.

Estando sozinha com ele eu poderia descobrir alguma coisa sobre Enzo. Afinal eles trabalhavam juntos e pareciam ser amigos.

Enquanto ele me ensinava como servir as mesas, anotar pedidos e como se comportar em frente ao cliente, fiquei pensando em como fazer perguntas sobre o passado de Enzo, sem que ele percebesse meu verdadeiro interesse, de fato.

— O Enzo só fica no balcão?

— Sim. Ele é bartender. É o único que só faz uma coisa a noite toda.

— Vocês se conhecem faz muito tempo?

— Um pouco. Vim trabalhar aqui há um ano. Enzo já estava aqui. Só que não era bartender. Ele era um pouco depressivo na época. Não conversava muito, então só viramos amigos depois.

Um ano? Esse um ano de novo. O que será que aconteceu em um ano atrás? E por que ele estava deprimido?

— E você soube o que aconteceu? —perguntei cautelosamente — Para ele estar tão mal?

Clayton olhou para mim, desconfiado.

— Por que quer saber?

— Nada — fiquei nervosa, e tentei encontrar uma desculpa para sair dessa. —É só que ele não gosta de mim. Eu queria saber porquê.

— Não esquenta — Clayton voltou ao normal. — Enzo é assim, fechado, com todo mundo. Depois ele se abre. É só questão de tempo.

Não sei por quê, mas sabia que esse tempo não chegaria comigo.

Achei melhor parar de falar no assunto. Clayton já estava bastante desconfiado. Quando eu ganhasse mais a sua confiança eu continuaria com a investigação.


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Notas finais do capítulo

Vi que mais alguém favoritou. Fico feliz que tem gente que está gostando da história. Espero que continuem acompanhando, tem muita coisa ainda por vir.



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