Talvez Seja Mais do Que Isso escrita por HeyNick


Capítulo 10
Capítulo Dez


Notas iniciais do capítulo

* Surprise *
Já estava na hora de uma atualização dupla por aqui, né?
Fiquem com esse capítulo megazórdico (e meu favorito até o momento, diga-se de passagem) para conhecerem melhor a tia Atena. Espero que gostem.



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Capítulo Dez

 

Atena

A princípio, Atena se recriminara. Uma parte sua (no caso, a da sanidade) sabia que não deveria estar conversando com Poseidon. Os demais três fiozinhos de seu cérebro, contudo, apenas se lembravam de outros tempos, quando ele era o único capaz de entende-la e consolá-la.

Com isso em mente, os três fiozinhos decidiram se rebelar e traí-la ainda mais, a lembrança de como tudo começou surgindo em sua mente. Encontrava-se no primeiro período da faculdade, e o semestre já estava quase acabando. Atena adoraria dizer que o quê a deixava nervosa eram as provas finais, como os demais alunos, mas a verdade é que só queria socar boa parte das pessoas da instituição.

Naquele dia, saiu da sala irritada. O professor – ridículo - disse para ela não se preocupar tanto com a nota da prova, porque poderia passar um trabalho complementar. Afinal, ele entendia que “deve ser mais difícil para uma cabeça tão nova guardar tantas informações”. Que babaca!

Cega de raiva, foi pega de surpresa quando um garoto esbarrou propositalmente com ela no corredor, não com muita força, mas com jeitinho suficiente para que a fizesse cair. Ajoelhada no chão, viu o garoto que corria. Era Yan-Alguma-Coisa, que a chamara para sair semanas antes. Aparentemente, fizera bem em recusar o convite. 

Atena pegou o fichário que havia caído no chão e, quando estava prestes a levantar, viu uma mão estendida em sua direção.

— Você está bem?

Ela levantou a cabeça, encontrando o olhar preocupado de Poseidon Von’Stucker sobre si.

— Estou – respondeu ela.

Atena aceitou a ajuda, se levantando.

— Obrigada – agradeceu.

— Seu joelho está machucado. Eu cuido disso para você.

— Não precisa. Eu me viro sozinha.

Poseidon revirou os olhos, tirou a mochila das costas dela e passou o braço livre por sua cintura. Atena teria recusado a ajuda, se ele não fosse quem era. Não que gostasse dele, mas sempre quisera saber o que todos viam no tal “Poseidon Von’Stucker”.

Ela já havia esbarrado com ele algumas vezes. Lembrava que Poseidon fez parte da equipe de natação do colégio, o que para ela soava como um atestado de burrice no frio que assolava a cidade na maior parte do ano. Ainda assim, chegaram a trocar alguns acenos de cabeça e meia dúzia de palavras na vida, mas nada relevante. Ao menos Atena nunca achou um “boa tarde” importante.

Ele a sentou em um banco no pátio do campus, tirando um quite de primeiros socorros da mochila. Ela achou estranho.

— Por que você anda com isso?

Poseidon se sentou no chão, de frente para ela, e abriu o quite ao seu lado. Ele sorriu com a pergunta.

— A mochila não é minha. É do meu melhor amigo. Nesse quite só tem o básico, mas ele faz medicina e é meio paranoico. Não sai de casa sem. E nem sem a guitarra, na verdade – contou ele, sorrindo.

— E por que você está com a mochila dele? Cadê a sua?

— Você faz muitas perguntas – ele levantou a cabeça, a olhando, sério. Ela se sentiu tão pequena que queria sumir. Então ele sorriu para ela. Um sorriso lindo. E voltou a trabalhar no joelho machucado. – Eu gosto das suas perguntas. 

— Fico feliz em saber - respondeu Atena, com um sorriso.

— Eu não tenho mochila porque não preciso. E estou com a do meu amigo porque ele saiu às presas quando descobriu que a mãe está no hospital. Vou levar isso aqui para ele depois.

— O que aconteceu com a mãe dele?

— Eu não sei. Isso faz meia hora. Ainda não falei com ele. Mas estou indo para lá assim que acabar aqui.

— Nossa.

Ela assistiu enquanto ele se afastava da perna dela, observando o trabalho que fizera.

— Você é fortinha. Minha irmã gritava feito uma louca quando se machucava e tinha que fazer um curativo.

— Você tem irmã?

— Sim. Uma irmã e um irmão.

— Eles fazem o que?

Poseidon se sentou ao lado dela no banco.

— A Carol está no primeiro período de agronomia e é louca para termos uma alimentação saudável. O Sebastian está estudando para conseguir uma bolsa em medicina, porque quer ser médico legista, o que me dá calafrios. – respondeu ele. – Mas e você? Pensei que fizesse filosofia. Esse aqui é o bloco de física.

— Eu faço filosofia e física.

— Nossa! Versátil.

— Eu gosto de saber sobre muitas coisas. E boa parte dos grandes filósofos também eram matemáticos e físicos. Essa separação doida é coisa da nossa geração.

— Verdade, faz sentido. Mas você não acha confuso estudar duas coisas tão diferentes, ainda que se complementem?

Atena deu de ombros, acostumada com o tipo de pergunta.

— Na verdade, eu gostaria de fazer todos os cursos. Gosto de aprender. Mas decidi que era melhor pegar mais leve por um tempo. Por fim, acabei pegando um de cada extremo para manter a cabeça fresca e funcionando.

— Faz sentido, senhora Espertinha.

Atena o observou. Era a primeira vez que alguém a chamava daquela forma sem um tom de deboche, e isso a deixou feliz. Ainda não entendia o que todos viam nele, mas começou a perceber que ela via alguma coisa. 

— Você é... normal. – disse ela.

Poseidon a encarou, sorrindo. Ele parecia estar sempre sorrindo.

— É... Que eu saiba eu não tenho um terceiro olho nem nada.

Atena riu, sem graça, olhando para o chão.

— Não é isso. É só que...

— Não sou o que as outras pessoas te fazem pensar que eu sou? Sim. Isso acontece muitas vezes.

— Sim. Mas não é só isso. Você é uma pessoa normal. O que todo mundo vê tanto em você?

Ele riu e se levantou, divertido.

— Nossa, você é bem sincera. Acho que vou te contar o meu segredo, mesmo você já sabendo qual é.

— Eu não sei.

— Claro que sabe. Você usa.

Atena não estava entendendo mais nada, e ele pareceu perceber isso, porque – mais uma vez - sorriu.

— Não é o que veem em mim – disse ele – é o que elas não conseguem ver. As pessoas gostam de emoção, de desafio. E o fato de eu não querer sair esparrando minha vida por um megafone faz com que todos fiquem curiosos, e querem o desafio de me “desvendar” ou sei lá. É minha teoria.

Atena assentiu. Fazia sentido. Ela também era muito reservada.

— Tchau – disse ele. – Espero esbarrar em você qualquer hora dessas.

Ele se virou e estava prestes a ir embora, andando em direção ao portão, já de costas para ela. Atena olhou para baixo, encarando a trilha de pedras. “Eu gosto das suas perguntas.”

—Poseidon? – ela o chamou.

— Oi? – perguntou ele, se virando. Poseidon estava a poucos passos de distância, franzindo os olhos por conta do sol forte que batia em seu rosto.

— Por que você não chama ninguém para sair? – quis saber Atena.

Ele franziu o cenho e voltou para andar ao seu lado.

— Por que chamaria? – perguntou.

— Todos na faculdade só parecem pensar... naquilo.

Poseidon suspirou.

— Em primeiro lugar, nunca me interessei por ninguém. Em segundo, eu... meio que tenho outras prioridades.

— Ah. Interessante.

— E você? Por que não chama ninguém para sair?

Atena franziu o cenho. Há muito tempo isso não era uma possibilidade que passasse por sua cabeça, mas não queria entrar em detalhes.

— Para começar, sou um bebê que fez 16 anos há pouco tempo. Ainda não pensei muito sobre isso. Mas não tenho interesse por ninguém, acho - Ela desconversou.

Ele pegou a mochila dela que estava sobre o banco, o fichário e a chave do carro de suas mãos, enquanto iam em direção ao estacionamento. Por mais gentil da parte dele que fosse fazer isso, Atena se lembrava de não ter exatamente gostado. Sem nada para segurar, suas mãos não tinham utilidade, e seu nervosismo ficava muito evidente.

— Isso é até bom. Esse pessoal daqui não te merece mesmo – disse ele.

— Ah é? E como vou saber quando alguém for digno, senhor?

Ela virou a cabeça, analisando o rosto dele. Poseidon franzia a testa, pensando. Quando ele fazia isso, reparou Atena, as grossas sobrancelhas se separavam apenas por uma linha fina. Os olhos verdes e o cabelo incrivelmente escuros brilhando na luz do sol. Naquele momento, ela não pode registra-lo como nada menos do que “lindo”.

— Bem – começou ele – Acho que quando a pessoa não começar a conversar com você  para te chamar pra sair, por exemplo. Quem realmente gostar de você vai conversar primeiro. Vai querer saber coisas sobre você. Provavelmente já vai saber de todas elas, mas gosta de te ouvir falar. Vai ser gentil, educado e engraçado.

— Interessante – disse ela, as sobrancelhas arqueadas. Podia ser nova com tudo isso, mas era bem inteligente para entender a indireta.

— Sim. Mas não se encha de esperanças.

— Por que não?

— Esses panacas da faculdade. Nenhum deles é bom o suficiente para você.

Ele destravou a porta do carro com a chave, logo depois abrindo a do motorista para ela. Atena entrou e colocou o sinto, enquanto Poseidon colocava as coisas dela no banco de trás.

Ele fechou as duas portas, e Atena abaixou o vidro do carro.

— E você? – ela perguntou, decidindo entrar no jogo.

— O que tem eu?

— Você não se acha bom o suficiente para mim?

Ele sorriu, e Atena achava que tinha feito a pergunta certa. Sempre aprendeu rápido, afinal.

— Um dia eu vou me casar com você.

Na ocasião, Atena havia rido. Naquela época ela não pensava que Poseidon falava sério.  Preferia acreditar que nem ele estava.

Atena admirou novamente a mesa e composição da sala, se recriminando por estar feliz com o gesto. Mais uma vez, lembrou do quanto o nome que ele recebeu fazia jus à sua personalidade: quando o conheceu, ficou encantada com sua gentileza pacífica, a mesma que o oceano dedica aos recifes; com a imposição do casamento, entretanto, se viu frente à rispidez do mar em uma tempestade.

Desde que Poseidon traíra sua confiança, Atena se sentiu muito vazia. Acreditava ser uma ótima julgadora de caráter, e quando percebeu o erro que cometeu com dono daqueles olhos verdes se dedicou a confiar ainda menos nas pessoas. Agora, pensava que talvez não estivesse errada sobre ele. Poseidon era doce, mas não apenas isso. Afinal, mesmo a parte mais escura do oceano abrigava vida.

Uma verdadeira dicotomia, pensou ela, bebendo o primeiro gole da taça de vinho, que logo percebeu se tratar de seu favorito. Com raiva e um revirar de olhos, percebeu que os três fiozinhos eram guerreiros espartanos e ganharam, por fim.

— Poseidon? – Ela chamou. Demorou alguns instantes até que ele chegasse à sala, a testa franzida em confusão. Não o culpava. Nem ela acreditava estar o chamando pela segunda vez em um dia.

— Sim? – Ele perguntou. Atena percebeu subitamente que não sabia o que dizer. Bem, ela pretendia agradecer, mas as palavras simplesmente não saiam. Por fim, disse:

— Eu não gostava das pessoas da faculdade. – disse ela – Passava todos os finais de semana com meu pai e a Vaca, em casa.

— Eu sei – Poseidon disse, rindo, e se sentou no sofá à sua frente. Acabou começando a se servir de um copo de whisky do jogo que sempre ficava no canto da sala.

— Estou falando de ainda antes de você. Caroline é uma vaca, mas cozinhava muito bem e nos mantinha na linha. Quando ela viajava, meu pai e eu tínhamos de nos virar. Eu precisava de alguém para conversar. Sem amigos, a única opção que eu tinha era meu pai. Mas ele dizia que passava a semana inteira sóbrio e que durante o final de semana “não era obrigado”. Então, passava o fim de semana inteiro enchendo a cara. Acabei começando a beber muito cedo só para fazer companhia para ele.

— Interessante. Isso explica muito do porquê ele é tão apegado com você – disse Poseidon, ainda inseguro.

— Eu também acabei aprendendo a dirigir assim. Caroline tinha medo de que meu pai batesse o carro, então comecei a dirigir com catorze anos para leva-lo pela cidade no meio da madrugada.

— Isso explica porque você tinha um carro na faculdade, apesar de não ter carteira. Mas nunca entendi porque vocês não tinham motorista.

— Meu pai diz que motorista só serve para “comer” as patroas e falou que tinha de ser uma mulher. Caroline ficou ofendida e rebateu na mesma. Conclusão: nada de motorista. 

Atena observou o olhar calado de Poseidon sobre si, e estava começando a ficar irritada novamente.

— Enfim, - recomeçou ela -  o que eu mais odiava eram as pessoas de lá mesmo.

— Obrigado pela parte que me toca – disse Poseidon.

Atena o olhou, erguendo as sobrancelhas. Pensou em muita coisa que poderia falar para que ele se sentisse mal, mas percebeu que seu olhar sugestivo já fora o suficiente para que entendesse a mensagem de “Aproveita a trégua que estou te dando e para de ser babaca”.

— Desculpe – ele disse simplesmente, desviando o olhar para janela.

Atena observou os dedos dele mexendo inquietos no copo de whisky. Poseidon estava pensativo, olhando para o lado de fora. O corpo inconscientemente inclinado para perto do fogo. A loira nunca achou fácil lê-lo, mas o tempo em que se conheceram bem lhe serviu para algo.

— Sua mãe? – perguntou ela.

Poseidon a olhou, um sorriso triste e um olhar surpreso.

— É.

— Você sempre se lembra dela no inverno.

— Sim. É impossível não lembrar.

Eu gosto das suas perguntas, ela lembrou.

— Você sempre falou dela, mas nunca me disse nada sobre seu pai.

Poseidon passou a observá-la, uma expressão séria, mas não severa. Ele ainda mexia os dedos pelo copo de whisky, pensativo.

— Não tenho muito para falar dele. E você nunca demonstrou interesse.

— Só... esperei você estar pronto para falar sobre isso.

Poseidon abriu a boca como se quisesse rebater, mas acabou a fechando. Atena sabia que provavelmente ele diria algo do tipo “seria difícil me abrir com você dadas as circunstâncias”, mas ela acreditava que ele sabia que não era o momento para alfinetadas. Por fim, ele suspirou.

— Ele era um ótimo marido, mas não sabia ser pai. Quando minha mãe engravidou do Sebastian, meu irmão mais novo, foi demais para ele. Daí já dá pra entender um pouco o porquê meu caçula é tão sombrio, o menino meio que se sente culpado, eu acho. Enfim, meu pai foi embora, sempre pagou pensão e ligava para minha mãe às vezes, mas nunca tivemos um laço ou nada do tipo.

— E você sente raiva dele, ou...?

— Já tive, mas não mais. Penso que, se minha mãe não tinha raiva dele, eu também não preciso ter. Ele era um ótimo marido, mas não sabia ser pai, simples assim. Nos deixou porque achou que estaríamos melhor sem ele, e nunca deixou de ajudar da maneira que sabia.

— Por isso que vocês não foram atrás dele quando sua mãe morreu? Por estarem melhor sem ele?

Poseidon deu de ombros, um sorriso triste.

— Pelo menos ele estava certo em alguma coisa, eu acho.

Subitamente, as palavras de Poseidon tanto tempo atrás lhe atingiram: “tenho outras prioridades”. E ele tinha mesmo. Como manter uma bolsa de estudos e cuidar de seus irmãos mais novos. Naquela época, as coisas provavelmente já eram mais fáceis, já que ele saíra do orfanato.

Poseidon se levantou, o copo pela metade esquecido na mesa. Estava prestes a ir embora, quando Atena decidiu tomar coragem para fazer o que precisava:

— Poseidon – disse ela, e ele se virou – Obrigada.

Ele deu um leve sorriso, seguido de um aceno de cabeça, e foi embora.


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Notas finais do capítulo

Já falei pra você que sou apaixonada por clichês? ♥ Aquele papo, Erica.
Enfim, vocês nem imaginam o tanto que me divirto escrevendo os diálogos dessa história. Sonho com eles, honestamente.
O que acharam do megazord que ganharam de presente?



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