Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 1
A Sonhadora




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Por entre as grades de um pequeno buraco circular feito na parede, a luz do sol entrava naquele cubículo, onde duas irmãs se encontravam aprisionadas, e as fazia despertar vagarosamente. O espaço não era muito grande e não havia acomodação alguma. Tinham que dormir no chão e as únicas evidências que possuíam sobre a passagem do tempo eram quando o sol entrava pela fresta e depois desaparecia ou quando os guardas traziam suas refeições.

 

Já estavam ali faziam dias, desde que a cidade em que moravam fora invadida e alguns moradores, que não tinham conseguido escapar, haviam sido capturados. O objetivo dessa captura ainda não estava claro para elas, porém, a cada dia que se passava era possível escutar e ver, por um buraco na porta, os guardas levando algum prisioneiro para outro lugar e quando o trazia de volta, o mesmo estava machucado e, muitas vezes, inconsciente. Outras vezes certos prisioneiros nem voltavam.

 

A diferença entre as duas irmãs era notável, tanto na aparência quanto na personalidade. Fora o sangue que corria em suas veias, a única coisa que possuíam em comum era a tonalidade da cor da pele: um moreno claro quase beirando o branco.

 

Leena, a mais velha com treze anos, era dona de cabelos longos e escuros, olhos pequenos e levemente puxados dando a impressão que poderiam se fechar a qualquer momento. Seu rosto possuía traços leves, mas que ao mesmo tempo combinavam com toda a sua personalidade petulante.

 

Elly, com onze anos, era o oposto: seus cabelos eram curtos, claros e ondulados, seus olhos bastante expressivos eram os primeiros a refletir qualquer mudança em seu humor. Seu rosto era mais redondo que o de sua irmã, mas nele lia-se o caráter de inocência de uma menina de sua idade.

 

— E aí, qual foi o sonho de hoje? - perguntou Leena sem enrolação.

— O de sempre. Conversei com mamãe. - respondeu a mais nova sem muito o que acrescentar, porém notando que sua irmã esperava um complemento. - Ela ainda insiste que eu devo tentar falar com nosso pai.

 

Elly possuía a habilidade de entrar em contato com outras pessoas através de seus sonhos, o que era muito útil na situação em que elas se encontravam. Sua mãe também havia sido capturada, porém se encontrava numa cela diferente.

 

Esse contato, mesmo que por sonhos, com a mãe deixava Leena com uma certa inveja, pois não tinha como falar com mais ninguém a não ser sua irmã. Não que ela achasse isso ruim, porque ao menos era alguém conhecido, mas gostaria de ter alguém para confortá-la do mesmo jeito que fazia com Elly.

 

— Já disse para ela que você não está conseguindo localizá-lo?

— Sim, mas ela diz que ele talvez seja nossa única opção. - disse Elly cabisbaixa.

— Isso eu consegui deduzir sozinha! - retrucou sem paciência. - De qualquer forma não existe jeito de falar com ele, fazendo com que você seja nossa única opção no momento.

— Eu sei, mas não consigo! É como se ele não dormisse ou estivesse em algum lugar que bloqueasse meus poderes. - respondeu Elly sentindo-se inútil.

— Então estamos perdidas, porque a todo momento parece que as coisas repelem nossos poderes.

 

Dias antes, assim que foram capturadas, Leena tentou com todas as suas habilidades derrubar a porta ou até mesmo fazer qualquer buraco na parede para escapar. Todos seus esforços foram em vão e até mesmo arrancavam risadas sádicas de qualquer guarda que passasse por ali no momento. As celas estavam revestidas por algum tipo de proteção, fazendo com que o único meio de sair fosse mesmo alguém abrindo-as por fora.

 

A conversa das duas foi interrompida no momento que uma bandeja foi passada por debaixo da porta contendo o que eles diziam ser o café da manhã, mas que na realidade era simplesmente um pedaço de pão e um recipiente com água. O mesmo que serviam todos os dias.

 

— Preciso de comida de verdade! Não sei por mais quanto tempo aguentarei ficar comendo isso. - indignou-se a irmã mais velha perante àquela situação.

— Talvez você aguente até quando eles decidirem que devem nos manter aqui. Vivas, pelo menos.

 

Leena espantou-se com a resposta da irmã. Por mais que aquilo fosse óbvio, não era do feitio de Elly dar uma resposta assim. A calma e inocência de Elly era o que mantinha a irmã mais velha ainda resistindo e se essas características fossem perdidas as duas poderiam perder a calma a qualquer momento e aí sim talvez não existisse mais esperanças.

 

— Não fale assim! Deve ter algo que ainda não tentamos. Vamos pensar! - incentivou.

— Talvez tenha... - começou Elly. - Não sei se funcionará, mas é um recurso que ainda não tentamos.

— Como assim? No que você está pensando?

— Em dormir o dia inteiro. - respondeu resumidamente.

— Poderia explicar melhor, por favor? - Leena ainda não tinha compreendido a ideia.

— Minhas habilidades só funcionam quando eu e a outra pessoa estamos dormindo. De repente nosso pai não está em lugar bloqueado. Pode estar acordado enquanto estamos dormindo.

 

Leena notou que a ideia da irmã fazia sentido, porém era um pouco ingênua demais. Elly estava supondo que ela e seu pai estavam com horários de rotina invertidos. Era uma possibilidade, mas bem pequena. De qualquer forma, isso também não era um bom sinal. Mas não queria descartar a ideia de Elly de forma tão pessimista.

 

— Pode ser, mas é muito arriscado. Quero dizer, para você. - iniciou Leena. - Você não pode ficar inconsciente o dia inteiro. Precisa repor suas energias. Além disso, se alguém notar, pode parecer suspeito.

— Mas eles não sabem o que eu posso fazer. - rebateu a irmã mais nova.

— Não é isso. Eles podem assumir que você não está em boas condições e querer levá-la daqui! E você bem sabe que muitos que saem dessas celas correm o risco de não voltar!

— Então você me acorda quando eles vierem. Não é problema.

 

A mudança repentina de Elly para uma visão mais otimista agradou, em partes, a irmã mais velha. Ainda assim, Leena ainda não estava convencida dessa ideia. Sua mente conflitava no que fazer e relutava em aceitar que essa poderia ser sua melhor opção.

 

Leena... - Elly chamou a atenção da irmã ao notar que a mesma estava introspectiva com seus pensamentos. - Você está fazendo seu papel de irmã mais velha, mas eu tenho que fazer meu papel como a última opção. Ficar aqui esperando é mais arriscado.

 

— Mas...

— Não se preocupe. Não vai acontecer nada comigo. E, se por acaso puder vir a acontecer, você estará aqui para não deixar.

 

Naquele instante Leena percebeu o quanto sua irmã confiava nela e talvez ela devesse retribuir essa confiança. Não seria fácil fazer isso. Deixar sua irmã mais nova assumir as rédeas da situação enquanto tudo que ela poderia fazer era ficar sentada assistindo. Mas ela não podia ser egoísta naquele momento. E, no fundo, ela sabia que sua irmã estava certa. Poderia ser um tentativa sem êxito, mas poderia não ser. A resposta só viria depois que tentasse.

 

— Você está certa. Vamos tentar!

— Obrigada! - Elly percebeu o quanto essa decisão era difícil para irmã que era tão acostumada a fazer as coisas sozinha , sem depender de ninguém.

 

Leena pegou a bandeja que o guarda havia deixado, dividiu o pão de forma de modo que a irmã ficasse com a maior parte. Não levou muito tempo para que terminassem de comer o pouco que lhes era oferecido. Ao finalizar, Elly afastou a bandeja de perto das duas.

 

— Já é hora de dormir. - disse a irmã mais nova.

 

A irmã mais velha sentou encostada na parede, oferecendo o colo para Elly repousar sua cabeça. Não demorou muito para que Elly logo se deixasse ser carregada para longe daquele mundo físico. Logo as duas irmãs estavam juntas e, ao mesmo tempo, separadas. Leena passava os dedos por entre os cabelos da irmã.

 

— Bons sonhos, Elly. Bons sonhos.


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