Crônicas dos Elementais escrita por btfriend


Capítulo 2
O Estranho




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Nas redondezas da cidade de Awalles podia se encontrar uma densa floresta. Como a cidade era considerada pacífica e a prática de mágicas era impossível, não era fora do comum encontrar habitantes fazendo algum tipo de treino por entres as árvores, em alguma clareira. E, naquele dia, não foi diferente.

Três jovens, um menino e duas meninas, aproveitando o período em que não tinham obrigações para realizar, tiraram um tempo para exercitarem suas técnicas de combate. Não possuíam excelência alguma, mas sabiam o suficiente para se manterem vivos caso alguma criatura ousasse aparecer por ali, como já havia acontecido algumas vezes.

Amber tinha dezoito anos. Sua pela era morena e seus cabelos escuros e ondulados. Seu rosto era fino, o que deixava um pouco a mostra sua estrutura óssea que formava as maçãs do rosto. Possuía um corpo esbelto, resultado do que, em outrora, havia sido mais avantajado. Apesar de ser a mais velha dos três, com diferença de alguns meses, era também a mais baixa entre eles. Filha do ferreiro da cidade, sempre teve acesso a qualquer tipo de arma que pudesse escolher, porém seu pai era adepto à filosofia de que não é o guerreiro quem escolhe a arma, e, sim a arma que escolhe o guerreiro, logo demorou muito até que finalmente entendesse a que tipo de arma estava destinada. Não era muito ágil para ataques mais próximos, porém era analítica e gostava de precisão, e, com isso, aprender a manejar o arco e flecha pareceu ser a escolha perfeita.

Tyler era o mais alto dos três, porém nada muito significativo. Seus cabelos castanhos escuros sempre encontravam-se com um corte baixo, porém se um dia deixasse-o crescer, daria para notar as ondulações nele. Sua pele era morena, porém mais clara que a de Amber. Tinha olhos castanhos escuros e lábios um pouco carnudos e seu porte físico era pouco torneado. Sua mãe lecionava na escola da cidade, e tinha um irmão pouco mais de um ano mais novo. Dos três, era o único que não havia nascido em Awalles. Era dono de uma personalidade forte. Um tanto quanto teimoso, ele tendia a acreditar em si mesmo e defender suas opiniões, e não gostar de quando não eram aceitas. Carregava consigo duas espadas: uma em cada mão. Sabia que deveria possuir um escudo para defesa, porém havia treinado técnicas de bloqueio com ambas as espadas e também, técnicas de esquiva.

Clarice, mais conhecida como Clair, e como preferia ser chamada, era a mais nova dos três. Possuía a pele branca, parecendo que sequer havia entrado em contato com o sol, e longos cabelos negros, sempre presos num rabo de cavalo. Seus olhos eram acastanhados, com um nariz pouco arrebitado e lábios finos. Sua mãe era dona de uma loja de antiguidades e seu pai um mercador que sempre estava viajando. Seu irmão mais velho aproveitava as viagens do pai para acompanhá-lo, coisa que Clair nunca esboçou vontade de fazer. Era dona de opiniões fortes, porém raramente as expressava. Tinha uma personalidade mais retraída e atividades físicas não eram seu forte, porém teve que aprender a alguns truques utilizando seu bastão, para defesa própria.

O controle de mágica dos três também não era um dos melhores. Apesar de terem uma noção básica do que era capazes, por falta de alguém que pudesse lhes ensinar, pouco eram capazes de realizar.

Amber controlava o fogo, mas seus conhecimentos iam até a capacidade de incendiar certos objetos que tocava, tal como suas flechas. Clair, descendente das fadas, ainda não tinha muita especialidade em lançar grandes mágicas, mas conseguia causar efeitos em adversários pequenos, como já havia tentado em algumas criaturas da floresta. Já, Tyler, com a pouca ciência sobre o manejo do ar, sabia o suficiente para desviar a rota das flechas de Amber, e às vezes, quando concentrava-se bastante, usufruía da presença do elemento no local para lançar pequenas coisas à curta distâncias.

Naquele dia, Tyler simulava um luta com Clair. Assim os dois poderiam treinar suas táticas de defesa, ataque e esquiva. Por mais que Clair não fosse chegada nesse tipo de exercício, entendia a importância dele em situações de emergência. Ao mesmo tempo, Amber havia fixado um ponto aleatório numa árvore e tentava acertá-lo repetidamente como forma de treino de precisão, porém, para ela era um exaustivo exercício de paciência, pois tinha que recolher todas as flechas quando sua aljava esvaziava. E não eram todas as vezes que conseguia recuperar o mesmo número que havia atirado.

– E agora vem a parte entediante! - exclamou Amber se referindo ao recolhimento das flechas.

– Mas já? É a terceira vez só hoje! Talvez devesse ir mais devagar. - respondeu Clair.

– Veja pelo lado positivo, pelo menos assim você vê para onde as flechas estão indo e o que há de errado na sua mira. - completou Tyler.

– Não posso ir devagar. Tenho que ser capaz de ao lançar uma flecha, estar com outra pronta rapidamente. Se eu quisesse um tempo de recarga maior, estaria com uma balestra. - disse indo virando as costas em busca das suas flechas.

Clair e Tyler continuaram na clareira, prosseguindo com seus movimentos de luta. Clair atacava-o com o bastão para que Tyler pudesse aperfeiçoar a técnica de bloqueio utilizando as duas espadas, e ao mesmo tempo, com isso, ela melhorava seu desempenho.

– Amber leva tudo isso muito a sério. - disse Clair dando uma pausa.

– Ela tem seus motivos. - respondeu Tyler. - Sabemos que ela sempre quis sair dessa cidade. Não é como se não quiséssemos também, mas parece que ela tem certa urgência.

– Pois é. Ela sempre disse que na primeira oportunidade sairia de Awalles e conheceria novos lugares, mas não acho que todo esse treinamento rigoroso que ela se propõe seja necessário. Não é como se estivéssemos esperando algum ataque a todo instante.

A conversa dos dois foi interrompida por um grito vindo de algum lugar da floresta. A preocupação dos dois só não foi maior, pois parecia ter vindo de um homem. Então logo descartaram a possibilidade de ser Amber. Ainda assim, foram averiguar de onde vinha, a quem pertencia e o motivo daquele grito.

O fato de sempre irem ali para treino, fez com que eles facilmente conseguissem se achar nos caminhos na floresta. Os gritos não cessavam e, com isso, eles podiam ver se estavam mais perto da fonte.

Não demorou muito até que eles achassem. O grito pertencia a um rapaz, que aparentava ter a idade deles, mas nunca tinham o visto antes. E, pelas vestes, não parecia ser de Awalles.

O estranho tinha pele pouco amorenada. Era alto, porém esguio. Tinha um corte de cabelo bem rente ao coro cabeludo, e já deixando crescer barba e bigode. Estava com uma bermuda marrom acima do joelho e sandálias. Estava com uma camisa verde bem larga e, por cima, um colete aberto da mesma cor da bermuda. Ele estava agarrado a um galho de uma árvore enquanto uma criatura ferozmente dava cabeçadas no tronco da mesma esperando fazê-lo cair.

– É um porco selvagem! - exclamou baixo uma voz feminina.

Tyler e Clair surpreenderam-se quando viram que a voz pertencia a Amber. Não tinham percebido a presença da amiga no local e nem fazia ideia de quando ela havia se aproximado deles.

– Há quanto tempo você está aí? - perguntou Tyler.

– Não muito tempo. Escutei os gritos e resolver ver o que era. - começou. - Acredito que vocês devem ter pensado a mesma coisa.

– Isso não é importante. Vejam! - apontou Clair. - Se não fizermos algo aquele porco irá derrubá-lo.

A criatura tinha mais de um metro e meio de comprimento. Uma pelagem amarronzada ocorria por todo o seu corpo, enquanto uma outra mais escura podia ser vista em alguns locais como na cabeça e na ponta do seu rabo. Duas presas de tamanho médio protuberavam de seu focinho: uma de cada lado.

– Não é uma grande criatura. Já derrotamos porcos selvagens antes! E nos deram um bom cozido depois! - disse Amber.

Os três amigos saíram de onde estavam e foram para onde a besta pudesse notar a presença deles. Foram abrindo pequenos espaços entre eles, para que tivessem mais liberdade de movimentos. Como já haviam se deparado com esse tipo de situação, eles já sabiam que tipo de estratégia poderiam utilizar.

Clair começou a agitar seu bastão em movimentos circulares, o que chamou a atenção da criatura. Não demorou muito para que ela desistisse da árvore e partisse em direção da menina. Era nítido a fúria nos olhos do porco selvagem e ele saltou para tentar destruir o bastão e atacar Claire em seguida.

Assim que a trajetória do salto da criatura estava quase atingindo seu ponto mais alto, Tyler concentrou-se por alguns breves instantes para encontrar correntes de ar naquele lugar. Assim que encontrou, fez um movimento com a mão e no instante seguinte, uma rajada de vento fez com o que porco selvagem fosse lançado contra uma árvore.

Aproveitando o momento, Amber pegou uma de suas flechas esticou a corda do arco o máximo que conseguiu. Olhando rapidamente para seu alvo, soltou a corda e a flecha saiu cortando o ar com grande velocidade.

A fera nem mesmo havia conseguido se recuperar do golpe de ar, quando o projétil atingiu sua cabeça. Num último suspiro silencioso, seu corpo pendeu todo para um único lado e já não mais havia vida naquele corpo.

– Vamos! Agora já pode descer daí. - disse Amber se aproximando da árvore em que o estranho se encontrava.

Ele desceu cautelosamente do galho. Não mais por medo da criatura, e sim porque não parecia ter muitas habilidades físicas. Na realidade, olhando aquela situação, os três pensaram em como ele havia conseguido subir no galho se descer já tomava bastante esforço. Depois ajeitou suas roupas e apresentou-se:

– Meu nome é Artie.

– Agora que se apresentou, poderia nos dizer como tudo aconteceu? - perguntou Clair.

– Sim, claro! Eu estava acampando perto daqui e resolvi preparar algo para eu comer. Provavelmente atraído pelo cheiro, o porco selvagem chegou lá, destruiu tudo e depois veio atrás de mim.

– Sorte que chegamos a tempo então. Aparentemente ninguém mais escutou seus gritos. - disse Tyler.

– Exatamente! Você deveria saber que o cheiro de comida numa floresta dessas poderia atrair algum tipo de criatura. Ainda bem que não foi uma das piores! - completou Amber.

– É, eu sei. Queria que tivesse um jeito de agradecê-los. - pensou por uns instantes. - Ouvi dizer que a carne vinda desse animal é muito gostosa. Meu acampamento não está muito longe, acho que posso preparar algo para vocês.

Os três estavam na floresta treinando fazia muito tempo, então uma boa comida não iria lhes fazer mal algum. Assim, aceitaram prontamente e acompanharam Artie até onde ele disse ficar seu acampamento. De fato, o local era bem próximo de onde eles estavam e a situação estava mesmo em total desorganização. O animal, em seu estado de fúria, havia deixado o local destruído.

Clair pegava algumas pedras e as ajeitava em formato circular, enquanto Amber coletava galhos a fim de fazer uma fogueira. Artie e Tyler que carregavam o porco selvagem, o deixaram próximo de onde as garotas estavam organizando as coisas para acender o fogo.

Depois as duplas foram trocadas. Clair e Tyler ficaram encarregados de buscar água e os dois restantes com o preparo da comida.

– Uma bagunça e tanto para você arrumar depois. - disse Amber.

– Já estou acostumado a ficar montando e desmontando as coisas. Mudo-me bastante! Só que dessa vez será um pouco mais trabalhoso. - permitiu-se um pequeno riso.

– Mas então, o que você faz?

– Sempre gostei de história, então resolvi sair da cidade onde eu morava para encontrar qualquer tipo de coisa interessante a respeito. Acho algum objeto que considero importante e vou até uma biblioteca para pesquisar sobre ele.

– Eu também tenho vontade de sair da cidade em que vivo. Estou treinando para isso. - começou. Depois lembrou de algo. - Já que gosta de história, eu tenho algo que vem passando de geração a geração na minha família.

Amber tirou um cordão que escondia por baixo da camisa que usava. Nele havia um pingente, em formato de um lobo, e no lugar onde simbolicamente deveria ficar o coração da criatura, estava uma pedra vermelha. No pingente notava-se claramente que não era algo novo, com pequenos arranhões encontrados por toda parte.

– Realmente parece ser muito antigo. Deve valer bastante.

– Minha mãe diz ser um amuleto e que se eu não devo andar sem ele. Nunca o vi fazendo nada, mas continuo usando porque acabei me apegando. - disse ela fechando o pingente na palma de sua mão.

– Nunca vi nada assim até agora. - disse Artie mostrando interesse no objeto. - Mas com certeza irei procurar algo sobre ele.

Nesse momento, os dois amigos voltaram com a água. Colocaram num panela que Artie tinha em suas coisas, depois a puseram num gancho com sustentáculos de madeiras, onde estava localizada a fogueira. Em seguida, colocou a mãos sobre os galhos que havia recolhido antes, e logo uma chama foi lentamente acendendo.

Enquanto a água esquentava, Artie ia preparando a carne e colocando alguns temperos. Ele possuía, dentro de uma mochila, alguns vidros plásticos, que não haviam sido destruídos, contendo algumas ervas e, algumas delas, ele ia acrescentando à receita.

Depois de tudo preparado, ele jogou tudo na água fervendo, e durante uns minutos, foi mexendo lentamente. Aos poucos a água foi ganhando uma coloração diferente, ficando meio amarronzada, e o cheiro começou a chamar a atenção dos outros três.

– Cuidado para não chamar nenhum outro animal! - brincou Tyler.

– Se algum outro ousar aparecer, a gente cuida dele! E ainda levamos a carne para casa! - complementou Amber.

Poucos minutos depois, Artie anunciou que estava pronto. Cada um serviu-se da porção que desejava. Era um cozido bem pobre. Não tinham legumes nem outra coisa para realçar o sabor. Mesmo assim, as ervas que estava ali tinha deixado feito um diferencial.

– Não se preocupem! Podem comer tudo, porque eu não vou ter como levar depois. - disse Artie.

Aos poucos eles iam esvaziando a panela, enquanto conversavam a respeito de cada um deles em assuntos diversos. Clair, como de costume, foi a que menos comeu.

Depois que finalizaram, os quatro começaram a se sentirem cansados. Fato comum depois de alguma refeição. Nesse instante, Artie levantou-se e foi até a sua barraca. Ou o que restava dela.

– Acho que já está na hora de irmos. - alertou Tyler.

– É verdade! Treinamos, lutamos e comemos. Não tem nada mais para fazermos hoje. - disse Amber.

– E se sairmos agora, podemos ir sem pressa que chegamos à cidade antes de escurecer. - concluiu Clair.

Os três se levantaram para se despedirem de Artie, enquanto ele retornava bebendo algo dentro de um dos seus vidros plásticos.

– Mas já estão indo?

– Sim. Com o cansaço depois de comer, é capaz de nem chegarmos em casa. - brincou Amber.

Amber se aproximou para falar com Artie, e de repente suas pernas perderam as forças e a mesma caiu nos braços do conhecido, inconsciente Clair, foi ajudar a amiga, mas ficou na dúvida do que fazer quando virou para trás e viu Tyler tendo a mesma reação.

– O que está acontecendo? - perguntou ela.

– Deve ter sido algo que eles comeram. - respondeu Artie, calmo, colocando a Amber no chão.

– Mas nós comemos a mesma coisa do que eles. - indagou, estranhando a calma com que havia recebido a resposta.

– Porém, você comeu bem menos. E, eu? Bem, tomei certas precauções. - disse mostrando o vidro de plástico vazio.

– Mas, por quê?

– Muitas perguntas desnecessárias. Com três de vocês seria arriscado fazer isso, pois poderiam se voltar contra mim. - colocou a mão no bolso. - Mas com uma só garota, vai ser fácil. - tirou a mão do bolso e assoprou.

Uma espécie de pó foi na direção de Clair, e logo ela sentiu a reação que seus amigos haviam sentido. Sem forças nos pés, lutando para manter a consciência, ela conseguiu ver quando Artie se aproximou de Amber e a tomou nos braços. Depois, percebeu que Clair ainda estava de olhos abertos e foi até ela.

– Não lute! É inevitável. - ameaçou ir embora, mas deu um sorriso irônico e completou. - Agora vamos esperar que nenhuma criatura resolva aparecer.

E em um sentimento de impotência, os olhos de Clair ficaram mais pesados e não mais conseguindo se manter acordada, perdeu a visão e noção de tudo que estava ao seu redor.


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