Captura em Le Cap escrita por GilCAnjos


Capítulo 9
Shay - Cólera




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Shay correu o mais rápido que pôde até a residência de Duvalier. Se os Assassinos sabiam onde ele morava, sua vida poderia estar correndo perigo agora mesmo. Ao chegar à fazenda, tudo parecia calmo, mas Shay apenas se permitiria ficar calmo quando visse Duvalier com seus próprios olhos, seguro. Ele correu pela entrada até a mansão; os capatazes já o reconheciam do dia anterior, e, portanto, deixaram-no entrar. Shay apenas encontrou Guillaume quando chegou à sala de jantar no segundo piso. O Templário comia a coxa de um frango assado, enquanto dois escravos punham bandejas sob a mesa e dois capatazes os monitoravam.

—Sr. Cormac? – exclamou Duvalier – O que faz aqui? Pensei que estaria em seu navio.

—Senhor, desculpe-me por entrar desse modo – dizia Shay, ofegante por causa da corrida – Mas trago informações novas. Temo que os Assassinos saibam da sua localização. Talvez planejem matá-lo.

Aquilo assustou Duvalier, que terminou de mastigar o que tinha na boca, e então respondeu:

—Tem certeza, Sr. Cormac? Duvido que eles me encontrem pelo meu pseudônimo. Você parece tenso, por que não se senta, come algo e relaxa?

—Eu... Não...

Shay arfou. Será que os Assassinos realmente atacariam? Ele andou em volta, tentando analisar a situação. Olhou pela janela. Observava a fazenda, onde escravos trabalhavam nas plantações. As plantas se moviam conforme os escravos as colhiam, mas algumas delas pareciam se mover sem que houvesse ninguém em volta. Olhando mais atentamente, Shay identificou um vulto em meio às plantas. Uma silhueta agachada, escondida.

E então olhou novamente para a sala de jantar. Observou diretamente o pulso do escravo que servia a comida. E enfim ele viu:

Uma lâmina oculta.

—Guillaume, não coma isto!

—Como?

Shay então dirigiu-se ao suposto escravo. Levantou o braço direito dele, abaixando sua manga e pondo à mostra a lâmina.

—Um Assassino! – exclamou Shay.

Em um segundo, o Assassino ejetou a lâmina. Shay pôde desviar o rosto, mas o inimigo usou a mão livre para socar seu nariz.

—Agaté! – ele exclamou, olhando para o outro escravo, que soprou uma pequena corneta para fazer um som alto e agudo.

Assim que a corneta soou, o barulho de espadas surgiu nos jardins. Os Assassinos estavam atacando os capatazes.

É uma emboscada! – gritou Shay.

Enquanto Duvalier cuspia sua comida, um dos capatazes na sala avançou contra o primeiro Assassino. Ele, no entanto, foi mais rápido, cravando a lâmina oculta em sua garganta. O segundo Assassino jogou algo ao chão, tornando toda a visão na sala embaçada: uma bomba de fumaça.

Quando a fumaça se dissipou, os Assassinos já não estavam mais lá. Duvalier se curvava em dor.

—Rápido, leve seu chefe para o quarto dele! – Shay ordenou ao capataz restante.

Pouco antes que eles deixassem o local, bombinhas foram arremessadas pelas janelas. Quando eclodiram, soltaram algo que Shay supôs ser gás venenoso. Não querendo ficar lá para ter certeza, ele foi à janela e pulou para o lado de fora. O que ele viu parecia um campo de batalha: dezenas de Assassinos, todos negros, haviam chegado repentinamente. Enquanto alguns deles enfrentavam capatazes, outros libertavam escravos e os ajudavam a fugir para a mata. Nesse curso, os Assassinos poderiam logo acabar com toda a fonte de renda de Guillaume Duvalier. E Shay não poderia deixar que fossem bem-sucedidos.

Bem à sua frente, o Templário viu um homem encapuzado degolar um dos capatazes com uma adaga. Shay sacou sua própria espada e o enfrentou. Após um duelo curto, o Assassino caiu ao chão, morto. No entanto, mal houve tempo para guardar a arma de volta na bainha, pois ele já havia atraído a atenção de outros encapuzados.

Eles se aproximavam de Shay. O Templário poderia sobreviver se se mantivesse em postura defensiva, mas ele não conseguia pensar em como poderia ganhar a luta contra todos eles. Meia dúzia de Assassinos o cercavam, e mais estavam a caminho.

—Seis contra um? – perguntou Shay, tentando distraí-los – Vocês realmente não sabem lutar de igual para igual. Não conseguem vencer com honra.

Um dos inimigos era alto e forte. O Templário supôs que ele era um Mestre na Irmandade, pois com um aceno de mão os outros mantiveram-se a uma distância de Shay.

—Honra? – ele perguntou – Quem é você para falar de honra? Você traiu os seus irmãos Assassinos. E agora está com os Templários. E, além da traição, você ainda matou um dos homens que mais admirávamos. Você não tem nenhum respeito pelo legado dos Assassinos. Dê-me um motivo para não mata-lo.

Shay não respondeu pois estava ocupado analisando os inimigos. Isso, no entanto, durou apenas até o Mestre Assassino bradar aos outros:

Atak, gason! Touye li!

E então eles avançaram sobre Shay, com espadas em punho. Sacando sua espada e sua adaga, o Templário se defendeu, apesar dos ataques constantes e agressivos. Um dos inimigos fez um corte amplo em seu abdome. A dor o fez perder equilíbrio, de modo que em seguida um outro Assassino pôde desarmar Shay, que tombou de costas no chão logo em seguida. Com a sua espada longe, e com a espada do inimigo se aproximando, parecia o fim.

Parem! – exclamou uma voz grave e potente. Shay não a reconhecia, mas os Assassinos sim, de modo que todos obedeceram e imediatamente pararam a investida. Distanciaram-se um pouco de Shay e abriram caminho para que o homem misterioso se aproximasse.

Era um homem alto, negro como os outros, que não vestia nem capuz nem camisa. Esse, no entanto, não era seu único diferencial: seu cabelo curto e sua barba grisalha denunciavam que ele tinha mais idade que os outros Assassinos; cerca de cinquenta anos, Shay supôs. Mesmo assim, seu abdome e seu bíceps eram tão rígidos quanto o de um homem com trinta. Listras de tintas vermelha e branca marcavam seu rosto, como em uma pintura cerimonial. Em seu braço direito, ele carregava, além da clássica lâmina oculta, um enorme machete de ferro. Em seu braço esquerdo, havia... nada. Ele não tinha um braço esquerdo. Shay não precisou de mais de dois segundos para reconhecer aquele homem que ele nunca conhecera.

—Enfim nos encontramos, traidor. – ele falou.

François Mackandal. – Shay respondeu, com raiva.

—O próprio. Imagino que você deva estar se perguntando por que mandei que meus acólitos parassem de te atacar. Mas a questão é simples. – Mackandal pôs o pé em cima da espada de Shay, que ainda estava largada no chão. – Por todos os seus crimes contra a Ordem dos Assassinos... Após as traições e conspirações... Sinto-me obrigado a ser o responsável pelo seu fim. – A essa hora, Shay já havia se levantado do chão, e contemplava o Mentor Assassino, que tinha uma aparência muito mais temível do que ele imaginava. – Mas não se preocupe; eu o farei com honra.

Mackandal chutou a espada para os pés de Shay, que a segurou. Agora ele estava rodeado por Assassinos, e nada o impediria de virar-se e matar alguns deles. No entanto, Mackandal se punha diante dele, para um combate justo, de homem para homem. Como ele poderia negar isso? Nas colônias britânicas, Achilles nunca teria tomado essa atitude. Ele com certeza teria enviado mercenários atrás de Shay, como de fato fez várias vezes.

O Templário tomou uma postura defensiva, com a espada em uma mão e a adaga em outra. Embora Mackandal certamente fosse um adversário desafiador, Shay estava confiante. O Assassino tinha apenas um braço, e com ele carregava um facão incrivelmente pesado. Seria fácil fazê-lo perder o equilíbrio.

—E com honra também eu lutarei. – respondeu Shay, pouco antes de explodir para cima do inimigo, desferindo os primeiros golpes.

Mackandal desviou de todos, usando o machete para aparar um deles com rapidez. Shay então mudou o alvo do golpe. Usou a espada na mão direita, e a avançou em direção à coxa de Mackandal. O Assassino, no entanto, girou o machete no ar, fazendo um círculo que primeiro bloqueou a espada de Shay, e depois se fincou com força no pé esquerdo do Templário.

Mackandal por um momento sorriu, e Shay, apesar da lancinante dor em seu pé, concentrou-se e viu em seu sorriso uma vulnerabilidade. Calculou que François estava momentaneamente exposto, e que aquele seria um bom momento para golpear a adaga em seu abdome. Shay de fato o atacou, mas o Assassino, em uma fração de segundo, recolheu o machete para anular o ataque, e com ele desenhou um semicírculo no ar perto do tronco de Shay, que apenas sobreviveu porque deu um salto para trás.

Isso mostrou a Shay o quanto ele estava errado a respeito do equilíbrio do inimigo. O combate de Mackandal de fato dispensava o uso de um braço esquerdo. O Templário olhou em volta com o canto dos olhos. Percebeu que não havia mais Assassinos o cercando, e que eles já voltavam a lutar contra os capatazes. Confiavam em seu Mentor, afinal.

—Só é uma pena que você esteja sozinho aqui, Shay. – falou Mackandal, levando seu machete na direção do Templário, que bloqueou o golpe – Eu adoraria ver a cara de choque dos outros Templários ao ver seu membro mais talentoso cair perante mim.

—Eu poderia dizer o mesmo de seus Assassinos. – Shay rebateu, tentando ironiza-lo e, quem sabe, irritá-lo.

No entanto, a batalha continuava tanto física quanto verbalmente

—Eu não te entendo. Como você pôde... Você entrou em contato direto com nosso Credo por anos... Certamente testemunhou os méritos da Irmandade. E mesmo assim trocou os justiceiros pelos escravistas! Os Assassinos apenas queremos que todos sejam livres!

—Livres para pisar no pescoço dos outros? Eu vi os Assassinos em ação, e eles entregam apenas uma fração do que prometem, e apenas depois de deixar rastros de violência por onde passam. Essas ações caóticas não fazem suas palavras valerem a pena. Os Templários, no entanto, atingem a paz por meio da paz. Não precisam de trapaças, chantagens ou carnificinas.

—Ah, por favor! Você já viu a vida nesta ilha? Todos esses inocentes em sofrimento... patrocínio de sua Ordem! Somente ao libertar Saint-Domingue de seu passado, teremos a paz! Os maroons são o futuro deste lugar, traidor! Eu e os Assassinos os levaremos à vitória! Bondye e os Lwa hão de garantir isso!

—Seu deus garantirá o quê!? Uma guerra civil?

Se necessário!

Quantos morrerão?

E quantos já morrem?

“Mantém tua lâmina longe da carne inocente”! — rebateu Shay, citando o primeiro dogma do Credo dos Assassinos.

Nunca houve inocência na raça branca! – Mackandal bradou, antes de hesitar. Ele afastou-se de Shay e por um momento abandonou a postura de combate, inclusive largando o machete. – Todos eles merecem morrer!

Cólera possuiu o corpo de Shay. Ele não era mais um Assassino, mas, se ainda fosse, certamente sentiria vergonha por ter Mackandal em sua Irmandade. Shay concentrou essa ira na espada, que levou ao tórax do Mentor com um golpe intenso e veloz.

Veloz, porém impreciso.

A visão em seguida o chocou. Sua mão, parada no ar, imóvel enquanto Mackandal segurava com força o pulso de Shay. Sem largar a mão – e a espada – do Templário, o Assassino se aproximou e acotovelou o nariz de Shay, fazendo-o sangrar. Cormac caiu ao chão, mentalmente admitindo a tolice que o levou à derrota. Mackandal havia conseguido irritá-lo e desconcentrá-lo o suficiente, e o “golpe brutal” de Shay fora totalmente impensado e inútil. Apenas um braço havia sido necessário para derrubar o até então orgulhoso Cavaleiro Templário Shay Patrick Cormac.

Caído, ele ouviu vozes ameaçadoras. Pelo tom de voz do homem, era algum militar de patente alta dando ordens a seus soldados. Shay ouviu tiros de mosquete. Quando Mackandal se aproximou de seu corpo, ele pensou em atirar no Assassino com uma das pistolas, mas frustrou-se quando o Mentor pisou em sua mão direita. E então, pisou na esquerda com o outro pé. Mackandal encontrava-se de pé, em posição ameaçadora acima de Shay.

—Novidades, traidor! – disse, com ironia – A boa notícia é que os militares chegaram para ajudar em seu lado. Eu os mataria um por um, mas prezo mais pela vida de meus homens, então terei de recuar. A má notícia... – Mackandal o fitou com um olhar penetrante e assustador – ...é que isso de nada lhe servirá.

O Assassino estendeu o braço, de modo a ejetar sua lâmina oculta.

—Permita-me a gentileza de dar-lhe uma morte rápida. Orevwa!— disse, antes de penetrar a lâmina no tórax de Shay.

A visão de Shay se embaçou até ficar escura.


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