Captura em Le Cap escrita por GilCAnjos


Capítulo 6
Agaté - A Emboscada




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Quarta-feira

 

Olheiras ainda podiam ser vistas no rosto de Agaté, embora ele não fosse o único cansado. Baptiste e Kobina estavam do mesmo modo, além de incrivelmente entediados. Desde o nascer do sol, os três Assassinos montavam vigia sob aquele local, o portão de entrada da fazenda de Philippe Laurent, embora agora soubessem que seu verdadeiro dono era o Mestre Templário Guillaume Duvalier. Atentos a quem entrava e saía da plantação, eles observavam do topo de um pequeno rochedo, ocultos pela copa das árvores em volta.

Agora já passava do meio-dia. Seis longas horas de vigia já haviam passado, e Baptiste inclusive tirara uma soneca mais cedo. Saboreavam o almoço improvisado, algumas frutas que haviam trazido consigo, até finalmente avistar o alvo: um homem baixo de bigode, que obviamente era Duvalier, estava deixando a fazenda, a pé, acompanhados apenas de um homem que Agaté não reconheceu.

—Ele está saindo! – Kobina fitou os companheiros – Hora de pôr o plano em ação.

Dito isso, ele se levantou. Vestiu o capuz de seu manto e começou a caminhar, seguindo Duvalier de uma distância segura. Quando alguns minutos se passaram, Agaté e Baptiste retiraram seus casacos, deixando à vista apenas os farrapos que vestiam por baixo. Afinal, eles se infiltrariam na fazenda fingindo ser escravos, então era necessário parecer um escravo. A única diferença entre a roupa deles e a de um escravo comum era que os Assassinos vestiam camisas de mangas compridas, para esconder as lâminas ocultas presas em seus pulsos.

E kounye a? – perguntou Agaté – Você esteve aqui ontem, Baptiste. Por onde entraremos?

—Siga-me pela mata. Se formos pelas árvores, há uma área pouco vigiada onde poderemos cair. A partir de lá, agimos naturalmente até chegar à mansão.

E, de fato, foi o que fizeram. Após chegar, os dois encontraram um galpão, onde pegaram facões para cortar as plantas de tabaco. Puseram-se a trabalhar como escravos normais. Os homens de Duvalier, incapazes de diferenciar um negro de outro, nem perceberam os dois escravos a mais.

Por mais que fosse parte de sua missão, Agaté achava isso deplorável. Odiava se submeter à tortura do trabalho infinito, mesmo que em fingimento. Depois de passar sua juventude na escravidão, o que Agaté mais queria naquele momento era matar todos os capatazes que visse pela frente. Mas, sendo um Assassino, ele sabia que devia esperar pela melhor hora. Se realmente seguisse seu desejo por sangue, seria encurralado por inimigos em maior número, além de arruinar o elemento-surpresa da operação toda.

Mas, por enquanto, os dois apenas colhiam da plantação – algo que sabiam fazer desde crianças – ao mesmo tempo em que, lenta e discretamente, se aproximavam da mansão. Quando estavam a cerca de vinte metros de distância da casa, decidiram que era o momento de preparar a emboscada.

—Está com o veneno? – perguntou Agaté, no idioma crioulo, que era comum entre os escravos e desconhecido à maioria dos capatazes.

—Estou. E você?

—Também.

—Certo. Agora, como entrar?

Ambos analisaram a fachada da mansão. Em frente à porta principal, havia uma pequena varanda e, à frente desta, quatro capatazes conversavam entre si.

—Vamos precisar passar por aqueles quatro despercebidos. – comentou Agaté – Você acha que consegue distraí-los?

Baptiste pensou por um instante.

—Posso. Distancie-se de mim alguns metros. Chamarei a atenção deles e, enquanto estiverem olhando para mim, você entra.

—Entendido. – Agaté ia começar a caminhar, mas hesitou – Ah, Baptiste: não deixe que eles te matem.

—Se tentarem, eles é que serão os defuntos.

Agaté respondeu com um sorriso e enfim andou até um outro canto, enquanto fingia trabalhar. Quando estava a quinze metros de distância de Baptiste, acenou com a cabeça para manda-lo iniciar a distração. Um segundo depois, Baptiste se jogou no chão, segurando a perna e gritando em francês.

—Aaaii! Ai, minha perna! Alguém, me ajude!

Os escravos, acostumados à submissão, obviamente não reagiram, mas os capatazes ficaram curiosos com a cômica gritaria. Um deles, um jovem com barba, se aproximou dele, rindo.

Enquanto isso, Agaté pôs-se a andar em direção à varanda, fora do campo de visão dos guardas. Ele pôde ouvir a conversa do capataz com Baptiste, que falava aos berros.

—O que foi aí, preto?

—Ai, senhor! Ai, ai! Estou com uma bruta câimbra em minha perna e mal consigo ficar de pé! Acho que não posso trabalhar!

—Tsc, tsc – O capataz riu – Levanta aí, seu puto, pare de fazer cera! Você ainda tem bastante trabalho pela frente!

—Não consigo! Ai! Dói muito!

—Você acha que isso é dor? Vou te dar um motivo para reclamar!

Ele então pôs-se a chutar a barriga de Baptiste. Os outros três capatazes assistiam à cena e torciam pelo amigo.

—Isso aí, Luc! Ensine uma lição pra esse preguiçoso!

Mas, rindo, os três não notaram Agaté se esgueirando por trás deles e entrando pela porta da mansão. Antes de entrar, o Assassino lançou um olhar para Baptiste, que se levantou abruptamente.

—Ai, ai, está bem, senhor! A dor já passou, vou voltar a trabalhar!

Nesse momento, Agaté já estava na casa. Ele não ouviu mais os gritos de Baptiste ou os risos dos capatazes, então supôs que eles o haviam deixado em paz – o que era bom: Agaté sabia que Baptiste tinha pavio curto, e que se eles continuassem a atormentá-lo, iriam mesmo acabar mortos. O Assassino olhou o ambiente em volta. A sala de estar estava vazia, mas ele podia ouvir vozes vindas da cozinha. Se aproximou da porta semiaberta, mas, antes de chegar lá, um capataz saiu do aposento com um charuto na boca. Ele tinha cabelo loiro desgrenhado e uma barba malfeita. Saiu da cozinha apertando o cinto da calça, até que viu Agaté na sala.

—O que você quer aqui, seu preto fedido? – perguntou ele, com rispidez.

Agaté teve de improvisar.

—Eu, ahn... Me mandaram aqui para ajudar na cozinha.

O capataz, encarando-o com austeridade, terminou de afivelar o cinto e deixou a mansão pela porta principal. Agaté, aliviado, dirigiu-se à cozinha. Ouvindo mais atentamente, escutou o som de uma mulher choramingando. E foi exatamente isso o que ele viu ao entrar. Uma jovem escrava com cerca de vinte anos encontrava-se deitada no chão. Ela chorava em tom baixo, mas isso não significava que chorasse pouco. Agaté, ao ver aquela triste cena, agachou-se ao lado da escrava, para tentar acalmá-la.

—Fique calma, senhorita. Não há mais motivo para chorar.

A escrava olhou para Agaté mas logo voltou ao seu pranto. Agaté tornou a falar, desta vez no crioulo:

—Pare de chorar. Estou aqui para lhe ajudar. Olhe para mim. – Agaté segurou o rosto dela, virando-o para que os dois olhassem um ao outro. – Agora se acalme, respire fundo e me diga o que aconteceu.

Ela fez o que Agaté disse, e um minuto depois já não chorava mais.

—Ótimo. Agora diga-me o que houve.

—Foi aquele... monstro do Rousseau. – balbuciou ela – Eu estava aqui, preparando a janta, quando ele chegou e falou coisas horríveis pra mim. E depois ele me... ele... – ela falou, logo antes de novamente irromper em lágrimas.

Agaté não precisava ouvir a frase completa para entender seu significado. Ele compreendeu que Rousseau era o capataz que ele vira pouco tempo antes e que ele havia covardemente violado a cozinheira.

—Sinto muito. – ele respondeu, com pesar – Mas tudo ficará bem. Meu nome é Agaté.

—Louise.

—Bem, Louise, eu estou aqui para ajudar vocês todos. – ele retirou do bolso o frasco de veneno que Mackandal lhe dera. – Isto aqui é arsênico, e um dos mais puros. Com isto aqui em minhas mãos, podemos matar o seu senhor. E, depois disso, vocês todos estarão livres.

Louise olhou para Agaté e para o frasco.

—Você quer... envenena-lo?

—Sim. Você não está cozinhando o jantar de Duval... quero dizer, o jantar de Laurent? Tudo o que preciso fazer é pingar o arsênico na comida. Assim que ele comer, ficará fraco e moribundo. E então vocês estarão livres.

—Falar é fácil. – Louise comentou, ainda lacrimejando. – Ele tem uma centena de capatazes. Eles não nos deixarão passar.

—Eu não estou sozinho aqui, Louise. Meus amigos irão cercar a fazenda e, assim que eu envenenar Laurent, atacaremos. Vamos matar os capatazes e libertar todos vocês. Não há erro, nós já planejamos tudo.

Louise se permitiu um sorriso.

—Ótimo. Então vamos pingar o veneno logo!

—Ainda não.

—Como assim?

—Laurent não está aqui, está? Temos que esperar ele chegar e o matar na hora certa. Se pusermos o veneno antes da hora, algum capataz pode acabar descobrindo e contar a Laurent. Tudo iria por água abaixo, e ainda culpariam você pelo atentado. E sem dúvidas Rousseau voltaria a te maltratar.

—Rousseau... – Louise cuspiu no chão. – Espero que ele sofra no fogo do inferno. Agaté... Cuide dele por mim.

O Assassino sorriu.

—Não se preocupe. Eu te prometo que ele nunca mais vai abusar de você ou de mais ninguém.


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