Fireproof escrita por evyyn


Capítulo 5
Capítulo 5 - Lego House


Notas iniciais do capítulo

oi ooi!
a música desse capítulo é a Lego House, do Ed Sheeran. eu imaginei o butters tocando como esse vídeo aqui: https://www.youtube.com/watch?v=F-Y01dIGihE apesar de imaginar essa cara como o kenny da fanfic :p



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Início do POV do Kenny

Vi os dois entrarem na casa de Butters e fiquei dentro daquele carro pelo que pareceram horas. Estava morrendo de curiosidade para saber como estaria sendo a conversa, mas sabia que as chances seriam melhores se eu não desse as caras por lá agora. Aproveitei o tempo sozinho para mandar uma mensagem para Stan sobre a reuniãozinha que faríamos.

“Pizza cerveja Token. Não trazer Wendy”

Eu não suportava Wendy. Desde que éramos crianças até hoje perdi as contas de quantas vezes ela terminou com Stan para “ser livre e independente”... Com algum outro garoto. Longe de mim julgar uma garota por ficar com vários caras, mas acho que se ela gosta tanto assim de Stan devia ter mais consideração por ele. Sempre que ela o deixava eu e Kyle passávamos mal bocados com ele até deixa-lo inteiro de novo, só para que ela chegasse quando ele já estivesse bem para estragar tudo de novo depois de alguns meses.

Segundos depois a tela de meu celular acendeu com a resposta dele:

“Como sempre. Vou passar na casa de Kyle e vamos para lá.”

Sorri satisfeito por mais uma vitória silenciosa contra Wendy e olhei novamente para a casa de Butters. Nada. Nenhum sinal deles. Eu já estava começando a ficar preocupado... Será que Token estava levando uma bronca junto com Butters por ele ter ficado quase o sábado todo fora? Pensei uma, duas, três vezes em descer do carro. E na terceira já estava com a mão na maçaneta quando vi a porta da casa de Butters se abrir.

Deitei no banco de trás, caso o Sr. Stotch saísse e desse de cara comigo espiando a casa dele de dentro do carro. Não tive coragem de levantar o suficiente para ver quem estava saindo da casa, e agradeci a minha decisão quando ouvi a voz do Sr. Stotch:

– Belo carro, Token.

– Obrigado, senhor Stotch.

“Obrigado, senhor Stotch”, eu repeti com uma careta, zombando da educação exagerada de Token. Talvez se eu tivesse um carro desses o maldito “senhor Stotch” me deixaria andar com o filho dele sem me olhar como se eu fosse um mendigo invadindo sua casa e pedindo esmolas.

– Vá se foder, senhor Stotch. – eu disse, ainda sozinho no carro.

Poucos segundos depois, a porta do motorista se abriu e Token apareceu.

– Continue deitado, eles ainda estão na porta – Ele disse, olhando para mim pelo retrovisor interno.

– Cadê o Butters? Eles deixaram? – Perguntei, tentando dar um jeito de olhar pela janela, mas Token me segurou, e no mesmo instante a porta do passageiro se abriu e ouvi a voz de Butters antes que ele sentasse no carro:

– Cara! Eu nem acredito! – Ele fechou a porta com força, jogando uma pequena mochila no banco de trás e o case de seu violão, que eu deixei cair em minhas pernas. – Vamos logo, Token, vamos sair daqui antes que eles mudem de ideia e me tranquem lá dentro!

Token riu, e ligou o carro. Butters se virou para trás, sorrindo para mim com um enorme sorriso no rosto, que eu devolvi com um sorriso preguiçoso, ainda deitado no banco.

– Então, você é nosso por uma noite, Butters? – Só depois de ouvir a frase sair de minha boca que percebi o quanto ela poderia ser interpretada de várias formas.

Fiquei sem jeito e me levantei, sentando no banco. Token olhou feio para mim pelo retrovisor, como uma mãe brigando silenciosamente com o filho para se comportar na frente das visitas. Ele não queria que eu assustasse Butters com meus maus modos.

Mas Butters não pareceu notar a maldade que poderia haver naquela frase. Pelo contrário, ele pareceu feliz em concordar comigo. Seus olhos iluminaram junto com o sorriso quando ele respondeu:

– Não só essa noite, mas o fim de semana inteiro! Estou livre, como vocês! Obrigado, eu nem sei como agradecer...

Eu e Token nos olhamos pelo espelho, trocando um olhar que era uma mistura de pena e felicidade por Butters.

– Me contem, como conseguiram convencê-los? – Perguntei, apoiando os cotovelos nos encostos dos bancos deles.

– Butters disse a eles sobre o novo emprego – respondeu Token – E eu disse que Butters estava preocupado demais com a entrevista na segunda e me ofereci para ajuda-lo e dar algumas dicas para que ele se saia bem. Prometi que o levaria são e salvo para a escola na segunda e lhe daria uma carona depois das aulas até o café dos pais do Tweek.

– E eles caíram nessa? – Eu estava espantado. Os pais de Butters eram “famosos” por serem rígidos como filho. Butters nunca pode aparecer em nossos passeios noturnos.

– Não. – O sorriso desapareceu do rosto de Butters por um momento – Eles ligaram para os pais de Token.

Fiquei tenso por um segundo. Mas, se Butters estava ali, tinha dado certo, não é?

– Quando fui me trocar, conversei com minha mãe. – disse Token – Avisei que estava saindo, que viríamos até a casa do Butters tentar convencê-los a deixarem o garoto se divertir um pouco. Meus pais os conhecem, sabem que eles são uns malucos... Ah, desculpe, Butters.

Butters não respondeu, apenas deu um meio sorriso. Token continuou a falar:

– Conheço bem minha mãe. Aposto que ela deve ter dado uma pequena bronca disfarçada de gentileza em seus pais, algo como “Vocês tem que deixar o garoto se divertir, um fim de semana com os amigos vai ser bom para a vida social dele, ou ele virará um ermitão recluso!”, para que se sentissem culpados e cedessem em fazer o que ela diz. É o que ela sempre faz com meu pai. E funciona toda vez.

– O que acha, Butters, no domingo podemos ter nossa primeira “aula”. – Eu disse, ansioso – Quanto antes eu aprender a tocar direito, mais cedo sairemos desse buraco de cidade para tocar nos melhores lugares!

– Podemos fazer o que vocês quiserem!

– Mesmo? O que eu quiser? – Perguntei, rindo, enquanto recebia o olhar repreendedor de Token novamente.

Eu esquecia que Butters não estava acostumado a enxergar a piada, a maldade por trás das brincadeiras que eu fazia com quase todos ao meu redor. Eu teria que me controlar, até ele se acostumar com a gente. Token não queria que logo no início Butters achasse que sou algum tipo de “predador”. Mas, bem... Eu era. E esse é mais um motivo para que eu me controle e deixe Butters fora de minhas manias.

A resposta de Butters fez até Token abandonar a postura de bronca e cair na risada:

– Claro, Kenny. Aposto que vocês também têm muitas coisas para me ensinar.

– Ah, Butters, muitas coisas. – Token respondeu, rindo – E a primeira coisa que vamos te ensinar é uma lição valiosa: Tome cuidado com o Kenny.

– Por quê? – Perguntou Butters, me olhando com o cenho franzido.

– Ele é cheio de... Truques. Não caia na conversa dele, só isso. – Eu pisquei para Butters para sinalizar que era exagero de Token – Ah, Butters... Vai ser muito bacana ter você por perto. Bem vindo à Fireproof!

Enquanto Token estacionava o carro em frente à sua casa, reparei que o carro de Stan já estava lá. Butters pediu que Token o levasse para agradecer sua mãe, mas Token lhe disse que eles haviam saído, o carro deles não estava mais lá. Eles sempre saíam aos sábados e por isso podíamos fazer nossas reuniõezinhas sem nos preocupar muito. Os pais de Token sabiam das festinhas, e tenho quase certeza que sabiam das bebidas. Mas confiavam no filho, e confiavam na gente. Sabiam que éramos muito agradecidos por todo apoio, e nos conheciam desde pequenos. Talvez fosse aquela velha história... Preferiam que nos divertíssemos debaixo do teto deles do que em um lugar qualquer por aí.

Quando chegamos, a festa já tinha se mudado da garagem para a sala de estar de Token. Fui recebido por um forte meio-abraço-meio-aperto-de-mão de Stan, seguido por um distante oi de Kyle. Eu sabia que ele odiava aquelas ocasiões, era o único que não bebia, e cuidava de Stan e de mim como uma galinha cuida de seus pintinhos. Se passávamos do limite, lá estava Kyle para nos jogar dentro do carro e nos levar embora.

Butters mal conseguia conter a alegria quando viu os dois. Parecia um filhotinho recebendo os donos depois de um dia sozinho em casa. Isso me irritou um pouco, e Craig, que agora estava ao meu lado me estendendo uma cerveja, pareceu notar.

– Está bravo que seu cachorrinho encontrou os verdadeiros donos e não está mais abanando o rabinho para você?

– Cale a boca, Craig. – Eu disse, dando-lhe uma cotovelada – E como diabos você faz isso? Sai de dentro da minha cabeça, cara!

Craig não respondeu, e ficamos os dois em silêncio por alguns momentos observando de longe Butters contar para Kyle e Stan sobre a banda, sobre o novo emprego e sobre o primeiro final de semana em anos que não vai passar em casa. Stan parecia animado por Butters, mas Kyle parecia preocupado e olhava constantemente para mim e para Craig durante o relato de Butters.

– Às vezes eu queria que Kyle Broflovski não tivesse puxado tanto a mãe dele. Certeza que em algum momento, hoje à noite, ele vai vir falar merda pra gente sobre o Butters. Prepare-se.

Eu concordei, abrindo a segunda garrafa de cerveja. Quando a campainha tocou, Craig foi atender e eu fui me sentar perto de Clyde, Token e Tweek.

– Espero que sejam as pizzas, - disse Clyde, dando um gole em seu copo que continha alguma “substância” que sobrou da última festa – estou faminto.

– Token nos contou sobre os pais de Butters – disse Tweek, mexendo nos botões de sua camisa – Coitado do garoto. Vivo num manicômio, mas ele vive numa prisão...

– Você foi incrível oferecendo o emprego pra ele, Tweek – Eu disse, estendendo minha cerveja para brindar com a dele, que estendeu a sua timidamente, mas sorrindo – Vai ser uma ajuda e tanto para ele, e para nós. Ele precisa ganhar um pouco de independência dos pais.

Tweek e os outros concordaram silenciosamente. Clyde reclamou da demora de Craig em voltar com as pizzas e se levantou para ir ver o que aconteceu, esbarrando em Stan no caminho, que veio até nós com um grande saco pardo nas mãos que eu não tinha visto antes.

– Aqui, Kenny. – Ele disse, abrindo o pacote e deixando à mostra quatro garrafas de vinho. Vinho bom, não qualquer vinho – “Peguei emprestado” de meu pai. Se ele sentir falta dessas garrafas, vai achar que ele mesmo bebeu sem lembrar.

– Boa, Marsh! Hoje beberemos com classe, como cavalheiros! – Eu disse, me levantando e pegando o saco das mãos dele – Vamos, o primeiro brinde é nosso!

– Eu acho que não. – Não, não podia ser. A última voz que eu queria ouvir agora, a única capaz de estragar nossa pequena, singela e inocente reunião – Stan, você me prometeu que iria vir, mas não iria beber com esses caras.

“Esses caras”. Maldita Wendy.

Eu não queria fazer parte desse drama, não hoje. Stan virou para mim, surpreso e sem saber o que fazer ou falar, buscando apoio. Mas eu fingi que não fazia parte da cena, virei as costas sem cumprimentar Wendy e dei passos largos até Craig, que tinha sido o último a atender a porta.

– Quem foi que convidou essa surtada? – Perguntei, apontando com a cabeça para Wendy.

– Eu. Oi Kenny. – Era a voz de Bebe, não precisei me virar para ter certeza. Ela ainda estava parada na porta, esperando Red, que vinha correndo do carro gritando algo sobre achar seu celular.

– Ei, Bebe. – Respondi, um pouco menos irritado. Bebe e Red eram garotas legais, mas seriam ainda mais se deixassem a amiga delas sozinha em casa. – E quem convidou você?

Bebe fez um gesto exagerado, fingindo que tinha se ofendido, mas ela sabia que eu estava apenas brincando.

– Clyde nos avisou. Falou algo sobre uma pequena iniciação para o Butters. Então, agora ele está tocando com vocês?

– É, o carinha é bom. – Eu respondi, procurando por ele, que agora estava sentado junto com Kyle no chão, ao lado do sofá em que estavam os outros garotos. – Bom, divirtam-se.

– Podemos chamar mais algumas pessoas? As de sempre, mas só para encher um pouco mais essa casa enorme. A ocasião pede uma festa das boas.

Craig deu de ombros (o que Bebe entendeu como um sinal positivo e começou a teclar no celular) e fez sinal para as garrafas de vinho. Em poucos instantes ele já tinha passado por Stan e Wendy e pego o saco sem que os dois, envolvidos em uma intensa conversa em menos de dez minutos de festa, notassem.

Eu o segui e voltei para o sofá, parando no caminho apenas para pegar um abridor de garrafas na cozinha. Kyle olhou para mim e então para Stan e Wendy, e de novo para mim fazendo o sinal de uma forca. Eu dei uma risada e rolei os olhos, finalmente conseguindo arrancar a rolha da primeira garrafa. Estendi a garrafa para Craig, mas ele negou com a cabeça.

– Acho que o primeiro a beber deve ser o Butters. – Ele disse, cutucando-o com o pé – Afinal, a festa é dele.

– Ei, ei. Nada disso – Craig estava certo, era Kyle. Ele iria nos dar uma bronca por levar Butters para o “mal caminho” – Não o obriguem a essas coisas. Não quero ter que tomar conta de mais um no final da noite.

– Você não precisa tomar conta de mim, Kyle. – eu sabia que a voz era de Butters, vinha de Butters... Mas não parecia com o doce Butters que eu conhecia – E eles não estão me obrigando a nada.

Kyle pareceu espantado, mas não desistiu:

– Butters, você não precisa provar nada para eles, você não é desse tipo de coisa, não tem por que começar agora. Fico muito feliz por você ter arrumado o emprego e estar na banda, mas não é por isso que...

– Se você está feliz por mim, então não estrague isso pra mim, Kyle. Você nunca se importou em cuidar de mim, não precisa começar agora.

Todos ficaram em silêncio por alguns segundos. Butters estava sério, quase magoado. Seu rosto estava corado, e eu percebi que ele se sentia “humilhado” por Kyle. Ele não queria mais ser tratado como uma criança, e porra, ele estava indo pelo caminho certo.

Todos caíram na risada, até mesmo Kyle. Só eu e Butters continuamos sérios, encarando Kyle.

– Ok, está bem. Foda-se, Butters, seja feliz. Você tem minha bênção, ok? Mas se passar mal, o Craig é quem vai limpar sua poça de vômito. Tô fora!

– Eu vou fazer você comer o vômito se não calar a boca, ruivo. Deixe o garoto se divertir. – Craig jogou a rolha de sua garrafa de vinho em Kyle, e todos ali sabiam que ele não estava brincando. Se o irritassem a esse ponto, ele o faria.

– É, nós estamos tomando conta dele agora. – Eu não sei por que eu disse isso, mas saiu com um tom mais agressivo do que eu pretendia, mas ninguém pareceu notar, ou se importar – Aqui, Butters, tome um gole. É melhor do que cerveja, eu prometo. Podemos dividir essa garrafa.

Sentei ao lado de Butters no chão e assisti com um sorriso ele dar o primeiro gole no vinho e fazer uma pequena careta.

– É... Eu acho que gostei. – Ele disse, tomando outro gole, dessa vez mais demorado – É, com certeza é melhor do que a cerveja.

Eu passei o braço pelos ombros dele, dando alguns tapinhas enquanto pegava a garrafa com a outra mão e bebia.

– Parabéns, Butters. Esse foi o primeiro passo para o fundo do poço!

– Eu juro pelo Tweek, ruivo. Se você não calar a boca...

– Parem com isso. – Eu disse, devolvendo a garrafa para Butters – Eu nunca nos levaria para o fundo do poço, Kyle. Nosso destino é o topo das paradas na Billboard. Você vai ver. E nesse dia você vai brindar comigo uma taça desse vinho.

– // -

Não sei exatamente quantas, mas algumas horas já tinham se passado desde que nos sentamos para abrir as garrafas de vinho. Wendy e Stan já tinham ido embora, provavelmente para continuarem a briga em outro lugar. Os convidados de Red e Bebe deixavam a festa mais cheia e barulhenta, e as caixas de pizzas e sacos de salgadinhos vazios estavam espalhadas pelas bancadas da cozinha.

Eu andava de um lado para outro, conversando cada hora com um grupo de pessoas. Não sabia o que elas estavam falando, muito menos o que eu falava. A essa altura já tínhamos secado todas as garrafas de vinho, e algumas latinhas de cerveja. Eu sabia que era a terceira vez que Jimmy estava tentando me contar uma piada que eu não tinha entendido das outras vezes, e provavelmente não iria entender dessa vez também, pois meus olhos estavam procurando por Butters pelos cômodos da casa.

Já fazia algum tempo que eu não o via ou aos outros garotos, e estava começando a achar isso estranho. Tentei ser o mais delicado possível ao dispensar Jimmy e sua piada, mas pela cara que ele fez acho que não fui muito bem sucedido. Olhei de novo na cozinha, na sala de estar, na de jantar... E nada. Subi as escadas e tentei abrir a porta do quarto de Token, mas estava trancada. Sábia decisão, Token, nunca se sabe quem vai entrar numa festa desses. Mas onde estavam vocês?

Pensei que talvez Craig tivesse saído para fumar e eles o tinham acompanhado, mas nem mesmo no quintal os encontrei. Eu estava quase pegando o celular para ligar para eles quando ouvi um barulho vindo da garagem. “É claro, a garagem. É claro que com uma festa rolando esses esquisitões iam se esconder lá”.

Aproveitei que estava lá fora e acendi um cigarro antes de bater no portão, que só abriram na terceira vez que o esmurrei.

– Mas que diabos vocês estão fazendo enfiados aqui? – Perguntei ao entrar.

Toke, Butters, Kyle, Craig e Twek estavam sentados, alguns no sofá e outros no chão, Butters com seu violão em mãos. Clyde deveria estar tentando dar em cima de Bebe, como sempre. Ou comendo alguma sobra de pizza, como sempre.

– Butters, o que você embebedou, sentiu vontade de tocar. – Respondeu Kyle – E nós sentimos vontade de ficar longe daquelas pessoas que mal conhecemos a maior parte.

– E por que não me chamaram? – Perguntei, me sentando no banco da bateria de Token.

– Alguém tinha que ficar fazendo sala para os convidados, não é?

– A casa é de Token! – Respondi, puxando o banco para mais perto de onde eles estavam. – E estou pouco me fodendo para quem está lá.

– Pare de chorar, Kenny. Você está aqui agora, não está? – Disse Craig, abraçado a um sonolento Tweek pela cintura – Já está no estágio bêbado emocionaç? Butters, toque alguma coisa para ele parar de chorar, por favor.

– Cale a boca! Eu não tenho isso de estágios de bêbado. Eu sou eu. E pronto. E eu nem estou bêbado.

–É, sei. – disse Kyle – Só não chegue ao estágio em que tenho que te arrastar pelo quintal até o meu carro, ok?

Eu abri a boca para revidar Kyle, mas a fechei quando ouvi a voz de Butters seguida pelas notas de seu violão.

“I'm gonna pick up the pieces

And build a lego house

If things go wrong we can knock it down”

Virei-me para ele e abri a boca mais uma vez, mas dessa vez de espanto. Eu nunca tinha o ouvido cantar. E ele era tão bom nisso quanto era tocando o violão.

“And three words have

Two meanings

There's one thing on my mind

It's all for you, oh

And it's dark in the cold December

But I've got you to keep me warm

If you're broke then I will mend ya

And keep you sheltered from the storm

That's raging on now”

Wow. O que foi isso, Butters? Um arrepio subiu por toda a minha espinha, e tentei disfarçar coçando os cabelos de minha nuca. Ele levava muito jeito para coisa, e nem parecia se dar conta disso. Ele tocava e cantava tranquilamente, com as bochechas vermelhas por causa da bebida, e os olhos fechados. A forma que a boca dele se movia quando ele fazia sua voz soar como um gemido em algumas palavras...

Espera. No que eu estava pensando? Quantas cervejas eu tomei?

“I'm out of touch

I'm out of love

I'll pick you up

When you're getting down

And out of all these things I've done

I think I love you better now

I'm out of sight

I'm out of mind

I'll do it all for you anytime

And out of all these things I've done

I think I love you better now”

Eu nunca desejei tanto em minha vida estar sóbrio quanto naquele momento. Se era a bebida que estava me fazendo ter aqueles tipos de pensamentos enquanto Butters cantava, eu não queria mais pensar essas coisas. Eu não podia nem cogitar ver Butters desse jeito. Eu não iria estragar tudo.

Mas, cara... O jeito que o moicano abaixado dele cai nos olhos quando ele franze o cenho pra cantar... Isso nem sóbrio eu conseguiria evitar.

“I'm gonna paint you by numbers

And colour you in

If things go right

We could frame it

And put you on a wall

And it's so hard to say it

But I've been here before

Now I'll surrender up my heart

And swap it for yours”

Butters finalmente abriu os olhos, olhou para mim e sorriu. Um sorriso bêbado, um sorriso lindo, um sorriso errado para o momento. Porra, Butters. Não piore a situação. Então ele passou os olhos pelos outros garotos e voltou a fechá-los.

“Don't hold me down

I think the braces are breaking

And it's more than I can take

(...)

I'm out of touch

I'm out of love

I'll pick you up

When you're getting down

And out of all these things I've done

I will love you better now”

Quando Butters acabou de cantar e tocar, eu parecia o único espantado. Os outros olhavam para Butters e para mim com um pequeno sorriso. É claro, eles já estavam ali com Butters há um tempo. Sabiam do que ele era capaz.

– Então vocês estavam aqui escondendo isso de mim, não é? – Eu brinquei, depois de limpar a garganta – Estavam aqui o tempo todo escutando o garoto cantar desse jeito e eu sem saber de nada...

– Se antes eu tinha alguma dúvida que a Fireproof ia vingar, elas acabaram quando Butters cantou a primeira música. – Disse Token, rindo e bagunçando o cabelo de Butters, que riu e olhou para mim.

– Você gostou, Kenny? Te ajudou a parar de chorar?

Merda, Butters. Bêbado você é ainda mais.... Ah.

– Foi incrível, Butters. Obrigado. – Respondi, piscando para ele – Ai!

Craig jogou sua caixa de cigarros em mim, e eu olhei para ele, que fez um sinal de não com a cabeça. Ok, isso era assustador. Como ele sempre sabia no que eu estava pensando? Encolhi os ombros, fingindo não saber do que ele estava falando. Tweek foi o único a reparar na cena, uma vez que Butters estava aéreo demais para manter sua atenção em alguma coisa que não fosse seu violão por mais de 20 segundos.

Ficamos ali por mais algum tempo, ouvindo Butters tocar mais algumas músicas até Kyle perder no par ou ímpar com Token para ver quem ia buscar mais cervejas para nós. Butters finalmente deixou o violão de lado e levantou:

– Ei, Kenny – Ele disse, parando ao meu lado – Posso dar uma olhada na sua guitarra?

– Claro. – Eu disse, me levantando e andando até ela. – Aqui, toda sua.

Percebi que ele a pegou nas mãos com todo o cuidado, passando a correia por seu tronco. Ele a examinou por alguns segundos, em silêncio, e eu me apoiei na parede ao seu lado.

– Você realmente acha que vai dar certo? – Ele perguntou, sem olhar para mim – Você acha que vou conseguir tocar com vocês?

– Butters, ‘cê tá de brincadeira? Você não vê o quanto você é bom nisso? Muito melhor do que nós, e você sabe.

– É, eu sei, mas... – Haha, eu estava adorando o Butters bêbado, olha só essa sinceridade – Eu não sou igual vocês. Eu não tenho tatuagens, eu não se quem são a maioria desses caras colados na parede, e ninguém tem medo de mim como têm de vocês. Eu não sou... Rebelde. Eu não tenho cara de mau como Craig. Nem mesmo com esse piercing mixuruca.

Butters terminou a frase com um sorriso fraco no rosto, olhando para a direção do sofá. Eu virei a cabeça para ver o que ele estava olhando, e sorri um pouco também. Craig passava os dedos distraidamente pelos cabelos de Tweek, que sorria com os olhos quase fechados de sono. Era raro o ver calmo, e só o via assim quando os dois estavam juntos. Ele sorriu para Craig, que sorriu de volta e o beijou carinhosamente.

Senti que estava invadindo a privacidade deles e olhei de novo para Butters, que também olhava pra mim, um pouco envergonhado. Lembrei do que ele tinha acabado de falar e segurei o rosto dele pelo queixo, virando-o de um lado para o outro, como se o examinasse.

– É, não é um rosto muito malvado. – Eu ri, e Butters riu também – Mas fique tranquilo Butters, dá pro gasto. Essa cicatriz que deixei no seu olho com a estrela ninja quando éramos crianças te deixa pelo menos com um ar charmoso e misterioso.

Me aproximei ainda mais, sentindo a respiração pesada e confusa de Butters. Como ele não recuou, reuni toda a coragem que tinha para lhe perguntar:

– Você já sentiu vontade de beijar outro garoto, Butters?

A pergunta saiu mais naturalmente do que eu esperava. Eu estava calmo, mas não deveria estar. Eu deveria estar longe dele. Butters abriu a boca, mas não respondeu imediatamente. Corou um pouco antes que as palavras saíssem de sua boca em um tom de voz mais abafado do que normalmente:

– Essa é uma pergunta engraçada, Kenny.

– Não, não é engraçada. - Respondi, passando uma mão pelos cabelos dele enquanto a outra ainda segurava seu rosto. Estávamos tão perto que eu sabia que Butters podia sentir o cheiro de álcool que saía de meus lábios junto com as palavras - É uma pergunta séria. Como aqui, agora. Você sente vontade de me beijar?

Butters olhou para Craig e Tweek novamente, de canto de olho, e voltou a olhar para mim. Seu rosto estava ainda mais vermelho, e agora eu sabia que não era só por causa das bebidas. Eu sabia que deveria esperar por uma resposta, ou que ele se afastasse, mas eu não queria esperar. Não queria que ele não me quisesse.

Eu soltei um longo suspiro, expelindo toda a minha razão, e o beijei. Eu achei que ele iria se surpreender, me afastar ou sair correndo, mas Butters... Deixou. E estava beijando de volta, de um jeito tímido tã adorável que me fez odiar minha guitarra, que separava nossos corpos.

Fim do POV do Kenny

Tweek perdeu todo o sono quando viu o que tinha acabado de acontecer. Ele arregalou os olhos e olhou para Craig, que também estava surpreso. Não, não era um sonho, Kenny tinha realmente beijado Butters.

– E esse – ele disse baixinho, apenas para Craig ouvir – é o estágio apaixonado do Kenny bêbado.

– O segundo mais perigoso. – Respondeu Craig, escondendo o rosto nos cabelos de Tweek – Pobre Butters.

– Ah, cara, que merda! – Tweek e Craig olharam para Token, que tinha derrubado o celular de suas mãos e olhava para a cena ainda mais surpreso do que eles – Kenny, que merda!

Token também escondeu o rosto na palma das mãos, fazendo um sinal negativo com a cabeça, como se não acreditasse no que estava acontecendo. As mãos abafaram a voz dele, mas os dois conseguiram ouvir o que ele disse:

– Menos de um dia... Ele não se segurou por mais de um dia... O garoto acabou de entrar na banda...

– Temos um novo recorde. Eu vou conversar com ele depois. – Disse Craig, encerrando o assunto.

Token continuou olhando para Kenny e Butters, e sentiu pena do loiro. Mas não pode deixar de sorrir quando viu a mão de Butters ir até o pescoço de Kenny, como se temesse que o outro mudasse de ideia e parasse de beijá-lo.


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Notas finais do capítulo

qualquer erro, por favor, me avisem! ;)



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