Mais que a Minha Própria Vida escrita por Melissa J


Capítulo 3
Capítulo 3




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Aos quinze anos eu estava acostumada a ver a vida muito friamente porque meu coração estava repleto de medo e culpa, sentimentos que me acompanhavam desde a morte dos meus pais. Eu vivia com medo de ser feliz porque pensava que, se eu o fosse, a vida me pregaria mais uma de suas peças. Além disso, eu tinha medo de superar, porque superar significava esquecê-los e, se eu os esquecesse, eles morreriam uma segunda morte. Era patético, eu sei, mas o meu trauma era minha desculpa para não me esforçar para ter amigos ou conhecer garotos. Entretanto, desde que eu me mudara para a escola nova, tudo estava diferente. Eu me sentia diferente. Ansiava por encontrar as minhas novas amigas, ansiava por conseguir boas notas para ingressar em uma boa faculdade, ansiava por cada novo conhecimento que eu adquiria. Eu os absorvia, lia todos aqueles livros, e me sentia viva. Além disso, havia esse garoto, o Connor. Eu jamais saberia dizer com precisão o que exatamente ele fez para que eu me encantasse por ele da forma pela qual me encantei. Eu não acreditava naquelas histórias de amor á primeira vista, mas nunca houve explicação racional para a forma como tudo relativo à sua aparência, forma de agir, falar, andar, me seduzissem tão completamente.

Quanto mais eu tentava saber algo sobre ele mais frustrada eu ficava. Não porque as informações que eu tinha fossem frustrantes, mas a falta delas o era. Eu apenas sabia que ele estava no último ano e procurava achar o seu lugar em várias universidades, pois o vira observar minuciosamente um folheto informativo onde haviam informações sobre as melhores universidades da Inglaterra. Eu mal o conhecia, ou, melhor dizendo, eu nem o sequer o conhecia e, ainda assim, me entristecia a ideia de vê-lo mudar-se para qualquer cidade distante de Londres. Sabia, também, que o seu perfume era forte e marcante. Assim como a sua presença. Sabia que ele jogava basquete no horário da educação física, e sabia que, por uma estranha coincidência, o seu armário era ao lado do meu. Tal fato, tal incrível fato fazia com que nos cruzássemos nos corredores por diversas vezes ao longo das semanas.

Eu gostaria de poder contar-lhe, caro leitor, que os nossos olhares se cruzavam sempre que passávamos um pelo outro e que os olhos dele brilhavam quando ele me via. Eu poderia até dizer que, a partir do momento em que nos topamos pela primeira vez, ele também tenha se encantado comigo, e que mergulhamos, juntos, nessa reciprocidade de sentimentos. É uma pena que nada tenha sido da forma como eu desejava. Ele andava sempre no mundo da lua, perdido em pensamentos de forma que jamais percebia a minha presença. Eu posso garantir-lhes até que se um dia eu tropeçasse nele em algum dos corredores ele se perguntaria se eu era alguma novata, já que nunca antes havia me visto. Nossas mentes e nossos mundos eram um total universo de contradições. Ele era intrigante. E eu não existia.

O ano se passou rápido e eu me acostumei com a rotina do colégio novo, com os professores, minhas novas amigas, e a ter a minha presença desprezada por Connor. Sinceramente, era algo pior que o desprezo. Ele sequer sabia da minha existência. E, por mais que nós topássemos várias vezes pelos corredores do colégio, por mais que a bola da quadra onde eu jogava vôlei constantemente caísse na quadra onde ele jogava basquete, por serem lado a lado, e eu sempre fosse a escolhida a buscá-la em suas mãos, por mais que eu sempre me sentasse próxima a ele nos momentos em que todo o colégio se reunia para avisos importantes, ainda assim, eu era uma desconhecida. Eu estava tão acostumada com tais coisas, que nem mais cogitava a hipótese de, algum dia, conhecê-lo de verdade. Era melhor assim, eu pensava, afinal, no fim do ano ele iria para a faculdade e eu jamais o veria novamente. Brandon, também iria, para o desconsolo das outras garotas, e assim, quem sabe, pudesse haver talvez um pouco de normalidade naquela escola estranha. A atração que eu sentia por ele era agonizante, e eu contava os dias para que tudo acabasse.

Naquele meio tempo coisas interessantes aconteceram em minha vida. Eu me aproximei cada vez mais de minhas amigas, principalmente de Rachel. Me encantei pela sua personalidade doce e envolvente e passei a confiar-lhe todos os meus segredos, assim como ela me confiava os dela. Eu era a única que sabia como ela amava a irmã e sofria por não se darem bem. Sabia também sobre o seu sonho de fazer uma faculdade de medicina e se especializar na área de oncologia, pelo fato de ter visto um pai que muito amava morrer em seus braços. E sabia o quão doce e melancólico era o amor que ela sentia por Brandon. Eu conseguia perceber seu sofrimento em cada olhar, e bem sabia o motivo de quando ela me abraçava e caía em lágrimas no meu ombro. Isso cortava o meu coração. Quem ele achava que era para ser tão ignorante? Como poderia não perceber nada? Por que é que se achava tão bom a ponto de ignorar e ser rude com todas aquelas meninas? Talvez porque todas agissem tal qual ele fosse um Deus. Coisa que por sinal, ele não era. Eu não queria que Rachel acabasse junto com ele. Muito pelo contrário, eu queria que ela achasse alguém melhor, alguém a sua altura. Alguém que tivesse um amor tão puro quanto o dela para lhe oferecer. Brandon muito mais daria certo com Grace, já que a mesma agia com o mesmo desprezo com os garotos que tentavam se aproximar dela. Tudo era um jogo. Sim,eles formariam o casal perfeito. Bonito, porém superficial.

Além disso, me inscrevi para aulas de teatro e fui selecionada para atuar em uma peça que seria apresentada ao fim do ano. A parte boa de se fazer teatro naquele colégio era a possibilidade de se conseguir bons trabalhos fora dele. Apesar de não ser um colégio muito grande, era reconhecido pelos brilhantes jovens atores e pelos dedicados professores que faziam parte do corpo teatral. Dessa forma, sempre que algum produtor de peças precisava de atores para apresentar pequenas e grandes peças nos grandes centros de Londres, aquela escola era um dos primeiros lugares que ele selecionava para participar dos testes. Desde que ingressara no corpo teatral, há alguns meses, eu ainda não havia sido selecionada para atuar em peças muito conceituadas e, muito menos, conseguido papéis importantes. Porém os pequenas aparições que eu conseguira renderam-me um bom dinheiro que eu sempre guardava na poupança da universidade. Eu sempre sonhara em ingressar na Universidade de Liverpool, a qual ficava a aproximadamente quatro horas de Londres. E se as minhas notas impecáveis não fizessem com que eu conseguisse a bolsa, eu precisaria de dinheiro suficiente para, além de pagar as anuidades da instituição, que não eram baratas, arcar com as custas das instalações do campus. É claro que que eu sabia que meu avô jamais teria dinheiro suficiente para pagar por tudo, por mais que ele se esforçasse para tal, depositando as quantias que lhe fossem possíveis em minha poupança desde que eu era criança. Mas era o meu maior sonho formar-me na mesma universidade da minha mãe, e eu lutaria por isso.

Para juntar esse dinheiro, além das minhas participações em espetáculos teatrais, meu avô conseguira para mim um emprego como atendente no café de uma amiga próxima. O salário era bom, em comparação com o que outros amigos meus que precisavam trabalhar conseguiam em outros locais. Por sermos menores aprendizes era quase impossível conseguir um trabalho que desse para conciliar com a escola e com os estudos e, além disso, pagasse bem. De forma que eu tive sorte, já que a dona do café me tratava com o carinho de uma mãe, por me conhecer desde de pequena, me estimulava e estudar sempre e pagava com toda a generosidade que lhe era possível.

Com toda essa rotina a qual eu havia estabelecido, não me sobrava muito tempo para fazer nada que não fosse frequentar o colégio, estudar e ir às aulas de teatro. Era cansativo, mas me fazia bem, pois há tempos eu não me sentia melancólica. E não não me sentir culpada o tempo todo era bom. Me sentir útil também o era. Em alguns finais de semana eu saía com as minhas amigas para ver um filme no cinema, tomar sorvete ou ir à casa de alguma delas, porém a maior parte do tempo eu estudava para as provas escolares. Á noite eu preparava o jantar e assistia um pouco de TV com o meu avô, já que era o único tempo que tínhamos para estar juntos. A cada dia mais eu me estabelecia na nova rotina e, pela primeira vez há tempos eu me sentia bem.


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