Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 1
O café ainda estará lá de manhã


Notas iniciais do capítulo

Oi! Meu nome é Leoh e essa é a minha primeira fanfic, se estiver lendo isso espero que goste, e estou sujeito à críticas e sujestões. Bjs, e boa leitura!



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Algumas pessoas colecionavam objetos banais: moedas antigas, fitas K7, gibis super raros, armações de óculos ou até mesmo passagens de avião. Essas eram as pessoas normais, não Theo. Ele colecionava uma outra coisa, algo mais bizarro. Theo colecionava funerais. Era incrível como era fácil conhecer toda a história de uma pessoa só indo no velório dela, dava para saber se ela era amada, odiada, se tinha feito algo importante ou se sua morte era um alívio para o seu círculo social. Ninguém nunca perguntava se ele conhecida o morto ou não, simplesmente pressupunham que ele era um parente distante.

Aquele era o terceiro que ele ia só naquele mês. Era de um dos seus professores na universidade de Buenos Aires. O funeral acontecia em um dos salões de cerimônias da universidade, reservados àqueles que tinham de alguma forma contribuído bastante para a história da instituição. Tinha aquele cheiro forte de desinfetante barato que fazia suas narinas arderem, e que o fazia se lembrar que deveria ele mesmo comprar um desinfetante para a faxina de seu apartamento, que não passava por uma limpeza desde que ele se mudara, ou seja: dois anos.Theo era estudante de Artes visuais na Universidade de Buenos Aires, filho de um brasileiro com uma argentina, mudara-re para a Bueos Aires para estudar e para fugir um pouco dos olhares vigilantes dos pais. E como qualquer estudante de artes, Theo tinha algo excêntrico em sua aparência: seu cabelo azul-pavão. Ele o tinha pintado no seu aniversário de dezoito anos como uma forma de rebeldia contra seus pais que eram tradicionais em excesso, que nunca haviam lhe dado permissão para fazer um corte de cabelo diferente do convencional ou colocar um alargador na orelha — depois, já adulto, ele tentou pôr um, mas não aguentou a dor, o que o impediu também de fazer uma tatuagem ou pôr um piercing.

— Até que está bem cheio para o que chamaram de "cerimônia íntima". — falou uma voz ao seu lado.

Theo quase levou um susto, nem tinha percebido que alguém sentara ao lado. Ele tinha uma incrível habilidade de levantar apenas uma sobrancelha para demonstrar infinitas reações: desprezo, surpresa, sarcasmo. Daquela vez era: quem é você e por que está falando comigo?

Se uma sobrancelha acusava, a outra admirava, porque aquele cara era... lindo. Sua visão de artista o analisou em apenas meio minuto, e aprovou o que viu.

Meio minuto de silêncio.

— Ele era uma pessoa muito querida pelos alunos — mentira —, é normal que muitos viessem aqui. - Outra mentira, aquelas pessoas estavam mais para abutres vingativos, paravam perto do caixão e olhava-no como se falassem: ora ora, você não me deu aqueles créditos extras no semestre passado e agora você está morto, o mundo dá voltas, não é mesmo?

O estranho a seu lado deu uma risada contida.Estranho? Theo tinha a impressão de já ter visto aquele homem em algum lugar. Mas de onde? Da aula de pintura de modelo vivo? Era provável, já que aparentemente o estranho parecia ter um físico adequado para as aulas de pintura de modelo vivo.

O quê? Theo não acreditava que tinha pensado naquilo. Se mexeu na cadeira, de repente se sentia desconfortável. Aquilo era uma "tensão sexual"?

Sim era esse o nome.

Um dos problemas de ser gay e sentir uma "tensão sexual" na presença de outro homem era que nem sempre o homem em questão também era gay, e portanto não sentia tensão nenhuma, e você fazia um papel de idiota.

— Hum, então. Você era aluno dele? — perguntou, querendo descobrir de onde era aquele estranho-não-tão-estranho.

— Não, eu não estudo aqui. Ele era um velho amigo do seu pai.— Ah.

Ah. Então ele não era um modelo... não, não ia pensar nisso de novo. Tentou observá-lo pelo canto do olho. Cabelos cacheados, barba por fazer, alto, covinha, queixo duplo. Era um visual bem comum, só que um comum bonito. E tinha o sotaque de quem, como o próprio Theo, não fala espanhol fluentemente. Ele tinha uma cara de ser inglês. É claro! Aquelas roupas surradas, a barba, o jeito ereto de sentar. Ele com certeza se parecia com algum personagem de alguma série britânica que Theo assistia.

— E você?

— E eu o quê?

— Era aluno dele?

— Sim, ele me orientava no meu trabalho de conclusão de curso.

— Legal, e o que é?

Oh, era bem legal. Um teatro de marionetes inspirado em The Rock Horror Picture Show, só que sem música cantada, apenas um instrumental de fundo. Um acordeão, talvez. O estranho pareceu bastante interessado, ou pelo menos fingia muito bem. Concordava com a cabeça nos momentos certos, fazia as perguntas certas. Até riu quando Theo lhe narrou sobre como fora extremamente constrangedor ir em uma sex shop para comprar uma mini meia arrastão (originalmente feito para pequenas bonecas infláveis) para vestir na marionete do personagem do Dr. Frank-N-Furter.

Theo perdeu a noção do tempo em que passaram conversando, quando notou que iam levar o corpo para o enterro. Bem, dessa vez ele iria sair de fininho, não tinha a mínima intenção de ir para um cemitério em uma sexta-feira, e de noite. Não mesmo.

Ele seguiu o estranho (percebeu que nem tinham dito os seus nomes um ao outro) para a saída. E em meio àquela multidão, acabou se perdendo dele. Mas que droga, sentiu uma... decepção. Sim era isso.

Queria ter pelo menos perguntado o nome dele.

Theo, como qualquer pessoa normal tinha muitas paixonites momentâneas. Quando estava no metrô, no ônibus ou na fila do consultório de um dentista. Sempre tinha um carinha bonitinho para ficar admirando durante um certo tempo, e sempre tinha aquela leve decepção, mas daquela vez era inédito: uma paixonite de velório. E a decepção era maior quando o carinha era parecido com algum ator britânico. Que vida injusta.

Ficou pensando no quão bizarro aquilo durante todo o caminho para casa. Se esqueceu de comprar o desinfetante, mas se lembrou de passar na pequena padaria que graças a Deus ainda estava aperta para comprar sua janta, que na verdade era um bolo de chocolate que ele dignamente comeria sozinho. Ele era magro como uma modelo da Vogue, mas comia como um soldado de Esparta, e por algum motivo misterioso, não engordava. Talvez a vida não fosse tão injusta afinal.

Theo morava sozinho em um típico apartamento de estudante, ficava num bairro periférico, mas que tinha ótimos pub´s e cafeterias. Ficava no quarto andar, e como o elevador estava quebrado há séculos, tinha que subir aqueles infinitos degraus, coisa que que ele considerava sua cota de atividade física diária. Jesus, como ele era sedentário — Theo era uma alma gorda presa em um corpo magro e gay.

Subiu a escada com a disposição que um condenado caminha para sua sala de execução. Mas quando chegou no seu andar, quase teve um ataque no coração. E seu bolo quase caiu.

Ele estava lá.

Ele.

...

Sua paixonite de velório.

Puta. Que. Pariu.

Sua primeira reação foi: ele é um stalker? Um traficante de orgãos? Claro, me seduziu no enterro para agora vir e levar meu rim.Mas se acalmou em seguida. O estranho estava na verdade em frente ao 402, o apartamento do lado do seu. Ai meu Deus. Ele era seu vizinho. Então é por isso que ele lhe parecia familiar, talvez já tivessem se encontrado no corredor ou na escada.

O estranho sorriu, um sorriso que fez a alma do Theo sair de seu corpo e ir lá fora dar umas cambalhotas.

— O que? Não sabia que eu morava aqui?

— Hum... o quê ... eu não... sabia.

Devia estar vermelho de vergonha.O estranho ficou lá, parado. Olhando. Até dizer:

— Vai me convidar para entrar? Para tomar um café.

— Não. Quero dizer, eu não tenho café em casa. Desculpe.

Outro sorriso.

— Não tem problema, eu te convido então.

O que será que aconteceria se ele aceitasse? Theo sentiu aquela tensão sexual novamente, mas dessa vez algo dizia que ele não era o único a sentir aquilo. E os efeitos colaterais eram diversos: gagueira parcial, mãos tremendo, um calafrio nas costelas e, principalmente, uma ereção que chegava a ser desconfortável. Theo ainda não compreendia aquelas reações e preferiu não aceitar o convite.

— Vou ter que recusar, estou cansado e, um café agora ia me fazer ficar acordado por mais tempo e... o café ainda estará lá de manhã. Não é mesmo?

Um meio sorriso dessa vez.

— Tudo bem, eu te vejo amanhã então. Até mais.

— Você não me disse o seu nome.Theo prendeu a respiração. Tinha passado algum limite? Quer dizer, não se conheciam de verdade. Seria estranho perguntar o nome dele? O não-mais-estranho respondeu:

— Marcos. E o seu?

— Theodoro, mas todo mundo me chama de Theo.

Depois disso, se despediram novamente e entraram cada um em seu apartamento. Theo comeu o seu bolo e deitou para assistir um filme, mas acabou adormecendo. Sonhou que estava em um jardim, num piquenique ao Sol, havia um garoto ao seu lado, e juntos, tomavam café.

Enquanto isso, a apenas uma parede de distância, Marcos se sentia... aliviado. Finalmente tinha tido coragem de falar com garoto-de-cabelo-azul, por quem ele tinha uma espécie de fascinação há um bom tempo. Ficou repetindo o nome dele, gostando do som em sua boca... Theo.


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