Um Inquieto Amor de Apartamento escrita por Leoh Ekko


Capítulo 2
O sorriso além da porta




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Nos dias de semana, a ideia de levantar da cama antes do meio dia era semelhante à ideia de ser beijando por um dementador — e ter toda sua felicidade roubada. Mas no sábado, quando poderia dormir até segunda de manhã, se quisesse, ele já estava acordado às oito da manhã. Dormira muito mal na noite anterior, pois não parava de pensar em um certo vizinho. A expressão "amor à primeira vista" lhe rondava a cabeça como uma mosca em uma sopa. Ridículo.

Antes de levantar da cama, antes mesmo de escovar os dentes ou tentar pentear sua juba azul, ele realizava um pequeno ritual: checar todas as suas redes sociais. E ao fazer isso naquela manhã, levou um susto. Um susto de um tipo bom.

Havia uma nova solicitação de amizade — que ele aceitou com prazer.

O nome?

Marcos Silveira.

Respirou fundo. Seu primeiro pensamento foi entrar no perfil dele para levantar informações básicas. Ele era solteiro? Quantos anos tinha? Era brasileiro mesmo, como ele imaginava?

Não, ele não iria ser esse tipo de pessoa.

Ou iria?

Ainda discutia isso quando um som de notificação lhe chamou atenção para o canto da tela do seu celular. Uma nova mensagem.

Marcos: — Bom dia!

Theo: —Bom dia.

Marcos: — Eu odeio ficar trocando mensagem, só queria saber se já estava acordado. Você é o vizinho mais silencioso do mundo, sabia disso?

Theo: — Pq?

Marcos: —Bem, eu quase nunca te vejo e quase não recebe visita. E tb nunca coloca música.

Theo: — Não hahaha. Eu perguntei pq vc quer saber se eu já estou acordado.

Marcos: — Você ficou me devendo um café. E a julgar pela sua voz de sonom obviamente ainda não foi comprar. Bem, teremos que nos virar com o meu. Já estou indo.

Theo começou a digitar uma resposta mas Marcos já havia ficado offline. Ai. Meu. Deus. Marcos estava indo para ali.

Então, praticamente caiu da cama para correr para o banheiro. Escovou os dentes mais rápido do que nunca e passou um pente nos cabelos, não adiantou muita coisa. Ainda parecia um ninho de passarinho. Um ninho azul. Correu para passar o seu perfume quando ouviu a batida da porta. Contou até dez antes de abrir, para desacelerar a sua respiração. Quando finalmente abriu encontrou um sorriso além da porta, que fez o chão sob seus pé desaparecer.

– Bom dia – disse marcos. E depois olhou-lhe da cabeça aos pés, e Jesus, que olhar sexy. – Então é por isso que não recebe visitas? A visão das suas pernas é demais para elas?

Mas do que diabos ele estava falando? Ah não! Não não não não não não. Theo simplesmente esquecera que só estava usando apenas sua camiseta da Hora da Aventura e uma começa boxer. Ele queria se jogar da janela. Ficou vermelho como uma donzela. Sua pele fantasmagóricamente branca ficou quase carmim. Que droga, pelo menos era uma camiseta GG, cobria uma certa parte do seu corpo.

Nunca passara mico maior. Bem, achou melhor fazer piada daquilo. Fingir naturalidade.

— Sim, ficam com medo de que eu me revele um vampiro e sugue todo o sangue deles. Sou mais pálido que todo o clã Cullen junto. Tome cuidado.

— Bem que eu notei o seu brilho quando anda na rua.

— E você fica me olhando quando ando na rua? Talvez não seja uma boa ideia eu te convidar para entrar. Você pode ser um serial killer em potencial.

Marcos riu e levantou a sacola que trazia nas mãos. Um cheiro delicioso saía de lá. Golpe baixo.

— Se não me convidar, nunca vai provar esses pães de queijos deliciosos que passei a manhã toda fazendo. Você faria isso comigo?

— Isso é chantagem emocional! — respondeu, abrindo mais a porta a porta para deixá-lo entrar. — Só não repare a bagunça.

E havia mesmo muita bagunça. Havia alguns projetos do que viriam a ser marionetes jogados pelo chão de todo o apartamento, algumas caixas de pizzas na mesa de centro da sala, roupas no chão da cozinha, um cavalete de pintura no canto da sala e com pincéis e tinta velha no chão ao lado. E sua estante de livros estava abarrotada, com mais livros do que ela poderia suportar, parecia a ponto de despencar. Seria impossível não reparar.

— Parece, bem, a casa de um artista iniciante — disse Marcos, indo para a cozinha, bastante à vontade. Isso agradou Theo, era como algo que acontecia frequentemente.

Parou de ficar olhando para o – lindo – traseiro de Marcos e seguiu para o seu quarto, precisava cobrir o próprio traseiro. Cheirou a calça para saber se ela estava limpa, estava com cada vez menos tempo para ir à lavanderia — na verdade tinha cada menos tempo para tudo, fazer um teatro de marionetes de um musical gótico era cansativo.

Voltou para a sala e encontrou Marcos sentado no sofá, com o controle remoto na mão. Algo naquela cena o deixou pasmo, parecia tão natural, tão certo. Era fácil para ele imaginar encontrar Marcos ali, no seu sofá todos os dias.

— Na minha época ainda passavam filmes bons na tevê, agora só existe esses lixos de Hollywood. Por que precisam de tantas explosões de carro? Isso não disfarça o roteiro sem sentido e as atuações ruins.

— Marcos, é pra isso que existe internet. Para que você possa assistir qualquer filme indie que você quiser.

— É verdade, e você tem alguma ideia?

Acabaram escolhendo assistir Frances Ha enquanto comiam os pães de queijo e tomavam chá. Eles mais falavam do que assistiam o filme. E Theo aproveitou para descobrir algumas coisas: Marcos era sim brasileiro — agora já podiam conversar em português — , nascido no Sul, mas seu pai fora um jornalista perseguido durante o regime militar e por isso ele morava na Argentina desde os sete anos; ele agora tinha vinte e seis, trabalhava em uma loja de música e tocava violino no metrô à vezes — era apenas para passar o tempo, pois pela descrição dele da sua família, ele não precisava trabalhar. Descobriu também que ele era sim solteiro, mas acabara de sair de um relacionamento, não entrou em detalhes no assunto.

Conversaram sobre suas bandas favoritas. Ambos gostavam de The Smiths, mas enquanto Theo gostava mais de Arctic Monkeys, Marcos preferia The Strokes. Marcos falou sobre suas viagens para o Brasil e de como sentia falta das praias brasileiras — chegou a dizer que se ficasse mais tempo sem ir à alguma praia carioca iria ficar tão pálido quanto Theo.

Ele não se lembrava da última vez que tivera u,a conversa tão boa, sem aqueles silêncios constrangedores e sem falta de assunto. E a voz rouca de Marcos o confortava tanto que ele sentia uma vontade de cochilar ai som daquela voz.

Theo sentia-se mais apaixonado a cada segundo.

* * *

Em algum momento, Theo adormeceu. Marcos sentia muito sono, mas resistiu à vontade de fechar os olhos para ficar olhando Theo dormir. Ele estava com um aparência tão vulnerável, parecia um anjo. Marcos ficava sim olhando para ele quando o via passar no metrô. A primeira coisa que chamou sua atenção foi, é claro, o cabelo azul como os céus de verão. Mas havia algo no olhar dele, uma tristeza agridoce, uma solidão visível que fazia com que Marcos desejasse abraça-lo para fazê-lo melhorar daquela melancolia toda.

Foi há um mês, quando se mudou, que viu que o garoto de cabelo azul morava no apartamento ao lado. Que maravilhosa coincidência! Destino? Talvez.

Ficou dias bolando um plano para falar com ele. Fazer a típica cena do vizinho que precisa de um pouco de açúcar. Mas ficou com medo de ser rejeitado, e preferiu continuar em sua fantasia particular. Começou a evitá-lo, esperava ver ele sair de casa para só então poder sair. Queria fazer as coisas de um certo.

Então, em um dia, enquanto voltava do trabalho na loja de discos, o viu caminhando apressado, usava um fone de ouvido e parecia alheio ao mundo ao redor. Ficou feliz quando percebeu que eles iam na mesma direção e até para o mesmo lugar, em um velório de um professor. Lá dentro, observou de longe durante um longo tempo antes de decidir se aproximar.

Agora, nem vinte e quatro horas depois, estava alim vendo ele dormir. Parecia um sonho. Theo escorou em seu ombro. Como ele era lindo. Uma pele pálida que fazia um lindo contraste com o seu cabelo, olhos escuros e lábio em formato de coração. Marcos sentiu seu coração bater como um pássaro que tentava escapar de uma gaiola.

Precisava de mais momentos como aquele. Precisava ficar perto de Theo mais e mais. Olhando para uma marionete de meia arrastão em cima da estante, teve uma ideia. Uma ideia perfeita, que era uma desculpa perfeita para passar mais tempo com Theo.

* * *

Que travesseiro duro, mas macio ao mesmo tempo.

Opa. Antes de abrir os olhos Theo percebeu que seu travesseiro era, na verdade, o braço da sua visita. Corou violentamente. Mas que droga, não acreditava que havia desperdiçado seu tempo com Marcos dormindo.

Esfregou os olhos e tentou disfarçar o constrangimento de ter escorado na sua visita.

— Quanto tempo eu dormi?

— Não muito, mas o suficiente para incomodar. Acho que aquela coisa de vizinho silencioso é só graças às paredes grossas, ou então o seu ronco espantaria qualquer um.

Theo deu um soco de brincadeira no braço Marcos, ele não roncava. Foi aí que ele percebeu que Marcos exibia um sorriso presunçoso, de quem está tramando alguma coisa.

— Que foi? — perguntou.

— Nada. É que eu estava pensando se você já conseguiu alguém para tocar no seu teatro de marionetes.

— Não.

— E será que posso me candidatar ao cargo? Eu poço tocar violino, ou mesmo arranjar algumas trilhas antigas que combibem com as cenas lá na loja. Que tal? A gente pode decidir as coisas juntos.

Theo não sabia o que dizer. A palavra juntos martelava a sua mente.

— O que me diz? Sim ou não?


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