Enquanto Pedro e América aprontavam tudo para a viagem em cima da hora, seu irmão e irmãs debatiam, pensando no que ele decidiria.

“A carta deve ter chegado ainda essa semana.” Afirma Susana, adentrando na pequena sala do térreo.

“Ou talvez tenha chegado mês passado ou ainda nem chegou perto, quem sabe?!” Afirma Edmundo, vindo depois de Susana.

“Estão dizendo que tudo está tranqüilo pelos mares, por enquanto, acho que eles conseguirão atravessar o Atlântico a tempo.” Diz Marta, uma das empregadas da casa. Ela entra logo após seus patrões e deixa os pertences dos mesmos em uma mesa de vidro. “Com licença.” Ela diz se retirando.

“Obrigada Marta.” Agradece Susana, dando luz ao apelido de A gentil.

“Eles?” Resmunga Edmundo parado no centro da sala de braços cruzados e encarando a irmã. “ Ela acha que ele não virá só?”

“Ela ainda pode vir, Ed. Mas ai...” Susana não precisava completar a frase, todos, menos Marta, sabiam o que aquilo significava - ou apenas imaginavam.

“Talvez eles terminem com uma briga e Pedro venha mau humorado, como sempre.” Resmunga Edmundo, sentando no aconchegante sofá de couro vinho da atual casa. Pegou um livro grosso e empoeirado, passando o olhar pelas páginas, como se realmente estivesse lendo.

“Ed, isso não está ajudando. Pode nem ser o que você pensa.” Repreende Susana, a mais velha entre eles ali. Uma adulta com uma beleza estonteante, que estava quase sempre elegante e sorridente, hoje, estava usando roupas comuns e uma expressão fechada.

“ O que foi Susana?! Sabemos como o Pedro é e como ele adora ser Rei.” Revida Edmundo, sabendo o quanto de tudo o que acabara de dizer é verdade.

“ Talvez vocês devessem pensar e agir como verdadeiros adultos invés de agir como crianças. ” Interrompe a pequena Lúcia, não tão pequena agora. Lu estava na cozinha quando a conversa começou mas logo apareceu, trazendo consigo uma bandeja com biscoitos e chá. “ Não somos os mesmos desde que fomos para Nárnia, Pedro está diferente. Vocês estão. ”

“Viu.” Argumenta Susana orgulhosa, mostrando a Ed que ela estava certa. De qualquer jeito, ela queria todos ali mas temia o que aquilo poderia causar. Seus irmãos nem sempre tiveram uma boa convivência. 

“ E o que isso prova? ” Ele fecha o livro com raiva, provocando um barulho seco e levanta. “ Nunca devíamos ter saído de lá.” Edmundo furioso, com as expressões fechadas e o andar pesado, se levanta e sai da sala em direção ao segundo andar. Ouve-se as batias dos paços dele quando sobe as escadas, são ruídos secos, estantes depois o estrondo da porta se fechando com força.

Susana, ainda sentada em uma outra extremidade do sofá de couro, e Lúcia, ainda em pé com a bandeja com o chá e biscoitos, estão olhando o teto. Após o estrondo da portas, elas descem o olhar calmamente e encaram uma a outra.

“ Sabíamos que isso ia acontecer mais cedo ou mais tarde.” Sussurra Susana meio desgostosa, com os lábios em um sorriso torto. Ela ajeita vestido claro de um tecido delicado e bate levemente a mão no espaço ao seu lado. “ Venha cá, Lu.”

Sem hesitar Lúcia coloca a bandeja na mesinha de café, meio metro do sofá e corre para o lado da irmã. Antes mesmo de se sentar, ouve o fechar das portas da cômoda do quarto de Edmundo. Ele está muito bravo, e isso a incomoda muito. Seu rosto está frio, sem expressões alegres.

De fato ela não é a mesma, agora uma mulher, ainda rainha de Nárnia, seus costumes e jeitos estão evoluindo depressa demais. Ela encosta a cabeça no ombro de Susana, enquanto a mais velha a circula gentilmente com os braços.

“Talvez Edmundo esteja certo, nunca devíamos ter saído de Nárnia.” Lucia parece infeliz.

“ Lúcia ... ” Começa Susana mas logo é cortada pela voz chorosa da irmã.

“ Se eu não tivesse encontrado o lampião naquela manhã de caça, nós nunca teríamos voltado. E Edmundo e Pedro ainda estariam contentes.” Lúcia coça delicadamente os olhos, quase chorando.

“ Você duvida do seu valor.” Susana repete umas das frases ditas por alguém importante, a frase qual não saia da mente de Lúcia e talvez permanecesse até que a mesma tivesse uma idade avançada. Lúcia levanta o olhar e Susana continua. “ Imagine se não tivéssemos voltado? O professor não poderia matar a saudade de Nárnia, Eustáquio iria continuar o mesmo primo irritante...” Elas riem concordando. “ E Pedro não teria encontrado América.”

“ Você está certa Su. ” Ela sorri abraçando a irmã e logo se afasta. “ Chá?”

“ Não obrigada. ” Susana nega mas em compensação pega um biscoito.

E assim fora as duas ficaram, uma tentando animar a outra. Fixar a esperança de ambas não seria fácil. Pedro vinha, com certeza, mas ele traria ou não a namorada, isso elas não sabiam.