Untouchable escrita por Lucy Donnelly


Capítulo 3
Capítulo 3 - Haunted




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Melissa

– Sorria para a camêra, Stark – Will ordenou, colocando o celular perto demais do meu rosto.

– Meu Deus do céu, por que você é tão chato? – revirei os olhos, mas me esforcei para dar um pequeno sorriso com o pote de frozen yogurt na frente do rosto, observando a expressão satisfeita de Will assim que o agradável clique! de captura da foto soou.

– Ótimo. – ele acenou com a cabeça e eu ri, voltado a andar tranquilamente pelo Madison Square Park. – Sabe, um dia com você fora de um escritório e ainda de quebra ganho iogurte? É bem mais do que eu consegui nos últimos meses.

– Culpada – admiti – Mas não sou a única. Aliás, não sou eu quem está participando de todos os eventos esportivos da atualidade, levando todas as medalhas de ouro em natação.

Will me deu um empurrão com o ombro e eu ri, por pouco não me desequilibrando nos saltos altos. Era incrível como passar o tempo ao lado dele – por mais que esse tempo tivesse se tornado bastante restrito para nós dois – fazia com que eu me sentisse com dezesseis anos de novo.

– Eu sei. Só terei tempo de pegar Luke na escola amanhã e irei direto para o aeroporto.

Fiquei animada.

– Como está meu lindo afilhado?

– Está na casa da mãe dele, então suponho que ele deva estar bem feliz.

Assenti com a cabeça e o olhei de soslaio. Will havia mudado bastante desde o ensino médio, mas seus olhos escuros e cabelos bagunçados permaneciam os mesmos, o que me trazia uma sensação de segurança, de que nem tudo podia mudar. Seu rosto havia amadurecido, coberto pela barba que ele ocasionalmente deixava crescer; seus óculos de grau haviam sido trocados por lentes de contato e os músculos dos seus braços e peitoral se destacavam, justos, em sua camiseta. Will era o tipo de nerd que não passava despercebido aos olhares femininos, e agora, reconhecido mundialmente, muito menos.

Era constrangedor, mas eu precisava admitir que às vezes parava completamente de ouvir o que quer que ele estivesse falando para encará-lo. Como agora.

Eu não poderia negar que já havia imaginado como nossas vidas poderiam ser diferentes se... se tivéssemos terminado juntos. Para isso, provavelmente, seria necessário que Will não tivesse se casado com Beatrice, sua namorada do ensino médio, logo depois de se formarem na faculdade. E, talvez, que o lindo filho dos dois, Luke Lancaster, não tivesse nascido. E, talvez o pior de tudo, que Mia não existisse.

– Melissa? – Will me chamou e eu ergui as sobrancelhas – Você ficou aí parada e me encarando sem dizer nada.

Senti como se meu rosto estivesse pegando fogo.

– Desculpe. O que disse? – pigarreei, olhando para o chão para tentar evitar ainda mais constrangimento.

– O que você vai fazer hoje à noite?

Aparentemente, minha tentativa havia falhado.

– Eu... – mordi o lábio – tenho um encontro.

Will arregalou os olhos, incrédulo.

– Mas... Você... – ele continuou me olhando com a boca aberta e estático como uma pedra. Revirei os olhos – Você tem um namorado?

– Não é um namorado, é um encontro. Há uma diferença óbvia. – suspirei – Principalmente porque é um encontro de negócios.

Ele respirou fundo, parecendo aliviado.

– Você deveria tentar ser mais específica.

– E você deveria se preocupar menos. – sorri, deixando de lado o pote vazio. Os olhos de Will me acompanharam conforme me coloquei de pé, de frente para ele. Inclinei-me e beijei seu rosto – Obrigada por isso. Eu realmente estava precisando de um tempo livre.

Ele apertou minha mão.

– Sempre estarei aqui se precisar.

Dei uma risada fraca.

– É claro, quando não estiver viajando pelo mundo. – puxei a mão de volta e me despedi com um aceno rápido.

Eu adorava Nova York. Jamais me livrava da sensação de finalmente ter encontrado um lugar no mundo que eu realmente pertencia quando andava pelas ruas agitadas, coloridas e iluminadas. Adorava poder ver novos lugares e culturas em uma cidade só. Adorava poder ser surpreendida a cada avenida, prédio ou esquina por onde passava.

E o que eu odiava em Nova York? Bem, você sempre esbarra nas pessoas erradas.

– Olha por onde anda – resmunguei quando o impacto contra aquela coisa – ou melhor, pessoa – fez com que eu quase caísse no meio da rua. Não era algo educado a se dizer, mas era o que eu havia aprendido nos últimos anos vivendo na América.

– Se queria me ver sem roupa era só pedir, mademoiselle – respondeu, irritado, e eu provavelmente não teria me dado ao trabalho de sequer olhar para o imbecil em circunstâncias normais.

Porém, ao ouvir aquela voz, eu congelei.

Meu estômago se contorceu como se o chão debaixo dos meus pés tivesse se aberto.

Meli? – ele pareceu tão chocado quanto eu, sem mais se importar com o fato de que nosso desagradável encontro havia me feito derrubar seu copo de Coca-Cola em sua camiseta branca, ou que ainda estávamos no meio de uma faixa de pedestres com uma multidão apressada. Sim, era ele, e quando o encarei nos olhos percebi que eu com certeza não estava preparada para esse dia.

Não importava. Ou pelo menos, eu precisava fingir que não.

– Oi, Theo.

...

Havia inúmeras coisas que eu poderia ter dito – o silêncio com certeza não era uma opção. Não com ele, pelo menos. Não com o meu namorado do passado, pai da minha filha e para sempre uma parte de mim, mesmo que ele não fizesse ideia de que era mais da metade dessas coisas.

Dentre as possibilidades que se passaram pela minha cabeça, assim que a porta da limusine se fechou nos deixando presos e sozinhos no banco de trás, falei a mais estúpida possível:

– Sinto muito pela sua camisa.

– O quê? – Theo franziu a testa – Ah. Não é nada.

Mordi o lábio para não dizer mais nada idiota, embora eu soubesse que concordar em entrar ali com ele não tivesse sido a melhor decisão da minha vida.

– Onde exatamente nós vamos? – indaguei – Eu não tenho muito tempo – não precisei explicar que eu tinha minhas responsabilidades mesmo sendo a chefe da empresa. Theo entendia, ele também era CEO de uma companhia. A companhia pela qual ele havia me trocado.

– Francamente, não tenho ideia. Com o trânsito desse jeito, uma volta no quarteirão e seu tempo terá acabado – ele mexia nervosamente nos óculos de sol entre suas mãos – Havia esquecido como era em Manhattan – seus lábios abertos se fecharam em um quase sorriso.

– Você parece ter esquecido muita coisa aqui – virei o rosto, encarando o cenário do lado de fora.

Ele se remexeu no assento, desconfortável.

– Meli... Melissa – corrigiu-se rapidamente – Você sabe que não é exatamente assim...

Uma risada rouca saiu como um arranhão pela minha garganta.

– Ah, desculpa, você espera que eu perdoe você pelo que aconteceu há quase uma década atrás?

O seu silêncio e o desespero em seus olhos escuros e cansados pareceu um “sim” para mim.

Suspirei e abaixei os olhos para as minhas mãos.

– Não se preocupe sobre isso. Eu já o perdoei.

Theo pareceu surpreso.

– Sério?

Confirmei com um aceno da cabeça.

– Não sou mais a garota de sete anos atrás. Sou uma adulta agora. Muita coisa mudou... – engoli em seco – Você nem imagina.

– Nada me surpreende vindo de você – ele abriu um sorriso e eu tive vontade de rir com deboche. Espera pra ver, Theodore Chevalier – Me diga, como você está?

Eu simplesmente odiava aquela pergunta. Na maioria das vezes as pessoas não queriam saber a verdade, apenas cumprir uma espécie de tabu social. E, é claro, elas queriam que você – provavelmente – mentisse e dissesse “bem” para que elas pudessem prosseguir sem fazer outras perguntas ou se importar com você.

Talvez Theo não fizesse parte desse grupo. Talvez ele realmente quisesse saber como eu estava, mas não interessava. Ele havia perdido o direito de saber.

– Bem – foi a minha resposta, obviamente.

– Oh – ele comprimiu os lábios – Courtney disse isso.

– Ela me contou que vocês se encontraram – tentei sorrir um pouco, demonstrando aprovação. Apesar de tudo, eu adorava o seu relacionamento fraternal, o quanto sua amizade e seus laços familiares haviam amadurecido juntamente com eles.

– Ela lhe contou sobre o Muller, então?

Certo, eu realmente não estava esperando por essa.

– Muller está na cidade?

Aquela com certeza não era uma notícia exatamente boa par mim e eu duvidava que fosse para a Court, mas atingia a nós duas de maneiras completamente diferentes. O fato de ela nem sequer ter mencionado que havia falado com Muller me trouxe um inevitável mau pressentimento.

Céus, eu esperava que sentimentos antigos não pudessem voltar, para o bem dela.

E para o meu também.

– Sim, ele está ficando no meu apartamento – disse Theo.

– Ah, que... legal. – olhei para o relógio – Eu preciso ir embora. Pode me deixar aqui, eu chamo um táxi ou ligo para o meu motorista...

– Espera – ele me segurou pelo pulso, como se eu fosse saltar para fora ali mesmo com a limusine em movimento – Eu gostaria que nós... nós pudéssemos consertar as coisas. – arregalei os olhos – Quer dizer, não daquele jeito, mas... que pudéssemos pelo menos nos resolver – sua voz rouca soava arrastada – Você não consegue nem olhar na minha cara enquanto eu falo, Melissa.

Devagar e assustada, puxei meu braço de volta. Aquele diante de mim havia sido o garoto que sempre conseguia tudo o que queria e que agora era o homem que tinha o mundo aos seus pés, mas ainda assim, eu conseguia deixá-lo nervoso. Perguntei-me se ele sabia que o que fazia comigo era mil vezes pior.

Parte do meu cérebro pareceu gritar pedindo que eu mantivesse a boca fechada enquanto a outra insistia que aquela era a hora. Confusa, tive aquele mesmo sentimento de quando queria beijá-lo e socá-lo ao mesmo tempo.

– Theo, eu tenho uma filha agora.

É. Eu definitivamente ainda podia surpreendê-lo.

– Você... – ele estava pálido como um fantasma, a boca aberta e os olhos cheios de pavor – Você está casada? Está com alguém agora? – percebi que ele olhou diretamente para a minha mão, procurando algum sinal de anel.

– Não! Digo... não. – pisquei, sentindo o rosto arder – Eu e o pai dela não estamos juntos. É complicado.

Theo cerrou o punho. Ele não olhava para mim. Seu rosto estava contorcido em uma expressão de dor.

– É o Lancaster? O pai dela?

Ah, meu Deus. Inacreditável.

Eu não podia dizer que eu e Will nunca havíamos dormido juntos, mas não havia a menor chance de a teoria de Theo ser possível, até porque Mia tinha 4 anos de idade quando aconteceu. Will e Beatrice haviam acabado de se divorciar e eu ainda estava aprendendo a lidar com toda aquela situação de ser mãe solteira de uma garotinha e de uma indústria mundialmente conhecida. Nós dois estávamos cansados, arrasados e muito bêbados.

Mas foi estranho. Foi bom, eu diria, mas estranho. Não sei – e nem perguntei – se foi como ele imaginou que seria quando era apaixonado por mim no colegial, mas eu nunca quis saber, para ser sincera. A melhor coisa para nós foi fingir que aquilo nunca aconteceu, logo depois de acordarmos na manhã seguinte. Tem funcionado perfeitamente até então.

– Não. Não é ele.

Ele não respondeu. Nem mesmo olhou outra vez para mim.

Limpei a garganta e fechei os olhos por um segundo, decidindo ser direta de uma vez:

– Olhe, eu apenas... eu resolvi contar para que não viesse ser uma surpresa depois, se você estiver falando sério com isso de tentar resolver as coisas e eu...

– Posso conhecê-la?

Minha voz desapareceu. Por quê? Não havia razões para que ele quisesse conhecer Mia. Ele nem mesmo sabia que era o seu...

– O quê? – sussurrei.

Theo coçou a nuca e eu achei que ele nunca havia parecido ser tão lindo. Seu maxilar estava travado, seus cabelos pretos caíam sobre a testa, e havia algo estranho em todo aquele jeito de bad boy. Ele parecia... pacífico.

– Ela é sua filha. – ele disse, e pareceu que estava falando mais para si mesmo do que para mim. Deu uma risada – Meu Deus, ela deve ser fantástica. Afinal, é sua.

Apertei os braços ao redor do corpo e sorri. Não chore, ordenei para mim mesma, quando lágrimas começaram a brotar nos cantos dos meus olhos.

– Então, se estiver tudo bem pra você... – a voz dele falhou e ele pigarreou – E se o pai dela não tiver nenhum problema com isso, é claro...

– Não. O pai dela não vai se importar. – encolhi os ombros. – Quando você puder...

Ele rapidamente se virou para mim.

– Pode ser hoje à noite?

Fiz uma careta.

– Hã, na verdade, não. Eu tenho esse... encontro... e realmente preciso ir.

Theo ficou confuso.

– Então você tem um namorado?

Exasperada, coloquei as mãos sobre o rosto.

– Será que ninguém sabe a diferença entre as duas coisas?

...

– Você sabe que eu não estou de acordo com isso, não sabe? – perguntou Courtney, deslizando a escova pelos meus cabelos. Eu geralmente não me importava muito com ele, já que sua cor laranja berrante já chama bastante atenção por si só, mas essa era uma ocasião que merecia algo mais, não que eu o deixasse simplesmente solto ou preso em um coque alto como usava no trabalho.

– Sem ofensas, mon amour, mas eu meio que não me importo se você está de acordo.

Pelo espelho, vi Courtney colocar a mão sobre o peito e fazer sua melhor cara de ofendida.

– Vadia – sibilou.

– Ei, olhe essa boca! – eu a censurei – Temos crianças na casa.

E em um timing perfeito, Mia empurrou a porta e entrou no quarto.

– Mamãe, posso assistir televisão?

– Não sei, bebê, pergunte à tia Court, o apartamento é dela. – mandei uma piscadinha para a garotinha que, sabiamente, fez bico e uma carinha irresistível para a madrinha.

– Claro que pode, Mia! – Courtney se abaixou e tocou na ponta do nariz dela – Você sabe que não consigo dizer não pra você.

Satisfeita, Mia voltou correndo para a sala de estar, deixando nós duas sozinhas outra vez.

– Você mima essa menina demais. É injusto as pessoas dizerem que a culpa é da mãe, quando claramente é dos tios.

– Cale a boca – ela riu – Mas não esqueci do que você acabou de falar, Stark. Se não se importa com a minha opinião sobre o assunto, por que pediu minha ajuda?

– Porque eu preciso ficar bonita para essa ocasião, e ninguém entende melhor de moda do que você. – respondi o óbvio. Ela já havia começado a fazer o penteado em mim.

– Mas... e se ele for gay? E se ele for um serial killer? – pausa dramática – E se ele for um serial killer gay?

– Ah, por Deus, Lawrence! Não tem nada de romântico nisso, estamos tentando fechar um contrato!

Ela deu de ombros, rindo.

– Tudo bem, se você diz.

Eu ri também. Quando ficamos em silêncio e os únicos sons no cômodo eram os dos dedos dela prendendo grampos em meus cabelos, achei que eu deveria ser honesta de uma vez. Se eu não contasse pra ninguém, surtaria.

– Encontrei com o Theo hoje.

– Você o quê?

– Calma, essa nem é a pior parte – respirei fundo, encarando minhas mãos – Contei a ele sobre Mia.

Ela pareceu chocada – e devia estar mesmo.

– Mas... você... você disse que...

– Claro que não! – exclamei entredentes, como se mais alguém pudesse nos ouvir – E, para ser sincera, nem sei porque contei. Acho que foi o calor do momento, e queria que ele tivesse noção disso antes de querer que voltássemos a ser como antes.

Uma onda de náusea atingiu meu estômago com esse pensamento.

– Espera, como assim? Ele disso algo sobre isso?

– Não, mas ele me falou outras coisas – me virei na cadeira para olhar para ela – Quando ia me contar sobre o Muller?

As mãos de Courtney tremeram e ela deixou a escova cair. No mesmo instante, Peter entrou no quarto.

– Está pronta? – ele perguntou.

– Acho que estou – ri, ficando de pé e dando uma checada no espelho. Parecia bom o suficiente... não. Estava mais que isso.

Eu estava linda.

– Gostei do vestido.

– Dê os créditos à sua noiva. – sorri, pegando a bolsinha que estava jogada sobre a cama do casal. Ele se despediu dela com um beijo e Mia correu de volta para o quarto para me dar boa noite também.

– Se comporte e seja boazinha com a tia Court, certo? – ela assentiu e eu a abracei com força, enterrando meu rosto no topo da sua cabeça – Jet’aime, mon ange.

Antes de sair, lancei um último olhar à Courtney que deixou bem claro o que eu queria dizer. Aquela conversa ainda não tinha terminado.

...

– Está nervosa, chefe?

Eu gostava de Peter. Ele era basicamente o meu braço direito na Vision Industries, eu o admirava como profissional e como funcionário. Mas eu também gostava dele como pessoa. Não tinha dúvidas de que ele e Courtney pertenciam um ao outro e o quanto ele fazia bem para ela, diferente de certas pessoas de seu passado.

– E quem pode me culpar por isso? – bufei, levando a taça de vidro aos lábios para beber um pouco mais de água.

Peter tamborilou os dedos sobre a mesa. Até parece que ele não estava nervoso também.

– Acho que não precisa. Digo, nós somos maiores, ele é quem deveria se preocupar em conseguir um acordo conosco.

Tentei rir para aliviar a situação. É claro que éramos maiores e mais conhecidos, mas a Harty Communications era uma empresa de mídia multimilionária, e se eles usassem as nossas produções, o nosso lucro seria maior em proporções inimagináveis.

– Com licença – uma voz alta veio de trás de mim – acho que estão me esperando.

Prendi a respiração por um instante. Ethan Harty era tudo o que eu havia imaginado, sendo o diretor geral da empresa, já que seu pai estava velho demais para isso. Em um terno Armani perfeitamente alinhado, eu diria pelos cabelos grisalhos que ele era uns vinte anos mais velho do que eu. Mas, nossa, ele era realmente atraente.

– Sou Peter McCready – Peter se levantou, estendendo a mão – Essa é Melissa Stark. Por favor, sente-se.

Ethan cumprimentou Peter, mas manteve os olhos em mim. Há anos atrás eu teria ficado completamente envergonhada por isso, mas havia aprendido a lidar com algumas situações bastante constrangedoras com o queixo erguido, sorriso profissional e frieza nos olhos.

– Posso anotar seu pedido? – a garçonete recém-surgida perguntou.

Peter e Ethan pediram seus pratos, vinho e champanhe. Eu estava nervosa demais para comer.

– Somente água – respondi, recebendo um olhar não muito agradável da moça. O Ai Fiori era um dos restaurantes mais caros da Quinta Avenida, e as pessoas que o frequentavam geralmente tinham dinheiro o suficiente para pedir mais que uma água (o que daria uma péssima gorjeta para a garçonete).

– Então você é a filha de Charles Stark? – ele colocou a mão sobre o queixo, analisando-me. – É uma honra conhecer a filha de um gênio.

Gesticulei brevemente com a cabeça, agradecendo.

– Espero poder conquistar pelo menos metade do legado que meu pai construiu sozinho.

– Tenho certeza que vai – disse ele de um jeito desagradavelmente malicioso que fez com que o sorriso sumisse de meu rosto. – Você tem um sotaque adorável, diferente. É britânica?

– Francesa, na verdade. Meu pai conheceu minha mãe em Paris, mas aprendi inglês desde que comecei a falar. Moro em Nova York desde os 14 anos e não pretendo ir embora.

– Isso é ótimo, senhorita Stark.

– Certo, vamos começar a tratar do que importa, então? – Peter se apressou para tirar os documentos da pasta que trazia e eu discretamente lhe dirigi um olhar de agradecimento. Estava detestando aquela conversinha pessoal sem nexo, mas não sabia como poderia ser sutil o suficiente para fazer com que Harty começasse a falar sobre o real assunto. Ele não era um cliente que eu gostaria de arriscar perder.

Outro garçom trouxe os pratos e bebidas, e Peter começou a tagarelar sobre nossa proposta e exaltar a mim e a Vision Industries de tal forma que eu quase fiquei constrangida – quase. Sou egocêntrica demais para isso. Ethan comia e bebia tranquilamente, e eu sentia que iria ter um ataque psicótico por ele parecer tão tranquilo. Aquilo me irritava. Às vezes ele nem parece estar ouvindo o que estamos falando.

Peter também percebeu isso. Vi que ele começou a ficar vermelho e decidi tomar as rédeas quando ele pediu licença para usar o toalete.

– Então, Ethan – decidi usar o primeiro nome dele, apesar do tom formal. Foi uma das coisas que aprendi com meu próprio pai, uma estratégia para conquistar o coleguismo em seus negócios – Como você pode ver, tudo indica que se você confiar sua empresa a nós, haverá muito lucro para todos, além da qualidade imprescindível.

– Sim, com certeza, senhorita Melissa – ele respondeu. Senti um nó no estômago com a maneira que ele olhou para mim logo antes de começar a se debruçar sobre a mesa, em minha direção – Só tenho uma condição antes de concordar.

Permaneci calada.

– Uma noite comigo, senhorita Stark, e todas as exigências em seu contrato serão cumpridas. Tem minha palavra. – ele abriu um sorriso convencido.

Fiquei de pé tão rápido que a taça de vinho de Peter caiu, manchando a toalha da mesa. Cerrei meus punhos, por menores que fossem, para não socar a cara daquele nojento.

– Palavra é a última coisa que você pode ter. Tem certeza que é mesmo um homem? Porque pra mim não passa de um tarado – antes que ele pudesse reagir, peguei o resto da minha água e joguei em seu rosto.

– O que está acontecendo? – Peter voltou, apressado e boquiaberto.

– Vamos embora – minha voz tremia – Esse não é o tipo de negócio que minha empresa faz. Nós temos dignidade. E eu não sou uma prostituta.

Abri a bolsa, furiosa, e joguei mais notas do que eram necessárias para pagar duas garrafas de água.

– Passar bem, Harty.

Não esperei por Peter e não me preocupei em dizer mais nada. Disparei pela porta do restaurante, orgulhosa de mim mesma, mas arrasada pela noite arruinada.

Theo

Eu não odiava crianças ou coisa parecida. Pelo contrário, até as achava bonitinhas e inocentes quando não estavam tendo um surto psicótico de tanto chorar ou cobertas de urina, vômito ou leite azedo. Sem contar que elas poderiam ser um ótimo acessório para conquistar alguém – as mulheres as adoram.

Mas aquela criança? Ela me apavorava. E eu ainda nem havia a visto.

Duke estava arranhando a porta do meu quarto há quase vinte minutos. Quando eu finalmente a abri, tive medo que o cachorro tivesse uma convulsão de tanta felicidade. Eu o afastei, enquanto ele insistia em pular e latir alto.

– Não, você não vai sair hoje. Aprenda a lidar com as decepções da vida. – falei, indo para a sala. Ele aparentemente não se convenceu e resolveu me seguir.

– Olá, Theo – disse Muller do sofá. Ignorei o fato de que ele havia passado a noite passada e parte do dia em um lugar que A) não era o meu apartamento B) eu, na verdade, não tinha interesse de saber. Só esperava que ele não estivesse importunando minha mana. (Na verdade, esperava sim). – Onde estão Simon e Alvin?

– Muito engraçado – respondi, monótono.

– O que diabos você tem? – ele perguntou – Parece que viu um fantasma.

– Não. – respondi – Acredite, é bem pior que isso.

Encarei meu reflexo. Eu estava usando uma camisa xadrez de botões, meu cabelo estava despenteado – e não de um jeito charmoso – e eu realmente precisava fazer a barba. Me ver daquele jeito me fez perceber que eu não tinha ideia de quando havia me tornado tão desleixado com a minha aparência.

Provavelmente eram efeitos colaterais da convivência com Jake.

A luz que invadia a sala pelas janelas de vidro era fraca e melancólica, como era de se esperar em uma tarde nublada. Eu não havia saído, mas sabia que estava frio lá fora. Apreensivo, olhei para a secretária eletrônica, temeroso pela única mensagem pendente ali. Não que eu tivesse motivo. Poderia não ser ela. Talvez ela não tivesse se dado ao trabalho. Talvez não quisesse falar comigo.

Respirei fundo e apertei o botão.

Oi – a voz doce de Melissa soou alto e eu imediatamente pausei a mensagem.

– Muller? – chamei. Sem responder, ele ergueu os olhos da folha do New York Post que lia. Por que diabos ele estava lendo o jornal? – Será que você poderia... você sabe – gesticulei em direção ao aparelho, com uma expressão na cara de por-favor-saia-daqui.

Ele revirou os olhos e se levantou, sumindo em algum dos cômodos no corredor. Apertei o botão outra vez.

Eu só queria dizer que, hum, se você ainda quiser... se ainda for, nós estaremos no lugar marcado – ela ficou em silêncio por alguns segundos – Tchau. – sussurrou.

Bip. Fim da mensagem.

...

Peguei um táxi até a 72nd Street, achando que seria mais sutil do que sair na limusine, apesar do meu “disfarce” de hipster frustrado. Aparentemente, funcionou. Os paparazzi de tocaia na frente do prédio não me reconheceram.

Eu não fazia a menor ideia do por que os parasitas estavam atrás de mim, mas tinha um bom palpite: deveriam estar pensando que minha vinda à cidade tinha outros motivos – negócios – e todos queriam ser os primeiros a entregar fotos e notícias aos jornais. Bem, uma pena para eles que eu nem mesmo havia olhado na cara do meu pai desde que havia chegado – e estava muitíssimo bem assim, obrigado.

Turistas se amontoavam na frente do The Dakota e mais ainda chegavam em ônibus vermelhos e laranjas berrantes. Impaciente, atravessei a rua em direção ao parque. Não era, na minha opinião, o melhor lugar do mundo. Cheio de americanos e turistas... bem, nem todos eram ruins, suponho, mas não me sentia culpado por achá-los irritantes. Eu com certeza não era americano. E tecnicamente não era turista.

Alguns adolescentes se amontoavam no chão para tirar fotos com o memorial de John Lennon em Strawberry Fields, e essa foi a segunda coisa que reparei ao chegar. A primeira, é claro, foi Melissa Stark de costas, seus cabelos ruivos parecendo fogo sobre o casaco grande e preto. Ela parecia um anjo, segura e majestosa, observando um pequeno ser humano sentado no chão, uma garotinha que escutava atentamente ao homem sentado no banco de madeira, cantando e tocando Penny Lane em seu ukulele.

– Oi – falei, posicionando-me ao lado dela. Melissa se virou para mim e me deu um sorriso fraco.

– Mia! – ela chamou. A garotinha se virou quando o homem começou a tocar o refrão da música.

Senti meu corpo estremecer quando aqueles olhos se fixaram em mim.

Ela era pequena, tinha feições delicadas e um rosto rosado. Seus bracinhos e perninhas estavam cobertos com roupas peludas e cor de rosa que eu tinha certeza que haviam sido escolhidas por Courtney. O cabelo – longo e castanho escuro – era a única coisa que a impedia de ser uma perfeita miniatura da mãe. E era absolutamente linda. Não havia nenhum defeito nela.

Mas aqueles olhos... havia algo sobre eles. Eram um caleidoscópio verde, azul e cinza, e pareciam ler minha mente. Me fizeram sentir como em anos atrás, quando olhei nos olhos de Melissa e tive certeza que a amava.

– Querida, este é Theo. Ele é um... velho amigo da mamãe. – pela sua hesitação, percebi que “velho amigo” não era exatamente como ela queria se referir a mim, mas havia algo no mundo que pudesse explicar o que nós éramos um para o outro? – Theo, esta é Mia Elise.

Estiquei a mão para ela. Desconfiada, Mia olhou para a mãe, que a respondeu com um aceno positivo da cabeça. Ela apertou minha mão. Senti calafrios.

– Prazer em conhecê-la, Mia Elise. – falei.

– Você também, sr. Theo – respondeu com uma voz suave e gentil. E então, como se tivesse finalmente decidido que podia confiar em mim, abriu um sorriso.

...

– Você toma sorvete mesmo no frio? – perguntei.

– Sim. Você não? – ela virou o rosto para mim, erguendo as sobrancelhas finas e naturalmente arqueadas, com uma expressão indagadora divertida.

– É claro – sorri, dando mais um empurrão no balanço, com cuidado. Mia parecia tão frágil que eu tinha medo que ela pudesse se quebrar como uma boneca. – Mas, você sabe, pode ficar doente ou coisa parecida.

– Você parece minha mãe falando, sr. Theo – ela resmungou, fazendo um muxoxo.

Eu ri.

– Parece mesmo algo que ela diria.

Mia segurou nas correntes do balanço e fez um salto surpreendente, pousando no chão sem nem mesmo tropeçar. Eu gesticulei com cabeça para ela, impressionado, e ela me observou pensativa.

– O que foi? – eu quis saber.

– Você acha que eu posso tomar o sorvete ou não?

– Você definitivamente pode – confirmei, parecendo ter mais certeza do que realmente tinha, mas ao ver o sorriso dela soube que era isso que ela queria ouvir. Abaixei-me, ficando quase do tamanho dela. – Mas sabe quem você precisa convencer? Ela. – apontei discretamente para Melissa, sentada a alguns metros de distância fingindo mexer no celular, embora eu soubesse que ela não havia tirado os olhos de nós nem por um segundo.

Mia correu até a mãe. Cruzei os braços e observei as duas conversando. Mia deveria ter bons argumentos, pois Melissa revirou os olhos e entregou poucos dólares a ela, apesar de não parecer completamente de acordo. Enquanto Mia se dirigia ao carrinho de sorvetes, fui até Melissa e sentei ao seu lado.

– Parabéns – falei – Ela é fantástica. Tão inteligente. É mesmo sua filha.

Meli não falou nada, apenas deu uma risada sem gosto. Percebi que ela estava muito pálida.

– Você está bem? – franzi a testa.

– Claro, eu só... – ela guardou o celular no bolso e puxou as mangas do casaco para cobrir as mãos – Não é nada.

Ela não estava bem e não iria falar sobre isso. Eu já deveria saber.

– Quando você disse que o pai dela não teria problemas comigo a conhecendo... – interrompi a mim mesmo, mas a pergunta estava mais do que explícita. Me senti um idiota logo depois. Ela não teria falado de mim para o pai da filha dela, teria? Talvez a última coisa que pensasse era em mim.

– Falei sério – respondeu, e seu lábio inferior tremeu levemente – Ele... ele não faz parte das nossas vidas.

Sua voz falhou no fim da frase e, então, eu entendi.

O filho da puta havia abandonado as duas.

Como ele pôde?

– Você o amava? – eu quis saber. Mia vinha em nossa direção, com um picolé de Häagen-Dazs em mãos. O sorvete favorito da Melissa, eu lembrava.

– Sim. Muito. – ela falou com indiferença, como se não fosse nada demais, e se levantou. – Acho que devemos ir. Eu tenho... coisas para fazer. – Melissa estendeu a mão livre para a filha, apressada. Eu quis falar algo, tentar impedi-la, mas sabia que não devia.

– Nós já vamos? – Mia perguntou baixinho. Ela olhou para mim. – Você vai me ver de novo, não vai? Somos amigos agora?

Houve uma pausa quase que imperceptível quando uma dor aguda súbita ardeu em meu peito. Eu tentei ignorar, disfarçando com um sorriso.

– Claro que sim.

Observei as duas indo embora e, antes que eu me desse conta, a dor aumentou e me atingiu de uma vez só, como se meu corpo estivesse repleto de facas. Fiquei de pé e comecei a andar, sentindo a cabeça latejar a cada passo, e entrei em um táxi vazio estacionado junto à calçada. Fechei a porta com força.

– Para onde quer ir, senhor? – ouvi o motorista perguntar, parecendo estar longe demais para que eu o ouvisse com clareza. Eu não conseguia me mover no banco do carro, como se estivesse colado. Não conseguia nem respirar.

Passei a última noite inteira pensando em como iria ser, mas não havia sido o suficiente. Nunca seria. Eu nunca estaria pronto para perceber que a única garota – não, a mulher – que eu achava que um dia poderia me casar, a única com quem eu poderia pensar em ter filhos, não era mais minha. Mesmo depois de anos sabendo disso, a certeza foi ainda pior. Talvez eu nunca fosse ser capaz de parar de amá-la. Eu ainda sentia como se fosse entrar em combustão ou explodir quando olhava para ela. Melissa havia se entregado para outra pessoa, tinha uma filha, e eu nunca poderia ser parte da vida delas. Da vida dela.

Eu só queria esquecer.

...

Tive certeza de uma coisa quando abri os olhos: aquele não era o meu quarto.

Também não era nenhum dos quartos do meu apartamento. Não era de ninguém que eu conhecesse. Esfreguei a mão no rosto, apoiando o peso do corpo nos cotovelos sobre o colchão da cama. Todos os meus ossos pareciam ter sido triturados e eu cheirava a uma mistura nauseante de cigarro, bebidas e perfume feminino adocicado.

O quarto estava parcialmente iluminado pela luz do sol entrando pela fenda das cortinas – o que significava que já era dia e eu não me lembrava de nada do que havia acontecido nas últimas horas. Olhei para as paredes – eram vermelhas – e para o chão. Havia peças de roupas e coisas mais desagradáveis também, como baseados pisoteados e embalagens de camisinha. Algumas das roupas eram minhas.

Foi só então que percebi que estava nu. A garota que dormia tranquilamente do meu lado também.

– Puta que pariu – xinguei baixo, quase pulando de susto. Apesar de não fazer ideia de quem ela poderia ser, tive a decência de sair com cautela da cama para não acordá-la. Comecei a me vestir, com pressa, e tirei o celular do bolso da calça. Estava sem bateria.

Mas que maravilha.

A garota se remexeu na cama e eu congelei como uma maldita estátua enquanto afivelava o cinto. Ela coçou os olhos e, quando olhou para mim, fez uma careta. Alguns fios de seu cabelo vermelho – sério, eu sou tão previsível assim? – estavam grudados em seu rosto.

– Aonde você vai?

Ela tinha uma voz aguda e enjoada e sua pergunta havia soado exigente. Eu nem queria saber o que poderia ter ingerido na noite passada pra chegar a esse nível.

Pigarreei, sentindo um gosto horrível na boca, e me abaixei para recolher a camisa no chão. Não corri o risco de vesti-la. A garota me olhava como se pudesse me fuzilar se eu desse um movimento em falso.

Aproximei-me dela. Sua expressão era uma mistura de raiva e rancor, e eu a respondi com um sorriso quase educado, o máximo que meu estado deplorável permitia. Fiz o favor de pegar e beijar a mão dela como uma forma de despedida – eu não era um canalha sem coração e sem classe, por Deus.

Merci beaucoup – falei, cordial.

Muito obrigado por nada.

– Melissa, por favor, me escute. – insisti, mesmo sabendo que seria em vão. Melissa não aceitava estar errada - e ela não estava, mas as pessoas faziam coisas estúpidas quando estavam com raiva. Eu sabia disso melhor do que ninguém.

Dei um passo para frente.

– Não chega perto de mim – ela ordenou, a voz trêmula, erguendo o dedo em minha direção. Seus olhos estavam inchados, mas mais verdes e frios do que nunca.

– Eu só quero que você entenda...

– Entender o quê? Eu não sou uma idiota! – gritou. Fechei os olhos. Respirei fundo. Aquela era a minha namorada, eu não podia deixar que a irritação me fizesse surtar. – Você sabe por que ele quer que você vá embora. Não se engane, Chevalier.

– Eu estou me enganando? Meu pai finalmente, depois de 21 anos de merda da minha vida, finalmente decidiu confiar em mim para alguma coisa! Algo grande! Você entende o quanto isso é importante?

Ela riu alto, uma risada sarcástica e furiosa, e as lágrimas rolaram pelas maçãs do seu rosto, molhando seu pescoço e a gola de seu moletom cinza da MIT.

– Me desculpe se sua vida comigo é uma merda tão grande. Faz toda a diferença saber disso.

– Não foi isso o que eu quis dizer. – retruquei.

– Foi exatamente o que você quis dizer! – ela berrou, rouca – Mas você sabe que seu pai não está fazendo isso porque confia em você o suficiente. Talvez até seja, mas não é a razão principal. Ele te quer longe daqui, sempre quis. Aí dentro você sabe disso.

– De que diabos você está falando, porra? – dessa vez, eu gritei – Você só está dizendo essas coisas porque não quer que eu vá embora! Por que está fazendo isso, Melissa? Você não precisa de mim aqui!

– Tudo o que eu preciso é você!

Meus olhos ardiam como se estivessem pegando fogo, mas eu nunca chorava. Eu me recusava, principalmente agora, quando ela estava parecendo tão fraca e indefesa. Eu precisava me manter firme, fazê-la enxergar a situação e impedi-la de agir por impulso.

Mas eu não conseguia imaginar como eu poderia estar em uma situação pior.

De um lado, havia a garota que eu amava. Eu e Melissa estávamos namorando há três anos. Morávamos em um apartamento há poucas horas de distância de Nova York. Ela cursava engenharia química no Massachusetts Institute of Technology e, para mim, tudo estava bem desde que ela estivesse feliz e nós estivéssemos juntos.

Do outro lado, havia meu pai. Eu nunca esperava coisas boas dele – ele me culpava pelo tumor cerebral que havia matado minha mãe e sempre deixava claro que nunca quis um herdeiro, que eu era um acidente –, então é claro que me surpreendi quando ele me ofereceu o cargo de presidente em uma das sedes de sua companhia, em Paris. Anos atrás, isso significaria voltar para casa, mas agora a França não parecia mais ser a minha casa. Parecia ser um lugar distante, quase místico, onde eu havia nascido e vivido a parte da minha vida que não era relevante.

– Nós podemos continuar juntos. A distância não importa...

– Você sabe que todos dizem isso e as chances de dar certo são mínimas. – Melissa disse, dessa vez com uma estranha calma em sua voz. Era como se ela estivesse bloqueando todas as suas emoções, me impedindo de vê-la outra vez como ela realmente estava por dentro. – Mas isso não importa. Você não pode ter as duas coisas, não quando eu sei que você está fazendo pelos motivos errados.

– Motivos errados? – exclamei, incrédulo – Eu amo você, Stark!

– Eu sei. – ela afirmou, simplesmente. Sua expressão era severa. – Não era de mim que eu estava falando. Se você for para Paris, eu juro por Deus que nunca mais vou olhar na sua cara.

Foi como se eu tivesse levado um soco, mas com uma dor pior, dilacerante. Diversas emoções – ódio, raiva, ressentimento, meu amor por aquela garota – se agitaram dentro da minha cabeça, me impedindo de racionar, me forçando a fazer algo que eu tinha certeza que me arrependeria.

Não pensei. Apenas fiz.

Virei de costas e a deixei sozinha naquele maldito lugar.


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