Untouchable escrita por Lucy Donnelly


Capítulo 4
Capítulo 4 - Alte liebe rostet nicht - Parte I


Notas iniciais do capítulo

Olá, docinhos! Caso haja alguma confusão, decidimos editar esse capítulo e dividi-lo em duas partes devido o seu tamanho, para não quebrar um padrão já existente. Algumas de vocês provavelmente já leram o próximo capítulo, no caso, a parte dois, que é o ponto de vista do Jake, mas ele estará disponível para quem não leu na nossa próxima atualização. Espero que entendam e obrigada pelo carinho! - Emy e Lucy.



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Courtney

Quando somos crianças, nossa única preocupação é com a hora do desenho animado ou “onde está minha boneca, mamãe?”. Nossos medos se baseiam no monstro que está debaixo da cama ou dentro do armário. A noite é assustadora e, quanto mais cedo você dormir, menos perigo você corre. Quando você cresce, os monstros são diferentes. Desconfiança… Arrependimentos… Solidão. E, embora você seja mais velho e mais sábio, ainda sente medo do escuro.

Com os olhos ainda fechados e encolhida na cama, ouvi a voz de Peter me chamando. Enrolei mais um pouco para que ele achasse que ainda estava dormindo e, assim que abri os olhos, ele estava lá ao meu lado com um sorriso preguiçoso. Era assim quase todos os dias, principalmente quando ele saia para trabalhar antes de mim. Peter se inclinou e me deu um beijo rápido, sussurrando um lento “bom dia” e logo saiu da cama, indo em direção ao banheiro.

Por mais que fosse domingo, Peter e Melissa teriam uma reunião importante com alguém de Hong Kong, o que provavelmente resultaria em uma viagem de um dos dois e, como Peter não tem uma filha, era ele quem iria. No meu caso, eu só queria ficar em casa o dia todo, de preferência em minha cama, mas é claro que aquilo não aconteceria. Quando Peter saiu do banheiro, alguns minutos depois, eu já estava sentada e encostada nos travesseiros, folheando os prospectos que haviam sido jogados no criado-mudo na noite anterior.

Meus pensamentos vagavam por um lugar longe dali, estavam focados em qualquer coisa menos no ambiente ao meu redor. Dizem que uma noite mal dormida pode lhe trazer muitas lembranças ou sensações indesejáveis; duas noites mal dormidas devem lhe trazer o dobro disso. No dia anterior, praticamente forcei Pen – minha psicóloga – a me atender. Sei que podia contar com Melissa, mas estava tão avulsa durante o café que nem me dei o trabalho de ir a sua casa. Pen disse coisas como “Você gostaria de se sentir desejada por ele” e quando não respondi, ela simplesmente me olhou e disse “Seu silencio diz tudo. Deveria pensar sobre isso.”.

Foi o que eu fiz.

A noite inteira, como uma idiota. Se cheguei a alguma conclusão com isso? Não. A única coisa que conclui com isso foi que Penelope Stevens era uma péssima psicóloga e que algum dia eu finalmente desistiria de me consultar com ela.

Ergui meus olhos dos prospectos assim que senti o olhar de Peter sobre mim, ainda sem camisa e com o cabelo molhado. Não sabia se mantinha o olhar em seu rosto ou em seu abdômen definido. Optei pelo rosto. Ele possuía um sorriso de canto e só pude retribuir o gesto, batendo ao meu lado para que ele se sentasse. Eu vestia sua camiseta, ela era maior do que eu, obviamente, mas eu a amava. Seu perfume ainda estava impregnado nela e, honestamente? Era torturante sentir seu cheiro quando não conseguia focar-me totalmente nele.

– Há alguma chance, por mínima que seja, de você escolher outro lugar que não envolva escalar montanhas ou saltar de paraquedas? – perguntei manhosa. Peter passou um dos braços por minha cintura e me puxou para perto. Sorri.

– Você fica linda com essa cara de quem não dormiu. – sussurrou ele, próximo ao meu ouvido e se afastou, me dando um beijo rápido. Revirei os olhos.

Como ele sabia que eu não havia dormido?

– Estou pensando em alguns lugares. Mas nada de Disneyland ou Paris, pelo amor de Deus. – argumentou ele, colocando uma de suas camisas sociais – Além de que, eu não te faria escalar uma montanha. – riu e se aproximou, beijando minha testa. – Te vejo mais tarde? – concordei – Te amo.

– Eu também. – falei sorrindo e o vendo sair pela porta.

Esperei pelo barulho da porta da frente para me levantar e corri para o banheiro. Olhei-me no espelho com medo do que via: uma Courtney com o cabelo bagunçado e os olhos fundos, como um lêmure ou um esquimó. Estava horrível, para resumir. Joguei um pouco de água no rosto e penteei meu cabelo, voltando para o quarto e pegando meu celular.

Havia muitos motivos pelos quais eu desligava o celular quando ia dormir. Primeiro: Melissa sempre ligava no telefone de residencial quando tinha alguma emergência; segundo: odiava quando me ligavam de madrugada, mesmo que em alguns casos fosse algo realmente importante ou sei lá; e terceiro: desde que Theo fora para Paris, no começo ele tinha o costume de me ligar em horários que não eram vantajosos para mim.

Pelo visto o jet lag ainda não havia passado, considerando que tinham três ligações eu duas mensagens. A primeira fora enviada às 6h57 e a segunda as 7h27. Arrastei o dedo pela tela e as abri.

De: Theo

Por que você não atende a porra do celular?

De: Theo

Você pode, por favor, retornar minhas ligações ou vir até aqui?

Há dias em que você só deseja se ficar jogada na cama assistindo séries e filmes, comendo porcaria sem precisar fazer nada e aquele era um desses dias. Mas o universo nunca, jamais está a seu favor e sempre irá surgir algo que lhe impeça de fazer o nada, propriamente dito

Juro que só iria até o apartamento de Theo porque ele, pela primeira vez, havia sido educado. Geralmente sua arrogância ultrapassa um nível ao qual ninguém o suporta e, como ela sabe que eu não o suporto, ele tenta manter a calma quando está falando comigo, o que é ótimo para mantermos nossa relação estranha.

Tomei um banho demorado e demorei mais ainda para arrumar meu cabelo e maquiagem. Coloquei uma calça preta justa e minhas botas de cano longo também pretas. Olhei pela janela para ver se existia algum resquício de sol – ele estava lá, escondido por entre as nuvens e meio tímido para sair. Coloquei o suéter e o casaco cinza, enrolando o cachecol azul e pegando minha bolsa.

Nova York é maravilhosa. Desde que me mudara para cá, há quase quinze anos, não consegui considerar outro lugar como minha casa. As luzes da Times Square; o Empire State Building; o Central Park pela manhã, com uma leve neblina que embalava a paisagem; todas as lojas de grife espalhadas pelas avenidas; a redação do Times e aquela agitação de todos os dias. Tudo. Exatamente tudo ali me encantava e me acolhia.

Elliot insistiu em me levar, mesmo que eu tivesse dito que não precisava. Pedi para que ele comprasse algumas revistas para mim enquanto terminava de me arrumar e, durante o caminho, folheei algumas delas. Tinha a insuportável mania de ler as criticas sobre minhas coleções, mesmo que algumas não fossem boas. Dizem que o que não te derruba te fortalece e eu tentava seguir esse ditado. Abri uma delas e logo vi uma foto que havia sido tirada no lançamento de minha última coleção; Peter tinha um dos braços ao redor de minha cintura e eu segurava a mão esquerda de Melissa. Aquela era uma das fotos mais bonitas de nós três.

“Elite de Manhattan se reúne para lançamento de nova coleção da marca Lawrence Designs”

Elite. Demorei tanto tempo para ver meu nome associado à Elite de Nova York. Para ser sincera, ainda não era fácil. Para muitos, eu era apenas enteada de Henri Chevalier que havia chegado ao topo graças aos seus investimentos – o que é mentira. Eles não sabiam da parte que para me manter na Sacred Blood durante todo o ensino médio eu precisava ser a capitã perfeita da equipe de natação e manter minhas notas no mínimo na média. Devia muito a Will e Melissa por sempre me ajudarem quando precisei.

– Boas notícias, Srta. Lawrence? – Elliot me perguntou, ao me observar do retrovisor. Sorri.

– As críticas foram ótimas, todos adoraram! – bati palmas animadas e ele riu – Devo dizer que isso fez o meu semestre, monsieur Elliot.

Ele apenas concordou com a cabeça e estacionou o carro na frente do Majesty Building. Saí do carro e disse a ele que estava dispensado pelo resto do dia, não era justo forçá-lo a ficar ali me esperando sendo que Elliot também tinha uma família. Assim que entrei na portaria Sr. Pervatt sorriu, fazia tempo que não o via. Quando saía com Jess sempre nos encontrávamos em algum café ou ela ia até minha casa, então passei a frequentar cada vez menos o Majesty que um dia fora minha casa.

– Bom dia, Srta. Courtney. – ele disse. Eu o cumprimentei com a cabeça e com um de meus melhores sorrisos – O Sr. Chevalier disse que a senhorita viria.

Apenas continuei sorrindo e segui meu caminho até o elevador, esperando que este chegasse. Sentia falta de morar ali, admito. Quando minha mãe e Henri se casaram, foi uma tortura ter de conviver com Theo todos os dias, mas depois de alguns meses começamos a nos dar melhor do que nos mesmo imaginávamos e lembro-me de quando ele pediu que reformassem o quarto de hóspedes para que eu me sentisse mais a vontade.

Assim que o elevador se abriu, entrei e apertei no número nove. Virei-me para o espelho e me encarei por alguns segundos, vendo a porta se fechar. Mas ela não se fechou, uma mão a impediu e fez com que elas se abrissem novamente. Jake apareceu com um moletom gasto e o cabelo bagunçado, ele estava suado e então me lembrei de que agora ele e Theo moravam juntos. Engoli em seco.

Dois andares se passaram e o único som que se ouvia era de sua respiração tentando se estabelecer. Talvez ele tivesse acabado de voltar de uma corrida, por mais estranho que aquilo soasse já que, bom, o Jake que eu conhecia não fazia esse tipo de coisa. Quando o painel passara do 3 para o 4, ele deu um passo para trás, ficando ao meu lado e suspirou. O olhei pelo canto dos olhos e esperei que ele dissesse algo.

– Não podemos ficar assim. – murmurou.

O encarei por um curto período e depois ergui as sobrancelhas.

– Assim como? – não estava me fazendo de idiota. Eu realmente não havia entendido o que ele queria dizer.

Em nosso último encontro, a noite tinha sim terminado de um jeito estranho. Inventei alguma dor e disse que deveria ir embora. Theo havia pedido para me acompanhar até meu apartamento, mas eu negara alegando que não queria estragar a noite de ambos. Depois disso, não havia mais falado com nenhum dos dois. Até agora.

– Não sei. Acho que estamos… Brigados. – pigarreou. O painel marcava 6.

– Certo. – suspirei – Você agora é amigo do Theo e eu e você vamos nos encontrar frequentemente então… – respirei fundo – Desculpe.

– Não tem porque se desculpar, Lawrence… Court. – concordei e voltei a olhar o painel. Ele passou as mãos pelo cabelo e se virou para mim. – Ele te faz bem?

Demorei um pouco para entender a quem ele se referia, mas logo demonstrei um pequeno sorriso. Era sobre Peter. Ele queria saber se Peter me fazia bem. Concordei com a cabeça, sem saber as palavras certas para dizem o quão bem Peter me fazia. Ele era maravilhoso em todos os sentidos, mas não queria deixar isso tão claro. Não agora.

– Ele é ótimo. Peter é praticamente o cara perfeito. – falei sorridente, mas logo mordi o canto do lábio. Ele balançou a cabeça e, quando o painel marcou o número nove e as portas se abriram. Jake me olhou e disse:

– Ótimo.

E então saiu.

...

Quando Theodore Chevalier te pede algo educadamente, você tem que temer. Não que visitar minha mãe seja algo tão ruim, mas visitá-la na companhia de seu filho postiço que ela não vê a mais de cinco anos, isso sim pode ser ruim. Não é nem pela minha mãe, mas sim por Henri Chevalier. Ele e Theo não são o exemplo perfeito de pai e filho e provavelmente estão longe de ser.

Ele ficou quieto grande parte do caminho até o One57. Talvez estivesse nervoso por rever o pai depois de tanto tempo ou nervoso por simplesmente rever o pai. Peguei sua mão e ele virou o rosto para mim. Sorri tentando reconfortá-lo.

– Obrigado por ter vindo. – murmurou, com a voz baixa como sempre fazia.

Aquela era uma das marcas de Theo, falar baixo e próximo demais de você. Talvez ele fizesse isso para intimidar a outra pessoa ou para seduzir as garotas, mas já havia se tornado algo tão costumeiro que chegava a ser charmoso.

– Não é um grande sacrifício. – respondi, encostando a cabeça em seu ombro.

Era bom tê-lo ali. Sentia falta de ter alguém para me defender e estar ao meu lado. Peter fazia isso, Nate também, mas não era a mesma coisa. Por mais que eu e Theo tivéssemos nossos altos e baixos, éramos irmãos. Tínhamos aprendido a conviver um com o outro e a precisar um do outro – eu mais do que ele.

– Onde está o seu namorado? – perguntou. Pude notar o tom, mesmo que sutil, de deboche em sua voz.

– Noivo. – corrigi, revirando os olhos – Em uma reunião já que a Melissa está para trabalho como eu para moda. – dei de ombros e então ele se afastou, pigarreando.

Algo estava errado. Sua feição mudou quando mencionei Melissa e ele encarou o lado de fora, como se estivesse tentando evitar que eu descobrisse algo em seu rosto. Mesmo assim, eu já sabia o que ele havia feito.

– O que você aprontou?

Ele mordeu o lábio e se virou para mim

– Acordei na cama de uma estranha… – falou diminuindo ainda mais o tom de voz – E eu nem me lembro de como cheguei lá.

– Você é um cretino. Quero muito socar a sua cara agora mais do que antes. – foi o que eu disse, ele deu de ombros como se não ligasse.

Voltamos a ficar em silencio. Pensei em dizer alguma coisa, mas não tinha o que dizer. Ele continuava o mesmo e aquilo não pareceu me abalar. Sabia que Theo voltaria ao seu ciclo vicioso de bebidas, garotas de programa e, quem sabe, drogas, mas acreditava que ele ao menos tivesse amadurecido com o tempo, depois de ter deixado Melissa por uma empresa. Talvez tenha me enganado.

Theo soltou um longo suspiro e virou o rosto para mim, apertando minha mão. Eu entendia o que aquilo significava; ou ele queria me dizer algo e não sabia ou queria que eu tentasse adivinhar de quê se tratava. Também suspirei e o encarei.

– O que houve? – perguntei

Theo fechou os olhos com força.

– Conheci a Mia. – falou. Senti uma pontada no peito.

Em três horas de conversa por telefone com Melissa ela nem se quer cogitou me contar que Theo havia conhecido minha doce e adorável sobrinha? Pelo visto, eu não era a única na relação a esconder as coisas, não é mesmo?

– Ela é incrível, não é? – disse, deixando minha voz suave e sem transparecer minha animação por aquilo.

– Assim como a mãe. – concordou com a cabeça, sorrindo – Mas quero te perguntar algo.

Milhares de possibilidades se passaram pela minha cabeça. Poderia perguntar sobre o pai dela, porque ele as deixou; poderia perguntar quem era; como Melissa criou e cuidou de Mia; como era a nossa relação; se eu a ajudei… Qualquer coisa relacionada a elas. Então, antes de concordar, preparei uma lista de respostas para todas e finalmente mexi a cabeça em afirmativa.

– Por que você foi embora? Do Balthazar...

Mordi o lábio e desviei o olhar. Mas que merda, Theo, você tinha de perguntar sobre Mia e Melissa!

– A bebida me deixou enjoada, só isso. – dei de ombros.

Theo apenas concordou com a cabeça e sua limusine parou. Seu motorista – do qual ele não havia me dito o nome – correu para abrir a porta para que nós saíssemos.

O antigo apartamento dos Chevalier não era nada se comparado com a cara e luxuosa cobertura que Henri havia comprado para morar com minha mãe. Meio desnecessário, em minha opinião. Pra quê ele trocaria um apartamento de oito cômodos, onde só morariam eles dois, por uma cobertura de dois andares com mais de doze cômodos? Dizem que quanto maior a casa, mais afastadas as pessoas ficam umas das outras. Acho que fora exatamente por isso que ele optou por dois andares.

Não havia ninguém na portaria e então subimos sem um aviso. Não que isso fizesse diferença, meu rosto já era conhecido pelos funcionários daquele luxuoso prédio. Ele tremia ao meu lado, parecia realmente nervoso e eu queria poder lhe dar uma palavra de conforto, mas como fazer aquilo se nem ao menos sabia o motivo de seu desconforto em ver o pai e a madrasta?

– Ei. – o chamei, assim que entramos no elevador e fiquei a sua frente – Seja lá o que você tenha para falar com Henri, pense que dará certo.

Coloquei-me ao seu lado e entrelacei meu braço ao dele. Minha mãe ficaria tão feliz ao vê-lo depois de tanto tempo mesmo que em alguns feriados ela tenha ido até a França visitá-lo. Seria bom o ter em casa novamente, por mais que Nova York tivesse deixado de ser sua casa.

A porta se abriu e eu saí, o puxando junto a mim. A sala de estar estava silenciosa, mas dava para ouvir algum som vindo da cozinha. A antiga babá de Theo e empregada dos Chevalier, Margareth, estava provavelmente preparando o café quando entramos na cozinha. Ela deixou que a bandeja caísse no chão quando viu quem estava me acompanhando e pediu permissão para abraçar Theo, que retribuiu de um bom grado inexplicável.

Ok, talvez ele tivesse realmente mudado com o tempo.

Ajudei a mulher a recolher os pratos e copos agora quebrados e a terminar o café. Ela já não tinha mais o pique de antes, seus cabelos começaram a tomar uma tonalidade grisalha, os olhos pequenos e os sinais da idade a pegavam aos poucos. No fundo, eu sentia pena dela por algum tempo; ela não tinha família alguma nos Estados Unidos e a que teve já estava morta. Mas, após uma conversa que tivemos uma vez, ela me disse que os Chevalier eram sua família e que Theo era como um neto para ela.

Depois de colocarmos a mesa e voltarmos para a cozinha, ouvimos o barulho dos saltos que, esperava eu, pertenciam a minha mãe. Ela apareceu na cozinha e antes que pudesse notar a mim ou a Theo, perguntou de maneira brincalhona se Margareth estava ficando louca. A velha senhora riu e então minha mãe nos viu.

Sua reação foi inexplicável. Ela começou a chorar. Sim, chorar. Mamãe chorou mais vendo Theo ali do que quando disse a ela que iria me casar! Eu poderia me sentir ofendida, mas a compreendi. Ambas aprendemos a amar os homens Chevalier à nossa maneira e, enquanto para mim ele era um irmão imbecil, ele era o filho que ela nunca teve.

– Ah, Theodore. – ela o abraçou, sorrindo e tentando parar de chorar.

– Continua fantástica como sempre, Lilian. – Theo disse, ainda abraçando-a.

Eles se separam e mamãe o repreendeu por não ter mantido contato, tudo aquilo que eu deveria ter dito e não disse. Ela disse o quanto sentira sua falta e que era ótimo que a família finalmente estivesse reunida de novo e, quando Theo perguntou – a contra gosto – sobre o pai, mamãe soltou um longo suspiro. Ela disse que ele havia ido para Boston na sexta e que provavelmente estava chegando. Henri nunca foi um homem de ficar preso à família, isso não seria diferente depois de Theo ter se mudado para França e eu, depois da formatura na faculdade, ter ido morar com Melissa.

Esperei toda a euforia do reencontro e o café passar para planejar minha retirada, mas não deu certo. Quando finalmente consegui me levantar e pegar meu cachecol, Henri saiu majestoso do elevador que dava em sua cobertura. Ele se assustou ao me ver e eu tentei sorrir o cumprimentando, não era como se fôssemos grandes amigos. Voltei para a sala e me posicionei junto de Theo, temendo o que poderia acontecer naquele encontro.

Theo segurou minha mão quando Henri o encarou de frente. Se estivéssemos em um HQ, ambos estariam soltando faíscas pelos olhos agora mesmo. Henri tirou o casaco, colocou junto à mala no corredor e beijou minha mãe. Em seguida, tentei cronometrar seus passos e movimentos, porém Henri era imprevisível. Ele se aproximou de mim e de Theo, estendendo uma das mãos.

– Não vai cumprimentar seu pai? – disse ele com a voz grave.

Soltei um suspiro de alivio e sorri para os dois, mas Theo não soltou minha mão.

– Depende. – murmurou Theo – Da última vez em que nos encontramos você não me considerou seu filho.

Mordi o lábio.

Mamãe estava atrás de Henri, com as mãos sobre seus ombros. Ele ainda mantivera a mão erguida e, para não se passar por idiota, colocou-a sobre minha bochecha e logo se afastou. A tensão pareceu se estabelecer pelo local e eu não estava entendo absolutamente nada. Sabia que Henri fazia visitas regulares à sede parisiense e, quando eu e mamãe perguntávamos sobre Theo, ela apenas ignorava. Talvez, em alguma dessas visitas, as coisas não tenham terminado tão bem para ambas as partes.

– Acho que eu já vou… – soltei, meio que por instinto. Theo me encarou, quase que como um pedido para que eu ficasse. Suspirei – Ok, eu fico mais um pouco. – ele agradeceu em silêncio e mamãe concordou. Sentei-me ao lado dela.

Henri voltou acompanhado de Margareth que trazia uma badeja com quatro copos do que parecia ser uísque. Ergui as sobrancelhas confusa e ele ergueu seu copo, como se sugerisse um brinde para algo. Eram onze da manhã e eu geralmente só ingeria álcool depois das seis da tarde, quando saía do ateliê. Entretanto, os Chevalier pareciam ter nascido com o álcool injetado no sangue.

– A quê exatamente estamos brindando, querido? – mamãe perguntou o que todos queriam saber.

Ele riu como se a resposta fosse óbvia e então me levantei, esperando que Theo fizesse o mesmo. Ele não fez. Acho que ele estava esperando a resposta do seu pai.

– À nossa família que, enfim, está reunida para algo. – ele lhe respondeu. Sua voz estava carregada de sarcasmo – E ao fantástico casamento de Courtney. – tentei sorrir.

Theo negou com a cabeça e se levantou, com o outro copo em mãos. Ele não disse nada e, depois de tomarmos nosso uísque, decidimos que aquele momento família feliz estava estranho o suficiente para um dia só. Aquele não parecia o Henri Chevalier que, há quatro meses, quando eu disse que iria me casar, praticamente jogou em minha cara que não era para eu contar com ele no dia ou entrando comigo na igreja. Além do mais, ele detestava Peter.

Peguei meu casaco e minha bolsa, me despedi de minha mãe e de Margareth e apenas acenei para Henri, que estava mais ao fundo com Theo. Minha mãe me agradeceu por ter aparecido e o levado ali e eu apenas concordei. Ela parecia realmente feliz e eu não iria estragar isso. Theo se aproximou de mim e entramos no elevador.

Ficamos em silêncio por quase cinco andares abaixo. Então lembrei-me de algo que queria lhe perguntar desde que saímos do carro, mas não tive a oportunidade.

– Posso te perguntar algo? – ele concordou, me olhando. Contei até três mentalmente e cruzei os braços, mordendo o lábio – Você sentiu algo pela Mey? Quando a viu?

Ele desviou o olhar. Não foi preciso ouvir sua resposta para saber qual seria. Ele sentiu. Dei um largo sorriso com isso me virei novamente, entrelaçando nossos braços e encostei a cabeça em seu ombro. Havia mais uma coisa que eu queria perguntar, só não sabia como abordá-lo sem o assustar ou fazer com que ele fugisse novamente para a França. Suspirei e Theo me olhou.

– O que é? – ele perguntou.

– Nada. – falei, mas logo balancei a cabeça e passei a mão pelo cabelo. – Na verdade… tem uma coisa.

Ele me encarou, erguendo uma das sobrancelhas como se estivesse mandando eu prosseguir. Respirei fundo.

– Você me levaria até o altar?

...

Ele não respondeu.

Theo desconversou, dizendo que era algo a ser pensado, ficou em silêncio o caminho todo e me deixou no apartamento de Melissa. Achei que ele responderia de primeira, mas sabia que provavelmente não. Se ele dissesse não, entraria com minha mãe ou até mesmo Mey, mas me recusaria a pedir para que Henri me levasse ou ligar para Edward e perguntar se por acaso ele se interessaria em fingir ser um bom pai ao menos uma vez na vida.

Há alguns anos, eu me perguntei diversas vezes como seria a minha vida se Edward ainda estivesse nela. Bom, a resposta foi quase que óbvia: eu não teria me mudado para NY; não teria conhecido Melissa, Theo, Nate, Jess e Jake; não faria parte da vida de nenhum deles e nem eles da minha; não teria me formado em moda e sim em medicina e agora estaria em meu quarto ano de residência em um hospital em Vegas, onde eu me casaria com um neurocirurgião e teria uma melhor amiga lunática por cardiologia. Eu seria a Meredith Grey do Spring Valley Hospital.

Eu provavelmente odiaria esta vida e agradecia por ter a que tenho, por mais bagunçada que ela fosse.

Fiquei a tarde inteira com Mia enquanto Melissa não chegava. Fizemos bolo de limão e muita pipoca enquanto assistíamos a alguns de seus filmes favoritos para que o tempo passasse. Depois, Mia cismou que queria sorvete com Nutella. Ela vestiu seu casaco por cima do pijama do Star Wars que, creio eu, fora um presente de Will ou de Nate, calçou os sapato e me puxou para que fossemos comprar o sorvete e a Nutella.

– Mas tem bolo e cookies… – tentei convencê-la a desistir, mas ela cruzou os braços e arqueou a sobrancelha, assim como Melissa fazia quando queria coagir alguém a fazer seus desejos. Suspirei – Ok, eu me rendo, Princesa Leia. – ela riu e jogou meu casaco, enquanto eu calçava as botas.

Mia Elise não se importava em sair de casa com pijamas. Na verdade, na percepção de Mia, ela ficaria de pijamas o dia todo, se não fosse minha insistência e de sua mãe. Como eu disse, apenas uma criança normal.

Então fomos comprar Nutella e voltamos com mais coisas do que devíamos. Mia saía pelos corredores jogando coisas aleatórias no carrinho e eu realmente não me importei em pagar por tudo aquilo que, se bem conheço Melissa, não seriam bem aproveitadas. Logo que voltamos para casa e guardamos nossa pequena compra no armário, Mia fora para seu quarto assistir algum programa do Discovery Chanel e eu fiquei na sala, terminando de preencher algumas coisas.

Por volta das cinco e quinze, Mia desceu as escadas correndo e se sentou ao meu lado. Ela tinha algo em mãos e um sorriso no rosto. Tirei os óculos e me virei para ela, encarando-a. Mia me entregou uma foto de Theo e Melissa que havia sido tirada por mim, no último ano novo que ele passara conosco.

Na foto, Theo tinha os braços ao redor da cintura de Melissa e ela estava com as mãos no rosto dele. Eles estavam distraídos, achavam que estavam sozinhos e, quando me viram, se afastaram minimamente e sorriram, como se previssem a foto. Era realmente uma das minhas preferidas.

– Onde achou isso? – perguntei para ela, que riu.

– Estava no quarto da mamãe. Eu fui pegar o notebook dela para assistir seriados e ela caiu no chão. – disse simplesmente, dando de ombros. – Eu o conheço. É o meu amigo Theo. Ele tomou sorvete comigo na sexta!

Ela não o chamou de tio. Mia pareceu tão animada com aquela foto que eu entendi porque ela não o chamou de tio. Apesar de não demonstrar, a pequena sente falta de uma figura masculina. Sempre que o Sr. Stark estava em Nova York Mia não desgrudava dele, para todo canto que Charles ia a garotinha lhe acompanhava. Talvez Mia só queira que a mãe encontre alguém que lhe faça tão bem quanto o avô faz para sua avó.

– Docinho, sente aqui. – bati em meu colo e ela se sentou. – Eu não posso te contar nada sobre essa foto, está bem? – ela fez bico e abaixou a cabeça – Mas eu posso te contar que “o seu amigo Theo” é tipo meu irmão, sabia?

Sério? – perguntou animada e sorrindo – Isso é tãããããããão legal – concordei e ela pegou a foto de minhas mãos, me deu um beijo e voltou correndo para o andar de cima.

Ah, se eu pudesse te contar…

Tentei voltar a separar as fotos para o próximo catálogo, mas agora eu estava me corroendo para saber como havia sido esse encontro na percepção de Melissa. Theo não me contou muito e Mia, ah, Mia parecia ter adorado conhecê-lo. Mas, e quanto a ela? Por que ela não havia me dito nada? Será que não era para eu descobrir sobre o encontro? E por que raios aquela foto estava tão... visível?

Eram tantas perguntas que eu queria lhe fazer e que não teria quase nenhuma resposta. Peguei o celular na mesa de centro para olhar a hora e, assim que desbloqueei a tela, havia uma mensagem de Peter. Respirei fundo.

De: Peter

O próximo voo para Hong Kong sai em uma hora. Me desculpe, não tive tempo de te avisar antes. Prometo te compensar depois ;) Te amo

E, como era de se esperar, ele iria viajar.

Eu já estava acostumada com isso. Sempre, desde que começamos a namorar, o trabalho e sua carreira vinham em primeiro lugar. Era compreensível no começo, ele estava querendo agradar a administração da empresa e o reconhecimento de seu talento e todas essas coisas. Só que agora sua carreira já está instável, ele é o braço direito da dona de uma das maiores empresas de tecnologia do mundo e ainda sim faz trabalhos que outra pessoa poderia fazer.

Era como se eu sempre fosse ser jogada para escanteio.

Subi até o quarto de Mia e pedi para que ela fosse até meu quarto e escolhesse algum DVD para assistirmos até que Melissa finalmente chegasse. Avisei que iria tomar banho e ela perguntou se eu iria dormir lá. Mia adorava quando dormia lá. Respondi que sim e ela correu para meu quarto, abrindo a gaveta dos DVDs.

Tomei um banho consideravelmente demorado e voltei para o quarto. Enquanto vestia um de meus velhos pijamas, Mia estava sentada no chão com vários filmes ao seu redor, mas percebi que ela já havia separado Os Delírios de Consumo de Becky Bloom e Legalmente Loira. Aproximei-me dela e tentei ver o que ela segurava, era tão pequeno que precisei me abaixar para ter certeza de que era realmente aquilo que ela segurava.

– Olha só… – murmurei, quase que inaudível e ela se virou, me entregando o anel.

Fiquei alguns segundos observando aquele pequeno objeto que parecia tão frágil e eu nem lembrava que o havia guardado ali. Coloquei-o de qualquer jeito em um dos dedos e ajudei Mia a guardar todas aquelas caixinhas em seus devidos lugares. Ela se levantou e me ajudou a levantar, pegando os dois DVDs escolhidos e indo para o quarto da mãe, onde a cama era de casal e cabia nós três sem que nos apertássemos. Depois de deixá-los sobre a cama, ela correu até meu quarto e fomos para o andar de baixo, esperar por Melissa.

Não demorou muito se considerarmos que ela havia avisado que havia saído há quase duas horas. Quando ela chegou, tirando os sapatos de salto, os casacos e se jogando no sofá próximo a nós, notei que ela parecia acabada. Mia correu e se deitou junto a ela, dando algum conforto a mãe. Sentia por Melissa ter de trabalhar tanto e às vezes ficar tanto tempo longe de casa, mas ela sempre parecia disposta a fazer qualquer coisa que fosse com Mia Elise.

Enquanto fazíamos a pipoca, Melissa tomava banho e, assim que tudo já estava espalhado em sua cama, colocamos o filme. Mia quis assistir Legalmente Loira primeiro, mas dormiu depois de meia hora do começo filme. Melissa a levou para o quarto dela e a colocou na cama, voltando logo depois e se enrolando nas cobertas para voltarmos a assistir ao filme.

Nada foi dito desde que ela chegara. Geralmente falávamos mais do que deveria ser dito e até deixávamos Mia confusa e sem entender uma só palavra. Mas naquela noite de domingo nem conseguimos nos olhar direito. O silêncio entre nós era incômodo, era doloroso. Era como se tivesse um muro entre nós, uma barreira. Odiava quando ficávamos assim na adolescência e não queira que voltasse a acontecer.

–Sabe… – pigarreei e ela se virou para mim – Peter me decepcionou hoje.

Ela arqueou as sobrancelhas e depois franziu o cenho, confusa. Dei de ombros e enterrei a mão no pote de pipoca e levei até a boca. Melissa riu.

– Ele simplesmente me mandou uma mensagem. – falei, com a boca ainda cheia – Como se eu não fosse importante! – engoli – Eu acho que depois de quase cinco anos, deveria ter alguma consideração da parte dele e…

Ela não me deixou terminar a frase, quando puxou bruscamente minha mão esquerda e a ficou observando. Não entendi porque ela estava fazendo aquilo, não tinha nada demais naquela mão a não ser o anel de noivado e o… ai, merda.

– Eu posso explicar. – tentei me defender, como se tivesse feito algo de errado quando, bem, eu não tinha.

Melissa me olhou feio e soltou minha mão, cruzando os braços e virando a cara para a televisão. Revirei os olhos.

– Na verdade, você tem que me explicar algo. – cutuquei o braço dela e ela me olhou torto – Mia e Theo se conheceram e você, nas três horas que nos falamos ontem, nem se quer pensou em me contar? – ela abaixou o olhar e suspirou. Aposto que estava mordendo a parte interna da bochecha – Touché.

Achei que o assunto iria acabar ali. Esperava que ela me respondesse, é claro, mas como dizem, querer não é poder. E, quando se trata de Melissa Stark, um assunto nunca acaba enquanto ela não dá a última palavra.

– Eu não sabia como dizer, ok? – murmurou, se levantando e andando de um lado para o outro – Foi tão… Ugh. – ela se deitou novamente ao meu lado, cobrindo o rosto com as cobertas.

Melissa tem a péssima mania de murmurar coisas em francês quando está nervosa e, desde que a conheço, tenho que conviver com isso quase todos os dias. Mesmo não entendendo uma só palavra do que ela estava falando, tentei decifrar o que ela queria dizer.

Tentei imaginar o quão difícil deveria ter sido para ela baseando-me em minha própria experiência, mas era como se o que passei tenha sido apenas a ponta menor do iceberg que a atingiu.

Aquela era uma das situações em que parecíamos ter voltado para o ensino médio, onde há rapazes que destroem nossos corações e garotas más que destroem a nossa vida. Entretanto, nosso ensino médio não foi assim. Não existiram garotas más porque nós andávamos com a única garota que era realmente considerada a “má”, Jessica Rothschild. Os rapazes quebraram sim nossos corações, mas foi bem depois do ensino médio. E não existia uma criança doce, inocente e inofensiva.

– Ele disse que ela é incrível, como a mãe. – falei suave, deitando-me e me virando para ela – Theo pareceu tão encantado que…

– Para. – sua voz saiu tão dolorosa, como uma súplica. Ela se virou para mim e, mesmo com apenas a luz da TV, seu rosto estava avermelhado – Eu não posso, Court. Não posso deixar que ele me abale desse jeito. Não de novo.

Suspirei.

Por um lado, ela tinha razão. Mas por outro... ah, eu daria tudo para consertar Theo a ponto de finalmente conseguir juntar os dois e eles enfim formarem a família que eu sempre soube que um dia seriam. Contudo, eu não era uma fada madrinha, tampouco um cupido.

– Você não quer falar sobre, não é? – ela balançou a cabeça negativamente. Peguei uma de suas mãos – Tudo bem. Quando estiver pronta, estarei aqui para te ouvir, Mey.

– Obrigada. – ela sorriu fraco – E você? Vai me explicar porque está com esse anel?

É, como eu disse, Melissa Stark sempre tem que ter a última palavra.

Dei de ombros e encarei o anel em minha mão.

– Mia encontrou meu esconderijo no armário. – ri.

– Mia Elise adora encontrar objetos perdidos – ela disse, virando-se para a TV e o assunto pareceu acabar por ali. Parece que dessa vez Stark havia se sustentado com tão pouco que suspeito que venha mais uma conversa para outro dia.

Depois de analisar todos os acontecimentos dos últimos dias, conclui que aquele delicado e maravilhoso objeto não me pertencia mais. Talvez fosse desse choque de realidade que eu precisasse para me tocar de que eu, sim, segui em frente e não podia mais ficar com algo que possuía tanto significado para Jake. Eu iria devolver a ele na primeira oportunidade que tivesse, ele teria de passar para frente, encontraria alguém que realmente desse sentido àquela frase nele gravada que eu nunca soube pronunciar, mas sempre soube o que significava.

Alte liebe rostet nicht.

Virei o rosto para dizer aquilo à Melissa. Ela já estava dormindo, com sua expressão serena e calma. Não tinha motivos para que eu a incomodasse para dizer algo tão banal quanto isso, já que ela deveria realmente estar exausta.

De uma coisa eu sabia: ela sempre estaria ali. Mesmo depois de todas as intrigas e problemas que tivemos ao longo desses anos, Melissa e eu éramos como almas gêmeas, nada podia nos separar. No final, percebemos que a noite não é tão assustadora assim, percebemos que não estamos totalmente sozinhos na escuridão.

– Eu não vou pedir para você ficar. – disse, tentando engolir o choro. – Mas eu não quero que você vá, entende?

Jake ainda me olhava como quem não acreditava que eu estava ali, diante dele e toda molhada. Era final de verão e eu ainda não conseguia entender como a temperatura pode mudar de um sol escaldante para uma tempestade em questão de segundos. Conseguia sentir minhas pernas fraquejarem com o frio misturado ao ar-condicionado da sala de embarque.

– Eu vou sentir sua falta. – murmurei baixo.

Ele se aproximou e dei um passo para trás, seria errado abraçá-lo em meu atual estado, mas ele não pareceu ligar. Aproximou-se novamente e me envolveu em seus braços. Um abraço daqueles que te deixam sem ar e ao mesmo tempo te acolhem. Eu já conhecia todas aquelas sensações que seus abraços me davam, a segurança que sentia todas as vezes que estava com ele. Contudo, havia algo mais naquele em especial.

Senti meu rosto esquentar enquanto seus dedos passavam por meu cabelo ainda úmido. Meus olhos ardiam e eu sabia que não era por causa do rímel e delineador borrados ou da lente de contato que estava me incomodando desde de manhã – eu estava chorando. Tentei cada vez mais me juntar a ele, enterrando o rosto em sua velha jaqueta de couro e senti seus braços se apertarem ao meu redor.

– Achei... – ele começou, atraindo minha atenção – que você nunca mais fosse falar comigo. Pensei que me odiava

Sua voz estava rouca e baixa, tão próxima de mim e conseguia sentir o aroma de menta misturado com o do cigarro. Ele deslizou as mãos por minhas bochechas, traçando o caminho das lágrimas que insistiam em cair.

– Ambos sabemos que eu nunca te odiaria. – tentei rir e ele arqueou as sobrancelhas – Você vai perder o voo...

– Atrasado. Por causa da tempestade. – disse rapidamente, aproximando seu rosto do meu – Eu prometi, Court. Prometi que sempre iria voltar, você ainda se lembra, certo? – concordei. Todos ao redor estavam nos olhavando – Quero que fique com uma coisa.

Fiz uma careta quando ele se afastou e pegou algo no bolso da jaqueta. Era uma caixa de fósforos e eu tentei adivinhar o que diabos tinha ali dentro, mas nada parecia fazer sentido.

– Era da minha mãe. – falou, me entregando a caixa. Tentei disfarçar a curiosidade, mas logo sorri maravilhava com o que tinha ali.

Era um anel. Ele parecia ser de ouro, o que era estranho, considerando que a sra. Muller não parecia ser uma mulher que guardava joias em um cofre ou coisa do tipo. Analisei-o bem, havia algo gravado em letra cursiva na parte inferior dele. Estava em alemão, supus.

– Não sei se devo... quer dizer, era da sua mãe e...

– Ela pediu para que eu desse a alguém que realmente valesse a pena, que importasse tanto para mim quanto ela um dia importou. – ele argumentou antes que eu mesma pudesse terminar a frase.

Sorri mais uma vez ao ouvir suas palavras. Ele estava tão próximo e tão/// perfeito. Apesar de nossas controvérsias, eu ainda o amava. E como o amava. Senti como se alguém tivesse me empurrado e me aproximei ainda mais dele, ficando na ponta dos pés e o beijei, rapidamente, mas ainda sim foi um beijo.

– Desculpa. – proferi, abaixando o olhar.

– Odeio quando pede desculpas. – ele disse. Estava sorrindo, o que era relativamente raro – Principalmente por esse motivo.

Dei de ombros e passei a manga da blusa pelo rosto, numa falha tentativa de tentar reparar o estrago.

– O que significa? – perguntei, me referindo ao anel.

Ele se aproximou, me puxando para perto de si novamente e, com os lábios colados ao meu ouvido, sussurrou com a voz rouca:

Um amor antigo é para sempre.


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