Ela me olhou por debaixo daqueles cílios longuíssimos com um sorriso debochado:

-Eu não estou planejando nada!

-Agora você também tem telepatia? – Eu zombei.

-Não. Você apenas resmunga demais.

-Tome cuidado para não me tira do serio. Não tenho controle, lembra?

-Você nunca fica irritada com minhas brincadeiras!

Eu ri. Era verdade, eu nunca me incomodava com os comentários “inocentes” dela, e olha que a criaturinha era muuuuuuuuuuuuuuuuuiiito irritante quando queria.

-Seus pais estão esperando por mim. – Ela riu.

Era inacreditável como meus pais, que conviviam comigo durante toda a minha vida, tinham mais confiança em Kitty do que em mim.
Soltei um muxuxo e depois ri. Ainda bem que era ela quem convivia comigo, ou seria, até aquela noite. Eles virão buscá-la. Apenas a ela. Mas iam me levar junto. Só não sabiam disso. Não sabiam o que eu me tornara. Ainda.

Olhei para o velocímetro do carro, que, longe da zona urbana, marcava 200 km/h.

A casa que Kitty comprara era grande para apenas uma pessoa, (mas como eu passava mais tempo acampando lá do que na minha casa...). Ela ficava muito depois da zona urbana, tinha janelas simplesmente imensas e amplas varandas. Vento era o que não faltava, nem podia faltar, ela sendo o que era.

Saltei do caro enquanto ela dava meia-volta, rindo dos meus resmungos. No aminho para a porta da frente mudei de idéia e fui para os fundos, entrando na outra garagem. Meu carro. Suspirei. Olhei para a pintura preta reluzente. Abri um sorriso imenso. Meu querido; amado e idolatrado carrinho. Olhei meu reflexo no vidro fume. Um sorriso passou pelos meus lábios, uma idéia surgindo na minha mente.

Peguei as chaves no painel atrás da porta da frente.

-Avise a ela de que estarei bem. – Pedi ao vento e, no mesmo instante, soube que ela já sabia.

Não havia mais sentido em esperar. Eu já podia sentir o motor esquentando, me chamando. Desliguei o alarme, abri a porta, coloquei as chaves na ignição e girei. O motor rugiu em aprovação.