Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 7
Capítulo 6: Amanhecer Revigorante




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Acordei com o corpo um pouco dolorido, estávamos no sofá, abraçados, meio contorcidos e sem jeito, e completamente nus. Com os primeiros raios de sol que passavam tímidos pela janela, vieram as lembranças da noite passada, e o meu humor estava incrivelmente ótimo. Supimpa!, como diria meu esposo. Fui para a cozinha e preparei um café da manhã especial. Muitas frutas, iogurte, cereais; nada de salada hoje, estava muito bem.

Voltei para a sala com uma grande bandeja nas mãos, Anderson começava a acordar. Antes de dizer qualquer coisa, ele se levantou e olhou meu corpo de cima a baixo. Quase fiquei encabulada, fazia tempo que não tínhamos aquela liberdade; não me lembrava da última vez que andei nua pela casa. Olhei bem para ele, vendo o corpo que há algumas horas atrás fazia parte do meu.

Com Emílio o sexo era fabuloso, ainda que em alguns encontros — mais da metade deles, eu diria — apenas conversássemos; quando o dia era de sexo, era incomparável. Aquele homem tinha um vigor físico invejável, além de um corpo esculpido provavelmente por um anjo bem safado. Mas o que tivemos ontem, Anderson e eu, fora algo sublime. Não que tenha sido morno, pelo contrário, me deixou com marcas roxas nas coxas e o couro cabeludo doído. Mas foi mais que isso, algo quase sagrado. Acho que foi o melhor sexo dos últimos 5 anos.

— Bom dia, amor — me aproximei e beijei sua boca, ignorando o hálito matinal.

— Bom dia — respondeu ele, sorrindo como um bobão.

Coloquei a bandeja sobre a mesa e começamos a comer. Sentamos bem pertinho um do outro, e ora ou outra Anderson me surpreendia com um beijo ou uma carícia. Não conversamos muito, mas os olhos diziam tudo. O assunto do plano “estraga casamento” não foi mais mencionado e estávamos bem com isso. Parecia uma ideia distante, como se nada daquilo fizesse sentido, e que nós fossemos o suficiente para manter nosso relacionamento pleno e feliz.

Após o desjejum, subimos para o quarto e separamos o que iríamos vestir para trabalhar. Fui para o banho e, assim que liguei o chuveiro, percebi que Anderson vinha atrás de mim. Fechei a porta do box assim que ele entrou e deixei que a água morna caísse sobre nossos corpos. Não demorou para sentir algo quente e rígido roçando minha coxa, olhei para baixo e confirmei minhas suspeitas.

— Safado! — sussurrei em seu ouvido molhado.

Anderson não respondeu, apenas calou minha próxima palavra com um beijo molhado — literalmente. Sua mão deslizou pelas minhas costas, nádegas e coxas. Eu já sentia o corpo vibrar e esquentar. E o volume rígido que me tocava há pouco agora pulsava intermitente.

Algo me dizia que chegaríamos atrasados no trabalho.

*

Cheguei ao trabalho com 2 horas de atraso, mas meu rosto estampava um sorriso de quem não se importava nem um pouco. Assim que entrei, Gabriela sorriu para mim e disse:

— Nem vou perguntar se você melhorou, pela sua cara dá pra ver que está mais que boa.

— Melhorei de quê? — perguntei, sem entender o que ela dizia.

— Da enxaqueca! Mas deixa pra lá.

— Oh, claro, a enxaqueca. Estou bem melhor, nada que uma noite de sono não resolvesse — sorri forçosamente, tentando disfarçar a gafe. Quando estamos muito radiantes, ficamos vulneráveis, esquecemos das mentiras que precisamos sustentar. Ainda bem que a Gabi era de total confiança, porque com certeza já percebera que eu havia mentido no dia anterior.

— Bom dia! Bom dia! — cumprimentei as outras funcionárias e fui direto para a minha sala. Por mais que a Gabi fosse competente, ela tinha suas funções, e um dia fora sempre acumulava trabalho. Mas eu não me importava, pois estava radiante demais para tal.

As primeiras horas de trabalho passaram voando, mas consegui pôr em dia todo o trabalho. Então, fui até onde as meninas estavam, o movimento estava morno naquele momento, então pretendia passar um tempo ali, jogar um pouco de conversa fora e desacelerar antes do almoço. Caso contrário, eu comeria como uma louca. Mas, antes que eu começasse qualquer diálogo, avistei uma figura se aproximando. Estatura mediana, ligeiramente acima do peso; usava uma camisa do Megadeth dois números menores, salientando a barriga crescida além da conta; os fones de ouvidos por cima do boné do flamengo; na cintura, uma pochete surrada pendia para o lado esquerdo; no direito, um walkman amarelo e preto, daqueles que a gente comprava por 10 reais na década de noventa. Andava cadenciado, com um molejo descoordenado e engraçado. Antes de passar pela porta da loja, mandou-me um beijo e uma piscadela.

Adelaideeê, minha irmã tá na praia... Adelaide, minha irmã tá na praia...

Ele chegou cantando pra mim, enquanto mandava beijos e fazia caretas que acreditava serem expressões sedutoras.

— Cala a boca, Edeval! — disse, sem conseguir conter a gargalhada. Todas riram.

Sempre que Edeval vinha à loja era assim. Ele me galanteava, mas de uma forma bizarra que só me fazia rir. Era motoboy da empresa a qual utilizávamos os serviços, e já o conhecíamos há uns 3 anos. Apesar das camisas de bandas de rock, eu sabia que em seu Walkman só tocava Amado Batista, pois já o pegara desprevenido cantarolando “no hospital, na sala de cirurgia, pela vidraça eu via...”.

— Quê isso, gatinha? cantando especialmente pra ti, morena!

Ah, esqueci de um detalhe! O sotaque. Mesmo fora do Rio de Janeiro, sua terra natal, há mais de 10 anos, Edeval nunca perdia o jeitinho carioca de falar, parecia o Alexandre Frota com a voz do Bob Dylan.

— Pega logo o malote e dá o fora daqui, Edeval! — disse, rindo dele.

Rapidamente, o motoboy, que já não era tão “boy” assim, apanhou o malote com os documentos e se preparou para sair; mas não antes de um último gracejo.

— Você mim rejeita, mas sei que me deseja! — engasguei ao ouvir aquilo. Depois, ele acariciou a barriga arredondada e piscou novamente. — Tudo isso pode ser seu, é só dizer a hora e o lugar, princesa!

— Já foi? — perguntei, erguendo as sobrancelhas e mordendo a parte interna das bochechas para não sorrir.

— Beijo na sua boca, paixão! — disse ele, antes de sair quase rebolando, o walkman balançando de um lado e a pochete do outro.

Depois da aparição de Edeval, me inteirei do trabalho das meninas, joguei um pouco de conversa fora e saí para almoçar.

*

A tarde também passou bem rápido, e quando eu me dei conta, já eram 18 horas. As funcionárias do segundo turno já estavam trabalhando e eu nem percebi quando as outras foram embora. Organizei minha mesa e saí apressada, não via a hora de chegar em casa e ficar junto do meu marido. Atravessei o shopping sem dar atenção às vitrines, o que era raro, já que mesmo trabalhando ali todos os dias, eu ainda era atraída pelos produtos em exposição.

Já estava com a chave do carro na mão, e me encaminhava para a saída do estacionamento, quando tive uma visão que congelou meus músculos. Sentados na praça de alimentação, comendo um espaguete em um prato só, em uma imitação barata de A Dama e o Vagabundo, as duas pessoas que eu me esquecera que existiam.

Emílio e Aliane; os dois se olhavam apaixonados, as mãos dadas, as bocas sugando o macarrão cheio de molho vermelho. A safada usava um vestido curtíssimo, e eu não me lembrava de que ela tinha um corpo tão... tão...

Naquele momento, tudo mudou dentro de mim. Se antes eu estava alegre, bem humorada, louca para chegar em casa e ficar junto do meu amor, agora eu estava furiosa; sentia um calor, mas não como na noite passada, era um calor de cólera, meus olhos começaram a arder e meu coração disparou. Em um impulso, peguei meu celular na bolsa e tirei algumas fotos, sem que eles percebessem. Depois, dei as costas para o casal e parti pisando duro rumo ao estacionamento.

Entrei no carro e saí “cantando pneus”, liguei o som e selecionei uma faixa; em momentos assim, eu preferia músicas mais barulhentas, então escolhi uma seleção de punk rock oitentista. Minha respiração era ofegante e algumas veias latejavam em minha cabeça. Eu estava cega de ódio, e a única coisa na qual conseguia pensar era em acabar com aquele casal.

Ganhei as ruas a bordo do meu fusquinha, e não dei atenção ao limite de velocidade. Naquele momento, nem mesmo me importava se dali alguns meses chegasse uma notificação de trânsito. O tráfego era intenso, eu cortei vários veículos, entrando brevemente na contramão e quase sofrendo alguns acidentes.

— Devolve a carteira e vai lavar uma louça, sua barbeira! — gritou um homem em um carro caro.

— Vai se foder, filho da puta! — berrei de volta, mostrando-lhe o dedo médio como sugestão de diversão para a noite do desgraçado.

Além do homem, outros motoristas buzinaram e gesticularam para mim, alguns eu respondi, com gestos obscenos e insultos nada educados; outros eu apenas ignorei, pois minha mente estava longe. Apesar de toda a agitação do percurso, chegamos em casa inteiros, eu e meu fusca. Abri a porta sem um pingo de delicadeza e dei de cara com Anderson, que bebia vinho em uma das nossas melhores taças, aquelas que só tiramos do armário quando recebemos visitas. No aparelho de som tocava Eu não sou cachorro não; eu riria daquilo, não fossem as circunstâncias profanas que me enchiam de fúria.

Anderson se aproximou de mim, segurando em minha cintura com a mão esquerda, e juntando sua direita à minha. Conduziu-me em uma inábil dança por alguns passos, até que eu o empurrei. Sua expressão denotou sua confusão, mas logo tratei de esclarecer as coisas, tirando o celular da bolsa e mostrando-lhe meu mais recente trabalho fotográfico.

Cacete! — exclamou ele, usando uma palavra que costumava sair da minha boca, e não da sua.

— Acabei de tirar, lá na praça do shopping. Os dois grudadinhos, comendo macarrão como...

— Que nem aqueles cachorros do desenho animado.

— Eu quase fui até eles e falei poucas e boas!

— Adelaide, vamos esquecer esses dois. Tivemos uma noite tão boa ontem! Hoje é sexta-feira, vamos relaxar!

Aquelas palavras eram exatamente o que eu precisava ouvir; uma confirmação de que nós não precisávamos daqueles dois para sermos um casal feliz. Contudo, o que saía da boca do meu esposo não era o mesmo que seus olhos, divididos entre a cólera contida e a decepção disfarçada, deixavam transparecer.

— Você acha mesmo que podemos deixar pra lá? — perguntei, não esperando exatamente uma resposta.

Ele apenas se calou, apanhou a taça sobre a mesa e virou tudo garganta abaixo em um só gole.

— Que droga! — disse ele, agora sentado desanimadamente no sofá.

— Que droga! — repeti, sentando-me ao seu lado.

— Então...

— Voltamos ao plano, e vamos acabar com a merda do casamento.


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