Fiéis Infiéis escrita por Samuel Cardeal


Capítulo 23
Capítulo 22: Amigas em Álcool




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Entrei no carro já com os olhos ardendo, minha pele queimava, e meu coração batia como se John Bonham o tocasse. Mal entrei no fusquinha, e as lágrimas irromperam dos olhos em profusão. Dei a partida rapidamente e saí cantando pneus. O choro deixou minha visão embaçada, como se dirigisse na chuva sem limpadores, mas eu não queria parar. Não sabia para onde iria, nem o que faria; eu só queria ficar o mais longe possível de Anderson. Nunca havíamos brigado daquela forma, e algo me dizia que daquela vez não tinha volta.

Dirigi por cerca de meia hora, o transito estava limpo, então me afastei bastante. Estacionei em um posto de gasolina e segui até a loja de conveniência. Percorri os corredores, sem saber exatamente o que procurava, até que cheguei ao das bebidas. Havia garrafas com líquidos de diversas cores, com preços variados e graus etílicos dos mais fracos aos mais fortes. Passei a mão em duas garrafas de Vodka e coloquei-as na cesta que pegara na entrada da loja. Segui até o caixa, mas na metade do caminho decidi voltar e pegar mais uma garrafa; eu ia precisar de cada gota.

Paguei e voltei para o carro. Dei a volta no posto e estacionei em um lugar mais isolado. Já era fim de tarde, e o sol crepuscular deixava tudo em um clima de abandono, assim como eu me sentia naquele momento. Abri a bolsa e tirei um baseado já enrolado; ascendi e puxei de uma vez. Aos poucos, fui sentindo as batidas do coração se acalmarem, a dor de cabeça diminuir e a tensão do corpo se dissipar. Infelizmente, a tristeza do rompimento estava intacta, fortíssima; talvez a Vodka ajudasse.

Abri uma garrafa e dei logo um gole longo. A garganta queimou ao receber a bebida forte, mas logo os efeitos surgiram e a embriaguez começava a se anunciar. Fechei a garrafa e a guardei junto com suas “irmãs”, liguei o carro e segui em frente. Com a mente menos anuviada, decidi ir até a casa de Ingrid; eu não tinha outro lugar para ir.

Meia hora mais tarde, eu batia a campainha do apartamento da minha melhor amiga, com uma mala ao meu lado e três garrafas de Vodka em uma sacola plástica “verde-mofo”. Depois de alguns minutos, sem resposta, toquei novamente a campainha e esperei. Ouvi um murmurar de vozes e passos se aproximando da entrada. Poucos segundos se passaram até que a porta se abriu, e uma Ingrid descabelada surgiu por trás dela.

— Adelaide! O que aconteceu? — perguntou ela, vestindo um robe de seda.

— Aconteceu uma merda daquelas. Será que eu posso ficar aqui esta noite?

Ingrid não respondeu de imediato, estava surpresa demais, olhando para mim com curiosidade e preocupação. Mas ele jamais me deixaria desabrigada.

— Claro! Entra!

Entrei sem fazer cerimônia, arrastando minha mal feita mala. Carol apareceu em seguida, também vestindo um robe, idêntico ao de sua esposa. Acho que havia chegado em um momento inoportuno, mas eu precisava da minha amiga, e as duas poderiam “se amar” em outra hora. Sentei-me no sofá antes mesmo de ser convidada, deixei duas garrafas na mesa e abri a outra, me servindo no gargalo generosamente. Ingrid sentou-se ao meu lado, prendendo habilmente os cabelos revoltos em um coque.

— O que aconteceu, minha amiga? — indagou, tirando a garrafa das minhas mãos. — Nem um gota a mais até você me dizer o que está havendo.

— Eu saí de casa — respondi, com a voz rouca; não tinha mais vontade de chorar, mas a tristeza ainda estava ali, resistindo bravamente ao banho de álcool que eu começara a tomar.

— Isso é perceptível. Agora, me diga por que saiu e casa. Brigou com o Anderson?

— Brigou é uma palavra muito sutil para o que houve. Eu quase o matei. Descobri que ele procurou a vagabunda da ex-amante, sem me falar nada. O filho da puta queria ter outra enquanto eu seria só dele.

— Que safado! — exclamou Ingrid, com a surpresa estampada na face.

— Eu descobri e o confrontei, e acabamos numa briga sem precedentes. Nos ofendemos como nunca e eu quebrei tudo que tinha na sala.

— Está machucada?

— Fisicamente? Não. Mas eu acho que meu casamento já era!

— É cedo pra dizer uma coisa dessas.

— Posso voltar a beber, agora? — indaguei, mirando a garrafa nas mãos da minha Amiga.

— Vou buscar 3 copos.

Rapidamente estávamos as 3 bebendo e conversando. Tentei explicar melhor como tudo acontecera, desde o encontro com Emílio, passando pela descoberta, e culminando na briga. Quando terminei, estávamos todas meio bêbadas, e logo surgiram os conselhos ébrios de minhas duas amigas.

— Acho que você deveria esquecer os dois paspalhos e pegar um gostosão pra você, daqueles bem sarados, tipo striper — sugeriu Ingrid, rindo pelo efeito da bebida.

— Não foi você que acabou de dizer que era cedo para conclusões?

— Isso foi antes da Vodka, agora meu pensamento está bem mais claro.

Rimos como bobas, e eu até deixei a bebida derramar pela boca, como um bebê que ainda não tem coordenação motora.

— Talvez seja hora de tentar algo diferente, entende? — disse Carol. — Um homem não pode dar tudo o que uma mulher necessita — demorei um pouco para entender, mas assim que compreendi o que ela dizia, minha face se contorceu em um esgar de desgosto.

— Deus me livre! — disse, virando uma dose de Vodka de uma só vez. — Eu respeito muito a relação de vocês, e acho que o amor é o que importa, mas eu tenho nojo de perereca. Credo! Até arrepiei, olha! — estiquei o braço, mostrando os poros sobressaltados e os mirrados pelos eriçados.

— Acho que já começamos a falar besteiras demais — concluiu Ingrid, com a fala amolecida; seus olhos estavam quase se fechando e sua respiração era ruidosa. — Vou preparar o quarto pra você, amiga. Vamos todas dormir.

— Você tem razão. Olha só! Puta merda! Secamos 3 garrafas de Vodka! — comentei, só então reparando o quanto tínhamos bebido. E eu sabia que tinha sido a que mais bebera. — Vamos dormir, depois eu penso no que fazer, afinal, amanhã é um novo dia.

*

No dia seguinte, a despeito da minha vontade, a ressaca veio matadora. A cabeça parecia espremida por um rolo compressor e a mínima fonte de luz parecia o sol a um palmo do meu nariz. Com a boca seca, fui direto para a cozinha assim que acordei, me servindo de vários copos com água. Eu tinha que trabalhar, então tomei um banho e garimpei entre as roupas que peguei sem nenhum critério algo que fosse minimamente adequado para vestir.

Ao fim do dia, eu não havia pensado em nada, nenhuma conclusão do que fazer. E assim os dias foram passando, e eu permaneci sob o abrigo de Ingrid e Carol. Eu temia estar incomodando, mas estava tão perdida, que não conseguia mudar aquela situação. Pensei que após alguns dias estaria melhor, poderia pensar com mais clareza, mas cada vez que tentava refletir sobre tudo o que acontecera, e sobre o rumo que minha vida deveria tomar dali em diante, só conseguia trazer a tristeza de volta, e me afogava em rios de lágrimas. Eu nunca fui uma mulher frágil, mas aquela fase da minha vida fez aflorar meu lado mais desprotegido.

Já fazia 3 semanas que eu saíra de casa, e as coisas estavam na mesma. Eu saía para trabalhar e, ao fim do expediente, voltava para casa das minhas amigas. Eu tentava não incomodar muito, ficava a maior parte do tempo no quarto. Recorri a alguns remédios para dormir, então passava quase todo o período que estava em casa adormecida.

— Adelaide, não aguento mais te ver assim! — disse Ingrid, enquanto jantávamos. Eu revirava o alimento com o garfo, sem a mínima vontade de levá-lo à boca.

— Desculpa, Ingrid. Eu sei que estou incomodando; vou procurar um lugar pra ficar, já é hora de tocar a vida.

— Não é disso que eu estou falando! — retrucou ela, irritada. — Você não incomoda, é como uma irmã pra mim. O que eu não aguento é te ver assim, deprimida, sem se alimentar direito. Só sai de casa para trabalhar e se entope de remédios para dormir todo o resto do tempo.

— Ingrid, eu...

— Não tem conversa. Sábado tem uma festa organizada por um amigo, e nós vamos. Nós três! E não adianta recusar como tem feito há semanas. Você vai, nem que seja amarada. Estamos entendidas?

Ingrid sempre foi com uma irmã mais velha pra mim, e, de certa forma, eu a respeitava como tal. Quando ela me pôs contra a parede daquela forma, não pude dizer nada. Além disso, não tinha ânimo para seguir em frente com uma discussão. Eu iria à festa; lá eu daria um jeito de sair à francesa e voltar pra casa, agora que eu tinha uma cópia das chaves.

— Vai ser bom pra você, amiga! — Ingrid tentou me animar. — Ver gente nova, dançar, talvez até conheça uma cara. Você sabe o que eu penso: está precisando de uma boa...

— Tá bom, tá bom! Eu vou nessa festa! Mas não pense que vou sair de lá de namoradinho novo.

— Vai ser divertido!

— E o que você tem a perder? — Carol, que até então estava calada, entrou na conversa. — Na pior das hipóteses, o sexo vai ser ruim. Tenho certeza que já teve um sexo ruim antes, né?

— Que disse que eu vou fazer sexo com alguém? — retorqui, indignada, mas no fundo achando graça do comentário.

Até que uma boa noite de sexo sem compromisso com um desconhecido poderia não ser de todo ruim.


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