Sarah obviamente passou o dia animada, mas seu plano era chamar a mãe para conversar 00h00min e agora que faltava menos de duas horas para a tão desejada revelação chegar, o nervosismo tomava conta de seu peito.

Claro que sua mãe era extremamente tolerante a sua excentricidade, como o corte de cabelo, a voz um pouco mais fina que o normal, o estilo musical. Mas estava em um patamar totalmente diferente. Tratava-se de uma mudança 100% de gênero e revelar que havia muitos anos que já estava em tratamento para isso. A probabilidade de não ser aceita era enorme e se isso acontecesse, teria que se virar sozinha.

Apesar de já ter se preparado a vida inteira para esse confronto e a confirmação dessa probabilidade, não podia dizer que estava 100% pronta, afinal, era sua mãe e Sarah a amava demais. Com a angústia já em um nível insuportável, Sarah puxou o celular debaixo do travesseiro e discou o número de Jamile, graças aos céus ela tinha o sono leve e atendeu rapidamente.

–Josh? –a voz sonolenta soou em seu ouvido.

–Me chamou mesmo disso?

–OH! Sarah, me... Me desculpe, eu acabei de acordar e...

–Não se preocupe, my beauty, eu sei que vai levar um tempo pra se acostumar 100%.

–Obrigada por entender.

–Tá brincando comigo? Você tá me aceitando exatamente assim depois de quase dois anos, eu é que tenho que agradecer a você. De joelhos.

–Eu te amo pelo que você é por dentro, não por fora. E se por dentro você é uma garota, não devo me importar de querer ser por fora também.

–Você é definitivamente perfeita Jamile. Estou indescritivelmente feliz pelo meu coração ter escolhido você.

–Se você está feliz, porque esse tom?

–Eu só... Nada.

–Sarah, eu te chamar assim deveria ser prova o suficiente de que pode falar comigo sobre qualquer coisa. -Eu sei, é que... Eu estou um pouco nervosa sobre contar pra minha mãe...

–Vai dar tudo certo, meu amor.

–Não diga isso. Eu e você sabemos que as chances de tudo acabar mal são quase esmagadoras quanto às de tudo acabar bem. Eu me Preparei pra isso a vida toda, sair de dentro do casulo, sabe? Fiz até a prática de algumas artes marciais pra evitar apanhar na rua, mas... Quando se trata de família... Como posso dizer? Poderíamos perder tudo, mas se estivéssemos juntos seríamos tudo. Se eu tiver tudo e perder eles, não tenho nada.

–Você teria a mim.

–É. Isso é verdade. Você é definitivamente uma das coisas mais importantes do mundo pra mim...

–Assim como sua mãe e seu irmão. Somos sua família, todos nós. Você não quer perder nenhum de nós.

–Exatamente. Você me entende tão bem, Jamile. Mas eu não quero pensar nisso agora, você pode só me distrair um pouco?

–Claro. Hmmm. –parou um segundo para pensar um algum assunto, qualquer assunto. –Você acha que eu ando usando delineador demais ultimamente?

–Bom, eu não ia falar nada sobre o assunto, mas o jeito que você usa delineador não é lá muito interessante pro seu tipo de olho.

–Tá brincando?

–Não, eu nunca disse nada porque eu já sou, abre aspas, "afeminado", não queria que você pensasse que eu era gay e tava te usando como disfarce sendo que eu sou 100% lésbica e apaixonada por você.

–E deixa sua namorada andar feia por aí?

–Não é feio, my beauty. Só ficaria melhor de outro jeito.

–Ah é? Como?

–Amanhã eu passo cedo na sua casa pra fazer seu make pra escola. Se tudo der certo, eu já vou estar arrumada, sabe, como eu mesma. Se não, eu me arrumo aí com você.

–Vai contar pros meus parentes?

–Independentemente se tudo ficar bem ou não, eu não vou voltar pro casulo de jeito nenhum. A partir de meia-noite, eu serei Sarah Lockart, nunca mais serei Josh Arthur de novo.

A conversa com Jamile serviu para ajudar a passar o tempo mais rápido e, antes que pudesse notar as horas, já era meia-noite.

–My beauty, deu meia-noite. Tenho que desligar, vou falar com a minha mãe agora.

–Okay, an... Boa sorte, minha linda. Vou estar torcendo por você.

–Hey, não vai me dar feliz aniversário?

–Feliz... Feliz Nascimento, Sarah Lockart. Eu te amo, vai ficar tudo bem.

–Também amo você, Jamile.

Sarah colocou o celular de volta embaixo do travesseiro e respirou fundo antes de se levantar e sair do quarto. Havia quatro portas no corredor, a primeira era a de seu quarto, a segunda era do quarto de Jackson, em seguida vinha o banheiro comum e, finalmente, o quarto de sua mãe. O corredor jamais havia sido tão longo até aquela noite. Sarah parou em frente à porta do quarto e respirou fundo mais uma vez antes de bater na madeira gélida.

Mary abriu a porta vestindo um robe amarelo de seda, seu rosto expressava curiosidade e preocupação, além de sonolência, é claro. –Aconteceu alguma coisa?

–Nós precisamos conversar.

–Agora?

–Sim. Na verdade é algo que já venho segurando na garganta há algum tempo.

–Certo. An... Quer conversar tomando um chá ou...

–Não, estou bem. Só... Por favor, vamos conversar logo.

–Tudo bem, entre.

Mary deu espaço para "Josh" entrar no quarto e em seguida fechou a porta. Sentaram-se frente a frente e "Josh" não parava de mexer nervosamente as mãos no silêncio gritante daquele quarto.

–Você está bem? –Mary foi a primeira a se pronunciar.

–Nervosismo. –olhou para mãe forçando um sorriso enquanto tentava controlar as batidas desesperadas de seu coração. –Esperei tanto pra essa conversa e agora não consigo pensar em um jeito de dizer isso.

–Josh, você é gay? –não que quisesse isso, mas manteve o tom calmo, pois não seria lá algo muito surpreendente.

–(respiração profunda). Você disse duas coisas, mas só sou uma delas. Eu sou gay, mas... Não sou... Josh.

Os olhos de Mary se arregalaram instantaneamente enquanto se enchiam de lágrimas, seu corpo começou a tremer em cada mínima célula. –Q-quem... Quem te contou sobre a adoção?

Continua...