Cursed Mistakes escrita por CristinaD, Skorgiia


Capítulo 5
Ordens da Rainha


Notas iniciais do capítulo

No capítulo anterior...

"Ele sabia que a sua alma estava em risco, que tinha desiludido a criatura que o podia matar a qualquer segundo. A fúria do demónio transparecia nos seus olhos, porém mantinha-se calado. A respiração pesada e rápida do conde tornava-se cada vez mais óbvia. Ele sentia receio, uma tortura interior que estaria próxima do medo, mas Ciel jamais admitiria isso. Mantinha-se em silêncio, o ambiente tornava-se mais pesado a cada passo que era dado. Ele podia pressentir…

A sua vida estaria próxima do fim."



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Sebastian tinha desafiado o conde durante todo o percurso apenas com o seu olhar. Contudo, mantinha-se silencioso. Esperava que o conde se pronunciasse para fazer algum comentário ou pergunta, mas a viagem fora silenciosa. O tal silêncio que criava um clima pesado. O mordomo podia sentir o coração do conde pulsar de medo, mesmo que este rejeitasse admiti-lo. Observava o rapaz que olhava a paisagem negra, apenas para ignorar uma troca de olhares constrangedora.

Depois de alguns minutos que pareceram séculos ambos chegaram à mansão. Sebastian saiu e fez passagem para que o Conde saísse também, lançando-lhe novamente um olhar afiado.

Ciel entrou na mansão em silêncio. Ouvia os passos pesados do demónio enquanto percorria o corredor longo e escuro. Chegou finalmente ao seu quarto e sentou-se na borda da cama, aguardando que fosse despido pelo seu mordomo. Era bastante tarde, mas Ciel não iria conseguir dormir tão facilmente devido ao medo que percorria o seu corpo.

Observou o demónio que se aproximava dele. O silêncio que se manteve durante todo aquele tempo tornava-se agora num ruído estridente que arranhava os seus ouvidos. Um ambiente pesado criara-se no quarto, e a pouca luz que restava tinha desaparecido por completo. As penas negras começavam agora a cair em volta de um nevoeiro de cor suja.

Em poucos segundos o demónio revelava agora a sua verdadeira forma. O pequeno alcançava as profundidades da sua voz para gritar desesperadamente, mas nenhum som saía da sua garganta. Os longos saltos pressionavam a madeira, lentamente a criatura diabólica aproximava-se da criança indefesa. Ciel contorcia-se para fugir às garras do demónio, mas o seu corpo continuava imóvel. Estava preso em si mesmo e sabia que tinha chegado a hora da sua alma ser levada. Tinha cometido um erro. Nunca antes pensara que Sebastian terminasse o contracto por uma coisa tão banal. Agora estava aqui, imóvel e sem conseguir pronunciar um só som, desesperado por não poder fazer nada para impedir que a sua alma fosse levada. Ele não estava pronto. Ainda faltava bastante para que a sua vingança estivesse completa. Sentiu as garras negras e afiadas a passar levemente pelo seu rosto. Um sorriso malicioso formou-se nos lábios da criatura que se mantinha a pouca distância de si. “Tic, tac”. O som dos segundos que passavam percorriam a mente de Ciel. Os seus olhos desesperados brilhavam intensamente em direcção aos olhos carmim do demónio. “Tic, tac”.

A criatura sorria e era possível ver os dentes afiados que o demónio possuía. O olhar intenso e o sorriso motejador eram a única coisa que Ciel conseguia ver. O mordomo sentia o coração do pequeno rapaz ultrapassar várias batidas em sinal do quão aterrorizado estava.

Quando a face da criatura se fez sentir extremamente perto, Ciel fechou os olhos com força.

Todas as memórias do rapaz percorreram a sua mente naqueles poucos segundos. A sua alma seria levada agora, mas o pequeno não estava preparado. Ainda assim, decidiu aceitar o seu destino. Não havia nada que pudesse impedir o demónio à sua frente.

“É o fim.”

Fechou os olhos e aguardou.

– Boa noite, Jovem Mestre. – As palavras surpreenderam o rapaz que abrira os olhos. A sala estava tal como antes de aquele pesadelo ter ocorrido. Sebastian levantou-se após ter terminado de abotoar a camisa branca do rapaz, sorrindo. Segurando nas velas que iluminavam vagamente o quarto antes de as apagar com um suave sopro, Sebastian saiu em silêncio do quarto como se tudo o que se passara tivesse sido apenas uma mera ilusão.

O jovem conde piscou os olhos repetidamente, a sua respiração continuava rápida e o seu coração batia velozmente. Deu por si sozinho no quarto escuro, ainda a tentar compreender tudo aquilo que se passara há poucos segundos atrás. O seu mordomo acabara de lhe dar um aviso muito importante. A sua alma continuava no seu corpo, mas caso Ciel agisse de alguma forma que fosse do desagrado do demónio, a sua morte estaria garantida. Sabia que andava a avançar por caminhos perigosos, a jogar contra uma criatura que poderia consumir toda a sua vida a qualquer momento. Acreditou de facto que seria esta noite que o contrato terminaria, embora ele não tivesse cumprido a sua vingança. Faziam mais de 4 anos desde que o demónio o salvou, prometendo servi-lo até ao fim. Ainda assim, o jovem conde sabia que o prazo do contracto estava perto de se expirar. Mesmo sabendo que a sua alma era algo precioso, tinha consciência de que nenhum demónio despenderia muito mais tempo apenas por uma simples refeição. Sebastian era um demónio. Uma criatura que vivia para matar, que mantinha uma vida solitária. O pequeno suspirou, lembrando-se do quão próximo se tinha tornado do mordomo nestes últimos anos. Ele era a única pessoa em quem confiava totalmente, em que se apoiava quando precisava de ajuda, o único ser que o protegeria contra todos os perigos deste mundo. Ainda assim, Ciel sabia que caso desiludisse o demónio, que este seria a primeira pessoa a traí-lo pelas suas costas.

Odiava-se a si mesmo por ter formado uma relação tão perigosa com o seu mordomo. Odiava-se porque a cada dia que passava se esquecia lentamente que não devia depositar confiança naquele homem. E odiava-se sobretudo por estar cada vez mais perto dele, por sentir coisas que o confundiam.

O conde deitou-se lentamente, cobrindo-se imediatamente pelos cobertores que agora o confortavam após todo aquele momento agoniante.

Fechou os olhos e manteve-se em silêncio. Tinha medo daquela criatura, mas era esse mesmo medo que o fazia atrair-se por ela. O demónio que um dia levaria a sua alma era aquele que mais confortava o pequeno conde. “Sebastian…”

*

Ciel colocava mais um pedaço da sobremesa de framboesa na sua pequena boca. Apreciava o dia calmo e sereno, sem a famosa chuva de Londres que teimava em aparecer diariamente. Respirou o ar puro em sua volta e deu mais um gole no chá preto que acabara de ser servido. Observava de longe o seu mordomo que arranjava os arbustos das suas maravilhosas rosas brancas. Aquelas que Sebastian tratava com toda a preocupação, cuidado e diria até, com um certo carinho.

A sua mente divagava agora para a noite inesperada do dia anterior. Fora surpreendido pelo seu mordomo, acreditando que de facto a sua alma seria consumida naquele momento. Sentiu o medo como nunca sentira antes, e envergonhava-se de si mesmo por ter sido tão fraco e impotente. Ainda podia sentir o toque das garras do demónio. Tão perigosas e cortantes, mas formando um gesto delicado e carinhoso no seu frágil rosto. Ciel suspirou prolongadamente, os seus olhos presos no mordomo que se movia distraidamente de um lado para o outro,

deixando as rosas bonitas e jovens. Tal como as magnificas flores, Sebastian era bonito e jovem. Mais do que isso, era a perfeição de um ser. Era a mistura do belo com o aterrorizante, o charmoso com o perigoso. Era a junção dos dois extremos que faziam de si uma criatura perfeita aos olhos de quem o visse totalmente. E Ciel via. Ele já tinha experienciado o lado perigoso e perturbador do demónio, a sua forma mais negra e cortante. E o lado carinhoso e protector, as acções provocantes e charmosas que o mordomo lançava na sua direcção. E Ciel deixava-se levar pela sedução do demónio, as conversas e os joguinhos que faziam dele uma presa daquela besta. O pobre conde suspirava, repreendendo-se a si mesmo por sentir e pensar tais coisas, sabendo perfeitamente que se estava a colocar numa posição perigosa. “Perigoso… Mas é disso que eu gosto.”. Sorriu maliciosamente, levando de seguida a última pinga de chá aos lábios.

Os pensamentos conflituosos invadiam a mente do pequeno, e Ciel não os podia controlar. Por enquanto, teria apenas que se manter calado e dirigir-se ao mordomo apenas quando fosse necessário.

O demónio dançava elegantemente, cuidando da delicada variedade de flores. Tornando-as ainda mais bonitas do que a natureza as tinha inicialmente criado. Sebastian era conhecido pelos outros servos como o mordomo perfeito, e no fundo apreciava aquela forma de vida que lhe fora dada.

O mordomo ouvira de longe Mei-Rin chamá-lo e sem incomodar o conde Sebastian fora ao encontro da jovem empregada deixando o Conde só no jardim por alguns momentos. Minutos depois, caminhou em direcção ao seu mestre, segurando uma travessa de prata que continha uma carta.

– Uma carta da rainha, Jovem mestre. – Sebastian sorriu.

Ciel manteve uma expressão séria ao ouvir o anúncio do mordomo. Pegou no seu pequeno canivete e abriu o envelope.

“Meu querido menino,

Fui informada de acontecimentos invulgares na pequena aldeia de East End. Os habitantes queixam-se de casos de bruxaria e trocas ilegais perto do mosteiro central. Conto consigo para resolver estas divergências e que mais uma vez deixe a coroa e o nosso país livre de escândalos.

Sua Majestade,

Alexandrina Vitória”

O conde manteve-se pensativo por alguns momentos, pousando a carta novamente no tabuleiro.

– Sebastian prepara as malas. Temos uma viagem a fazer.

Sebastian assentiu uma pequena reverência, retirando-se. O mordomo arrumou a roupa do Conde em malas, indicou aos restantes servos todas as tarefas a realizar para os dias em que ele e o rapaz estariam ausentes, preparou a carruagem e terminava agora de tratar de uns últimos pequenos detalhes. O mordomo anunciou depois ao conde de que estava tudo preparado e estavam prontos para partir. Mais uma vez, era Finnian que fora escolhido para conduzir a carruagem que levaria o mordomo e o conde para a estação de comboios em Londres, de onde partiriam ambos para East End.

Durante o caminho até à estação, Sebastian observava a paisagem com um pequeno sorriso. Já estavam no interior da capital e era possível ver várias pessoas caminhando pelos passeios ocupados de Londres. Era um dia de sol, algo raro em Inglaterra, digno de ser apreciado.

A carruagem parou e Ciel apressou-se a sair, dirigindo-se à entrada da estação. Andava rapidamente, com uma expressão autoritária, ultrapassando as várias pessoas de classe baixa que interrompiam a sua passagem. Atrás de si ia o mordomo, que levava consigo as bagagens e se divertia ao observar a cena do seu pequeno mestre, num passo tão apressado, no meio de toda aquela multidão que o fazia parecer um gatinho perdido numa matilha de cães. Ainda assim, Ciel destacava-se pelo seu aspecto nobre, não só as suas roupas cuidadas e luxuosas, mas também a sua expressão corporal e a sua atitude autocrática.

– Compra dois bilhetes de primeira classe. – O jovem conde ordenou, aproximando-se mais do mordomo para evitar os empurrões de todas aquelas pessoas que se deslocavam atarefadas para os seus afazeres.

Sebastian assentiu com a cabeça e sorriu amplamente. O mordomo afastara-se um pouco do seu mestre, incontrolavelmente dando um comentário. - Tente não se perder enquanto isso, jovem mestre. - Sebastian riu, virando-se, e não dando tempo para o conde resmungar.

Depois de tudo, já o mordomo e o nobre rapaz se encontravam dentro do comboio que ainda possuía poucos passageiros no seu interior. Sebastian arrumava as malas na prateleira de bagagem superior do transporte.

O jovem conde sentou-se junto da janela, encarando a paisagem que agora começava a desvanecer com a carruagem em movimento. Permaneceu alguns minutos em silêncio, apenas a observar o maravilhoso cenário de Londres. Pouco pensativo, Ciel alcançou a pequena mala nas prateleiras superiores e de lá retirou um livro de capa castanha. Sentou-se novamente, e perdeu os seus olhos nas páginas amareladas que já teriam desgastado a sua cor natural ao longo do tempo.

Sebastian olhou em volta, observando os outros passageiros. O mordomo suspirou. - Espero que aqueles três não façam das suas durante estes dias... - Murmurou num tom suficientemente audível para o conde ouvir.

Ciel ergueu a sobrancelha ao ser surpreendido pelas palavras do mordomo. Seria das raras vezes em que o demónio iniciava um diálogo por conta própria, principalmente durante as tão habituais silenciosas viagens. Ainda assim, o conde decidiu ver a onde é que aquela conversa o levaria, optando por retribuir com umas simples palavras.

– Certamente que irão causar tantos danos como das últimas vezes. Parece ser impossível que ganhem algum juízo naquelas cabeças ocas. – Concluiu, sem nunca desviar o seu olhar das páginas do seu livro.

O mordomo olhou para o conde ainda com um pequeno sorriso que manteve durante toda a viagem. - Ao menos melhoraram minimamente ao fim de três anos.

– Felizmente. Se não fossem as tuas mãos a reconstruir aquilo que eles destroem, com certeza que eu estaria a viver por baixo de uma ponte. – Comentou, virando a página que acabara de ler. – Mas o certo é que continuam a fazer um excelente trabalho naquilo que realmente importa… - O conde murmurou, deixando escapar um ligeiro sorriso ao se relembrar do óptimo trabalho que os seus servos faziam para proteger a sua vida.

Sebastian observava desta vez a paisagem enquanto ouvia o rapaz.

–Ora será isso algum tipo de agradecimento discreto, jovem mestre? - O mordomo sorriu maliciosamente.

Ciel soltou uma pequena gargalhada, fechando o seu livro logo de seguida. O demónio começara com as suas pequenas provocações e isso para o conde era um dos seus melhores entretimentos.

– Obviamente que não. Não tenho que agradecer pelas tuas obrigações. – Disse firmemente e pousou o livro ao seu lado. Um sorriso trocista formou-se nos seus lábios, e passou a mão no cabelo elegantemente. – O único agradecimento que receberás será a minha alma no final da minha vingança.

–Mas isso será também uma obrigação e não um agradecimento. A única obrigação que terá durante todo o contrato, my Lord. - Sebastian sorriu escarnecedoramente, acentuando o olhar escarlate.

– Certamente. Mas continuará a ser um agradecimento por cumprires aquilo que eu dou mais valor do que a minha própria vida. – Manteve-se em silêncio por alguns segundos, prendendo um olhar pensativo na paisagem lá fora. – Mesmo que não seja verbalizado, eu continuarei agradecido… - Murmurou, tentando não dar muita importância às suas próprias palavras.

– Fico certamente lisonjeado pelas suas raras palavras, jovem mestre. - O mordomo olhou fixamente para o conde, deixando o pequeno cada vez mais desconfortável. - Sobre a missão vinda da Rainha. - Sebastian alterou o tema da conversa - O que tem em mente?

– Hoje iremos apenas ficar numa pequena pousada da zona. Está a ficar tarde e não estou com disposição para tratar de tais assuntos neste momento. – Encostou a cabeça à janela, a sua expressão tornava-se cada vez mais sonolenta. – Amanhã iremos investigar o mosteiro e mais tarde questionar os habitantes da aldeia.

Sebastian assentiu. - Peço desculpa por tocar no assunto novamente, já que o jovem mestre está visivelmente cansado mas, irá agir tão descaradamente numa zona como a de East End?

– Não estou cansado. – Afirmou, mas o seu rosto exausto claramente denunciava a sua falta de sono. – Não tinha pensado nisso… - O conde fez uma cara pensativa. East End era uma das zonas mais pobres de Londres, e seria incrivelmente suspeito que um nobre frequentasse as ruas daquela aldeia. – Alguma sugestão?

O mordomo denunciou uma expressão séria. - Bem talvez soe um pouco rude mas… É o que mais se enquadra no contexto. - Sebastian sorriu - Teremos ambos que representar um papel. Sugiro pai e filho. - O demónio fez novamente um sorriso motejador.

Os olhos sonolentos de Ciel abriam agora ao ouvir a sugestão indecente do demónio.

– Pai e filho? – O conde interrogou, confirmando se teria ouvido bem à primeira vez.

– Com certeza que isto é algum tipo de brincadeira! – Disse indignado, não lhe agradando minimamente o facto de ter que representar o papel de filho do seu próprio mordomo.

– Ora, não era o jovem mestre que estava determinado a utilizar qualquer tipo de método para satisfazer a rainha? - Sebastian provocou.

Ciel corou ao ouvir tal coisa, furioso com as provocações do demónio. Recompôs a sua postura autoritária e respondeu desprezivelmente. – Pronto! Se tem que ser, irei fazê-lo. Mesmo que tenha que me submeter a papeis tão indignos e desonrados como ser filho de uma criatura como tu. – Sorriu maliciosamente, divertindo-se interiormente ao criticar o demónio.

Sebastian continuou com aquele sorriso, apesar das críticas e ofensas que recebia do conde. O mordomo adorava provocar o rapaz. - Certamente.

O conde lançou mais um pequeno sorriso ao demónio e terminou a conversa por ali. Encostou novamente a cabeça à janela, e desta vez fechou os olhos. A viagem ainda era longa e teria bastante tempo para poder descansar por algumas horas. A presença do seu mordomo, o silêncio da carruagem e a pouca luz do entardecer era tudo o que precisava para ter um sono relaxante. E assim o fez.

*

Sebastian fizera silêncio durante toda a longa viagem e quando finalmente chegaram o mordomo tentou acordar o pequeno rapaz com as suas suaves palavras.

– Jovem mestre? – Chamou calmamente, já com as malas na mão.

O conde murmurou algumas palavras impossíveis de serem compreendidas, perdido no sono pesado que o deixava num estado de completa hibernação. Enrolou-se ainda mais numa forma de caracol, completamente deitado nos dois bancos que ocupara durante toda a sua viagem de sono.

– Mas que figura desprezível para um conde. - O mordomo suspirou, pousando uma das malas no chão e abanando ligeiramente o braço do conde. - Jovem mestre.

– Hmm… - O pequeno murmurou, ignorando completamente as tentativas do seu mordomo. Fazia semanas em que finalmente tivera umas boas horas de sono, e não pretendia interrompê-las agora.

Sebastian pousava agora ambas as malas no chão. Tomara a liberdade de passar a mão no rosto do rapaz para que este acordasse. Esperava que o pequeno conde despertasse com apenas aquele toque suave, já que seria indelicado um mordomo acordar o seu mestre de uma forma brusca. - Jovem Mestre.

O pequeno pressionou o rosto na mão do demónio, sentindo-se aconchegado pelo conforto da pele quente do mordomo. - Hmm… Deixa-me.- Murmurava novamente, perdido entre os sonhos e a realidade. Mal ele imaginava que estaria a fazer tais figuras na presença do seu mordomo.

Sebastian franziu a sobrancelha, não havia meio de acordar aquele rapaz. Decidiu então tomar a indelicadeza de levemente tocar na pequena orelha do rapaz, um truque que era normalmente utilizado para acordar crianças sem as despertar do sono tão repentinamente. - Jovem mestre, por gentileza, por favor acorde. - O mordomo voltou a pedir, num tom ligeiramente maior.

– Au! – O pequeno conde guinchou ao sentir a sua orelha ser apertada pelo demónio. Abriu os olhos sobressaltado, e deu consigo a olhar directamente para a expressão pouco contente do mordomo, que já revelava alguma impaciência. – Mas o que vem a ser isto?!

– O jovem mestre estava num sono profundo porém numa figura lastimável para um nobre. - O mordomo explicou formalmente.

– Cala-te! – O conde resmungou ainda meio ensonado, levantando o seu corpo cansado o mais rápido que pôde. – Já estamos atrasados graças a este absurdo. Um mordomo que não consegue acordar o seu próprio mestre… Enfim.

– Perdoe-me, apenas não quis ser rude. - O mordomo explicou enquanto ambos saíam do comboio. O demónio segurava as malas enquanto seguia o pequeno mas autoritário conde. A estação daquela zona era muito menos movimentada do que a de Londres e não era necessário que Sebastian estivesse tão alerta.

Ciel andava pelos caminhos da estação, desta vez mais calmamente, enquanto observava em sua volta a pouca ou quase nenhuma movimentação do local. Sem dúvida que estava na pobre aldeia de East End.

Procurou algum trabalhador a quem pudesse pedir algumas indicações, mas apenas conseguiu avistar um homem já numa idade idosa a varrer as folhas que impediam a passagem na entrada da estação. Aproximou-se do homem de aparência pobre, vestido apenas com trapos castanhos, dirigindo-se:

Excuse me, Sir. – Iniciou o diálogo, chamando a atenção do velho que agora se virava para o pequeno com uma expressão de surpresa. – Poderia indicar-me o local onde se encontra a pensão mais próxima?

O velho parou alguns segundos para analisar o pequeno nobre antes de dar uma pequena gargalhada. - Ora aqui está algo que não se vê todos os dias. Mas o que é que um rapaz tão aprontado faz numa terra destas? - O idoso perguntou, agora analisando o mordomo que mantinha uma expressão neutra. - A única que existe fica a dois quarteirões daqui. - O homem continuou apontando por uma rua estreita que o mordomo e o conde deveriam tomar.

O conde agradeceu ao velho e fez um pequeno sorriso, ignorando a sua pergunta. O homem mais velho sorriu-lhe de volta e continuou a varrer o chão alegremente.

Ciel e o seu mordomo seguiram pela estrada vazia que os guiaria até ao local onde ficariam essa noite. Em pouco tempo poderiam ter alguns momentos de descanso.

*

A entrada do pequeno edifício era pouco luxuosa. O chão de madeira antiga e as paredes pintadas de um amarelo velho deixavam o espaço pouco iluminado e nada apelativo. O hall era surpreendentemente pequeno, tendo apenas um balcão de chegada e dois sofás no canto da sala. O jovem conde suspirou ao observar o terrível estado daquele local, mas teria que se conformar com isso. Aproximou-se do balcão do lado oposto da porta, e dirigiu-se a uma mulher nos seus 50 anos de idade que não apresentava uma boa figura, embora mantivesse um sorriso acolhedor no seu rosto.

– Quero reservar os seus dois melhores quartos. – Disse apressadamente e do seu bolso retirou um saquinho que continha várias moedas.

Sebastian ainda observava o anexo, mas a sua atenção focou-se na mulher quando esta respondeu - Há apenas um quarto disponível e é bastante pequeno. - A mulher disse num tom entre pena e ternura, concentrando-se apenas no facto do rapaz ser uma bonita criança, ignorando o estatuto social que as suas roupas aparentavam.

– Apenas um quarto? – O jovem conde questionou na esperança de ter ouvido mal, uma expressão presa entre a confusão e o terror formou-se no seu rosto. – Com certeza que uma pensão como esta não pode ter apenas um quarto disponível! Não vejo ninguém aqui! – O conde elevou ligeiramente a sua voz, lançando criticas à pequena pensão dirigidas à mulher que agora olhava o pequeno com uma expressão insatisfeita.

– Vamos Sebastian. Procuremos outro local. – Disse, virando costas à mulher e dirigindo-se até à saída, parando de imediato ao ouvir o mordomo se pronunciar.

– Jovem mestre, esta é a única estadia disponível, se bem me recordo do que aquele homem disse.- Sebastian relembrou. - Este é o único local onde poderemos ficar durante a noite. - O mordomo concluiu, aproximando-se do conde.

Ciel bufou ao ouvir as palavras do demónio. Tornou-se pensativo por alguns momentos, ainda a tentar controlar a sua indignação com toda aquela situação. – E para que nos serve apenas um? Com certeza que não estarás a pensar que iremos dormir no mesmo quarto!

– O jovem mestre tem realmente um pavio curto… - Sebastian comentou, mas fora interrompido pelas palavras da mulher antes de continuar. - Mas vocês vão querer o quarto ou preferem dormir na rua!?

O conde depois dirigiu-se à mulher e esticou a mão, o seu rosto com uma expressão insatisfeita. A mulher levantou uma sobrancelha perante a atitude do rapaz, mas nada disse, entregando-lhe a chave do quarto. O mordomo sorriu ao assistir à cena, e desculpou-se pela atitude do seu mestre após este já ter subido as escadas que o levariam até ao quarto onde passaria a noite, juntamente com o seu mordomo.

Ciel entrou no quarto apressadamente, e deu o seu máximo para ignorar os móveis pobres que ocupavam o pequeno espaço. Atirou-se para cima da cama e afundou o seu rosto na almofada, murmurando:

– Estou exausto…

Sebastian riu levemente, observando o conde com um sorriso trocista. - É realmente tarde. O jovem mestre deveria descansar por agora. Amanhã será um longo dia. - O mordomo aconselhou.

Ciel virou o rosto, encarando o mordomo. Manteve-se pensativo por alguns momentos. Visto que era o único quarto disponível, este mesmo só teria uma cama. Este não continha nem um único sofá ou cobertores que pudessem ser usados como um colchão improvisado. O pequeno conde questionou-se então como resolveriam o problema que tinham diante si. – E onde é que pretendes dormir?

O mordomo fez silêncio para observar o quarto, e segundos depois respondeu:

– No chão.

O conde não conseguiu evitar soltar uma pequena gargalhada, surpreendido pela sugestão do demónio. Ainda assim, não teria uma solução melhor. A cama ficaria para si, e não existia mais nenhum local a onde o mordomo se pudesse instalar. Não obstante, levantou-se da cama e encarou o homem que esperava as ordens do seu mestre.

– Certo, não vejo uma outra solução possível. – Aceitou a sugestão do demónio, ainda que não se sentisse totalmente confiante de que isso seria a melhor coisa a se fazer. – Podes começar a preparar tudo para eu dormir. Amanhã teremos que acordar cedo.

Sebastian assentiu. O mordomo abriu os lençóis da cama antes de gentilmente retirar o casaco do conde, dobrando-o e colocando-o sobre as costas de uma cadeira de madeira.

O mordomo sorriu num modo motejador enquanto retirava o calçado do rapaz e depois desfez o laço que envolvia o pescoço do menor. Numa fracção de segundos, Sebastian respondeu ao olhar azul enquanto se ajoelhava perante o conde que estava agora sentado na berma da cama. Começou a desabotoar o colete do rapaz, seguindo-se da camisa. Durante todo o momento em que o demónio despia o conde, mantinha o contacto visual por alguns longos segundos, quebrando-o um pouco depois e mais tarde respondendo ao olhar novamente, tornando-se isto num ciclo vicioso até que o último botão da camisa de dormir do rapaz estivesse abotoado.

O conde inspirou fundo. A tensão presente no quarto tornava-se cada vez mais desconfortável, e Ciel não sabia como reagir caso fosse surpreendido por mais um dos actos inesperados do demónio. Olhou firmemente para os olhos penetrantes do homem e sentiu-se devorado por eles. O vermelho escarlate que o encarava intensamente, em total silêncio, deixava o seu corpo imóvel, pronto a descair-se nos braços do demónio. Ciel sentia-se exausto, incapaz de tomar decisões racionais. Queria conforto, protecção e tranquilidade. Queria deixar que o seu corpo mole se apoiasse no mordomo que teimava em confundi-lo com aqueles jogos de olhares que o seduziam a cada dia que passava. “Ah… Sebastian”.

Os seus olhos ainda presos no demónio que sorria maliciosamente, e o conde retribuía o gesto. A sua mente cansada deixava-o caminhar pelos trilhos perigosos que tentava evitar a qualquer custo. O homem à sua frente tentava-o de todas as maneiras, provocava-o constantemente e Ciel adorava quando ele o fazia. Adorava os pequenos toques, os olhares sedutores e todos os joguinhos de palavras. E a cada dia que passava o conde queria mais, sentia-se insatisfeito apenas com isso. Queria ir mais além, avançar por caminhos novos que sabia que mais tarde se iria arrepender… Mas Ciel sentia-se pronto para arcar com as consequências.

Respirou fundo e pousou a sua mão no ombro do mordomo que se mantinha ajoelhado perante ele. “Sebastian…”. Murmurou e avançou em frente, deixando-se cair de uma forma exausta nos braços do demónio, sendo agarrado fortemente contra o seu peito, preso pelos braços que agora passavam em volta da sua cintura. Os seus lábios doces a poucos milímetros da orelha do mordomo, sussurrou:

– Estou cansado…

Sebastian segurou o rapaz nos seus braços deixando que o seu rosto descansasse contra o peito do mordomo. O demónio sorriu. Mas desta vez um sorriso diferente, um sorriso com um toque de ternura, carinho. Sebastian sentia cada vez mais aquela obrigação ter de proteger o pequeno rapaz. Não, não era obrigação, o mordomo fazia-o de livre vontade. Gostava de envolver os braços naquele corpo frágil e nunca mais largar aquela alma. O seu orgulho interior diminuía cada vez mais, a triste história do corpo e alma de um demónio que ficara acorrentado a um mero rapaz. Sebastian deitou o pequeno conde na cama, tapando-o gentilmente com os lençóis, a sua expressão tornando-se séria novamente. - Boa noite, jovem mestre.

O pequeno separou os lábios, pronto para dizer algo, mas optou por se manter em silêncio. As suas longas pestanas começaram a fechar-se lentamente, consumido pelo cansaço dentro de si. Observou o mordomo que agora se preparava para se deitar no chão e o seu coração bateu fortemente ao sentir uma certa culpa em deixar o demónio em tão pobres condições.

Pensou seriamente se realmente isso seria a melhor opção, e logo decidiu dizer algo que sabia que se iria arrepender mais tarde.

– Dorme comigo… - Murmurou, escondendo o rosto na almofada.

Sebastian olhou para o pequeno que se escondia agora nos lençóis como se não tivesse dito nada. O mordomo levantou-se silenciosamente e momentos depois estava deitado perto do conde. O espaço era pouco, a face de Ciel estava a milímetros de se encostar ao seu peito e, enquanto isso, este apenas observava as expressões do seu pequeno mestre.

Ciel manteve-se em silêncio ao sentir o demónio perto de si. O seu coração batia cada vez mais rápido, a sua respiração agitada e o seu corpo incapaz de se mover. O mordomo, vestido apenas com a sua camisa branca e as suas calças pretas, mantinha-se virado para o pequeno. Ciel, na sua longa camisa branca, inalava o aroma perfumado do mordomo, uma mistura floral e um toque de uma colónia intensa. O pequeno inspirou novamente, sentindo o cheiro das ervas do chá de camomila que o mordomo lhe servia todas as manhãs. “Hmm…”. Maravilhava-se com todo aquele perfume extasiante, provocando-lhe ainda mais aquele desejo de se aproximar daquele homem.

Moveu ligeiramente o seu corpo, as suas mãos apertavam agora levemente a camisa do mordomo, mantendo-se junto ao seu peito. A ponta do seu nariz roçou num dos pequenos botões da camisa, os seus lábios molhados separavam-se, procurando controlar a respiração que se tornava cada vez mais apressada. A sua perna despida ocupava um pequeno espaço entre as pernas do mordomo, entrelaçando-as.

– Ah… É uma cama tão pequena. – Murmurou, procurando arranjar motivos pelas suas acções impróprias.

Sebastian sorriu e, utilizando a mesma desculpa que o pequeno conde, colocou um dos braços em volta da sua cintura pequena, comentado. - Realmente é. - O mordomo olhou fixamente para os olhos azuis que evitavam manter contacto visual.

O pequeno sorriu discretamente e aconchegou-se ao corpo do demónio, que agora estava totalmente colado ao seu. Estava envolto num abraço apertado com o seu próprio mordomo e mal podia acreditar que aquilo realmente estava a acontecer. Teria ele passado dos limites? Talvez, mas pensando honestamente, Ciel não se importava minimamente. De qualquer forma, o seu lugar no inferno já estava reservado.

Fechou os olhos e apreciou o toque do demónio. Os dedos compridos do mordomo entrelaçavam em volta da sua fina cintura. O pequeno apertava cada vez mais a sua perna despida entre as do mordomo, aquecendo a sua pele descoberta.

– Hoje está uma noite fria… - Acrescentou à sua lista interminável de desculpas esfarrapadas, provocando o demónio com a sua voz doce e intima.

Os seus finos dedos percorriam o peito do demónio, ainda coberto pela camisa branca, seduzindo o mordomo que se arrepiava ao sentir o toque suave do pequeno.

Sebastian envolveu o pequeno num abraço mais aconchegante, num modo protector. Vivia cada segundo sabendo que na manhã seguinte a criança que agora procurava carinho e atenção iria alterar-se para um conde rude e orgulhoso. Sebastian sentia falta desta parte do seu jovem mestre, a criança indefesa e inofensiva, que aceitava os toques do demónio e discretamente os retribuía. O mordomo esticou o braço para puxar um dos lençóis e assim cobrir ambos os corpos. Sem saber descrever ou identificar o que sentia naquele momento Sebastian resignou-se a assentir um pequeno "sim".

O conde sonolento encostou os seus doces lábios à camisa branca do mordomo, pressionando-os de leve. Sentia-se quente, protegido e aconchegado. Algo que não sentia desde que os seus pais morreram. Queria manter-se naquela posição para sempre, abraçado àquele demónio que o fazia enlouquecer a cada dia que passava. Sentia paixão e arrependimento, a sua mente gritava-lhe para se afastar daquele homem mas o seu coração pedia por mais contacto, por mais toques e provocações. Respirou fundo e deixou-se embalar por aquele momento. O sono dominou-o e adormeceu nos braços do seu demónio.

A noite passou e os dois dormiram em total paz, aconchegados no conforto um do outro, embora soubessem que aquele momento fosse um acontecimento de uma só vez. Nada do género se voltaria a repetir, e ambos tinham a certeza disso.

No entanto, a partir dessa noite a relação dos dois estava mais próxima do que nunca, e isso era algo que ambos receavam descobrir.


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Notas finais do capítulo

Olá! Espero que tenham apreciado a leitura deste capítulo.
Antes de mais, quero agradecer a todas as pessoas que acompanham a fic. Aqueles que comentam, muito obrigada! Os que não comentam, não sejam tímidos, queremos muito saber a vossa opinião.
Este capítulo foi muito especial para mim, porque pela primeira vez existe contacto físico entre as duas personagens. Não quisemos avançar muito mais que isto, pois seria demasiado cedo.
Para quem perguntou se vai ter lemon: Sim, vai. Mas não é para breve. Não queremos apressar a história, principalmente porque o Ciel que nós idealizamos ainda não está preparado para isso.
Portanto, espero que consigam apreciar a história calmamente, e que sejam um pouco pacientes. O lemon virá sim, mas só daqui a alguns capítulos.

Muito obrigada e não se esqueçam de deixar a vossa opinião!



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