Cursed Mistakes escrita por CristinaD, Skorgiia


Capítulo 6
A Missão


Notas iniciais do capítulo

Olá a todos! Antes de mais quero agradecer a todos os nossos leitores por acompanharem esta fanfic e claro, pelos incríveis comentários que deixaram nos capítulos anteriores!
Este capítulo saiu mais tarde pois tivemos alguns problemas de internet. Pedimos desculpa pelo atraso.
Por enquanto é tudo. Esperemos que tenham uma boa leitura!



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A noite passara depressa até mesmo para Sebastian, uma criatura que não era digna de desfrutar do descanso nocturno. Era agora de manhã e a pequena e única janela que existia no quarto iluminava minimamente o anexo. O mordomo tentou sair da cama sem acordar o pequeno conde. Obteve sucesso e decidira preparar as roupas que o nobre iria vestir. Sebastian, como sempre, tinha-se prevenido quando preparou as malas e tirava agora um conjunto que um rapaz da classe média do povo usaria. Mal podia esperar que o seu jovem mestre acordasse para o provocar novamente com os seus actos impensáveis da noite anterior. Depois de preparar tudo, o mordomo tentou acordar o rapaz com palavras suaves.

– Jovem Mestre, é hora de acordar.

Ciel gemeu baixinho ao ouvir as palavras do demónio. Faziam anos desde a última vez que tivera uma noite tão relaxante. Passou cuidadosamente a mão nos seus próprios cabelos, afastando-os do rosto ensonado. Elevou o seu corpo ligeiramente e finalmente focou a sua atenção no mordomo.

– E é suposto eu vestir isso? - Perguntou ironicamente, nada satisfeito com os trajes que o demónio tinha escolhido.

Sebastian sorriu novamente. O rapaz rude e orgulhoso estava definitivamente de volta. - Bom dia jovem mestre. - Sebastian assentiu com a cabeça - Não era este o plano combinado? Disfarçar-se para se enquadrar na sociedade de East End sem dar nas vistas? Aliás, o senhor já ultrapassou e representou papéis bem piores, um verdadeiro mestre do disfarce. - O demónio riu, referindo-se ao detalhado vestido rosa que o conde vestira tempos atrás.

O rapaz corou ao se relembrar daquela noite em que foi obrigado a usar aquele tipo de trajes. Respirou fundo optando por ignorar as provocações do demónio.

– Tudo bem! Não me importo de vestir isso. - Garantiu, o seu rosto ainda num tom rosado.

Sebastian riu levemente, começando por desabotoar a longa camisa branca do pequeno. Depois da mesma troca de olhares provocadores da noite anterior e depois de o conde estar completamente vestido, o mordomo afastou-se um pouco para verificar o visual.

O rapaz olhou-se de cima a baixo, surpreendido de como mesmo as roupas sendo bastante pobres, continuavam a assentar-lhe bem. Vestia uma camisa branca com um colete castanho, umas calças também elas castanhas e na sua cabeça levava uma boina já com alguns buracos. Ainda assim, o conjunto deixava-o muito melhor do que pensara.

Após alguns momentos a gabar-se da sua boa aparência, o conde focou a sua atenção no demónio que aguardava silenciosamente.

– E tu vais vestir o quê?

–Estarei pronto em momentos mas primeiro... - Sebastian fez uma pausa - Temo que seja demasiado rude pedir-lhe que saia do quarto então, por favor, vire-se.

O conde olhou incrédulo para o mordomo que não hesitou em começar a despir a sua camisa branca. Ciel virou-se rapidamente, o seu rosto a corar furiosamente.

– S-Sebastian! - Gaguejou ligeiramente, incapaz de reagir a toda aquela situação.

O mordomo começou por despir-se e Ciel podia apenas ouvir as peças de roupa que eram largadas no chão. Momentos depois, que pareceram eternos para o rapaz, Sebastian avisou. - Já se pode virar, jovem mestre. - O mordomo que agora já não denunciava a sua vocação pelo vestuário disse. Vestia uma camisa branca de mangas arregaçadas até aos cotovelos, justa, realçando a estrutura musculosa dos braços, mantendo as luvas para cobrir o símbolo do contrato e as suas unhas negras. Por cima, um colete aberto sem mangas castanho e por fim umas calças semi-justas de tom também elas castanho. Seria esta a primeira vez que Ciel vira o mordomo vestido de tal maneira.

O rapaz manteve-se em silêncio por alguns momentos, observando de cima a baixo o demónio, todos os detalhes do seu corpo, levando-o a apreciar o facto de também aquelas roupas lhe servirem perfeitamente. A camisa semelhante à que o mordomo habitualmente usava revelava a sua excelente estrutura física e Ciel não pôde evitar morder levemente o lábio. O colete que lhe acentava perfeitamente nos ombros e as calças quase justas que faziam o pequeno olhar excessivamente para onde não devia.

Acordou finalmente dos seus pensamentos pecaminosos e logo voltou à sua farsa autoritária perante o mordomo.

– Certo. Agora que estamos devidamente preparados podemos então prosseguir com os planos para esta manhã.

Sebastian sorriu um pouco, embora preferisse estar vestido com as suas roupas habitualmente negras de mordomo. Abriu a porta deixando primeiramente o rapaz passar e depois seguindo-o encerrando a porta atrás de si.

A manhã decorreu exactamente como o previsto. O conde e o mordomo percorreram as ruas da pobre aldeia, questionando alguns dos habitantes que cruzavam o seu caminho. Ao fim de todo aquele percurso cansativo, o conde decidiu fazer uma pausa num café local no centro da aldeia. Entrou na instalação e logo reparou que ela se encontrava vazia. Apenas um homem com cerca de 50 anos se encontrava ao balcão, entretido a limpar alguns copos.

– Um chá e uma fatia desse bolo. - Pediu, apontando para o tal bolo que se encontrava dentro de uma caixinha de vidro. Virou-se para o mordomo, uma expressão de curiosidade formando-se no seu rosto. - Vais querer o quê?

Sebastian sorriu denunciando um pouco de agradecimento. - Não tenho fome, obrigado. - O demónio inventou a desculpa, já que comida não satisfazia a sua verdadeira fome.

O conde sentou-se numa mesa no canto do café e aguardou em silêncio pelo seu lanche. O mordomo sentou-se também, desempenhando o seu papel como pai da criança.

Ao fim de alguns minutos o dono do café aproximou-se, trazendo consigo o chá e a fatia de bolo de laranja.

– O seu filho tem uns olhos muito bonitos, é a primeira vez que vejo um azul tão forte. - O homem elogiou, fazendo um sorriso simpático.

Sebastian sorriu amplamente olhando novamente para o rapaz e resignou-se a esperar pelo agradecimento do pequeno.

Ao ouvir o tal elogio, Ciel libertou um sorriso doce, quase inocente, e agradeceu pelas palavras amáveis do homem. Após ele virar costas, o sorriso inocente transformava-se num malicioso, a sua farsa completamente revelada em frente dos olhos do mordomo.

– O jovem mestre já pensou em seguir teatro? - Sebastian provocou em sussurro.

Ciel não evitou soltar um pequeno riso com a provocação do demónio. Levou a chávena aos lábios e saboreou o doce aroma dos frutos vermelhos. Os seus lábios rosados provavam agora o bolo e deliciou-se com o sabor intenso de laranja. Interrompeu a sua refeição por breves momentos, sussurrando para o mordomo:

– Depois iremos investigar o mosteiro. É a única pista que nos resta.

– Certamente. Pelo que os habitantes nos disseram parece que algo bem suspeito anda a decorrer naquele edifício. - O mordomo comentou pensativo. - Já é fim de tarde, penso que seja um momento calmo para averiguarmos o mosteiro.

Ciel acenou positivamente com a cabeça e levantou-se da cadeira. Deixou algumas moedas no balcão e saiu juntamente com o mordomo.

Sebastian seguiu o rapaz enquanto ambos percorriam uma rua que os guiava para o local que procuravam. Mosteiros ficavam normalmente no lado de fora de uma aldeia ou cidade, por isso a caminhada teria demorado um pouco e quando chegaram a noite já caía.

*

O espaço encontrava-se silencioso, os pequenos passeios do mosteiro apenas com alguns monges que faziam as suas rezas solitariamente. O rapaz aproximou-se do mordomo, ficando lado a lado para conversarem com mais privacidade.

– Vês algo de suspeito?

– Parece estar tudo dentro da normalidade de um mosteiro - Sebastian comentou observando em volta. - Parece haver muito menos movimentação do que num mosteiro normal mas talvez seja por estarmos numa zona pouco habitada.

– Continuamos? Não penso que seja uma boa ideia que alguém nos veja a entrar. - O conde expressou, procurando uma sugestão vinda por parte do demónio.

– Sugiro que continuemos a procurar por algo suspeito, tem que existir alguma coisa fora do vulgar aqui, ou então não teria chegado aos ouvidos da Rainha. - O mordomo disse, olhando para o rapaz que ainda assim não estava totalmente convencido.

O conde acenou positivamente com a cabeça e seguiu os estreitos caminhos juntamente com o mordomo. Cada vez que avançavam mais, menos monges eram visíveis. Direcionaram-se até a uma entrada traseira, pouco visível por estar atrás de uns longos arbustos. A porta de madeira velha estava destrancada, e o mordomo abriu-a cuidadosamente para evitar que rangesse. Inspeccionou o local e, após confirmar que seria seguro entrar, deu passagem ao conde para que este explorasse a seu bem prazer.

– Não compreendo. Parece-me tudo normal… - O pequeno formou uma expressão pensativa, insatisfeito com os resultados da sua procura.

Sebastian olhava agora para o rapaz enquanto ambos caminhavam pelo compartimento. O mordomo relembrava agora a noite anterior, uma memória que tinha palpitado na sua cabeça naquele momento, fazendo-o formar um pequeno riso.

O conde olhou de lado para o mordomo, surpreendido com a sua acção inesperada. Levantou a sobrancelha curiosamente ao reparar na sua expressão invulgar.

– O que foi?

– Nada de relevante. Apenas uma recordação da noite passada. O jovem mestre nem parecia ser o mesmo. – Sebastian comentou rindo.

A tão aguardada conversa teria sido iniciada. O conde surpreendeu-se ao ter sido o mordomo o primeiro a falar sobre isso, no entanto sabia que ele o fazia apenas para o

provocar. Ciel arrependia-se da noite passada, incerto de como iria explicar o porquê de aquilo ter acontecido. Interiormente, o conde sabia a razão pela qual fazia tudo aquilo. Estava consciente de que se tinha apegado demasiado ao mordomo, que se sentia atraído por ele e que necessitava de estar perto dele a todos os momentos. Sentia-se seguro com o demónio, protegido. Não só isso, Ciel achava-o extremamente sedutor, belo e a necessidade de o tocar tornava-se cada vez mais forte. Ele queria-o, e embora se insultasse a si mesmo por se deixar cair na tentação do demónio, a verdade é que o conde delirava de prazer em perseguir caminhos tão perigosos. Ainda assim, não estaria pronto para revelar tudo isso ao mordomo. O mais provável seria que o demónio troçasse dele, e isso mancharia o seu orgulho para sempre. Decidiu então optar por caminhos mais fáceis, usando novamente aquela farsa de pouca preocupação.

– Estava frio e achei que foi uma boa solução para passar a noite confortavelmente. – Calou-se por uns momentos, procurando algo mais que deixasse o seu argumento confiável. – Para além disso, achei inadequado que dormisses no chão, mesmo que sejas de um estatuto baixo.

– Entendo, mas, Jovem mestre, mesmo sendo apenas por estar frio, nunca esperei ver aquele pequeno sorriso de satisfação que vi durante toda a noite. – Sebastian provocou novamente, deliciando-se com as reacções falsas do pequeno Conde.

– Oh? Mas parece-me que não fui o único que sorriu a noite inteira, certo? – O conde retribuiu a provocação, também ele confiante de que o demónio teria realmente desfrutado da noite passada. – Aliás, sendo tu quem começou esta conversa, é provável que tenhas pensado mais nisso do que eu.

– Nada disso, apenas pensei ser algo fora do vulgar. E o Jovem mestre, mais que ninguém, deveria saber do sorriso que a minha expressão carrega durante a maior parte do tempo. - Sebastian disse, sorrindo amplamente numa pequena demonstração.

Ciel franziu a testa, os seus olhos brilharam de irritação ao ouvir as palavras do demónio. Como é que ele podia dizer aquilo? O conde pensava indignado, sentindo-se ofendido e enganado pelo mordomo. Para Ciel, aquela noite tinha significado muito. Tinha-o feito sorrir pela primeira vez em anos. Não só isso, tinha também esclarecido definitivamente aquilo que sentia por aquele homem. Mas agora, ao ouvir o que o mordomo lhe dissera, estava mais arrependido que nunca. Culpou-se interiormente por se ter deixar enganar, por ter acreditado por breves momentos que talvez o demónio pudesse sentir algo por ele, por muito pequeno que esse sentimento pudesse ser.

Mas aquelas palavras apertaram-lhe o coração em sofrimento. Engoliu a seco e verbalizou fria e cruelmente aquelas palavras que Ciel sabia que dariam início a uma discussão.

– Certamente, fui ingénuo ao pensar que uma criatura asquerosa como tu pudesse ter tirado algum tipo de satisfação daquela noite. Um ser tão repulsivo, repugnante e hediondo jamais poderia sentir algo assim. – Fez uma pausa, as palavras custavam-lhe a sair da boca. - És apenas uma simples pedra no meio de um jardim de raras flores… Consigo sentir uma certa pena por ti.

Sebastian demonstrava agora uma expressão de surpresa. - Não entendo o porquê de tanta exaltação, Jovem Mestre. Ultimamente as suas emoções têm estado muito à flor da pele. - O demónio disse, enquanto observava o pequeno atentamente. Sebastian sabia que aquilo que dissera ferira o coração frágil que o conde esconde por de trás de todo aquele orgulho. Apenas não entendia o porquê e aparentemente o demónio apenas alcançava as respostas que queria escutar com pequenas provocações.

– Que absurdo! – O conde exclamou quase gritando, não consciente de que estaria a fazer exactamente aquilo que o demónio dissera. Estava exaltado, irritado e magoado com a pouca sensibilidade do mordomo. Era de facto verdade que se sentia mais sensível, mas apenas quando o tema em questão era o demónio. Inspirou fundo por alguns momentos, massajando a cabeça à procura de algum relaxamento.

– Não estou exaltado e muito menos sensível por problemas tão insignificantes. Aliás, isto nem pode ser considerado um problema. – Fez uma pausa, a irritação ainda presente no seu rosto. – Bem, talvez seja melhor terminarmos a conversa por aqui! Não estou com disposição nenhuma para aturar a tua insolência.

– Certamente. - Sebastian fez uma pequena reverência e logo o local se inundou em puro silêncio.

Ciel decidira ignorar por completo aquela troca de palavras. Sentia-se magoado, mas sabia que o mordomo não o fizera propositalmente. O problema não eram as palavras frias do demónio, mas sim a sensibilidade de si próprio. Por muito que tentasse ignorar os seus sentimentos turbulentos, a cada dia que passava sentia-se mais magoado.

Respirou fundo e afastou esses pensamentos da sua mente. Por enquanto, teria que se concentrar apenas na missão que lhe fora dada pela Rainha.

Continuaram a caminhar pelos corredores estreitos do mosteiro, percorrendo longas salas que continham estátuas de santos e outras figuras religiosas.

O olhar do jovem conde focou-se numa grande porta vermelha, destacando-se de todas as outras portas comuns. Talvez seria lá que encontraria o que procurava.

Fez um sinal silencioso ao demónio, que acenou positivamente. “Existe alguém dentro…”. O conde concluiu após ter tido a confirmação do mordomo.

Abriu então a porta levemente, fazendo o mínimo de barulho possível. Observou o local que parecia ser um santuário. O espaço era fechado, embora fosse iluminado por todas aquelas velas que aqueciam a sala.

As longas estátuas deixavam o ambiente mais pesado, as expressões nos seus rostos eram de sofrimento. Ciel sorriu perante a cena.

– A religião é sem dúvida algo irónico. Querer o bem através do sofrimento.

Sebastian partilhou o mesmo sorriso, orgulhoso do comentário trocista do seu pequeno mestre. Era agradecido por esta criança ter escolhido o lado das trevas, por ter escolhido passar a eternidade nos braços do demónio.

A troca de sorrisos parou quando ambos foram surpreendidos por um vulto humano no canto da sala. Um homem que aparecera repentinamente aproximava-se de ambos, o desespero visível no seu rosto.

– Quem está ai?! – Uma voz quebrou o silêncio instalado, as palavras ecoaram por todo o local. – Fora! Afasta-te seu monstro! – Um homem em trajes de padre gritava na direcção do mordomo, aparecendo de surpresa à frente dos dois. – Como se atreve o demónio a entrar na casa de Deus?! Volta para o teu inferno! – O homem gritava loucamente, apontando um crucifixo e tirando logo de seguida água benta que queimou a pele do mordomo.

Sebastian soltou um clamor de dor e instantaneamente os seus olhos alteraram-se para um tom rosa brilhante enquanto se tentava afastar do homem que o atacara. Uma dor de cabeça horrível fez com que Sebastian caísse nos seus próprios joelhos enquanto esta se alastrava por todo o seu corpo. Sentia os ossos quebrarem-lhe enquanto o Padre pronunciava estranhas frases em latim, e a dor era cada vez mais pontiaguda. Com o pouco controle que tinha olhou para o seu mestre. O demónio não queria que o rapaz o visse em tal frágil figura e enquanto lutava para não pronunciar a sua dor através da voz, olhou para o pequeno que agora assistia à cena imóvel. Sentia a necessidade de ver a sua expressão, como reagiria o conde?

Os breves momentos chocantes alastraram-se na mente do pequeno, incapaz de reagir ou fazer algo para impedir aquele homem. Os seus olhos abriam indefesamente, uma expressão mortífera no seu rosto. Correu em direcção ao demónio que se encontrava de joelhos no chão, perdido em grande sofrimento. O pequeno colocou as mãos nos ombros do mordomo, frente a frente, o desespero visível nos seus olhos.

– Sebastian! – Ciel gritava incontrolavelmente, a sua garganta ardia de tanto pronunciar o nome daquele que o protegia a todos os momentos. – Sebastian! É uma ordem! Acorda! – A respiração do conde estava alterada, os seus olhos lacrimejavam enquanto observava o mordomo que parecia não dar qualquer sinal de vida. Encostou o seu peito ao do demónio, descansou a sua cabeça no ombro do maior, e a sua voz quebrou-se:

– Sebastian… - Silenciou-se, roçou ligeiramente os lábios no pescoço gélido do demónio e sussurrou. - Por favor…

Sebastian abriu os olhos que ardiam com aquele tom rosado, deparando-se com o rosto da criança escondido no seu ombro. O mordomo mantinha uma visão turva mas era capaz de ver minimamente. Conseguia distinguir a mão do padre que tentava alcançar o jovem conde, e sem saber se se tratava de uma ameaça, Sebastian atacara o homem com as suas últimas forças. O momento decorrera em meros segundos, tudo ficara negro.

Impossível de processar o acontecido, Ciel via agora o padre deitado no chão, sem sinais de sangue ou agressão, mas definitivamente morto. Sebastian olhou para o rapaz que estava ajoelhado no chão. Sentia o corpo ainda dorido, mas a dor era significativamente menor do que a que sentia momentos atrás. Mal tentava o jovem conde entender que o demónio tinha acabado de consumir a alma do homem agora morto.

O mordomo estendeu a sua mão perante o rapaz, que aceitou a sua ajuda, colocando a sua frágil mão por cima da do mordomo. Levantou-se calmamente, aproximando-se do demónio que estava a milímetros de distância de si.

– Não me voltes a assustar assim… - Murmurou baixinho, o seu orgulho mais ferido que nunca.

Limpou as pequenas gotas de água ainda presas nos seus olhos com a parte de trás da sua mão. Os seus olhos brilhantes encaravam o mordomo, que fazia uma expressão carinhosa. Ciel corou e logo desviou o olhar. Observou o padre que se encontrava caído no chão, já sem vida.

– O que lhe fizeste?

Sebastian olhou também para o corpo estendido. - As minhas mais sinceras desculpas. Para poder proteger o jovem conde de qualquer tipo de ameaça vi-me obrigado a consumir a alma deste homem para conseguir recuperar algumas forças. – O mordomo falou num tom serio.

Ciel focou novamente o seu olhar no homem morto, uma expressão confusa no seu rosto. – Então consumiste a alma deste homem? Assim como irás fazer com a minha? – O rapaz perdia-se nos seus próprios pensamentos, surpreendido pela rapidez da perda da alma. – Quando for a minha vez… Será assim tão rápido? – Perguntou desiludido, embora tentasse não passar muitas emoções através da sua simples pergunta. Ciel sempre pensou que quando chegasse essa altura que teria mais tempo para… se despedir. Que seria mais doloroso, e que o demónio cravasse o sofrimento nele enquanto devorasse finalmente a sua alma. Mas ao ver a rapidez com a qual o mordomo levou a alma daquele homem, todas essas expectativas desapareceram.

Sebastian olhou para o jovem conde com uma expressão de surpresa. Já se esquecera que o dia em que levaria a alma daquele rapaz chegaria. No fundo, o demónio não queria acabar com aquela rotina a que se tinha habituado, ao invés disso, preferia morrer de fome mas sendo ainda um mordomo perfeito. Sebastian esperou meros segundos antes de articular palavras. - O jovem mestre não se deveria preocupar com tais dúvidas. - O mordomo esboçou novamente um sorriso falso.

– Apenas quero estar preparado para quando esse momento chegar. – Ciel disse firmemente, o seu orgulho sobrepunha-se novamente ao seu medo de desaparecer para toda a eternidade. – E que seja doloroso, que craves o ódio na minha alma… E que me faças sofrer até ao fim. – O conde ordenou, olhando fixamente para os olhos escarlates do demónio.

“E que me iludas com o teu falso amor… para depois me traíres no final de tudo.” Pensou para si mesmo, suspirando. Tentou ignorar ao máximo a dor que sentiu no peito ao interiormente dizer tais palavras.

Sebastian ajoelhou-se perante o pequeno nobre, a sua mão encostada no seu próprio peito enquanto fazia uma reverência. – Yes, my lord.

*

Depois do sucedido, Sebastian e Ciel voltaram para a pensão onde tinham ficado a noite anterior. Durante todo o caminho o mordomo carregava o seu mestre nos braços enquanto este encostava o rosto no peito do maior. A pele do demónio que fora atingida ainda estava levemente queimada. Não se tratava de um ferimento normal portanto demoraria algum tempo até sarar.

Após um longo caminho de silêncio, ambos chegaram finalmente ao quarto que tinham reservado. A pouca troca de palavras manteve-se enquanto Sebastian despia as roupas do rapaz que se mantinha sentado na beira na cama.

– Iremos adiar a missão. – O conde quebrou o silêncio, revelando os seus planos firmemente. – Voltaremos para a mansão ainda hoje.

Ciel observou a cara de espanto do demónio. Pela primeira vez a missão fora adiada, e o conde tinha razões perfeitamente aceitáveis para isso. Pelo menos, eram aceitáveis para ele. Sentia-se frágil e magoado, embora não o admitisse em voz alta. O medo consumiu-o quando por momentos pensou que o mordomo o teria abandonado e que estava novamente sozinho no mundo. Queria voltar para a sua mansão, para o local onde se sentia mais seguro. Ele e o seu mordomo. A fazer a mesma rotina de sempre, calmamente, e sem perigos. Não queria perder tudo isso. Queria morrer antes de perder Sebastian, queria que fosse ele a levar a sua alma, que se deliciasse com ela, que o devorasse até à última gota. E por breves momentos pensou que tudo isso estaria perdido quando viu o seu mordomo no chão em grande sofrimento.

Por essa mesma razão, decidiu que o melhor seria fazer uma pausa. Voltariam para a mansão e deixariam a missão para mais tarde.

Sebastian levantou o olhar numa expressão de surpresa. “Adiar uma missão vinda da Monarca?!” Sebastian pensou. Até onde é que o medo levou aquele frágil rapaz? O mordomo abriu a boca para comentar algo mas logo decidiu manter-se em silêncio.

– Certamente. - Fora a única palavra que o mordomo decidira vocalizar.

Depois de ambos já vestidos como o usual, caminharam até à estação após pagarem à mulher que assegurava a pobre pensão. Era tarde e a noite estava bastante fria, embora o céu estivesse limpo, com uma fraca iluminação de rua que tornava possível ver muitas mais estrelas no céu. O caminho fora novamente feito em silêncio e a estação estava agora praticamente vazia, apenas os funcionários ocupavam o local.

Pousando depois as malas no chão, Sebastian tratou de comprar dois bilhetes para o último comboio da noite.

Enquanto o mordomo tratava do pagamento da viagem, Ciel decidiu dar uma volta pela estação, tornando-se pensativo enquanto percorria os novos caminhos. Achou estranho o facto de o mordomo ter sido tão compreensível com a sua decisão de abandonar a missão por algum tempo, chegando até a pensar que iria ser novamente atacado pelas habituais provocações do demónio.

Já no exterior da estação, Ciel optou por se sentar num dos degraus da escada, maravilhado pelo fascinante céu coberto de estrelas. East End era conhecido por ser um dos locais com as mais incríveis paisagens nocturnas. O jovem conde esfregou os braços, a sua pele fria pela aragem daquela noite pacífica. Suspirou fundo e encarou as estrelas que brilhavam intensamente.

Pensou em Sebastian. Ultimamente todos os seus pensamentos eram de alguma forma relacionados com o seu mordomo. Há medida que o tempo passava, Ciel tinha cada vez mais a certeza de que queria estar com aquele homem. Queria tocar-lhe como nunca tinha tocado antes. Queria cheirar aquele aroma intoxicante da sua pele, sentir as suas mãos gélidas em volta do seu corpo. Estremeceu ao relembrar-se daquela noite. “Ahh…”. Murmurou baixinho, ainda podia sentir o corpo do demónio em volta do seu. Os lábios pecaminosos que beijavam de leve os seus cabelos. “Eu quero-o tanto…”.

Fechou os olhos fortemente, irritado consigo mesmo. Ele sabia que havia algo de errado com ele. Ter aquele tipo de pensamentos, aqueles sentimentos que dominavam o seu corpo… Era perigoso. Cada vez se conseguia controlar menos. Cada vez se arrependia mais das suas acções. Os sentimentos conflituosos que invadiam a sua mente gritavam por mais contacto. E Ciel afundava-se em si mesmo e pecava cada vez mais ao pensar em tocar no demónio. E senti-lo… E beijá-lo…

– Eu quero tanto… - Murmurou para si mesmo, as estrelas eram as únicas que podiam ouvir os seus murmúrios.

Sebastian procurou pelo seu pequeno mestre, encontrando-o sentado na pequena escadaria fora da estação. O mordomo sorriu um pouco enquanto caminhava calmamente em direcção ao rapaz, surpreendendo o mesmo quando cobriu os ombros do jovem conde com o casaco negro que normalmente vestia. Pousou as malas no chão de pedra e sentou-se perto do pequeno, observando o céu nocturno decorado com pontos brilhantes.

Ciel encarou surpreendido o mordomo que agora permanecia sentado ao seu lado. O casaco negro cobria os seus pequenos ombros, e o conde aconchegou-se nele. O frio que antes percorria o seu corpo tinha desaparecido, sentindo agora o casaco quente e o magnifico aroma do seu mordomo. Roçou ligeiramente o seu nariz no tecido, inalando o doce perfume daquele homem.

– Cheira tão bem… - Murmurou baixinho, quase num sussurro, enquanto fechava os olhos e deixava escapar um pequeno sorriso nos cantos dos lábios.

Sebastian mantinha o silêncio, sorrindo levemente, enquanto deixava o rapaz encostar-se a si ligeiramente. O mordomo sentia agora o desejo de abraçar a frágil criança que estava ao seu lado. Queria protegê-lo para toda a eternidade tal como prometera. Olhava agora para o pequeno, sentia a sua frágil respiração. Era um momento calmo e era este tipo de momentos que Sebastian desejava presenciar cada vez mais. – Foi um longo dia… - Comentou, quebrando o silêncio.

– Por momentos pensei que… - A voz doce do conde quebrou-se, incerto se deveria ou não finalizar a frase. Olhou novamente para as estrelas e procurou a coragem que necessitava para dizer aquilo que tanto lhe atormentava a mente. Decidiu deixar-se levar no momento e arriscou. – Pensei que te ia perder…

– Eu prometi servi-lo eternamente. Um verdadeiro mordomo dos Phantomhive não voltaria atrás com a sua palavra. – Sebastian sorriu calorosamente.

– Eternamente… - O conde sussurrou e logo deixou escapar uma pequena gargalhada. O seu coração novamente apertado, como se tivesse sido esfaqueado. – Até me consumires e a minha existência terminar. – Sorriu para o mordomo, sentindo-se magoado com as suas próprias palavras. O demónio que jurava servi-lo eternamente ironicamente era aquele que o iria consumir brutalmente.

Sebastian franziu um pouco as sobrancelhas, voltando a observar as estrelas. O mordomo sentia um aperto no coração cada vez que se lembrava do maldito fim que um dia viria e mesmo que a fome fosse incontrolável, o mordomo nunca se iria perdoar caso chegasse a consumir a alma do pequeno rapaz. Os seus princípios de demónio alteravam-se cada vez mais. A cada dia que passava sentia-se mais humano do que criatura do inferno e o pior era que não sabia como se sentir quanto a isso. Humilhado? Envergonhado? Furioso? Mas nunca chegava a nenhuma conclusão. Sentia-se bem perto do conde, servindo-o, salvando-o de todas aquelas aventuras e desventuras. Sebastian deixou-se levar pelo momento e comentou num tom frio. – É apenas a minha opinião, mas o jovem mestre não necessitava de fazer um comentário tão rude.

– Mas é verdade, certo? Um dia vais levar a minha alma… E penso que esteja para breve. – O pequeno continuou com a cabeça encostada ao braço do mordomo, um sorriso triste formado nos seus lábios. – Mas eu não me importo… Faz parte do contracto. E tu sempre foste um mordomo excepcional.

Ciel alcançou a mão do homem ao seu lado, sobrepondo a sua. Precisava de contacto. De conseguir sentir algo vindo do mordomo. Ele queria perceber o que se passava dentro da mente do demónio, embora acreditasse que nunca realmente saberia. Sentia a sua pele quente, que aqueceu o pequeno logo no primeiro toque.

Agarrou a mão do mordomo com as suas duas pequenas mãos e levou-a aos seus finos lábios.

Pressionou um pequeno beijo nela, surpreendendo-o.

Um beijo simples, inocente, mas que arrepiou todo o corpo do demónio.

“Jovem mestre…”


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