Cursed Mistakes escrita por CristinaD, Skorgiia


Capítulo 4
O Jantar


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pela paciência até à postagem deste capítulo. É com pena que avisamos que estes próximos capítulos vão demorar um pouco mais a saírem porque ambas as escritoras estarão ocupadas com assuntos ligados aos estudos e porque o período escolar já começou. Obrigada também pelos comentários recebidos!

Com tudo dito, Boa leitura!



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Uma suave claridade começava a invadir pela janela, iluminando de leve o quarto que se mantinha em total silêncio. Os seus olhos abriam lentamente, habituando-se à claridade que agora se tornava cada vez mais forte. Sentia uma dor de cabeça aguda e os seus lábios estavam secos como um dia de verão. Ciel sentia o seu rosto quente, e tentava agora perceber onde estava. Olhou para os dois lados, ainda na mesma posição, deitado coberto pelos vários cobertores que mantinham o seu corpo aconchegado, e tentou reconhecer o quarto. “Ah…” Suspirou ao se aperceber que se encontrava num espaço seguro, a mansão da sua família, os Midford. Pestanejou várias vezes, ainda tentando encontrar algum conforto naquela claridade repentina. Ao seu lado, o pequeno relógio de mesa marcava as 6h20. O jovem conde bufou, nada satisfeito por ter acordado tão cedo, principalmente pelo facto de estar a sentir uma dor de cabeça tremenda. Tentava agora relembrar-se da noite anterior. Fechou os olhos de leve, em busca das memórias que teimavam em ser redescobertas. Foi ai que abriu os olhos rapidamente, recordando-se da noite em que consumiu mais do que devia. Sentia-se embaraçado à medida que mais memórias despertavam em si. Os Midford, Paula, o seu mordomo… Todas essas lembranças passavam agora pela sua cabeça. Suspirou. O que estava feito não podia ser mudado, e agora só tinha que continuar o seu dia e esquecer tais memórias de tão pouca importância.

Sentia a sua cabeça quente e sabia que não estava em melhor saúde. “Sebastian…”

Não demorou muito até que o mordomo entrasse no quarto pouco iluminado onde estava o seu mestre. O demónio abriu a porta zelosamente, entrando silenciosamente no quarto. Certificando-se se teria ouvido o chamamento do Conde ou se era outra vez a imaginação do demónio que se tornava cada vez mais produtiva por causa dos mesmos sentimentos que o atacaram na noite passada.

Sebastian aproximou-se da cama onde o rapaz estava deitado e falou num tom raso. – Já acordado Jovem Mestre? – O mordomo perguntou, concluindo que talvez fosse o efeito secundário do álcool que Ciel teria consumido na noite anterior.

Ciel afundou a cara na almofada, procurando aliviar de alguma forma aquela dor que parecia estar cada vez pior. – Sim… - Murmurou baixinho e abriu os olhos levemente, encarando o mordomo. – Estou com uma dor de cabeça horrível...

Sebastian riu levemente ao observar o estado do Conde “O jovem mestre parecia realmente descontraído ontem enquanto bebia, sem se preocupar com as consequências” O mordomo pensou.

– Não deveria ter bebido tanto ontem à noite. Sugiro então que beba um chá de camomila que tomarei o cuidado de fazer.

Ciel suspirou ao ouvir a repreensão do demónio, sabendo perfeitamente que não se devia ter descontrolado com a bebida. – E quero uma sobremesa. A minha favorita. – Ordenou e logo corou ao se relembrar quando esteve na cozinha a ajudar na preparação dessa mesma sobremesa.

Afastou o seu olhar do mordomo e manteve-se em silêncio, tentando disfarçar que de facto estaria recordado do que acontecera antes.

Sebastian pensou em falar sobre o que acontecera na cozinha a noite passada mas decidira manter-se calado relembrando-se do estado do pobre rapaz. "Talvez mais tarde." O mordomo assentiu com a cabeça e saiu do quarto.

Enquanto o demónio se ausentava para a preparação do chá e do delicioso Petit gâteau, Ciel tentava agora recordar-se da noite anterior. Lembrava-se de ter estado na sala de convívio, a consumir irresponsavelmente. A conversa com o seu tio Midford era também algo que não podia esquecer. As atitudes daquele homem continuavam a ser suspeitas, e Ciel teria que o confrontar no jantar de hoje. Focava-se agora nas memórias da cozinha, embora não estivesse totalmente confiante de que se relembraria de tudo. Fechou os olhos e concentrou-se. “Neste momento só quero que me deite nesse balcão e que me faça gritar o seu nome.” O jovem conde abriu a boca completamente chocado pela memória que agora lhe atravessava a cabeça. “A tia Francis?” Mal podia acreditar que tal coisa tivesse acontecido. Antes que pudesse procurar um contexto para aquele sucedido, foi interrompido pela entrada do mordomo no quarto, que consigo levava a refeição matinal numa travessa de prata.

– Mas que raio é que aconteceu ontem à noite?

Sebastian sorriu à questão do seu mestre enquanto cuidadosamente despejava o chá na chávena e a entregava ao conde.

– Ocorreram vários acontecimentos nada usuais ontem à noite. Então a qual deles se refere? Isto é, se o jovem mestre se conseguir lembrar de algo. – O mordomo curvou um pouco mais o sorriso escarnecedor, entregando também a sobremesa ao conde.

Ciel corou com a pergunta do demónio. Não sabia como explicar aquilo que se lembrava, era demasiado constrangedor. Levou a chávena de porcelana aos lábios e fez uma pausa, tentando expressar ao mordomo aquilo de que se lembrava.

– Bem… Eu recordo-me de ver a tia Francis na cozinha e… - Não concluiu, esperando que o demónio pudesse dar continuidade ao que começara por dizer.

A expressão de Sebastian alterou-se para um toque de dúvida mas ainda demonstrando aquele sorriso. – Observar as conversas dos outros em segredo não é algo correto, Jovem Mestre. A Sra. Francis estava claramente sob o efeito do álcool ontem à noite e espero que o comportamento pouco ou nada adequado fosse o resultado.

– Eu não observei em segredo… Apenas estava de passagem e decidi não intervir. – O conde explicou, provando agora a sobremesa. – Certo, e depois disso? Não me consigo recordar de mais nada. – Confessou, deliciando-se com o chocolate que passava nos seus lábios.

– Bem, como seria óbvio eu tratei de afastar a Sra. Francis com tais comportamentos. Admito que talvez fui um pouco rude em meus actos mas nada parecia afastá-la. – Sebastian suspirou. – Após isso o Jovem Mestre apareceu, e ajudar-me na preparação de uma sobremesa era algo que nunca pensei ver vindo de si. – O mordomo riu.

Não me recordo de nada! – Exclamou corando furiosamente, e prestou a sua atenção para o chá que ainda se mantinha quente. – Com certeza que foi graças ao efeito da bebida. Eu jamais faria isso caso estivesse com perfeita consciência. – O conde explicou, ainda com o rosto num tom rosado. Relembrava-se agora de todos os detalhes. De ter ajudado o mordomo na preparação do bolo e também de todos aqueles comentários que fez e que nunca faria caso estivesse sóbrio. Colocou mais uma garfada da magnífica sobremesa na boca e murmurou baixinho:

– Está delicioso...

Sebastian sorriu ligeira e calorosamente ao raro comentário do conde. – O jovem mestre parecia bem divertido ontem, um tanto carente. – O demónio comentou, novamente provocando o rapaz.

Ciel manteve-se em silêncio à procura do que responder. Era isto. Eram estes os comentários que faziam o coração do pequeno conde bater mais depressa. Que lhe faziam sentir uma sensação de calor em todo o seu corpo. Sebastian deixava-o nervoso e embaraçado, pois Ciel sabia que o demónio podia sentir tudo aquilo que passava pela sua mente. Respirou fundo, e tentou responder de uma forma confiante, embora tenha falhado miseravelmente. – Carente? Eu? – Soltou uma gargalhada, fazendo um sorriso sarcástico logo de seguida. – Que absurdo.

“Bêbados e crianças sempre dizem a verdade” Sebastian pensou, guardando isso para si. Esperava agora silenciosamente, com o sorriso confiante retratado nos seus lábios, que o conde terminasse a sua refeição matinal.

Ciel terminava agora de comer a fatia de Petit gâteau, entregando o pequeno prato ao mordomo que teimava em observá-lo a cada movimento que fazia. Tentando mostrar-se pouco incomodado com isso, o conde continuou a beber o seu chá em silêncio.

– E a Paula? – Interrompeu ao fim de alguns momentos, esperando uma explicação quanto ao sucedido.

– Penso que que o jovem mestre estava minimamente sóbrio nessa altura para entender o que aconteceu. – O mordomo troçou. – Teima em preocupar-se ainda com esse pormenor ou com a informação obtida? É a primeira vez que o vejo tão ofendido e preocupado por eu ter agido dessa forma.

– Não é a primeira vez que digo que não me agrada que utilizes esse tipo de métodos. – Ciel respondeu calmamente, continuando. – Pensei que já soubesses disso. – Fez uma pausa e desviou o seu olhar para o chá, levando-o novamente aos lábios. – Para além disso, não gosto que toquem no que me pertence.

– Certamente, as minhas desculpas. – O mordomo fez uma pequena reverência. Esperou novamente que o Conde terminasse, notara agora que a luz no quarto aumentava gradualmente e que a pele no conde estava um tanto vermelha, outro efeito da bebida na noite passada. – Jovem mestre, aconselho-o a tomar um banho relaxante, talvez o ajude a recuperar desse estado lastimável. - O demónio comentou após uns momentos.

– Não estou com vontade de me levantar agora. Estou cansado e mal me consigo mexer. Nem pensar que vou para a banheira agora. – O conde negou a proposta do demónio, cruzando os braços como uma criança mimada.

O mordomo riu levemente. – E quanto a um banho de esponja? – Sebastian propôs enquanto colocava o prato, onde antes esteve a sobremesa agora terminada, em cima da travessa de prata.

Ciel pensou por uns momentos se estava ou não com disposição para isso. Realmente estava a sentir o seu corpo incrivelmente quente, e talvez um banho de esponja o fosse aliviar. – Pode ser, mas que seja rápido. – Aceitou a proposta do mordomo, e sentou-se na cama virado para o demónio, colocando a ponta dos pés no chão.

O demónio curvou um pouco mais o sorriso. Apressou-se em preparar tudo, despejando água quente num recipiente que o quarto dispunha. Sebastian mergulhou a toalha na água e deixou-a repousar enquanto despia a camisa do rapaz. O mordomo depois comprimiu a pequena toalha até ficar apenas húmida, passando-a zelosamente na pele frágil do braço do conde.

Passou então delicadamente a toalha no pescoço do pequeno. Foi descendo lentamente pelas suas costas e Ciel esticou a sua espinha arrepiado ao sentir o toque do demónio. Corou furiosamente mas manteve-se em silêncio. Não iria deixar que um simples banho também fosse motivo para aqueles pensamentos que lhe davam voltas à cabeça. Respirou fundo novamente ao sentir os dedos do mordomo que percorriam a sua cintura. “Maldito demónio”.

Sebastian curvou um pequeno sorriso trocista ao perceber que o Conde corava. O mordomo continuava a passar a toalha quente e húmida na pele do rapaz, passando-a agora no tronco pálido e fazendo silêncio.

Até agora Ciel sentia-se satisfeito por não ter feito qualquer movimento brusco e ter aguentado o toque do demónio sem qualquer queixa. Ao ver o sorriso troçador do mordomo, também Ciel sorriu de volta. Não iria deixar que ganhasse este pequeno jogo.

Sebastian fez uma pausa por alguns momentos e o conde olhou-o confuso. Novamente, um sorriso malicioso formou-se nos lábios do mordomo e logo de seguida levantou uma das pernas do conde, apanhando-o desprevenido.

– Sebastian! – O conde exclamou, o seu sorriso provocador tinha sido substituído pelo tom vermelho que pintava o seu rosto.

O demónio manteve-se em silêncio, olhando com uma expressão confusa para o conde que agora se apercebera que Sebastian apenas teria levantado a sua perna para a passar com o pano húmido.

– Algo de errado jovem mestre? – O mordomo perguntou num tom de dúvida e curiosidade que era completamente falso, passando levemente a toalha pelo interior da perna do conde.

– Não… - Ciel murmurou e manteve-se em silêncio logo de seguida. Observava o mordomo que passava delicadamente o pano em toda a sua perna, retirando qualquer impureza que estivesse na sua pele. Voltou a fazer o mesmo na outra perna, e Ciel repreendia-se a si próprio por agir de forma tão impulsiva e por distorcer tudo aquilo que o mordomo fazia. A cada dia que passava era invadido por estes pensamentos pecaminosos que o faziam ter vergonha de si próprio. Fechou os olhos e suspirou, enquanto sentia mais uma vez os dedos do demónio a passarem de leve na sua coxa.

O quarto era imerso no silêncio novamente e Sebastian demonstrava aquele sorriso provocante e motejador que teimava em torturar o conde. O mordomo decidiu mergulhar a toalha novamente na água quente e contorcê-la.

Passou a toalha nos ombros do conde, e Sebastian sorriu ainda mais ao percorre-la em volta do pescoço do rapaz.

O conde suspirou novamente, fechando os olhos e focando-se apenas na ideia de que aquilo era apenas um simples banho. Rejeitava todos os outros pensamentos e possibilidades que atravessassem a sua mente. Afinal, era mesmo apenas um simples banho. E Ciel sabia disso perfeitamente. Queria eliminar todos os outros pensamentos imundos que se tornavam mais fortes a cada dia que passava. Para isso, teria apenas que se manter em silêncio e não agir impulsivamente.

O mordomo levantou-se e aproximou-se um pouco mais do corpo do rapaz para que pudesse passar a toalha quente na sua nuca. Quando deu por isso, o mordomo mantinha a face perto da do conde, era possível ouvir a sua respiração pesada. Sebastian sorriu maliciosamente ao acto provocador que ele próprio fizera.

– Chega! – Ciel afastou-se do demónio, o seu rosto corando furiosamente. – Já estou limpo o suficiente! – O conde protestou, sentindo o seu coração a bater rapidamente. Pelos vistos o demónio tinha conseguido o que queria com as suas provocações… “O próximo jogo ganho eu.” Garantiu a si mesmo, alcançando a toalha seca perto de si e colocando-a sobre as suas costas.

Sebastian simulou uma cara de curiosidade perante a acção do conde. O mordomo levantou-se e assentiu com a cabeça. – Certamente.

O demónio arrumou tudo e abriu a porta. – Devia descansar um pouco, Jovem Mestre. – O mordomo aconselhou sorrindo, antes de sair e fechar a porta.

Após o demónio se retirar do quarto, Ciel afundou o rosto na sua almofada, completamente exausto. “Talvez realmente seja melhor descansar um pouco…” Pensou, fechando os seus olhos e adormecendo pouco depois.

*

Sem saber o que fazer, Sebastian decidiu ajudar os outros servos com as tarefas. Passara o tempo a pensar se não teria sido provocante demais para o Conde, mas era verdade que o demónio gostava cada vez mais de enervar e provocar o seu mestre. A causa desses comportamentos não tinha explicação nem por parte de Sebastian. Cada vez que via o seu mestre sentia um sentimento de “querer proteger” gradualmente maior. Esse era para Sebastian, um dos poucos sentimentos que tinha desenvolvido e identificado durante todo o contrato. Mas esta nova emoção que lhe dava voltas aos pensamentos era realmente um fardo que chegava até a interferir nas suas acções. Dava por si e preocupar-se com o conde em aspetos mínimos que depois pareciam patéticos aos olhos do demónio.

Já era de tarde, Sebastian esperava que Ciel tivesse descansado durante toda a tarde para que não fizesse nenhum papel triste à hora do jantar com o Marquês. Com isso, relembrou-se a si próprio que teria que contar tudo o que sabia ao seu mestre, mas só depois de dar um breve sermão ao conde por ter bebido tanto, sem exceder os limites de um simples mordomo, apenas notificá-lo. Pensamentos como estes faziam com que o próprio mordomo se encalistrasse de agir quase como uma mãe. Sebastian preparou o chá das seis como era habitual, colocou tudo num apresentável tabuleiro de prata e seguiu caminho para o quarto onde o conde estava hospedado. Bateu à porta e entrou silenciosamente, tentando identificar se o rapaz estava acordado ou não.

– Hm… - Ciel murmurou, sendo desperto pelo batimento na porta. – Entre… - Disse, já desconfiando de que pudesse ser o mordomo.

Sebastian fechou a porta. – O chá das seis, my lord. – Disse aproximando-se da cama onde o conde estava a descansar.

O pequeno levantou o corpo ligeiramente, encostando-se à sua almofada. No seu colo, recebeu um pequeno tabuleiro com uma chávena de porcelana chinesa. Ciel inspirou o doce aroma do chá, um sorriso formou-se nos seus lábios. – Camomila… - Concluiu, satisfeito com a escolha do mordomo.

Sebastian sorriu à resposta do rapaz. – Certamente impressionante. – Respondeu.

Ciel finalmente levou a chávena aos lábios, e deliciou-se com o intenso sabor do chá. Observou o mordomo por alguns momentos e iniciou o diálogo:

– A que horas será o jantar?

– Às sete e meia da noite. – Sebastian respondeu rapidamente e resignou-se a observar os movimentos do conde após isso.

– Certo… - O conde prosseguiu em silêncio, perdendo-se em pensamentos enquanto apreciava o seu chá.

Aquele irritante silêncio inundava outra vez o quarto. Por parte de Sebastian aquele silêncio era algo que o torturava e podia ser dispensado por uma conversa a qualquer hora. - Ontem o jovem mestre bebeu demais. Algo lastimável para alguém como o conde. Se alguém de grande importância o tivesse visto numa figura tão desprezível e se a Rainha tivesse conhecimento disso, sem dúvida que a sua reputação diminuiria bastante. - O demónio chamou a atenção do rapaz.

Ciel revirou os olhos, desinteressado pelas palavras do mordomo. – Agradeço pela advertência, mas como Conde eu estou totalmente consciente das minhas acções. – Esclareceu, olhando friamente para o demónio.

O mordomo sorriu num modo provocador. - Estava apenas a relembra-lo pois ontem o senhor estava tudo menos consciente do que fazia. Como por exemplo, a maneira como o conde descansou no meu braço dizendo-me que estava cansado - Sebastian riu.

O rosto do pequeno corou furiosamente ao relembrar-se do que o demónio lhe dissera. – Cala-te! – Exclamou após quase cuspir o chá, completamente embaraçado com as suas acções passadas. – Será algo que com certeza não se voltará a repetir! – Garantiu, soltando por fim um pequeno “unf”.

– Certamente. - Sebastian tentou conter o riso.

O conde terminou por fim o seu chá, ignorando as expressões provocantes do demónio. Tentando esquecer ao máximo aquilo que o mordomo lhe acabara de relembrar, Ciel decidiu pensar naquilo que realmente era importante, os Midford.

– Visto que foste obrigado a utilizar métodos tão… - fez uma pausa. - … Repugnantes, com certeza que obtiveste alguma informação sobre o que te pedi, correcto?

– Sim. O pouco que consegui obter é algo útil pelo menos. Segundo o que ouvi, os Midford têm recebido várias visitas de convidados alemães que trazem caixotes. Neles estão escritos avisos em alemão. Existem inúmeras hipóteses de que algo potencialmente perigoso esteja dentro desses caixotes. - Sebastian respondeu assim que o Conde terminara as suas palavras.

– Bombas? Armamento? – Ciel questionou, surpreendido com as noticias que Sebastian lhe trouxera.

– Talvez. Não existe nada que o confirme ou que diga o que está dentro dessas caixas ou qual é o seu objectivo - Sebastian respondeu.

O conde manteve-se pensativo por alguns momentos. Olhou o mordomo nos olhos e uma expressão séria surgiu no seu rosto. – Devo confrontá-lo?

Sebastian pensou por meros segundos antes de sugerir. - Aconselho-o a confrontar o Sr.Midford para evitar desastres já que corremos o risco de algo grave acontecer.

Ciel decidiu por optar pela sugestão do demónio, acenando a cabeça positivamente. Esta noite iria deixar tudo em pratos limpos.

*

Horas passaram e finalmente tinha chegado a hora do jantar. Desta vez era um jantar formal apenas com aqueles que faziam parte da família, diferente da noite passada, comparecendo apenas o marquês, a marquesa e o pequeno Conde.

Sebastian tinha acabado de servir a refeição juntamente com os outros servos. Mantinha-se agora em silêncio ao lado do conde e analisando os seus movimentos, esperando que iniciasse o diálogo.

Ciel começava agora a refeição em silêncio, aguardando pela tão esperada conversa. Por vezes, desviava o seu olhar para a sua tia Francis, que mesmo sendo uma mulher forte demonstrava um certo embaraço cada vez que os seus olhos encontravam os do mordomo. Mal ela sabia que Ciel também tinha presenciado os acontecimentos da noite passada. O conde fez um pequeno sorriso, mais uma vez lembrado de quão ridícula fora toda aquela situação.

Não demorou muito para que o marquês abrisse um sorriso e iniciasse uma amigável conversa. - Muito obrigado por ter vindo Ciel. - O homem falou num tom simpático, iniciando diálogo.

– O prazer é meu. – O conde respondeu educadamente, logo de seguida levando o seu copo de vinho aos lábios.

O marquês fez silêncio antes de prosseguir, o seu rosto alterando-se para uma expressão séria. – Ciel ... Sobre o assunto de que te tinha a falar... - O homem fez outra pausa, esperando a atenção do seu sobrinho. - Estive a pensar seriamente sobre isto. Decidi que me irei mudar para a Alemanha. Como consequência, quero também terminar todo o tipo de negócios ligados aos Phantomhive.

Ciel pousou o garfo no prato, parando de imediato. Olhou com uma expressão séria mas um pouco confusa, perguntando-se interiormente a onde é que aquilo se ligava às informações que recebera antes. A sua mudança para a Alemanha explicaria os tais encontros privados com os alemães, mas algo não batia certo. O que continham as tais caixas? E para que serviriam? O conde sabia que o seu tio lhe estava a esconder algo mais, algo que em partida seria prejudicial para a sua vida. Ele conseguia ver nos seus olhos as mentiras que eles escondiam. Também desconfiou pelo seu convite à mansão, dado o facto que nem há poucas semanas atrás o seu tio o culpava pela morte da filha.

Ciel olhou para Sebastian, e pôde ver que também este estava confuso com a revelação do marquês. Decidiu então contrapor:

– Compreendo. – O conde disse calmamente e bebeu mais um pouco do seu vinho. – Com certeza que não é apenas isso que me quer dizer. – Confrontou-o directamente, e logo desviou o seu olhar para a marquesa que o olhou com uma expressão confusa. Ciel sabia que a sua tia Francis nunca o magoaria. Mas o seu tio… ele nunca confiara totalmente naquele homem.

Sebastian observava as expressões do marquês e as de Ciel em silêncio e atentamente com uma expressão séria. Já o marquês, indignou-se perante a resposta do conde. - O que está a insinuar?

Ciel sorriu e agitou o copo levemente. – Eu sei tudo. – Hesitou por momentos antes de continuar, mas decidiu avançar com aquilo que tinha em mente. – Você realmente achou que eu não ia descobrir?

O homem abriu os olhos exaltado, levantando-se num sobressalto ao ouvir as palavras do seu próprio sobrinho. - O facto de eu querer destruir a sua companhia é pura vingança Ciel! Se não fosse você e a sua problemática vida a minha filha estaria viva e eu não teria de me vingar de tal forma! - O homem gritou mas logo um silêncio preencheu a sala. Sebastian estava mesmo por detrás do marquês com uma faca pressionada levemente no pescoço do homem.

– Alexis! – A marquesa gritou, levantando-se de imediato. – Ciel, mas o que vem a ser isto!?

O conde continuou em silêncio por alguns momentos, também ele se levantando. Encarou a sua tia com uma expressão séria, concluindo que ela não sabia dos planos do seu marido. A faca de Sebastian roçava o pescoço do marquês, que permanecia quieto e em pânico. Decidiu então começar o seu questionário, ignorando as palavras anteriores do homem.

– Conte-me sobre os seus planos.

Sebastian sorria maliciosamente agora que ameaçava o marquês. Este tremia por todos os lados, afinal, o rapaz era conhecido como o conde vil, o cão de guarda da rainha. O homem recusou-se a falar por uns segundos, processando tudo o que acabara de acontecer. - Colocar bombas nas fábricas pertencentes à companhia Phantomhive a fim de destruir o seu negócio... Esse é o meu plano. - O homem falou num tom de raiva.

Ao ouvir tais palavras, a mulher loira sentou-se em completo desespero, chocada ao ouvir os planos do seu próprio marido. – Alexis… Como pudeste…?

– Ele matou a nossa única filha, Francis! – O homem gritou irritado, os seus olhos deixavam transparecer a fúria dentro de si.

– Não foi ele que a matou! – A marquesa gritou de volta, e mais uma vez as lágrimas percorriam-lhe o rosto. – Ele é o nosso sobrinho… O filho do meu irmão…

– Tia… - Ciel murmurou, uma expressão de preocupação formava-se no seu rosto ao presenciar o estado da mulher.

– Desculpa Ciel… Ele não fez por mal… - A mulher tentava secar as lágrimas que lhe escorriam pelos olhos, e num tom de súplica pediu: - Por favor Ciel, não lhe faças mal!

O jovem conde podia ver o desespero da sua tia, a mulher que sempre foi orgulhosa de si mesma agora suplicava-lhe pela vida do homem que parecia querer destruir tudo aquilo que se encontrava à sua volta. O primeiro pensamento do Conde quando ouviu as palavras do marquês foi mandar de imediato matar o homem que pretendia destruí-lo, mas após ouvir o pedido da sua tia, sentia-se culpado por terminar com mais uma vida de uma das pessoas que ela mais amava.

Confuso, decidiu dirigir o seu olhar para o mordomo, à procura de uma resposta.

Sebastian lançou um olhar frio ao conde, ansiando pelo momento em que receberia a ordem para matar o marquês.

Ciel manteve o seu olhar em Sebastian, mas a única resposta que recebeu foi aquela. O demónio queria que ele lhe desse aquela ordem. Queria que a sua alma deliciosa fosse capaz de matar o seu próprio tio e destruir a vida daquela tia que tanto o amava. E Ciel sabia disso… Mas não era capaz.

– Sebastian, solte-o. – A ordem foi dada e Ciel pode ver a expressão descontente do demónio.

A mulher loira respirou em alívio, correndo para os braços do homem que agora a recebia num abraço desesperado.

Ciel olhou confiante para Sebastian, demonstrando que estava seguro de que aquela seria a melhor opção.

Sebastian fora realmente surpreendido pelo conde ao receber aquela ordem. O demónio sabia que o orgulho, austeridade e auto confiança do rapaz era enorme, contudo, não era suficiente para matar um membro da sua própria família. Todas essas características foram apagadas naquele momento e a consequência disso fora a violação de uma das regras do contrato.

"Qualquer um que se atravesse no meu caminho deverá ser destruído."

Sebastian lembrava essas palavras vindas do seu mestre muito bem e essas palavras eram agora esquecidas porque estúpidos sentimentos humanos tinham cegado o rapaz e distorcido a sua visão para aquilo que era o seu objectivo. Sebastian afastou-se do marquês, atirando, numa fúria silenciosa, um olhar intimidante ao conde.

O corpo do conde esfriou ao sentir sobre ele os olhos cortantes do demónio. Respirou fundo por breves momentos, e antes que alguém interrompesse o silêncio instalado, Ciel proclamou:

– Midford. – Aproximou-se do homem que rastejava no chão à procura de se afastar do demónio. A mulher loira continuava ao seu lado, ambos no chão em desespero. – Desta vez irei deixá-lo com vida, apenas pela minha tia Francis e pelo respeito que tinha à sua filha. – Os seus olhos brilharam maleficamente, um sorriso impiedoso formou-se nos seus lábios. – Caso se tente aproximar novamente da minha vida… A morte irá ser o seu destino.

Dito isto, o conde pôde observar os olhos aterrorizados do seu tio, a expressão desesperada que percorria no seu rosto. Ciel aproximou-se da mulher loira, e estendeu-lhe a sua mão. – Tia, lamento imenso pelo acontecimento inesperado. – Disse, desta vez com um tom mais calmo e amigável. – Você a única família que me resta, e não a quero perder a si também. Os planos do seu marido teriam como consequência a sua morte, mas irei perdoá-lo. – Explicou, e a sua tia aceitou o convite da mão do conde, levantando-se com a sua ajuda.

– És exactamente como o teu pai, Ciel… - A mulher sorriu, as lágrimas ainda escorrendo pelo seu rosto. – Dentro de ti ainda existe aquela bondade que sempre tiveste em criança.

Os olhos de cor escarlate do demónio preenchiam-se ainda mais de raiva perante as palavras da mulher. Mas o mordomo apenas observava o cenário repleto de misericórdia, algo que Sebastian desprezava por completo. O demónio acentuava cada vez mais o olhar afiado que se fixava no Conde, sem tentar esconder a sua indignação. O olhar do demónio era tal mas o mordomo resignava-se quieto.

– Chegou a altura de partirmos. – Ciel afirmou, olhando friamente para o demónio que se mantinha imóvel. – Vamos, Sebastian.

O conde retirou-se da mansão, juntamente com o mordomo que seguia atrás dele.

Ele sabia que a sua alma estava em risco, que tinha desiludido a criatura que o podia matar a qualquer segundo. A fúria do demónio transparecia nos seus olhos, porém mantinha-se calado. A respiração pesada e rápida do conde tornava-se cada vez mais óbvia. Ele sentia receio, uma tortura interior que estaria próxima do medo, mas Ciel jamais admitiria isso. Mantinha-se em silêncio, o ambiente tornava-se mais pesado a cada passo que era dado. Ele podia pressentir…

A sua vida estaria próxima do fim.


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Notas finais do capítulo

Esperamos que tenham gostado do capítulo.
Não se esqueçam de deixar a vossa opinião!