Flawless escrita por wendy


Capítulo 9
8. Até mesmo os típicos garotos de Rosewood fazem buscas espirituais




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Na tarde de terça-feira, enquanto dirigia da escola para casa, Aria passou pelo campo de lacrosse e reconheceu a figura solitária, correndo em disparada em volta da área do gol, com a rede em riste na frente do rosto. Ele estava treinando passes e correndo na grama molhada e enlameada. Nuvens agourentas e cinzentas tinham se acumulado no céu, e começava a garoar. Aria encostou o carro de repente.

— Mike! — Ela não via o irmão desde que ele saíra intempestivamente do Victory no dia anterior. Algumas horas mais tarde, ele havia ligado para casa, dizendo que estava jantando na casa de um amigo, Theo. E, mais tarde ainda, ligara para avisar que ia dormir lá.

O irmão levantou o rosto e olhou para ela, do outro lado do campo, e franziu a testa.

— Que foi?

— Vem cá.

Mike se arrastou pelo gramado perfeito, cortado rente.

— Entra aqui — mandou Aria.

— Eu estou treinando.

—Você não pode evitar este assunto para sempre.Temos que conversar a respeito.

— A respeito do quê?

Ela ergueu uma de suas sobrancelhas perfeitamente arqueadas.

— Ah, o que foi que vimos ontem? No bar?

Ele brincou com um dos cadarços de couro da rede. Gotas de chuva batiam contra a aba de seu boné Brine.

— Não sei do que você está falando.

— Como é? — Aria estreitou os olhos. Mas Mike nem mesmo olhou para ela.

— Tudo bem. — Ela engatou a ré. — Seja um frutinha.

Mike apoiou a mão no vão da janela do carro.

— Eu... eu não sei o que vou fazer — disse ele, baixinho.

Aria pisou no freio.

— O quê?

— Se eles se divorciarem, eu não sei o que vou fazer — repetiu Mike. A expressão vulnerável e constrangida em seu rosto fazia com que ele parecesse ter dez anos. — Estourar meus miolos, talvez.

Lágrimas escorriam dos olhos dela.

— Isso não vai acontecer — garantiu ela, com a voz tremendo. — Eu prometo.

Mike fungou. Ela estendeu a mão para tocá-lo, mas ele se afastou e correu campo afora. Aria decidiu ir embora, seguindo devagar pela rua sinuosa e molhada. O tempo chuvoso era seu favorito. Fazia com que se lembrasse dos dias de chuva do passado, quando tinha nove anos. Ela entrava de fininho no veleiro do vizinho, subia pela parte de dentro da vela e se aconchegava dentro de uma das cabines, ouvindo o barulho da chuva batendo na lona e escre-vendo em sua agenda da Hello Kitty.

Ela sentia que pensava de forma mais clara em dias chuvosos e, neste momento, precisava mesmo pensar. Ela poderia ter lidado com A contando a Ella sobre a Meredith se aquilo tivesse acontecido no passado. Os pais dela poderiam sobreviver a algo assim; Byron poderia dizer que aquilo nunca mais aconteceria e blá-blá-blá. Mas, agora que Meredith estava de volta, bem, isso mudava tudo. Na noite anterior, seu pai não viera jantar em casa — por causa dos, hum, trabalhos que ele tinha que corrigir — e Aria e sua mãe sentaram-se no sofá diante da televisão e assistiam a Jeopardy!, o programa de perguntas e respostas, com tigelas de sopa no colo. Ambas no mais absoluto silêncio. E a questão era que ela também não saberia o que iria fazer se os pais se divorciassem.

Subindo uma ladeira bem íngreme, Aria pisou no acelerador — o Subaru sempre precisava de um empurrãozinho extra nas subidas. Mas, em vez de continuar em frente, as luzes do interior do carro se apagaram, e o automóvel começou a descer a ladeira de ré.

— Droga — sussurrou Aria, puxando o freio de mão. Quando tentou a ignição de novo, o carro nem sequer deu partida.

Ela olhou para a estrada de duas pistas vazia. O som de um trovão ecoou e a chuva começou a despencar do céu. Aria mexeu na bolsa, pensando se deveria chamar um guincho, ou seus pais para buscá-la, mas, depois de remexer ali dentro, deu-se de conta de que havia esquecido o Treo em casa. A chuva caía tão forte que o para-brisa e as janelas embaçaram.

— Ah, meu Deus — sussurrou Aria, sentindo-se claustrofóbica. Ela começou a ver pontinhos pretos na sua frente.

Aria conhecia essa sensação de ansiedade: era um ataque de pânico. Ela já tivera alguns antes. Um depois da Coisa com Jenna, outro depois do desaparecimento de Ali e o terceiro aconteceu quando ela estava andando pela rua Laugavegur em Reykjavík e viu uma menina idêntica a Meredith em um outdoor.

Acalme-se, disse a si mesma. É só chuva. Ela respirou profundamente duas vezes para se acalmar, tampou os ouvidos com os dedos e começou a cantar "Frêre Jacques" — por alguma razão, a versão em francês funcionou. Depois de cantar a música três vezes, os pontinhos pretos começaram a desaparecer. A chuva perdera a força de furacão e estava apenas torrencial. O que precisava fazer era andar até a casa da fazenda pela qual havia passado e perguntar se podia usar o telefone deles. Ela manteve a porta do carro aberta, segurou seu blazer de Rosewood por cima da cabeça e começou a correr. Uma rajada de vento ergueu sua minissaia e ela enfiou o pé em uma poça de lama enorme. A água entrou por entre as tiras de sua sandália de salto alto.

— Que inferno — resmungou.

Estava apenas a alguns metros de distância da casa quando um Audi azul-marinho passou. Ele passou sobre a poça d'água, molhando Aria completamente e depois parou quando viu o Subaru quebrado. Deu ré devagar, até chegar perto dela. O motorista baixou o vidro.

—Você está bem?

Aria apertou os olhos, a chuva gotejava da ponta de seu nariz. No banco do motorista estava Sean Ackard, um garoto da sala dela. Ele era um menino típico de Rosewood: jaqueta com capuz, pele hidratada, feições bem americanas, carro caro. A diferença é que ele jogava futebol em vez de lacrosse. Não era o tipo de pessoa que ela queria ver justo numa hora daquelas.

— Estou bem — gritou ela.

— Na verdade, você está ensopada. Precisa de uma carona?

Aria estava tão molhada que sentia como se o rosto estivesse enrugado como uma ameixa seca. O carro de Sean parecia seco e aconchegante. Por isso, ela deslizou para o banco do carona e fechou a porta.

Sean disse a ela que jogasse o blazer, que estava pingando, no banco de trás. Depois, inclinou-se e aumentou o aquecimento.

— Para onde vamos?

Aria tirou os cachinhos pretos de sua testa.

— Na verdade, só preciso usar seu celular, depois eu deixo você em paz.

— Tudo bem. — Sean mexeu em sua mochila em busca do celular.

Aria encostou-se ao banco e olhou em volta. Sean não havia enchido seu carro com adesivos de bandas, como alguns caras faziam, e a parte de dentro não cheirava a suor

masculino. Em vez disso, cheirava a uma combinação de pão e cachorro recém-lavado. Havia dois livros no chão, em frente ao banco dos passageiros: Zen e a arte de manutenção de motocicletas e O Tao do Puff.

—Você gosta de filosofia? —Aria afastou as pernas, para não molhar os livros.

Sean abaixou a cabeça.

— Bem, sim. — Ele parecia constrangido.

—Também li esses dois — disse Aria. — Eu li muitos filósofos franceses esse verão, quando estava na Islândia. — Ela fez uma pausa. Nunca havia realmente falado com Sean. Antes de partir, os garotos de Rosewood lhe davam medo, o que era parte do motivo pelo qual os odiava. — Hum, eu passei um tempo na Islândia. Meu pai tirou um ano sabático.

— Eu sei. — Sean deu um sorriso cínico a ela.

Aria olhou para as próprias mãos.

—Ah. — E então houve um silêncio desconfortável. O único som era o da chuva batendo e do movimento ritmado dos limpadores de para-brisa.

— Quer dizer que você lê, tipo, Camus e essas coisas? — perguntou Sean. Aria concordou, ele sorriu. — Eu li O Estrangeiro neste verão.

— Mesmo? — Aria ergueu o queixo, certa de que ele não tinha entendido nada. E, de qualquer forma, o que um típico garoto de Rosewood iria querer com livros profundos de filoso-fia? Se aquilo fosse uma analogia típica dos testes de lógica que eles às vezes faziam na escola, poderia ser "garotos de Rosewood: lendo filósofos franceses :: Turistas americanos na Islândia: comendo em qualquer lugar, menos no McDonald's". Coisas como essas simplesmente não aconteciam.

Quando Sean não respondeu, ela telefonou para casa do celular dele. Tocou sem parar até cair na caixa postal — eles não tinham ligado a secretária eletrônica ainda. Então, ligou para o número do pai, na faculdade —já passava das cinco horas e ele tinha deixado um bilhete na geladeira dizendo que ficaria no escritório entre as três e meia e as cinco e meia da tarde. Chamou, chamou e lá também ninguém atendeu.

Os pontinhos pretos começaram a piscar na frente de Aria mais uma vez enquanto ela imaginava onde o pai poderia estar... ou com quem poderia estar. Ela se inclinou sobre os braços nus, tentando respirar mais fundo. Frére Jacques, cantou em silêncio.

— Opa! — disse Sean, sua voz parecendo muito distante.

— Eu estou bem — afirmou Aria com a voz amortecida por suas pernas. — Eu só tenho que...

Ela ouviu Sean tatear pelo carro. Depois, ele enfiou um saco do Burger King nas mãos dela.

— Respira aqui dentro. Mas acho que ainda tem algumas batatas fritas, desculpe. Aria colocou o saco em volta da boca e o inflou e desinflou devagar. Ela sentia a mão morna de Sean no meio de suas costas e, devagar, a tontura começou a ceder. Quando ela le-vantou a cabeça, Sean olhava para ela, aflito.

— Ataques de pânico? — perguntou ele. — Minha madrasta também tem. Sacos de papel sempre ajudam.

Aria amassou o saco em seu colo.

— Obrigada.

— Tem alguma coisa irritando você?

Aria balançou a cabeça rapidamente.

— Não, eu estou legal.

— Ah, qual é? — disse Sean. — Não é, tipo, por isso que as pessoas têm ataques de pânico?

Aria apertou os lábios.

— É complicado.

Além disso, ela queria dizer, desde quando típicos garotos de Rosewood se interessam pelos problemas das meninas esquisitas?

Sean deu de ombros.

—Você era amiga de Alison DiLaurentis, certo? Aria concordou.

— É estranho, não é?

— É, sim. — Ela limpou a garganta. — Embora, hum, não seja estranho da forma como você acha que é. Quero dizer, é estranho desse jeito, mas é estranho de outros jeitos também.

— De quais jeitos?

Ela se inclinou para trás, sua roupa de baixo molhada estava começando a coçar. Naquele dia, na escola, pareceu que todos falavam com ela com sussurros infantis. Será que eles achavam que, se falassem no volume normal, Aria poderia ter uma crise de nervos instantânea? — Eu só queria que todo mundo me deixasse em paz — falou ela. — Como era na semana passada.

Sean mexeu no desodorizador em formato de pinheiro que estava pendurado no espelho retrovisor, fazendo-o balançar.

— Sei o que você quer dizer. Quando minha mãe morreu, todo mundo pensou que, se eu ficasse um segundo sozinho, iria cometer uma loucura.

Aria endireitou-se no assento.

— Sua mãe morreu?

Sean olhou para ela.

— Sim. Mas foi há muito tempo. No quarto ano.

— Ah. — Aria tentou se lembrar de Sean no quarto ano. Ele era uma das crianças mais baixinhas da classe, e ela havia jogado queimado no mesmo time que ele um monte de vezes, mas foi só isso. Ela se sentiu mal por ser tão indiferente.

— Meus pêsames.

Ficaram em silêncio. Aria cruzou e descruzou as pernas descobertas. O carro começou a ficar com o cheiro de sua sala de lã molhada.

— Foi difícil — continuou Sean. — Meu pai teve um. monte de namoradas. Eu nem mesmo gostava da minha madrasta, no começo. Mas me acostumei com ela, acho.

Aria sentiu os olhos se encherem de lágrimas: ela não queria ter que se acostumar com mudanças na família dela. Deu uma fungadela alta.

Sean chegou mais para a frente.

— Tem certeza de que não quer falar sobre isso?

Aria encolheu os ombros.

— Deveria ser um segredo.

—Vou dizer o que podemos fazer. E se você me contar o seu segredo e eu contar o meu para você?

—Tudo bem — concordou Aria, rapidamente. A verdade era que ela estava morrendo de vontade de falar com alguém sobre o assunto. Ela teria confidenciado aquilo para suas velhas amigas, mas elas foram tão discretas a respeito de seus segredos que envolviam A que isso fez com que Aria se sentisse ainda mais desconfortável em revelar os dela. — Mas você não pode contar nada.

— De jeito nenhum.

E, então, Aria contou a ele sobre Byron e Ella; Meredith e o que ela e Mike haviam visto no dia anterior no bar. A coisa toda simplesmente saiu.

— Não sei o que fazer — desabafou. — Sinto como se fosse eu quem devesse manter todos juntos.

Sean estava quieto, e Aria temeu que ele tivesse parado de escutar. Mas, então, ele ergueu a cabeça.

— Seu pai não deveria ter colocado você nessa situação.

— É, eu sei. — Aria deu uma olhada para Sean. Se você superasse a camisa enfiada dentro da calça e a bermuda cáqui, ele até que era bem bonitinho. Os lábios eram mesmo bem rosados e os dedos era nodosos, irregulares. Pela forma como sua camiseta polo justa estava esticada sobre o peito, ela imaginou que ele estava no auge da forma física para um jogador de futebol. De repente, ela ficou constrangida.

— É fácil conversar com você — disse Aria, tímida, fitando os próprios joelhos. Ela tinha deixado escaparem alguns pelinhos em seus joelhos quando se depilara. Isso não costumava fazer muita diferença, mas agora meio que fazia. — Por isso, hummm, obrigada. — Claro. — Quando Sean sorria, seus olhos ficavam enrugados e ternos.

— Esta definitivamente não foi a forma como eu imaginei passar minha tarde — acrescentou Aria. A chuva ainda tamborilava no para-brisas, mas o carro tinha ficado bem quentinho durante o tempo em que ela tagarelava.

— Nem eu. — Sean olhou pela janela. A chuva tinha começado a diminuir. — Mas... não sei. Até que foi legal, não foi?

Aria deu de ombros. E então, lembrou.

— Ei, você me prometeu um segredo! É melhor que seja bom.

— Bem, não sei se é bom. — Sean se inclinou na direção de Aria e ela chegou mais perto. Por um louco segundo, pensou que eles poderiam se beijar.

— Bom, eu faço parte desse negócio chamado Clube da Virgindade — sussurrou Sean. Seu hálito cheirava a balas Altoids. —Você sabe do que se trata?

— Acho que sim. — Aria tentou evitar que seus lábios esboçassem um sorriso. — É aquele negócio de sem-sexo-até-o-casamento, certo?

— Certo. — Sean se afastou um pouco. — Bem... eu sou virgem. Mas... não sei se quero continuar a ser.


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