Flawless escrita por wendy


Capítulo 10
9. A mesada de alguém acaba de ficar bem menor




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Na quarta-feira à tarde, o sr. McAdam, o professor de economia de Spencer, andava pelas fileiras da sala de aula, pegando papéis de uma pilha e colocando-os virados para baixo na carteira de cada estudante. Ele era um homem alto, com olhos saltados, nariz empinado e rosto redondo. Poucos anos antes, um de seus melhores alunos havia notado que ele se parecia com o Lula Molusco, do Bob Esponja, e o apelido pegara.

— Alguns destes testes estavam bastante bons — murmurou.

Spencer se endireitou. Ela fez o que sempre fazia quando não tinha certeza de como proceder em uma prova: pensou na pior nota que poderia tirar, uma nota que ainda assim garantisse que ela teria A como nota final da matéria. Na maioria das vezes, a nota em que pensava era tão baixa (embora, nota baixa para Spencer fosse um B+ ou, no máximo, um B-) que ela sempre acabava agradavelmente surpresa com o resultado. Um B+, disse ela a si mesma, enquanto o Lula Molusco colocou a prova em cima da carteira dela. Essa é a pior nota possível.

E, então, ela virou a prova.

Um B-.

Spencer largou-a em cima da mesa como se estivesse pegando fogo. Verificou a prova procurando por questões em cuja correção Lula Molusco pudesse ter errado, mas ela realmente não sabia a resposta para as questões ao lado das quais havia um grande X vermelho.

Tudo bem, talvez não tivesse estudado o suficiente.

No dia anterior, quando haviam feito a prova, tudo em que ela fora capaz de pensar para preencher os parênteses das questões de múltipla escolha, havia sido: a) Wren, e em como ela nunca conseguia vê-lo; b) Os pais e Melissa, e no que poderia fazer para que a amassem de novo; c) Ali; e d); e); f) e g) o segredo nojento que ela sabia sobre Toby.

A tortura quanto a Toby era insana. Mas o que ela poderia fazer, ir à polícia? E dizer a eles... o quê? Que um menino disse: Vou pegar você para mim, quatro anos atrás, e eu acho que ele matou Ali e que também vai me matar? Que recebi uma mensagem de texto que dizia que minhas amigas e eu estávamos em perigo? Os policiais poderiam dar risada e dizer que ela estivera tomando muita Ritalina. E ela também tinha medo de contar para suas amigas o que estava acontecendo. E se A estivesse falando sério e acontecesse alguma coisa com elas caso abrisse a boca?

— Como você foi? — uma voz sussurrou.

Spencer deu um pulo. Andrew Campbell sentava-se ao seu lado e era tão bom aluno e perfeccionista quanto ela. Ele e Spencer eram o primeiro e o segundo alunos da classe e estavam sempre trocando de lugar. Seu teste era exibido orgulhosamente em cima de sua carteira. No topo da folha estava um A+, grande e vermelho.

Spencer trouxe o próprio teste para junto do peito.

— Fui bem.

— Que bom. — Uma mecha loura da juba de leão de Andrew caiu em seu rosto.

Spencer mostrou os dentes. Andrew era conhecido por ser xereta. Ela sempre pensara que isso era só um sintoma da gigantesca competitividade dele e, depois da última semana, se

perguntou se ele poderia ser A. Mas, apesar de o interesse sincero de Andrew nos detalhes da vida de Spencer ser suspeito, ela não achava que ele fosse capaz de uma coisa como aquela. An-drew tinha ajudado Spencer no dia em que os pedreiros encontraram o corpo de Ali, cobrindo-a com um cobertor quando ela entrara em choque. A não faria nada como aquilo.

Enquanto o Lula Molusco passava lição de casa para eles, Spencer olhava para suas anotações. Sua letra cursiva, que costumava ser achatada e uniforme, próxima à linha, agora cobria a página, indecisa. Ela começou a passar tudo a limpo rapidinho, mas o sinal a interrompeu e Spencer se levantou sem jeito para sair. B-.

— Srta. Hastings?

Ela olhou para cima. Lula Molusco gesticulava para que fosse até a mesa dele. Ela andou até lá, arrumando seu blazer azul-marinho do uniforme de Rosewood e tomando cuidado para não tropeçar em suas botas de montaria caramelo, de camurça.

—Você é irmã de Melissa Hastings, não é?

Spencer sentiu que algo dentro ela morria um pouco.

— Hã-hã. — Era óbvio o que viria a seguir.

— Essa é uma ótima notícia para mim, então. — Ele batucou na mesa com a lapiseira.

— Foi um prazer ter Melissa em minha sala de aula.

Tenho certeza de que foi, resmungou Spencer para si mesma.

— Onde ela está agora?

Spencer deu um sorriso falso. Em casa, roubando o amor e a atenção de nossos pais.

— Ela está em Wharton. Fazendo a MBA.

Lula Molusco sorriu.

— Eu sempre soube que ela iria para Wharton. — Então, deu uma boa olhada para Spencer. — A primeira parte das questões do trabalho que passei tem que ser entregue na próxima segunda-feira. E vou lhe dar uma sugestão: os livros extras que eu mencionei no resumo vão ajudar.

— Oh. — Spencer sentiu-se constrangida. Ele estava lhe dando uma dica porque lhe dera um B- e sentia pena dela, ou porque ela era irmã de Melissa? Ela endireitou os ombros.

— Eu já estava planejando comprá-los, de qualquer forma.

Lula Molusco olhou para ela, impassível.

— Bem, que ótimo.

Spencer se arrastou pelo corredor, perturbada. Em geral, ela ficava emparelhada com os melhores da turma, mas Lula Molusco a fizera se sentir como se ela fosse a pior aluna da classe. Era o fim do dia escolar. Os alunos de Rosewood agitavam-se em torno de seus armários, enfiando livros em suas mochilas, fazendo planos por celular ou pegando seus equipa-mentos para os treinos esportivos. Spencer tinha hóquei às três horas, mas queria ir até a livraria Wordsmiths para comprar os livros do Lula Molusco antes disso. E depois tinha que checar com os responsáveis pelo livro do ano Como estava a situação da lista dos voluntários para o Habitat for Humanity, e tinha que dar um oi para o orientador do grupo de teatro do colégio. Ela provavelmente chegaria uns minutinhos atrasada no hóquei, mas o que ela podia fazer?

Ao empurrar a porta da Wordsmiths, sentiu-se imediatamente mais calma. A livraria estava sempre silenciosa, sem vendedores sufocantes empurrando coisas para os clientes. Depois do desaparecimento de Ali, Spencer costumava ir até lá e ler as tirinhas de Calvin e Haroldo, só para ficar um pouco sozinha. Os funcionários também não ficavam bravos quando um celular tocava, que era exatamente o que o de Spencer estava fazendo naquele momento. O coração dela disparou... e então disparou de um jeito diferente quando ela viu quem era. — Wren — sussurrou ela ao telefone, encostando-se na prateleira de livros de turismo. —Você recebeu meu e-mail? — perguntou ele, com seu sotaque britânico sexy, quando ela atendeu.

— Hum... sim — respondeu Spencer. — Mas... eu não acho que você deveria ficar me ligando.

— Quer desligar, então?

Spencer olhou em volta, cautelosa, de olho em dois calouros tontos dando risadinhas na frente dos livros de autoajuda sobre sexo, e em uma senhora que estava folheando um guia de ruas da Filadélfia.

— Não — sussurrou ela.

— Bem, estou louco de vontade de te ver, Spence. Você pode me encontrar em algum lugar?

Spencer fez uma pausa. Chegava a doer o quanto ela queria dizer sim.

— Não tenho certeza se isso é uma boa ideia agora.

— O que você quer dizer com não ter certeza? — Wren riu. —Ah, Spencer, vamos lá.

Já foi difícil o suficiente ter que esperar tanto para ligar para você.

Spencer balançou a cabeça.

— Eu... eu não posso — decidiu ela. — Sinto muito. Minha família... eles mal olham para mim. Quero dizer, talvez nós pudéssemos tentar daqui... daqui a alguns meses?

Wren ficou em silêncio por alguns instantes.

—Você está falando sério.

Spencer fungou, insegura, como resposta.

— Eu só pensei que... eu não sei. —A voz de Wren pareceu tensa. — Tem certeza?

Ela passou a mão pelo cabelo e olhou pelas enormes vitrines da Wordsmiths. Mason Byers e Penolope Waites, dois de seus colegas de classe, estavam se beijando do lado de fora do Ferra s, o restaurante do outro lado da rua. Ela os odiava.

— Tenho — respondeu, as palavras sufocadas na garganta. — Desculpe. — E desligou o telefone.

Ela suspirou. De repente, a livraria pareceu quieta demais. O CD de música clássica havia parado de tocar. Os pelos da sua nuca se arrepiaram. A poderia ter ouvido a conversa deles.

Tremendo, andou até a seção de economia, olhando com suspeita para um cara que parou em frente à prateleira com livros sobre a Segunda Guerra Mundial, e para uma mulher que mexia em um calendário cheio de fotos de buldogues. Algum deles poderia ser A? Como é que A sabia de tudo?

Ela logo encontrou os livros da lista do Lula Molusco, foi até o caixa e entregou seu cartão de crédito, brincando, nervosa, com os botões prateados de seu blazer azul-marinho do colégio. Queria faltar a todas as suas atividades e ao hóquei depois das compras. Queria ir para casa e se esconder.

— Ah... — A moça do caixa, que tinha três piercings na sobrancelha, ergueu o Visa de Spencer.— Há algo errado com este cartão.

— Impossível — rosnou Spencer. Depois, tirou seu MasterCard de dentro da bolsa.

A vendedora passou o cartão, mas a máquina fez um segundo bipe de recusa.

— Com este aqui acontece a mesma coisa. — A vendedora deu um telefonema rápido, balançou a cabeça algumas vezes e desligou. — Estes cartões foram cancelados — disse ela, calmamente, os olhos pesados de tanta maquiagem. — Acho que eu deveria cortá-los, mas... — Ela deu de ombros, com doçura, e os devolveu para Spencer.

Spencer agarrou os cartões da mão dela.

— Sua máquina deve estar quebrada. Estes cartões, eles são... — Ela quase disse: eles são vinculados à conta bancária dos meus pais.

Então, ela entendeu. Seus pais haviam cancelado os cartões. —Você quer pagar em dinheiro? — a vendedora perguntou.

Seus pais haviam cancelado seus cartões de crédito. O que vinha a seguir, um cadeado na porta da geladeira? Cortar o aquecimento do quarto dela? Limitar a quantidade de oxigênio que ela respirava?

Spencer abriu caminho para fora da loja. Ela havia usado seu cartão de crédito para comprar uma fatia de pizza de soja, a caminho da cerimônia fúnebre de Ali. E tinha funcionado. Na manhã anterior, ela tinha pedido desculpas à família e agora seus cartões estavam bloqueados. Era um tapa na cara dela.

A raiva tomou conta de seu corpo. Então, era assim que eles se sentiam sobre ela.

Spencer olhou tristemente para os cartões. Ela já os usara tanto que a assinatura dela quase desaparecera. Endurecendo o queixo, ela fechou a carteira e abriu seu Sidekick, procurando o número de Wren na lista de chamadas recebidas. Ele atendeu no primeiro toque. — Qual é o seu endereço? — perguntou ela. — Mudei de ideia.


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