O País dos Generais escrita por Redbird


Capítulo 20
País e filhos


Notas iniciais do capítulo

Então, olha eu aqui de novo! Sim, gente. Mais uma vez, desculpem pela demora. Eu quero agradecer a Re! Re, eu não sei se teria coragem de continuar essa história se não fossem seus incentivos. Amo você. Gente, vou tentar postar pelo menos uma vez por mês. Sei que não é muito, mas as coisas andam meio complicadas por aqui. Então, espero que vocês gostem deste capitulo. E vamos a história que é o que interessa.



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Os minutos, quem sabe horas, que levamos para chegar até a casa Haymitch na zona sul da cidade passaram como um borrão. Imagens dos meus pais, desesperados com o adeus, minha irmã atônita e os milicos que nos seguiam se misturavam numa espécie de pesadelo.

Lembro de que Johanna deu dois gritos de comemoracao quando finalmente despistamos eles, lembro de corrermos até a entrada da Fazenda de Haymitch. Alguém disse que tudo ficaria bem enquanto eu corria até a casa. Fui levada até um quarto e a
cama me pareceu saída de um sonho, um presente do deuses.

Adormeci um sono inquieto. No sonho meus pais estavam sorrindo na nossa mesa montada para o Hannukah. Minha irmã, dez anos mais nova, estava empolada em um vestido azul, seus cabelos loiros presos numa trança.

– Esse é um Hanukah muito especial. Ano que vem nossa Katniss terá seu Bat Mitzvah- disse minha mãe sorrindo- Você deve aprender bem o hebraico até lá, querida. Vai ser uma festa linda.

Minha família olhou para mim sorrindo, me lembro como me senti impotente. Eu não deveria estar mais alta? Não deveria estar mais madura para o que eles esperavam de mim? Mordi o lábio lembrando que meu hebraico era péssimo.Talvez, eu pudesse falar com Cato sobre alguma técnica de estudo. Eu sabia que o pai dele o obrigava a estudar mais do que o necessário já que ele tinha problemas na escrita de algumas palavras, foi assim que nos conhecemos aos 6 anos. E eu precisava me preparar.

–Você será uma adulta Katniss- Avisou meu pai- com a voz séria. Olhei para ele e senti um calafrio percorrer minhas costas. Ele já não era jovem. Estava com o rosto machucado e envelhecido como da última vez que o vira.

De repente minha mãe começou a chorar. A taça bonita que ela tinha nas mãos enquanto servia a família na ceia caiu no chão se despedaçando. Tentei gritar,mas minha voz não saia.

–Você está sozinha agora, querida- suas mãos tremiam enquanto ela tentava cortar o pedaço de cordeiro na mesa. Ela também tinha as rugas que apenas recentemente começaram a nascer no seu rosto de 50 anos. Olhei para minha irmã, mas ela já não era uma garotinha. Era a jovem que tinha sido pedida em casamento a apenas alguns meses atrás.
–Prim!- Consegui falar. Tentei segurar sua mão, mas seu rosto estava lívido, senti o medo percorrer meus ossos como uma coisa viva- Prim, o que está acontecendo?
–Por que você me deixou Katniss? Era eu quem iria embora, não você. Você prometeu que cuidaria deles. Você não vai estar no meu casamento Katniss.... Por quê?

Eu parecia estar sendo enterrada na areia movediça, com meus pulmões cheios de areia e o oxigênio como uma mercadoria poderosa. Uma mercadoria a qual eu não podia pagar.

–Você precisa estar preparada Katniss. Você precisa entender. Você está sozinha agora. Este é o seu bat mitzvah- As mãos do meu pai eram pesadas, a voz mais grave, como a de uma entidade atemporal.
–Você está preparada Katniss?- Senti que a pergunta da minha mãe talvez fosse a pergunta mais importante da minha vida.

–Por quê- Voltou a questionar Prim- Por quê?

Senti uma náusea horrível, minhas mãos seguraram em algo macio e senti um aperto reconfortante nas minhas mãos. Levantei a cabeça e dei de cara com os olhos castanhos de Gale.

–Malek, você ficou.

Eu podia jurar que havia um oceano de lágrimas prontas para verterem de mim. Era como ter um tijolo prensado no meu peito. Eu queria falar tantas coisas.

– Gale, onde você está? Para onde eles levaram você. Você....

Eu queria perguntar se ele estava vivo, havia tanto sangue. Quando ele me tocou, suas mãos em minhas bochechas tornaram a dor da perda ainda mais insuportável.

–Eu também fiquei Malek, você vai descobrir. O que você irá viver..... Eu estarei com você, eu juro
A voz dele se tornou a do meu pai, da minha mãe, da minha irmã...

–Esteja preparada... Acorde, Katniss.

O quarto em que eu estava era simples. Uma jarra de água em cima do criado mudo e a cortina balançando eram as únicas coisas que eu podia distinguir naquela escuridão. Senti alguém me cutucando. Johanna parecia não ter dormido muito.
–Finalmente- foi a única coisa que ela disse antes que eu pudesse sair correndo em busca de uma banheiro.
Assim que encontrei, para meu extremo alivio perto do quarto, me ocupei em colocar o conteúdo do meu estômago para fora. Deus, como eu queria colocar minhas preocupações para fora daquele modo, seria muito mais fácil.
Johanna ficou na porta parada, com uma expressão estoica ao invés de me ajudar, parecendo não nutrir muita simpatia pelo meu estado. Não me importei, de algum modo até me senti melhor assim.
–É...eu sabia que você ia acabar colocando tudo para fora algum momento- Disse, me entregando uma toalha enquanto eu lavava meu rosto no espelho. Fiz o possível para não olhar meu reflexo.
"Você está sozinha agora". Eu ouvia minha família, meus fantasmas, repetindo e repetindo na minha mente.
–Obrigada.
–Venha, você precisa se arrumar um pouco antes de ver todo mundo.
A encarei desesperada, não queria ver ninguém. Eu sabia que deveria falar com eles, tentar encontrar Gale e me manter viva. Essas eram minhas prioridades. Mas eu não estava preparada para encarar as consequências da minha decisão. Não ainda.
Johanna, pegou minha mão e levou até o quarto. Me entregou um copo de água. E foi ai que comecei a chorar. Porque havia militares no mundo. Mas também havia Johannas. Gente quebrada. Gente que ainda, apesar de todos os cortes em sua mão, era capaz de abraçar um amigo e estender um copo de água.
– Vai ficar tudo bem princesinha judia! Você vai ver
–Não me chame de princesa! – Johanna riu. Às vezes uma discussão familiar era reconfortante.
Fiquei abraçada em Johanna por um tempo que eu não sei precisar. Tempo. Essa era uma coisa com a qual eu vinha tendo dificuldade de lidar desde que entrara.
– Nos metemos numa encrenca e tanto não é mesmo?- Falei quando eu já parecia ter chorado meu coração inteiro.
– Um pouco- falou ela- Mas você sabe, encrenca é meio que nossa especialidade. Está na hora de você aceitar isso.
Olhei para um porta retrato com a foto de uma menina bonita. O cabelo castanho em um rabo de cavalo. Apesar do vestido branco delicado e da postura comportada, havia algo que me dizia que aquela garota emanava coragem. Por um momento quis ser como ela.
–Eu vou ficar bem. Só preciso descobrir o que fazer- disse sem tirar os olhos do pequeno retrato.
–Esse é o espirito- Eu não havia reparado Haymitch na porta. Ele parecia mais cansado, o cabelo envelhecido parecia não ser lavado há dias- Esse é o espirito!

Johanna olhou para Haymitch séria. Levantou da cama e cheirou ele descaradamente.
–Haymitch, bêbado a essa hora? Com todos os problemas pela frente?
Haymitch abriu a boca para responder, mas Johanna riu e lhe deu um beijo na bochecha que o deixou completamente desconcertado.
–Dá próxima vez, divida com os amigos.
Haymitch encarou as costas de Johanna enquanto ela saia do quarto.
–Ela... por acaso ela...

Ri da cara totalmente perdida de Haymitch. Era engraçado rir, de repente me senti totalmente maravilhada com o poder que os seres humanos tinham de rir e chorar ao mesmo tempo.

Haymitch sentou do meu lado, seus olhos totalmente concentrados no retrato da filha. Minhas mãos involuntariamente foram parar nos seus ombros.

–Sinto muito por ter ficado no quarto da Ellie. Eu não devia...
Mas Haymitch não me ouviu, parecia estar concentrado em um mundo particular de dor.
–Hoje é o aniversário da morte dela sabe? Pelo menos do dia em que ela desapareceu.
Meu coração se contorceu de uma maneira dolorosa. Tentei evitar olhar para ele. Não disse nada. Não havia nada a dizer. Ele suspirou e levantou da cama, ainda completamente perdido em pensamentos. Antes de sair do quarto ele se virou para mim.
–Você devia escrever para seus pais, sabe. Eles devem estar apavorados- a intensidade na voz dele me pegou de surpresa- A resistência tem como encontrá-los. Você tem uma linda família. Não desperdice isso.

Assenti. Aquele com certeza era um dos conselhos mais importantes que eu recebera na vida. Eu sabia que o pessoal logo chegaria. Sabia que teria que encarar as consequências e meu futuro. Mas, agora, eu só queria me despedir e pedir perdão aos meus pais.

–Você tem papel e caneta?- Perguntei antes que ele pudesse sair do quarto. Haymitch sorriu e prontamente foi até a cômoda principal. Havia um caderno bonito. Ele foi até a sala e voltou com uma caneta. Agradeci e assim que ele saiu comecei a escrever para meus pais. De alguma forma, eu sabia que aquela seria a primeira de muitas cartas.

Queridos

Espero que estejam bem em Buenos Aires. Espero que esta carta possa chegar até vocês, espero poder revê-los em breve, Espero tantas coisas. Mas a verdade é que, o que mais espero, é que possam encontrar alguma maneira de me perdoar. Perdoar por sentir tanta dor, raiva e culpa que não me restou outra maneira se não tentar lutar contra aquilo que me parece injusto. Essa foi a minha escolha. Sinto que ela tenha acabado prejudicando vocês.
Estou sozinha. E sei que esta nunca foi a vida que quiseram para mim. Esta é outra coisa pela qual tenho que me desculpar. Nunca fui capaz de ser a filha que vocês queriam, a filha que vocês precisavam. Sinto muito, mais uma vez. Sei que vou passar o resto da minha vida me perguntando o que teria acontecido se tivesse fugido com vocês. Se tivesse aceitado partir e deixar tudo para trás. Este é o problema com as decisões. Muitas vezes você nunca saberá se são as certas. Só sei que, para mim, era preciso ficar. Teria passado o resto da vida me perguntando o que aconteceu com meu melhor amigo e a mãe dele.
Não sei porquanto tempo ainda irei ficar no Brasil. Preciso saber algo concreto e ainda estou tentando avaliar meus próximos passos.
Só quero que tenham a certeza que irei ficar bem. Sou filha de vocês afinal, não sou? Nós os Everdeen sempre sobrevivemos.
Mãe, pai, eu sei que vocês estão zangados, apavorados e talvez nunca venham compreender os motivos que me fizeram ficar em Porto Alegre. Pelo menos por enquanto. E, pelo menos por enquanto, tentem me perdoar.
Sei que irei perder muitas coisas. Meu coração quase sai pela boca quando lembro que Prim irá casar e talvez eu não possa estar com ela. Prim! Você era quem devia estar partindo em grandes aventuras pelo mundo. Papai, ainda não consigo me perdoar e uma onda de medo me atinge toda vez que lembro como eles machucaram você por causa mim. Fico aliviada por estarem longe daqui. Sei que vocês também ficariam aliviados se eu estivesse ai, mas eu não pude. E vai levar uma vida para que eu possa pedir perdão por isso.
Mas sei que aqui, agora, este é o lugar certo para ficar. Preciso obter respostas, preciso consertar algumas coisas. E, acima de tudo, preciso sentir que ainda existe alguma luta em mim.
Eu sei que vocês nunca me imaginaram desta maneira. Eu nunca me imaginei desta maneira. Mas eu preciso lutar. Mamãe, me perdoe por não ser quem você sonhou. Mas, quando papai me contou a modo como se conheceram eu consegui entender pela primeira vez o quanto somos parecidas.
E isto me conforta, mesmo agora. Porque, mesmo que vocês estejam há quilômetros de distância em Buenos Aires, ou até mesmo em outro hemisfério do outro lado do oceano, ainda existe uma parte de mim que sempre estará com vocês. E vocês sempre estarão comigo.
Em cada decisão que tomar, tentarei ser generosa e compassiva como papai. Toda vez que precisar erguer a cabeça e sentir que não posso mais, lembrarei de você mamãe. E Prim, eu tentarei ver a vida de forma leve e alegre como você sempre conseguiu ver.
. O futuro me aguarda, e não sei o que ele me reserva.Com todo o peso das decisões que preciso tomar, existe algo que faz com que eu consiga olhar o futuro de uma forma mais tranquila. O fato de que, por mais que o mundo mude, apesar de todas as minhas dúvidas, existe uma certeza que é como um guia, sempre pronto nos momentos precisos. Eu amo vocês e sempre vou amar. Com toda minha alma. Espero vê-los em breve.

Com amor

Da sua Katniss


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Notas finais do capítulo

Gente, vou tentar postar pelo menos uma vez por mês. Sei que não é muito, mas as coisas andam meio complicadas por aqui. Por favor, eu adoraria saber a opinião de vocês. Ela é muito importante para mim. Mais uma vez, desculpem a demora e vocês sabem que a tia Rafa ama vocês.



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