O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 28
Quatro pintinhos.


Notas iniciais do capítulo

Nem me chamem de João Batista



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/603578/chapter/28

Dia vinte e seis, enquanto cortávamos as bonitas paisagens mineiras, pela rodovia cheia de curvas, circundando ou cortando a famosa Serra da Mantiqueira, na curta viagem em direção à Guaxupé, Regis, apanhou seu tabuleiro de xadrez metálico, ajeitou-o sobre suas pernas e me convidou:

— Vamos jogar xadrez comigo!

— Não sei jogar xadrez! — neguei, sem ter ânimo para o jogo.

— Eu te ensino!

— Não! Obrigado, Regis!

— Sim! Obrigado, Regis! —insistiu ele. — Jogue comigo, por favor!

— Não! Agora não! Estou sem pique!

— Estou sem pique! — remendou-me ele se levantando e se dirigindo ao professor, convidando-o:

— Professor, vamos jogar xadrez!

— Não! Obrigado! Acho que devemos estudar!

— Nem venha com essa! — negou ele bravo, se dirigindo à Pinduca que estava cochilando.

— Pinduca — chamou-o, chacoalhando-o. — Vamos jogar comigo!

O músico abriu os olhos e reclamou:

— Você tem coragem de me acordar por causa de um jogo bobo!?

Dirigiu-se a Jardel:

— Vamos jogar!

— Não gosto de jogos! — negou o músico.

— Ah, né! — reclamou o menino fazendo careta. — Custa alguém aqui ser um pouco criança pra brincar comigo!?

— Estas pessoas já passaram da fase criança, Regis! — justificou o professor. — Sente-se e curta um pouco da linda paisagem.

— Nem to pedindo pra ninguém brincar comigo de pamponeta ou outra coisa infantil! — reclamou o menino. — Basta jogar alguma coisa comigo! Nem precisa ser xadrez, que é jogo pra inteligentes! Pode ser dama mesmo! Ou dominó... Truco... Rouba-monte... ou até de burrinho!

— Ok, você venceu — concordei. — Sente aqui e me ensine a jogar este jogo de inteligentes, pra que eu o derrote de uma vez por todas.

Imediatamente, sorrindo feliz, ele voltou a sentar-se a meu lado e preparou o tal tabuleiro metálico, com suas peças imantadas, para que o balançar do ônibus não as derrubasse ao chão, passando a me explicar os pormenores daquele jogo de estratégia, com suas torres, cavalos, reis, peões e rainha.

Realmente, todos nós éramos um tanto covardes, em não lhe proporcionar algum tipo de entretenimento, para lhe compensar pela sua grande perda, causada por tantos compromissos artísticos, lhe roubando prematuramente sua infância.

©©©

À noite em Guaxupé, estado de Minas Gerais, ainda faltavam quase uma hora para iniciar o show e como já estávamos no parque de exposições, Regis me pediu:

— Posso dar uma volta no parque?

— Não senhor! — neguei sério. — Não vai sair daqui de dentro!

— Por favor, papai Willian, só uma voltinha.

— Não é mais papai Pedro?

— Papai Willian!

— Mesmo assim não vai! Está de castigo!

— Por favor! Rapidinho!

Olhou-me com uma carinha tão comovente.

— Não faça essa carinha pra mim!

— Sou criança! Lembra?

— Você está trabalhando! Lembra também?

Tornou a me olhar com seu jeito comovente.

— Não faça essa carinha de piedade!

Ele riu.

— Você vai receber visitas.

— Elas esperam!

Não tinha como negar.

— Vou com você.

— Pajem? — caçoou ele.

— Carrasco! — completei.

©©©

Dia primeiro de março, estivemos na gravadora, aonde, após nos cumprimentar o senhor João nos perguntou:

— O que vocês dois querem por aqui? Não vão dizer que já é o disco?

— Claro que é o disco! — exclamou Regis. — Já passou da hora!

— Venha você querer dar ordens por aqui, garoto, que vou cortar seu documentinho de homem e transformá-lo numa mulherzinha.

— E o que o senhor ganha com isso? — desafiou Regis.

— Muita coisa! As garotinhas gostam muito de você! Se virar mulherzinha, os garotos vão gostar também. Assim vendo mais discos.

— O senhor pode me desafiar como queira, pode até se apaixonar por meu pintinho gostozinho, mas o que quero mesmo é ver a cara de meu novo disco.

— Ai meu pintudinho bonitinho! Seu disco é impossível!

— Como assim? Ainda não está pronto?

— Pronto está! Acontece que o outro ainda está vendendo muito. Colocando este na praça, adeus ao outro.

— Podemos pelo menos vê-lo?

— Willian, como você suporta esse garoto?

— Regis é um excelente menino! — aleguei.

— Ele dará é uma excelente menina, isso sim!

— O senhor é muito bom é de bico, isso sim! — desafiou Regis.

— A arte mudou sua vida. Não!? Cadê aquele menininho tímido?

— Aprendeu com o senhor! — ironizou o menino.

— De pobre, foste à nobreza!

— Por falar nisso, vou trazer mais três garotos pra ir à nobreza também — informou-lhe Regis.

— Venha você trazer problemas pra mim que eu te capo de verdade!

— O senhor pode fazer o que quiser, mas que vem; ah isso vem!

— Até parece que você manda aqui!

— Mandar eu não mando! Mas serão mais três meninos pro senhor castrar e colecionar pintinhos! Aliás, eu sei que o senhor gosta de crianças.

— Falando sério, garoto, todos gostam de crianças! Mas pra gravar um disco tem que ser bom! Tem que ser assim… um Regis Moura.

— Meus amigos são muito bons! Fizeram shows junto comigo! Conte a ele, Willian.

— É verdade. É uma dupla sertaneja e um garoto de Poços de Caldas.

— Vocês prometeram a eles que gravariam aqui?

— Não! — neguei. — Não é bem assim!

— É sim! — interferiu Regis. — O senhor precisa gravar eles! Dou a minha palavra que não vai se arrepender!

— Se for igual a você, saiba que estou arrependido.

— Por quê? Estou lhe dando prejuízo?

— Em dinheiro não! Mas que me torra a paciência, isso torra!

— De o meu disco, que lhe prometo só voltar aqui dentro de um ano, pra gravar outro.

— Se é assim, é o que vou fazer!

Levantou-se, seguindo até a sala ao lado. Pouco depois, retornou com o disco nas mãos e entregou a Regis dizendo:

— Suma daqui! Só posso lhe entregar este por enquanto.

Era o terceiro disco da carreira de nosso artista, com a foto da capa: Regis com camiseta esporte vermelha apoiado em um balcão. A foto da contra capa: Regis com roupa vermelha xadrez, sentado em uma pedra.

O título do disco:

“LÁGRIMAS DE ARTISTA”

O disco estava muito bonito, nos deixando muito felizes com este novo lançamento. Eu mais ainda, devido o título do disco ser de uma música de minha autoria.

— Quando o senhor começará a vender este disco? — perguntei-lhe.

— Não sei direito — respondeu João. — Gostaria de adiar um pouco.

— O senhor sabia que este ano teremos renovação de contrato? — perguntou-lhe Regis.

— Não quero nem esquentar a cabeça com você, garotinha linda! Não era seu disco que você queria? Pois aí está!

— Garotinha não! Sou macho! Muito homem!

— Até eu cortar sua baginha de amendoim!

— Gracinha! — fez micagem, Regis.

— Já começou a criar pena… o sabiazinho?

— Quer conferir?

— Suma daqui! Safadinho!

— Podemos pelo menos trazer meus amigos pra falarem com o senhor? — quis saber Regis.

— Fazer o quê? Quando você os trará?

— Dois, dia quinze e outro dia dezessete.

— Por que não no mesmo dia?

— Vai que o senhor aceita gravar um deles e o outro não! — advertiu Regis. — Fica muito chato!

— Concordo!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Grande Palco da Vida - Live" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.