O Grande Palco da Vida - Live escrita por Celso Innocente


Capítulo 29
Premonição




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Em dois de março, Regis gravou a música “Vida” de José Fernandes, na abertura de um famoso programa de calouros da televisão.

Amar é preciso, mostrar o sorriso que enriquece a alma

Que anima e acalma, que tanto alimenta

Que belo talento que Ele nos deu.

Bebamos da fonte, nós somos a ponte que permite o elo

Do sol e o castelo, da terra e o Céu

Papai e Noel que presente belo.

REFRÃO

Eu falo da vida, que mel que guarida, que doce alegria

De noite e de dia que coisa tão bela

Ah Deus quem dera eu fosse eterno

Eu sou a semente, plantação de gente, sou criação sua

Te vejo na terra, no céu e na rua

És pura energia, poema de lua.

Então passou a fazer parte da equipe de jurados, onde o apresentador comentou:

— Muito sentimental essa canção. É uma letra que toca no fundo do coração

— Obrigado! — agradeceu Regis. — Quero aproveitar pra dizer que meu terceiro elepê estará sendo vendido, a partir da metade deste mês no Brasil inteiro.

— Depois a gente cobra a propaganda — caçoou o apresentador.

Ao final do programa de calouros, Regis voltou a cantar, desta feita, do então terceiro disco “A guerra dos homens” de Arthur Moreira e Sebastião F. Silva.

Ontem quando eu fui me deitar

Ouvi o meu pai falar que a guerra era um pecado

Preocupado então adormeci

E no meu quarto eu vi alguém vestido de soldado

Eu pensei que a guerra fosse ali e chorando lhe pedi

Não me mates, por favor,

Ele então pegou na minha mão me ensinou uma canção

E pra rua me levou.

(coro) lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá

lá lá lá lá lá lá lá lá lá lá.

Perguntei e ele me sorriu

O senhor não tem fuzil, nem armas nem facão,

E ele simplesmente me falou

Que a guerra se acabou e era de paz sua missão

E fomos cantando, quando alguém veio cantar também,

Eu nada entendia.

De repente o povo aumentou, mais gente então chegou,

Cantando a mesma melodia.

lá lá lá lá lá lá lá…

Algo então chamou minha atenção,

Pois naquela multidão, só soldados eu notei.

Parecia mais um batalhão,

Cantando uma canção que eu nunca escutei.

Foi assim que um deles me falou

Que o homem começou no mundo essa guerra.

E foi Deus que ao homem ordenou

Parar com esse horror, pra se ter paz na Terra.

lá lá lá lá lá lá lá…

De repente alguém apareceu e sorrindo nos benzeu,

Olhou pro alto e disse:

(falado, adulto) Pai, abençoe-os porque agora eles sabem o que estão fazendo.

E através dessa canção o Céu, iria abençoar.

O nosso mundo inteiro

Nessa hora então eu acordei

Aí eu confirmei que Deus é verdadeiro.

lá lá lá lá lá lá lá…

Dia três, no período da tarde viajamos para o Rio de Janeiro, para mais uma turnê de dez dias.

Dia quatro de manhã, acompanhado pelo batalhão de soldados do exército brasileiro da Tijuca, no Rio de Janeiro, todos fardados, porém sem fazer uso de armas, Regis gravou na praia, a música “A guerra dos homens”, formando um vídeo clipe, que seria apresentado dia seis de Março, em famoso programa jornalístico de domingo à noite, na principal rede de televisão brasileira.

O menino ainda teria diversas apresentações, com intuito de lançamento e divulgação de seu terceiro long-play.

Naquele mesmo dia, iniciando por Angra dos Reis, a cento e sessenta quilômetros da Tijuca, começamos então nosso novo compromisso de eventos pelo belo estado do Rio de Janeiro, sendo:

4 sexta-feira - Angra dos Reis 160 Km

5 sábado - São João do Meriti 136 km

6 domingo - Volta Redonda 104 km

8 terça-feira - Nova Iguaçu 94 km

10 quinta-feira - Nova Friburgo 159 km

11 sexta-feira - Araruama 138 km

12 sábado - São Gonçalo 95 km

13 domingo - S. J dos Campos SP 360 km

Chegamos ao ginásio pouco depois das oito horas da noite. O show se iniciaria sem atrasos às nove e meia. Nossa equipe de som e iluminação, já estava com seus equipamentos praticamente prontos e pré-testados. Regis permaneceria no camarim, onde se trocaria de roupas e receberia algumas visitas. Enquanto isso, eu acompanharia o pessoal nos últimos ensaios de som e iluminação. Quando já saía, ele me pediu:

— Willian, posso dar uma volta lá fora?

— Não! — neguei prontamente. — O show começa em uma hora e você vai receber visitas. Esqueceu?

— Tenho tempo! Quero dar apenas uma voltinha.

— Não dá! — neguei sério. — Eu não posso ir com você e nós não estamos em qualquer cidade do interior, onde você possa andar sozinho!

Fez sua carinha de piedade como se fosse o menino mais infeliz do mundo.

— Nem adianta fazer sua carinha de anjinho sofrido pra mim! — insisti. — Hoje Regis não sai daqui deste camarim!

Ele se emburrou, saltou nervoso no sofá e gritou:

— Todo mundo quer mandar em mim! Não está na hora de eu também mandar um pouco? Pelo menos em mim!?

— Tem hora que um menino de onze anos precisa obedecer a certas regras! Se você sai e acontece qualquer coisa de anormal, seu pai cai em cima de alguém que não é você!

— Será que é proibido ser um pouco criança?

— Hoje você não será criança! Acabou!

— Hoje sou seu escravo! Vou ganhar dinheiro pro meu amo e senhor?

— Afie mais as esporas! — retruquei triste. — O que está acontecendo com você?

— Nada de anormal! Sou uma pessoa como qualquer outra! Também tenho vontade própria e também tenho o direito de protestar!

— E o direito de ser mal educado...

— Como qualquer menino de minha idade.

— Não com os pais.

— Você não é meu pai!

— Claro que não! Duvido que seria tão machinho assim com ele! Seja como for, hoje você não sai deste camarim!

— Chega meu! Já falou!

Já estava de saída quando ele ainda alegou:

— Não vou receber visitas!

— Você é quem sabe! Não sou eu que tenho fãs e não é minha imagem que vai ser afetada! Dá-me licença, que vou ajudar a preparar o palco pro meu escravo se apresentar.

Apesar de sua revolta, ele sabia suas obrigações de artista e recebeu as visitas anteriormente programadas normalmente. O show foi realizado sem problemas, inclusive citando meu nome, como fazia sempre durante a apresentação de sua equipe de trabalho.

No caminho de volta ao hotel, apesar de estarmos nas mesmas poltronas de sempre, nada falamos.

Quase meia noite, no apartamento do hotel, ao contrário de todos os dias, me pediu para deixá-lo tomar banho primeiro, depois vestiu seu pijama curto e sentou-se para assistir televisão.

Voltaria a conversar com ele assim que saísse do banho, mas para minha surpresa ele já estava dormindo, e ao contrário de sempre na cama de solteiro (ele sempre dormia na de casal e eu na de solteiro). Desliguei a televisão e também me deitei, permanecendo acordado por muito tempo, refletindo no ocorrido. Não estava habituado àquela situação de lidar com um Regis malcriado. Ele sempre fora um exemplo de criança boa e mesmo que contrariado, procurava manifestar sua vontade com muita educação. Acho que ele estava entrando na puberdade.

Acordei às seis horas da manhã e percebi que ele estava deitado ao meu lado, na mesma cama.

— Oi! — cumprimentou-me com cara de santo.

— Faz tempo que você veio pra cá? — perguntei-lhe.

— Você não gostou?!

Nada respondi. Ele sorriu maroto, mostrando sua covinha na bochecha e concluiu:

— Posso dormir com papai Willian!

— Não sou mais seu amo, senhor e dono?

— Meu amo! Meu senhor! Meu dono! Mas te amo como papai!

— Você é safado! Acha que assim consegue ficar livre de castigo?

— Você continua com raiva de mim? — perguntou-me triste.

— Jamais terei raiva de você, menino! E não é porque você é meu escravo, que trabalha forçado pra mim! É porque sou seu amigo!

— Eu sei disso!

— Mas estou muito bravo!

— Vai me punir?

— Com certeza.

— Vai me dar cintada? ...Na bunda?

— Não bato em crianças!

— Pode bater! Eu autorizo! E me perdoe por ter sido malvado ontem à noite. Acho que estava estressado.

— Você foi muito mal educado. Bem diferente do que sempre foi.

— Sei que fui! Me perdoe!

— Pelo que disse, só fico com você pra te explorar. Sabe menino... trabalho com você por amor. Trabalharia até de graça se pudesse! Mas não dá, pois tenho meus gastos e você pode me pagar!

— Sei que fui cruel! Falei coisas sem pensar!

— Promete nunca mais ser igual? — cobrei-lhe.

— Não!... Pode acontecer de novo!

— Como assim?

— Sou apenas um menino, Willian! Não me faça de anjo! Às vezes posso me tornar um anjo da cara suja!

Só pude rir de seu jeito, acho que muito sincero de ser.

— Mas prometo fazer o possível pra me controlar.

— Desse jeito tenho que te perdoar! Não?

— Tem! — riu ele, me dando um beijo no rosto.

— Não me mime ainda! — alertei-o. — Vai ter castigo!

Sentou-se sobre a cama e disse em tom gozador:

— Eis aqui seu escravo, meu grande amo e senhor!

Pensei um pouco, como a inventar um castigo, mas já tinha decidido durante a noite, qual seria:

— Durante um mês você não sai do camarim, como costuma fazer pra se divertir com outras crianças.

— Nem com você junto!? — insinuou triste.

— Nem comigo, nem com ninguém!

— Castigo absoluto? — insistiu triste. — Eu preferia três cintadas! Fico até pelado pra doer mais!

— Só se eu delegar a responsabilidade das cintadas a seu pai!

— Assim é covardia!

©©©

Dia seis, já em hotel de Volta Redonda, antes do show, assistimos ao vídeo clipe apresentado pela televisão. Todos nós gostamos muito. Ficou muito bonito e emocionante.

Dia onze, apesar de que Regis estivesse muito bem, antes do show em Araruama, no camarim ele permaneceu sentado em uma poltrona e ao contrário de sempre, conversava pouco, respondendo apenas o que lhe perguntavam. Mesmo com um grupo de fãs que fora lhe visitar, como sempre acontecia, ele praticamente não conversara muito.

— Por que você está tão triste e preocupado? — questionei-lhe. — É por causa do castigo?

— Não! Estou conformado. Sei que nunca poderei ser uma criança normal.

— Não considere um castigo — pedi, sabendo que ele estava sendo privado de muita coisa. — Considere uma segurança!

Ele entrou para o show cantando Canarinho Da cidade, acompanhado pelos músicos e ao final da canção, cumprimentou o público:

— Boa noite amigos! Obrigado pela visita de todos à festa da música popular do Brasil! Este espetáculo não pode parar, mas eu não tenho muito tempo e agradeço de coração, a recepção amorosa em sua bela cidade…

O show prosseguiu dentro da quase normalidade. A não ser pelo detalhe, de que, ao contrário de outras apresentações, que costumava falar bastante, comentando sobre a mensagem das músicas apresentadas e falando palavras de otimismo, dando inclusive conselhos ao público e os chamando sempre de amigos; desta feita, apenas praticamente cantava, causando surpresa para os músicos. Então, ao final do show, quando ele se despediu rapidamente e correu para o camarim, fechando a porta, coisa que nunca fazia, é que o acompanhei e sentei-me a seu lado na poltrona.

— Está tudo bem, Regis? — perguntei-lhe.

Acenou que sim.

— O que você quis dizer com, não tenho muito tempo? Não entendi!

— Eu disse isso?

— Você está bem? — insisti.

Ele começou a chorar, me abraçou e disse:

— Estou com medo, Willian!

— Medo de que? — espantei-me. — Está tudo bem! Estamos juntos!

— Eu não queria ter vindo ao Rio de Janeiro!

— Calma! Só mais amanhã!

Ele continuava chorando sentido sem explicação. Era como se alguém houvesse lhe ofendido, ou lhe espancado.

— Ouça, já estamos indo pra São Gonçalo. Amanhã mesmo, no final do show a gente segue pra São José dos Campos e domingo, acabando o show, como é perto a gente vai pra casa.

Nisso entrou Pinduca e vendo o menino chorando, perguntou:

— O que há com Regis?

— Está assustado. Mas ele está bem!

Levantei-me e puxei sua mão.

— Vamos pro ônibus!

Ele aceitou, porém continuava com lágrimas.

— Hoje ele fez um show nervoso — advertiu-me Pinduca. — Correu tudo bem, mas ficou nervoso durante todo tempo. Quase não falou... Só cantou...

— Eu percebi — insinuei. — Eu vou pro ônibus com ele. Você cuida das coisas aí?

— Vai sim! — concordou Pinduca. — Leve ele pra descansar.

Abracei-o e o acompanhei até o ônibus, que como sempre estava cercado de pessoas, as quais sempre queriam falar com o pequeno artista. Mas naquela noite, ao contrário de sempre, onde ele atendia muito bem a todos, distribuindo abraços, beijos, autógrafos e muito carinho... Naquela noite ele permaneceu comigo, entrando no ônibus. Com isto, conhecendo o carinho que ele sempre teve pelas pessoas, deixei-o entrar e parei na porta dizendo:

— Amigos, perdoem Regis! Ele hoje não está muito bem e foi se deitar.

As pessoas que falavam alto, praticamente se calaram. Então, como era um grupo de apenas umas trinta pessoas, entrei para o ônibus, apanhei um pacote de fotos já autografadas e retornei dizendo:

— Sei que não é a mesma coisa, mas levem uma pequena recordação.

O motorista Juliano se aproximou, entreguei-lhe as fotos para que distribuísse e segui até nosso pequeno artista. Ele estava sentado na poltrona, ainda triste. Sentei-me a seu lado e perguntei:

— Como está? Melhor?

— O que está acontecendo comigo, Willian? Pareço diferente!

— Cansado, Regis! Muito compromisso. Mas faremos o seguinte, vamos cumprir esta agenda que temos programado e vamos tirar uns quinze dias sem fazer nada! Nem televisão! Que tal?

— Queria me deitar! Mas não troquei de roupa.

— Tire o jaleco e a calça. Fique de camiseta e cueca. Então se cubra com o lençol. Ninguém vai descobrir você.

Ele me obedeceu. Despiu-se, deitou-se e cobriu-se.

— Vamos cancelar o castigo. Que tal? — falei com sorriso.

— Não precisa, Willian! — insistiu ele. — Vamos cumprir o castigo. Faz parte.

— Mas eu o acompanho, pra sair e encontrar outros garotos!

Ele deu um leve sorriso depois fechou os olhos. Em poucos minutos estava dormindo com o rosto manchado de lágrimas. Aproveitei que o motorista estava na entrada do ônibus com alguns fãs e fui ajudar nossa equipe a carregar os instrumentos para o porta malas do ônibus. Três rapazes me acompanharam e praticamente sem falar nada nos ajudaram a carregar todos os equipamentos.

Meia hora depois, já prontos para partirmos, presenteei as seis pessoas que continuavam por ali com o terceiro disco de Regis, agradeci os que nos ajudaram e seguimos para São Gonçalo.

A viagem era perigosa, devido às curvas na estrada, sendo quase toda em trechos de serras, mas não era tão distante; menos de cem quilômetros. Saímos de Araruama as zero hora e chegamos à São Gonçalo quase duas horas da manhã, indo direto para o hotel.

Regis continuava dormindo, então resolvi chamá-lo:

— Hei garotão! Vamos dormir na cama do hotel!

— Me deixe aqui!

— Na cama você descansa melhor!

— Você me leva no colo?

— Meu nenenzão de onze anos?

— Por favor, Willian! Só hoje!

— Vamos lá então!

Em quase seis anos de convivência foi à primeira vez que o carreguei no colo, envolto pelo lençol, por estar seminu. Coloquei-o em uma cama do apartamento, ele virou-se de lado e praticamente continuou dormindo.


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Notas finais do capítulo

A partir do próximo capítulo esta estória passará por um drama triste na vida de alguém que almeja ser artista.
Com disse um leitor (acho que foi Dylan, ou Gabriel):- Querem cortar as asas desse canarinho.



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