Acordei com batidas leves em minha porta, levantei-me apenas para trancar a mesma, ignorando quem estivesse do outro lado, não queria conversar com ninguém naquele momento, queria ficar só, para pensar sobre meu inferno pessoal.Sabendo que não dormiria tão cedo, arrastei minha cadeira da escrivaninha até a janela, puxei minha grossa coberta sob meus ombros e sentei-me na mesma observando a noite fria, a neve ainda caia porém menos que nas outras semanas, mas ainda desfilava breve por minha janelas caindo para seu fim.As árvores mortas e tomadas pelo branco refletiam exatamente o que eu sentia, passava naquele momento.

Ele havia voltado.

Por quê?

Mil perguntas invadiram minha mente, nenhuma resposta coerente, apenas a lembrança dele colocando sua própria jaqueta em mim, falando “Não posso, e não porque não quero”, do conforto e calor que senti em seus braços, seu cheiro.Mordi meu lábio repreendendo-me.

Devo odiá-lo.

Onde estão as malditas lembranças do Inferno que vinham me atormentando há semanas, que não estão aqui me atormentando agora? Lembrando-me que devo odiá-lo, matá-lo, fazê-lo pagar por cada maldita palavra dita á mim, por seu tapa, por sua traição, por seu fogo.

A raiva, não veio.Apenas a tristeza, decepção, lágrimas.

Por que Luna?

Era uma necessidade odiá-lo, era o resto de minha dignidade posta em jogo, se eu o perdoasse, então ele faria piada de mim até quando eu fosse queimar no inferno.Não, não, não.Perdoá-lo estava fora de questão.

Aceitá-lo estava fora dos meus planos.

Vingança era meu maior desejo.

Porém eu ainda chorava, tomada, devastada pela decepção constante.

Por quê? A pergunta que não queria calar nem fazer-me engolir meu maldito choro.

Passei a mão em meus cabelos até pousar em minha nuca abaixando brevemente minha cabeça, quando a levantei deparei-me com um troll de pelúcia flutuando em frente á minha janela.

Com meu poder ergui a janela, e levantei-me para pegar o pequeno troll, o avaliei, era feito á mão, um boneco de pano com dois olhos diferentes de tamanho feitos de botão preto sob o tecido marrom, a boca costurada irregularmente deixando o boneco com uma carranca, blusa verde musgo e calças rasgadas e irregulares cinzas.Debrucei-me na janela e olhei para os lados, encontrando Vougan debruçado sob sua janela que era ao lado da minha, dava-me um de seus sorrisos dóceis e travesso, não pude não retribuir, ainda mais por que ele havia conseguido usar o feitiço Levitus.

Sai do meu quarto e fui até o dele, dei duas batidas na porta,a maçaneta girou mas não abriu, deu meia girada, e depois girou abrindo, revelando Vougan sentado de pernas de chinês em sua imensa cama, com um sorrisinho no rosto.Entrei no quarto fechando a porta atrás de mim e corri para pular na cama dele, fazendo-o rir, logo tapei-o a boca e fiz cara de assustada.

“Shh, não podemos fazer barulho ou ficaremos encrencados com o vovô.” Sorri e tirei minha mão de sua pequena boca que esboçava um sorriso.

“Você viu?Eu consegui Kat!” falou entusiasmado jogando-se para trás na cama.

Dei um risinho.

“Vi, estou muito orgulhosa de você.” Falei dando-lhe um abraço, deitando-me ao seu lado. “Por que enviou-me seu troll?”

Ele deu um pequeno suspiro.

“Dizem que aquele cara te fez mal, e você pareceu triste quando passou pela escada, Ronco sempre faz com que eu me sinta melhor quando eu...sinto falta da minha mãe.” Sua últimas palavras foram praticamente ditas num sussurro.

O abracei aconchegando minha cabeça abaixo de seu queixo.

“Ronco é o nome dele?” não levei para o outro assunto para não desanimá-lo.

“Sim.” Ele riu “Por que tatá me deu ele quando vovô estava roncando, achei apopriado.”

“Apropriado.” Corrigi-o sorrindo.

“Tanto faz.” O imaginei revirando seus pequenos olhinhos.

“Obrigada, já me sinto melhor com a companhia de Ronco, mas a sua é muito melhor.”

“Sinto-me lisojado.”

“Lisonjeado.” Corrigi-o.

“Arg, essas palavras que o vovô usa são muito chatas.”

Ri.

“Posso dormir aqui esta noite?” perguntei

“Se você não soltar puns, sim.” Falou tão sério que eu ri.

“Obrigada.” Então dormi com um gostoso cafuné de Vougan.

**********

Houve um grito histérico que me fez pular da cama em alerta.

Era o grito de Frida, nossa empregada.

Vougan levantou um pouco assustado olhando-me curioso enquanto coçava seus olhos com o dorso da mão.

“Fique aqui.” Pedi e saí do quarto correndo em direção ao grito.

Nathan corria junto com minha mãe e Harahel, minha Tatá ainda despertava na porta de seu quarto, Jared saia do seu vestindo uma camisa deixando sua barriga á mostra por um breve tempo que fez minhas mãos formigarem, ele passou por mim sem voltar seus olhos pra mim.Desci correndo na sua frente, encontrando todos na porta olhando com muito cuidado e curiosidade o leopardo albino com dentes de sabre negros, assim como seus olhos, que estava na entrada de nossa casa, cheirando nossa empregada desmaiada.

Needle.

“Que demônio é esse?” perguntou Tolec encarando o animal com receio.

“Viu pai, esse anticristo mal chegou e já trouxe seus semelhantes para nos trair.” Falou minha mãe olhando com raiva para Jared, que apenas revirou os olhos demonstrando tédio.

“Ele meio que é meu bicho de estimação.” Explicou e todos o olharam, curiosos ou incrédulos. “Seu nome é Needle, Katherine que escolheu.” Falou olhando-me pela primeira vez, avaliando-me, a luta de olhares havia começado.Sabia que todos estavam me olhando, principalmente Nathan, e com raiva, mas eu não conseguia desprender meu olhar dos verdes de Jared.

“Que tipo de bicho é esse?” perguntou Isaac.

“Um demônio, das Casas, o dominei e agora ele me pertence.” Falou Jared

“Como ousa trazer um demônio para aqui?” pergunta minha mãe rosnando entre os dentes enquanto caminhava ameaçadoramente na direção de Jared.

“Ele me segue, e não machuca ninguém só por machucar.Digamos que o adestrei, ele ferirá quem me ferir, então não ouse Emily.” Falou Jared olhando nos olhos de minha mãe com certa displicência.

“Está ameaçando-a?” perguntou meu avô á Jared.

“Não senhor, avisando-a do perigo.” Respondeu

“Gato!” gritou Vougan do alto da escada, e antes que qualquer um pudesse segurá-lo, ele já estava na direção de Needle, fazendo com que um coro de “Não!” atormentado ecoasse a sala.

Vougan pulou no pescoço de Needle abraçando-o, mas logo se afastou quando uma agulha o feriu, acidentalmente, pois o demônio se mostrava impassível e avaliava Vougan com seus olhos absurdamente negros.

“Afaste-se já Vougan!” gritou Jenna

“Que...demais!” gritou o menino “Ele tem pelo de agulha! Caramba! Podemos ficar com ele? Olha esses olhos, esses dentes!” falou passando sua pequena mão nos dentes de sabre.

“Viram?” falou Jared, mas ele mesmo parecia surpreso com a atitude de Needle em relação ao meu pequeno primo.

“Não podemos deixá-lo aqui pela casa.” Falou Harahel pela primeira vez, sua testa estava enrugada com preocupação.

“Ele é bem cuidado, não fede e digam-lhe onde fazer sua necessidade, que ele irá.” Falou Jared. “Mas ele vai me seguir onde eu for.”

“Mais um motivo pra enxotar os dois daqui!” falou minha mãe.

“Posso tocá-lo?” perguntou Genevive ao aproximar-se de Needle.

Jared assentiu e ela o fez, Needle não moveu um músculo, então de repente todos estava tocando em Needle, menos minha mãe, até meu avô cedeu á sua curiosidade. O demônio de olhos verdes aproveitou a oportunidade para se aproximar de mim, meu coração estava quase saindo de meu peito enquanto ele se aproximava mas Nathaniel se colocou no meio para intervi-lo, de propósito, dei um suspiro agradecido.

“Hey, bom dia.” Falou dando-me um beijo possessivo, demarcando o território, fazendo-me revirar os olhos enquanto eu o beijava.

“Bom dia.” Respondi após ele terminar nosso beijo com um selo casto.

Houve um pigarreio, minha mãe.Afastei-me um pouco de Nathaniel, que manteve sua mão protetora em minhas costas, Jared nos encarava, eu sentia, meu coro cabeludo pinicava.

“Katherine, precisamos conversar.” Ditou Emily.

Antes que eu pudesse responder, Vernon nos avisou que o almoço iria esfriar se não nos apressássemos, seguimos todos para a sala de jantar para fazermos nossa refeição.

Todos estavam meio desconcertados com a presença de Jared á mesa, principalmente eu, ele havia tomado o lugar de Fleur e estava sentado na minha frente, encarando-me sem nenhuma discrição, eu sentia Nathaniel desconfortável, minha mãe e Harahel agora sentavam-se distantes um do outro, meu avô sustentava um olhar preocupado, assim como todo o resto de minha família.Eles conheciam as histórias, sabia o que Jared havia feito comigo, ele estava num ninho de cobras, mas todos morreríamos se qualquer um de nós o picássemos.

Não fazia nem 24 horas que ele estava conosco, e tudo já parecia um novo inferno.