“Havia crianças correndo de um lado para o outro num chão arenoso, alguns meninos, de variada idade, brincavam de bolinhas de gude num canto e as meninas dançavam mexendo seus sáris. O sol alaranjado indicava que era fim de tarde, meninas aproximaram-se de mim, na verdade de quem eu estava vendo através, sorriram e chamaram-me para alguma coisa, neguei movimentando a cabeça e levantei-me de onde estava até uma sala simples, havia mesas extensas e baixas, um refeitório.Peguei com minha pequena mão marrom um copo de plástico laranja e o enchi d’água, então algo muito curioso aconteceu.A água começou a movimentar-se como um mar bravo, então começou á elevar-se numa linha até meus olhos, e de repente partiu-se em milhares de gotas no ar, alguém chegou e a água caiu no chão.”

Senti dedos quentes acariciando meu braço, não eram os de Nathan pois seus dedos eram um pouco ásperos, não eram os de Jared pois não arrepiavam meu corpo inteiro, de Owen não seria porque ele nunca entraria em meu quarto sem que eu o chamasse, então a solução foi abrir meus olhos que ficaram logo irritadiços pela luminosidade.

“Ok, fecharei as janelas.” Murmurou minha mãe, ouvi o ranger da cadeira se arrastando no assoalho seguido pelo barulho do metal que segurava a cortina, arrastando-se no outro.

Pisquei os olhos mais algumas vezes e levantei-me apenas o suficiente para encostar minhas costas no painel de ferro da minha cama, minha mãe voltou á se sentar ao meu lado e arrastou a cadeira para mais próximo de novo, ficou avaliando meu rosto por algum tempo.Seus cabelos negros ,assim como os meus, estavam presos em um rabo de cavalo firme sem deixar nenhum fio para fora, vestia um tipo de bata cinza e jeans claros, seus olhos verdes estavam embebidos de amor e algo mais que eu não conseguia decifrar.

“Bom dia.” Murmurou recostando-se no encosto da cadeira e cruzando uma perna sobre a outra.

“Bom dia mãe.” Dei um sorriso que terminou em bocejo “Estou atrasada para a Domusagae?” perguntei

“Não, ainda terá alguns minutos para se arrumar depois que conversarmos.” Falou séria.

Engoli seco.

“Conversarmos sobre?”

“Hm, com a suposição de você achar que foi abandonada por mim, achei que tínhamos resolvido essa questão assim que voltei.”

“Que reapareceu, e nem tinha planejado isso.” A fitei.

Ela respirou fundo fechando os olhos e remexeu-se em seu acento.

“Katherine, tudo o que fiz foi para te proteger.”

“Eu teria morrido uma semana depois que morreu, se Jared não tivesse aparecido para me salvar de Aamon.”

“Aamon não apareceu por minha causa, nem pela sua, apareceu por causa de Jared.Minha equipe estava preparada caso Tenebris fossem atrás de você, mas nunca neplhims, baalihans, demônios e anjos, nunca cheguei a supor isso.Está me culpando por algo que não tive intenção.”

“Estou te culpando por ter mentido pra mim sobre tudo, sua morte, magia e sabe-se lá mais o que anda mentindo para mim.” Estourei.

Minha mãe apenas avaliou-me respirando com um pouco de dificuldade, porém tentando se manter impassível.Havia algo errado.

“Eu errei em mentir.” Acenou com a cabeça “Mas nunca te abandonei, nem o faria,é minha única filha, Katherine você é meu milagre.”

Mantive-me quieta, não havia resposta para aquilo, ela estava jogando sujo.

“Nunca me deu um sequer sinal de vida.” Resmunguei

“Estou aqui Katherive Savage, pare de se comportar como uma criança birrenta”

Revirei os olhos.

“Jura que não esta mentindo mais nada para mim?”

Ela fitou-me por um tempo, abriu a boca para falar mas a fechou, assentindo.

“Então vamos esquecer esse assunto.” Falei e Emily assentiu, mas se manteve ali , quieta, me observando.

“O que?” perguntei

“Fiquei sabendo sobre a discussão entre os meninos, só quero te dizer que não faça Nathaniel de bobo, até porque ele não é.” Levantou-se e foi dirigindo-se á porta.

“O que quer dizer com isso?” perguntei quando ela tocou na maçaneta da porta.

“Eu vi como olhou o demônio na biblioteca.” Olhou-me sobre seu ombro “Se quer machucar a si mesma, faça-o sozinha, não machuque Nathaniel.” Virou-se para frente, abriu a porta e saiu, me deixando mais confusa do que qualquer coisa.

Levantei-me e senti uma breve dor na panturrilha á enrijecendo-a, grunhi e segui meu até o banheiro para tomar uma ducha rápida, tomei meu café da manhã na mesma velocidade.Quando estava para pegar minha moto fui parada no caminho, por Owen.

“Ei linda.” Falou dando-me um de seus sorrisos fofos e charmosos.

“Ei lindo.” Sorri sem mostrar os dentes.

“Sua mãe pediu que eu te levasse até a sua escola, devido ao ferimento na sua perna...” o olhei nos olhos e notei algo diferente, na verdade, algo errado.

“Minha mãe não pediria á ninguém, ela mesma o faria, ou Nathaniel se indicaria para fazê-lo” cruzei meus braços e continuei o avaliando, ele arregalou as bocas e torceu quase que imperceptivelmente a boca, abaixou o rosto e levou uma mão ate a nuca, onde a apertou, assim como Jared fazia ás vezes. “Owen?”

Ele ergueu o rosto novamente e olhou-me bufando.

“Ok, você me pegou.” Deu um sorriso nervoso, ele não era tímido, talvez eu o intimidasse demais.Descruzei os braços e tentei deixar minhas feições menos rígidas, não havia motivo para eu ser daquela maneira com ele, sempre me tratando tão bem.Coitado. “Eu meio que inventei isso pra poder ficar um tempo com você, conversar, eu acho que não sabemos nada um do outro e perco muito nisso para a concorrência.” Mordeu o lábio inferior e deu um sorrisinho tão sexy que perdi o foco de tudo “Katherine?”

“Ah, oi.Que conferência?” pisquei e foquei meus olhos nos seus, finalmente percebi que não eram idênticos aos de Jared, os olhos de Owen eram verdes com pintinhas marrons.Ele sorriu.

“Concorrência Kat, refiro-me ao Nathaniel e o babaca do Jared.” Revirou os olhos e bufou “Enfim, aceita minha carona?” ergueu uma sobrancelha.

Assenti com a cabeça, ele sorriu e eu retribui.Uma pequena parte de mim dizia para eu odiá-lo, para não aceitar, mas eu não sabia de onde isso vinha, já que Owen sempre fora gentil e carinhoso comigo.

Ajudou-me a subir no carro e seguimos para a Domusagae.No carro ele me contou sobre sua infância no inferno, as dores horríveis que sentia, havia dias que agonizava, falou sobre como Asmodeus o tratava com puro ódio, meu coração foi se despedaçando aos poucos imaginando um pequeno garoto de cabelos castanhos e olhos verdes sofrendo todo dia no inferno, apanhando sem merecer, convivendo com coisa horríveis que ninguém merece sequer saber da existência.O mais impressionante era que apesar daquilo tudo Owen era pulcro, bondoso, muito educado e não descontava em ninguém a sua raiva, sua dor, mas algo em mim dizia que isso estava muito errado, era impossível alguém ser como ele, todos tem seus demônios, todos os colocam para fora um dia, ainda chegaria o dele.

Ao chegarmos na Domusagae ele ajudou-me á descer do carro, a maioria dos alunos estavam na parte de fora, o que fez que todos nos olhassem, afinal, ele era muito bonito, alto e forte.As idiotas, Angelike, Marrie e Kendra, se jogavam descaradamente para ele, apenas revirei os olhos.Coitadas se achavam que eu me importava.

“Você está bem?” perguntou tocando meu cotovelo.

“Estou sim, obrigada.” Sorri.

“Eu amo ver esse sorriso.” Murmurou enquanto olhava-me fixamente nos olhos, minhas bochechas começaram á esquentar, quase ri da minha reação.

“Obrigada.” Falei

Ficamos nos encarando por um tempo, ele também começou a ficar sem graça e desviou o olhar para igreja, avaliando-a, enquanto eu o avaliava sob sua camisa cor de salmão, um cardigã cinza sobre ela, e jeans escuros.Ele era corpulento como Jared e Nathaniel, com certeza ele não ficava para trás nesse quesito, mas faltava-lhe algo que era essencial, atitude, Nathaniel já teria a essa altura me beijado com paixão, e Jared teria me roubado um beijo com volúpia, aqueci-me com o pensamento.

“Irônico, não?” perguntou tirando-me de meu devaneio, ele ainda avaliava a igreja.

“Uma escola de bruxas na igreja? Pois é!” sorri

“Como é lá dentro?” perguntou

“Bonito e ao mesmo tempo monótono, intenso e ao mesmo tempo cansativo.”

“Eles deixam outras pessoas entrarem?”

“Sim, os turistas entram, religiosos, e eles nem imaginam que ali habitam bruxas de verdade.” Sorri

Então ele olhou-me e havia algo quente em seus olhos, algo animalesco, eu não sabia o que, mas fez meus pelos da nuca eriçarem.

“Pode me mostrar? Ser minha guia?”

“Claro.” Sorri e estendi minha mão para ele que colocou a sua, quente, na minha.

Mostrei-lhe praticamente todos os cantos da igreja, contei-lhe o que aprendi com Kalev e Bertha, fizemos todo o percurso de mãos dadas, Owen era uma boa companhia, prestava atenção em tudo quando não focava em mim, seu polegar acariciava o dorso da minha mão constantemente.

De repente ele parou e me puxou contra si, quase fazendo com que nos chocássemos, tocou meu rosto delicadamente com seus dedos ásperos, e avaliou minha boca.Atitude!

“Eu tento me segurar mas acho que não agüento mais.” Sussurrou, pude sentir seu hálito quente e doce contra minha boca “Quer que eu te beije?” seu polegar acariciava meu maxilar.

“Não se pergunta isso.”

“Não quero ser como meu irmão.”
“Você não é.” Mas seria bom se fosse um pouco parecido no quesito pegada, pensei.

Olhou-me nos olhos mais uma vez e então desceu para minha boca, lentamente começou a aproximar o rosto do meu, como se estivesse me dando esse tempo para pensar,e eu estava, comparando-o á Jared, pensando em Nathaniel. Eu não podia beijar Owen!

“Katherine!” a voz de Bertha ecoou pelo extenso corredor “frio”.

Owen afastou-se rapidamente e no mesmo momento me virei para encarar o olhar furioso de Bertha, eu estava toda errada, sabia disso, mas não me importava.

“Vá já para sala” ordenou para mim, então seus olhares encararam Owen “Saia já daqui, este andar não é para visitantes.”

Despedi-me de Owen dando-lhe um beijo na bochecha e murmurando desculpa, ele assentiu dando-me um pequeno sorriso, virou-se e foi embora.

Caminhei passando por Bertha, ou tentei, ela conjurou algo que me paralisou.

Passou por mim parando em minha frente, seus cabelos loiros estavam presos num coque mal feito com palitos, seus olhos verdes musgo, afinal ela era uma venéfica Musco, avaliavam-me sob seus óculos meia lua.

“Atrasada e beijando garotos pelos corredores.Está passando dos limites.” Falou

Tentei falar, mas não consegui.

“Terá mais duas horas de aulas práticas de feitiços comigo, após limpar todos os bancos do primeiro andar, só ai estará liberada.” Virou-se em seus saltos finos e bicudos, liberando-me do feitiço, quase me fazendo cair de joelhos no chão.

O dia passou numa lentidão impossível, eu não via a hora de reencontrar Mathieu, saber mais, ouvir mais do que ele tinha pra me falar, mas os ponteiros do relógio pareciam não andar, os números no visor do meu celular pareciam não mudar, que inferno!

Exclamei um graças á Luna quando Betha finalmente me liberou, sai correndo pois havia cronometrado mais ou menos quanto tempo Mathieu tinha livre do trabalho, baseado nas outras vezes em que ficamos conversando.Correr de saltos era uma merda, quase cai uma 4 ou mil vezes, e a porcaria do banco nunca parecia chegar, esbarrei em alguém quase fazendo com que os dois caíssem no chão.

Mathieu.

“Sempre nos esbarrando!” sorriu segurando-me firmemente pelos braços.

Deu um sorriso esbaforido, ele me soltou.

“Eu meio que vacilei com a diretora da escola, por isso me atrasei, mas você ainda tem tempo?” ele olhou para o relógio e em seguida para o conjunto de prédios onde ficava o escritório do jornal em que trabalhava, olhou para o relógio de novo e então para mim.

“Na verdade não, mas preciso que responda-me rápido o que vou lhe perguntar.” Avaliava meus olhos, acenei com a cabeça para que ele prosseguisse. “Vai querer ser minha aprendiz?” ergueu uma sobrancelha.

Seus olhos cinza meio azuis estavam intensos, observando-me cautelosamente.Quem era aquele homem realmente, eu não sabia, mas algo em mim, minhas estúpidas e impulsivas células diziam, manifestavam-se para que eu confiasse nele, de algum modo eu sabia que ele não iria me fazer nenhum mal, porém eu ainda me curava das decepções que Jared havia me causado e fazendo com que eu não confiasse em mais ninguém.Eu arriscaria então, foda-se Jared, ele era um babaca, um demônio, Mathieu não faria ou seria o mesmo, era o que eu esperava.

“Sim” respondi suspirando.

Os olhos dele se iluminaram e um sorriso cresceu em seu rosto, ele falhou em contê-lo.

“Então dane-se o meu trabalho no jornal, agora em diante meu trabalho será lhe dar conhecimento.Começamos por amanhã, hoje estude sobre os magos, facilitará o nosso processo, terá dúvidas as quais irei esclarecer, já iniciando o estudo.” Ele suspirou “Estou animado.”

Não pude não rir de sua animação.

“Estou vendo, devo te chamar de Mestre a partir de agora?” ergui as sobrancelhas.

De repente ele ficou sério e avaliou-me por uns segundos, emoções oscilaram em seus olhos, primeiro obscureceram e então estavam cheios de uma emoção angustiada.Uol.

“Não Kate, apenas Mathieu.”

“Ok.” Respondi mordendo o canto da boca, o clima havia ficado tenso num estalar de dedos.

“Bom!” o humor e animação estavam de volta “Vou pedir demissão hoje, então nos vemos amanhã, assim que sair nos esbarramos.” Sorriu e se inclinou para beijar minha testa “Até amanhã Katherine.” Disse enquanto se afastava.

E todo o resto já era rotina, caminhar até minha moto, acompanhada da minha paranóia de perseguição, e depois ir para casa, mas amanhã toda essa rotina mudaria, olhei para o céu antes de subir na moto e um fiapo de luz do sol escapava por entre as nuvens cinzas e carregadas, talvez aquilo fosse um sinal de que coisas finalmente iriam mudar.