Planos e Promessas escrita por Mi Freire


Capítulo 8
Felipe.




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Estou me sentindo verdadeiramente mal. Por tudo.

Eu não queria ter gritado, chorado diante dela e muito menos ter agido como um animal selvagem e sem controle, todo grotesco e cheio de fúria. E muito menos ter atrapalhando um momento que tinha tudo para ser especial – a visita dos pais dela para um almoço – pois eu sempre os considerei a minha própria família, como se eles também fossem meus pais.

Eu nunca vou me esquecer como eles me ajudaram, há alguns anos atrás, quando eu não me dava muito bem com meus pais e precisava cuidar da viajem para ir estudar fora e toda essa burocracia. Os pais da Bianca fizeram muito por mim, até mais do que eu merecia e se não fosse por eles muito provavelmente hoje eu nem seria um professor.

Eles sempre me apoiaram, desde que me conheceram, no começo do nosso namoro. Eles sempre me respeitaram, me admiraram e me fizeram sentir parte da família, como se eu fosse mais um filho deles e isso pra mim sempre foi muito importante e essencial, já que tive muitos problemas com os meus pais.

O problema é que eu perdi totalmente o controle ao ver que a Bianca não largava o celular um só quer momento, nem mesmo quando estava conversando com seu pai. Ela ficava digitando e sorrindo e eu tinha mais do que certeza que estava conversando com o Danilo por mensagens.

Aquilo me irritou de uma forma que... Cegou-me completamente. Eu esqueci que tínhamos visita, planos e todo um ritual. Esqueci-me de tudo. Estava focado apenas naquela raiva, naquela ira, nas mentiras, naquele cara arrancando sorrisinhos da minha namorada e ela muito provavelmente gostando disso, já que eu próprio não proporcionava isso a ela.

Então eu a chamei para uma conversinha. Confesso que fui até muito paciente por não ter gritado ali mesmo, no meio da sala, com os pais dela nos olhando, assustados. Fomos até o quarto, no andar de cima, e eu fiz de tudo para me controlar, tentando manter a calma, mas por fim eu falhei. Não suportei quando ela mentiu na minha cara quando perguntei de quem se tratava tudo aquilo.

Uma amiga? Foi o que ela disse. Uma amiga uma ova, logo pensei, furioso.

Nunca tive um ataque de fúria desse tipo, sempre fui muito calmo e paciente. Admito que fui longe demais. Eu quase quebrei o celular dela jogando-o longe. E pior: eu quase a machuquei.

Hoje, três dias depois, continuamos sem trocar uma palavra. Ainda muito pior que antes. E eu continuo dormindo longe, no quarto de hospedes, porque não consigo encara-la. Não por ela ter metido pra mim. Mas também porque estou muito envergonhado com a forma que eu agi diante daquela situação.

Eu não deveria ter agredido-a, apesar de não ter machucado de verdade. Mas foi por muito pouco e não quero – não posso – que isso se repita entre nós. Afinal, eu nunca a machucaria. Nunca. E ter gritado com ela também não foi certo. Deveríamos ter conversado descentemente como dois adultos e resolvidos aquilo numa boa. Só que no calor da emoção as coisas passaram dos limites.

Passei os últimos dias remoendo essas coisas na minha cabeça, querendo voltar no tempo e consertar tudo. Ou que isso, pelo menos, se apagasse da minha memória e nunca tivesse acontecido. Mas não é como se eu pudesse fugir das maluquices da minha mente.

Estávamos indo tão bem, parecia que estávamos nos entendemos aos pouquinhos e é isso que eu quero: uma nova chance de recomeçar. Mas eu estraguei tudo. De novo. E agora quero consertar. Só espero que ela queira o mesmo.

Sem saber ao certo o que esperar disso tudo, fui atrás dela de qualquer jeito naquela noite após ter jantado sozinho e ter refletido mais um pouco a respeito.

Acabei encontrando-a lá fora na varanda dos fundos, lendo uma de suas revistas de moda, sentada em uma cadeira, toda relaxada, já de pijama e cabelo preso. Sabia que ela também estava me evitando. Não sei se por medo de eu voltar a ataca-la ou por vergonha de eu ter descobrindo suas mentirinhas.

Conclusão: estávamos no mesmo barco e ele está afundado devagar. Resta sabermos o que faremos juntos para reverter essa situação. Eu dou conta disso sozinho. Eu preciso da ajuda dela, se não, o barco afundará de vez e será tarde demais para nós dois.

Sentei-me perto dela, mas não o bastante. Ao perceber minha presença ela ficou tensa, pude notar isso pela mudança de sua postura, de relaxada para ereta, na defensiva. Ela deixou a revista de lado e me olhou, receosa.

Estava uma linda noite, uma lua brilhosa e estrelas no céu.

— Queria me desculpar com você pelo que aconteceu no sábado. – digo, sem coragem de encara-la por muito tempo. Olho para o quintal, a piscina, a vegetação, a churrasqueira. É tudo tão grande e tão vazio. — Eu não deveria ter...

— Eu que peço desculpas. – interrompeu ela, ainda olhando para mim. Depois desviando o olhar por um momento, para encarar o céu escuro. — Afinal, eu que menti pra você.

Eu não esperava que ela se desculpasse por aquilo. Eu fui até ela para me desculpar, mas não estava esperando nada em troca. Mas confesso que fiquei feliz em saber que ela também se importava comigo ao ponto de admitir que também errou.

Não digo nada após aquilo, porque não tenho palavras o bastante para expressar o que estou sentido. Mas não ouso a me mover dali. Ela se volta para sua revista mais uma vez e eu continuo ao seu lado, observando tudo a minha volta com atenção, satisfeito por termos dado um passo para frente.

Eu nunca saberia se ela me desculparia de verdade pela forma como agi naquele dia, o que eu sabia é que apesar de tudo eu sempre a desculparia, porque tê-la era o mais importante pra mim, não importava de que jeito. Com ela ao meu lado eu sempre teria a esperança de concertar o que quer que estivesse errado entre nós. Mas sem ela... Bom, não gosto nem de pensar.

No outro dia, na universidade, a aula que eu havia preparado noite passada se tratava de slides sobre Formas Expressivas do Tridimensional. Apesar de a aula ser mais teórica, os alunos pareceram bem interessados no conteúdo. E isso facilitou muito no processo da aula.

Mais tarde, no intervalo, liguei para Bianca, só para ter certeza que estávamos “bem” ou algo perto disso. Bom, ao final da ligação eu ainda não tinha certeza de nada, mas pelo menos ela me contou que estava tranquila, com poucos trabalhos e que também estava almoçando, com a Luiza.

Foi uma conversa natural e rápida.

Quando desliguei, saí para comprar um lanche natural com peito de peru e comprei também um Guaraná. Sentei-me sozinho na cantina, rodeado de alunos, para comer meu lanche.

Quando terminei, vi em meu relógio que faltava pouco tempo para a próxima aula começar, mas eu ainda precisava ir ao banheiro. Levantei-me e caminhei até o sanitário mais próximo para funcionários da instituição, mas pelo caminho acabei esbarrando em alguém.

Valéria.

Ela me olhava com aquele típico sorrisinho e os olhos escuros faiscantes. Hoje ela estava usando uma saia escura e justa até o meio da cintura, que particularmente deixava seu bumbum enorme e uma blusinha que deixava parte de sua barriga a mostra. Ela tinha um piercing no umbigo.

Ainda assim, não era o meu tipo preferido.

— Como vai, professorzinho? – perguntou ela, alargando o sorriso. Sua boca estava pintada com um batom vinho muito forte e chamativo.

Odiava que ela me desse apelidos assim... Tão caretas e íntimos. Afinal, ela era apenas mais uma de tantos alunos meus. Odiava também ela está sentindo-se tão à vontade, mesmo depois de tudo que eu disse a ela, na boate, aquela noite.

Valéria tinha problemas muito sérios.

— Preciso passar. – é tudo que digo, tentando ganhar espaço. Mas ela se coloca na minha frente novamente, como uma grande muralha. Evito o contato de seus olhos. — Por favor, me dê licença.

— Ei, calma. – ela brincou, com um risinho sem graça. — Pra que tanta pressa, professor?

Limitei-me a dar uma resposta a ela.

— Eu estava mesmo sentindo a sua falta. Faz tanto tempo em que não conversamos. Você não sentiu a minha?

Aquilo foi o bastante para uma fúria descontrolada tomar conta de mim novamente. Eu andava muito alterado ultimamente. Muito sensível a tudo. Irritando-me ou me entristecendo com facilidade. Eu não sou assim.

— Quantas vezes eu vou ter que repetir? – digo, alterando o volume da voz sem nem me dar conta disso. — Eu sou apenas seu professor. Não sou seu amiguinho e nem qualquer outra coisa. Não tenho interesse em você. Na verdade, volto a repetir: eu não quero nada com você. Então, vê se me deixa em paz. Por favor, Valéria. Agora, saia da minha frente.

Até que fui muito educado, apesar de ter visivelmente assustado-a com o meu tom arrogante.

E pela primeira vez senti que ela tinha me ouvido de verdade, porque ela realmente saiu da minha frente, um tanto chocada e assustada com a minha atitude rude.

Por sorte não havia quase ninguém por perto, então ninguém deu tanta importância assim àquela cena. Mas a ultima pessoa que deveria ter me ouvido e visto gritar com uma aluna apareceu de repente, com uma expressão de que tinha presenciado tudo, ou pelo menos o final daquela discussão.

Mariza.

Mariza estava bem ali, no final do corredor, com umas pastas nas mãos. Eu a vi, assim que a Valéria me deu espaço. E ela tinha uma expressão de horror igualmente a da garota a minha frente que sempre que tinha a chance me tirava do sério.

Pronto. Agora ferrou para o meu lado. A coordenadora do curso me viu gritando/tratando mal uma aluna e deve ter entendido tudo errado, porque muito provavelmente - eu sou azarado a esse ponto - ela deve ter ouvido apenas o final da conversa e não a parte em que uma aluna se insinuava para o professor.

O vilão da historia, nesse momento, sou eu.

Curiosamente, Valéria se virou para trás também e viu o mesmo que eu: uma coordenadora com um misto de surpresa e curiosidade. Rapidamente ela saiu dali, sem dar uma palavra, nem mesmo para me livrar dessa situação. Ela praticamente saiu correndo de medo que algo ruim acontecesse a ela.

Mariza aproveitou o momento para se aproximar de mim. A essa altura eu já tinha até me esquecido que tinha que ir ao banheiro. A situação tinha mudado. Mariza agora estava na minha frente, com os braços cruzados e uma expressão séria.

— Vamos até a minha sala.

Não protestei e a acompanhei até o andar superior.

Chegando lá, em sua minúscula sala meio rústica sem nada de decoração, ela me fez se sentar de frente para ela, em sua mesa. E continuou me encarando, esperando que eu dissesse algo. Mas eu não sabia nem por onde começar.

Temia contar a verdade. Temia que isso colocasse meu emprego em risco. Temia que algo muito pesado acontecesse a Valéria, porque apesar de ela ser uma vaca, eu não desejava mal a nenhum dos meus alunos. Temia que a verdade ou a ocultação dos fatos colocasse tudo a perder.

Assédio é uma coisa muito séria em um ambiente escolar, ainda mais em universidade, onde são todos tão mais adultos.

Ou quase todos.

— Mariza, não é nada disso que você está pensando. – comecei e comecei de maneira errada. Mas não tinha mais volta.

— Eu não só estou pensando, Felipe. Eu vi. – disse ela, muito séria. Assustando-me ainda mais. — Por favor, me diga que isso não é serio. Me diga que estou enganada e que tirei conclusões precipitadas.

— Bom, depende do que a senhora está pensando. Depende do que a senhora ouviu e de como interpretou a situação. Mas de uma coisa eu sei: não foi nada de mais. Eu só não tive uma manhã muito boa e acabei descontando minhas frustrações, meus problemas, em uma aluna inocente.

Valéria me devia uma depois dessa.

Vaca maldita.

Mariza me olhava de um jeito... Como se fosse difícil de acreditar na minha desculpa esfarrapada. Mas aquele era o melhor que eu poderia lhe dar. E além do mais, não estava tão errado assim. Eu de fato descontei todas as minhas frustrações na primeira oportunidade que tive. Azar foi de a Valéria ter aparecido no meu caminho naquele instante.

Eu não tinha acabado de mentir, só ocultei alguns fatos. Ou boa parte deles. Mas não fazia por mal.

— Não gostei do que ouvir e do que vi lá fora. – disse ela, balançando a cabeça negativamente. Parecia muito decepcionada comigo. — Como não posso provar nada e acredito que você não esteja sendo totalmente sincero comigo, terei que tomar algumas providencias para que isso não se repita.

Prendi a respiração, esperando pelo pior.

— Felipe, você será temporariamente afastado de seu trabalho. Agora, vá para casa. Descanse e pense melhor sobre seus atos. Não quero mais problemas para essa universidade.

Ela disse aquilo de uma maneira bem dura, por isso não tive nem coragem de protestar ou olhar nos olhos dela. Apenas me levantei, peguei minhas coisas na sala dos professores e sai de lá, de cabeça baixa, de encontro ao meu carro.

Cheguei em casa vinte minutos depois, sentindo-me muito mal por ter sido afastado do meu trabalho. E o pior é não saber por quanto tempo. Mariza não foi tão clara quanto a isso. Ela parecia estar me castigando, como uma mãe faria se visse seu filho fazendo algo que não acha certo. E eu estava muito envergonhado e arrependido por isso.

Para minha surpresa, Bianca estava em casa aquela hora da noite. Estava na cozinha, preparando algo para comer. Quando me viu, pareceu surpresa. Mas não fez perguntas. Menos mal, porque eu estava péssimo para um dialogo.

Ela me ofereceu os bolinhos de arroz que tinha acabado de preparar, após ver a receita na internet. Eu aceitei. Apesar dos primeiros terem saídos ou crus demais ou queimados demais. Fora isso, admirei seu esforço.

Enquanto eu comia tranquilamente, sentado a mesa, ela me contou – sem eu ao menos ter perguntado – como o dia não tinha sido muito produtivo na empresa. Com muito pouco a se fazer, por isso havia decidido voltar para casa mais cedo e por tédio, ela resolveu se arriscar na cozinha, em novas receitas. Já que nunca foi muita boa com isso, por ter crescido rodeada de empregados.

Depois de ter tomado um banho, me juntei a ela novamente lá em baixo e assistimos um pouco de tevê. Um dos programas que ela tanto gostava, de pessoas que eram selecionadas para fazem uma mudança radial em sua aparência degradante. Aquilo para mim era tão desanimado que eu acabei dormindo ali mesmo, no sofá da sala.

Quando acordei estava com a cabeça tombada para o lado, praticamente em cima do colo da Bianca. Mas ela pareceu não se importou e até me deixou ficar ali, mais confortável.

— Acorde. – disse ela, com uma voz serena. — Já está tarde. Amanhã é dia de trabalho. Vamos para a cama?

Eu não queria ir. Não queria sair dali. Não queria me desgrudar dela. Queria continuar sentindo a maciez da sua pele em contato com a minha, o cheirinho agradável de seu perfume, seus dedos enterrados nos fios do meu cabelo, me fazendo aquele cafuné gostoso.

— Eu não vou ao trabalho amanhã. – resmungo ainda muito sonolento. — Fui dispensado.

Foi tudo que eu disse, sem entrar muito em detalhes. Ela pareceu ter compreendido e me deixou ficar ali deitado nela por mais meia horinha, até dar meia-noite.

— Vamos! – chamou ela novamente. — Você não vai trabalhar amanhã, mas eu vou. – dito isso, ela soltou um risinho e eu não pude evitar um sorriso.

Ela tinha razão. Pelo menos ela tinha que descansar para amanhã. Já eu não. Bom, o lado bom de tudo isso é que eu poderia dormir até mais tarde pelos próximos dias. Ou pelos próximos anos da minha vida. Mas até quando eu aguentaria essa monotonia?

Apagamos e desligamos tudo por ali em baixo e subimos para o quarto, onde aprontamos a cama, deixando-a mais confortável. Beijei a ponta do seu nariz antes de ela fechar os olhos, em meio à luz fraca do abajur ligado do meu lado.

— Durma bem. – sussurrei e por pouco não deixei escapar um “eu te amo muito, não esquece disso.” como eu costumava fazer, mas eu não disse, seria muito impactante para ela, depois de tanto tempo sem dizer nada.

Bianca pegou no sono rapidinho. E eu fiquei acordado, tinha cochilado demais antes e agora estava sem sono. Mas continuei ali, ao seu lado, observando-a atentamente.

Seu peito subir e descer devagar, sua expressão serena e despreocupada como se ela tivesse tendo um sonho bom, sua boa entreaberta, suas respiração calma, suas pálpebras fechadas, seus cabelos loiros jogados no travesseiro...

Eu quis muito me aproximar e abraça-la, para que ela dormisse em meus braços, como ela tanto gostava. Mas não o fiz, porque não queria acorda-la, muito menos assusta-la com a minha repentina mudança de atitude.

De repente, me dei conta que seria mais difícil que o esperado uma reaproximação entre nós, já que eu – e muito provavelmente ela também – tínhamos tanto receio de dar o primeiro passo, com medo que parecesse errado, rápido demais ou até mesmo assustador reatar, assim, de uma hora pra outra.

Eu ainda não sabia como, mas ia dar um jeito nisso, assim que pensasse em uma forma melhor de mudar aquilo.

De jeito nenhum eu desistiria, porque já não aguentava mais - mesmo em meio há tantos transtornos - passar tanto tempo longe dela.


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Notas finais do capítulo

As coisas ficam melhores no próximo capítulo. Mais fofas. Comentem, não esqueçam.



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