Planos e Promessas escrita por Mi Freire


Capítulo 7
Bianca.




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Eu estava morrendo de saudade dos meus pais, ia fazer quase dois anos em que eu não os via, assim, cara a cara, além de conversas em vídeo pelo Skype ou pelo celular. E esse também foi o máximo de tempo em que ficamos separados.

Quando eu era mais nova meus pais costumavam ser bem ausentes. Eles não faziam ideia do seu que passava na minha cabeça e na minha vida. Estavam sempre ocupados demais com o trabalho para se importarem comigo e meus problemas de uma adolescente mimada. Muitas vezes eles passavam semanas fora em viagem de trabalho – exatamente como eu faço agora – deixando-me apenas na companhia dos empregados.

Por isso, apesar de ser a mais rica dos meus amigos, eu tinha um vida muito comum, como uma garota normal da minha idade. Eu era livre, ia a festas, saia de casa cedo e só voltavam muito tarde, não fazia os deveres de casa, fugia quando necessário, basicamente não estavam nem aí para os estudos. Isso porque eles não estavam ali para me monitorar.

Mas tudo mudou quando eles souberam dos meus distúrbios alimentares através de uma fofoca da minha prima, a Maria Eduarda. Eles ficaram sabendo por ela, em meio a uma briga nossa, porque se fosse por mim, eles nunca saberiam pelo que eu passavam, porque eu achava que eles nunca se importaria de verdade. Só que eu estava enganada.

Quando souberam, foi um choque para eles. Eles devem ter se sentindo tão culpados por me deixarem de lado por dezessete anos, que passarem a serem excessivamente presentes. Mas eu não achei ruim, claro. Afinal, era tudo que eu mais queria. E passamos aos poucos, ao longo dos anos, a construir uma relação de família de verdade.

Quando me passaram a empresa que eles passaram a vida administrando com todo amor do mundo, eles decidiram ir morar em Paris. Eu não achei ruim. Eu já me sentia adulta o bastante e sentia que eles estavam mais próximos do que nunca, então nem reclamei. Apenas fiquei feliz por eles finalmente poderem tirar um descanso prolongado do trabalho.

Então, depois de tanto tempo sem nos vermos e por eu estar sempre tão ocupada no trabalho como um dia eles estiveram, eles decidiram vir me visitar, aqui em casa, para um almoço em família.

Fiquei tão empolgada com a notícia que fiz questão de chamar Lídia, a mulher que cuidou de mim e da minha casa por tanto tempo, para me ajudar na organização da casa e do almoço.

Papai e mamãe chegaram às duas e meia da tarde de um sábado de sol. Já estava tudo arrumado, inclusive eu, que optei por um vestidinho claro de verão e sapatilhas, deixei os cabelos soltos e dispensei o uso de maquiagem. Apenas passei um batom rosa, que me pareceu perfeito para ocasião.

Felipe também já estava pronto, usando uma bermuda branca e uma camisa azul bebê, além dos sapatênis e ficou ao meu lado, na porta de entrada, para receber meus pais, que sempre foram como pais para ele e o ajudaram muito quando ele mais precisou.

Demos um abraço coletivo e depois nos cumprimentamos com beijos. Convidei-os para entrar – eles já conheciam a casa – e eles logo se acomodaram.

— Lídia, vem cá. Eles chegaram! – gritei por ela, que estava lá na cozinha finalizando os últimos detalhes.

Não era só porque ela era uma empregada de anos da família que iria ficar de fora dessa. Nós amávamos a Lídia com se ela fosse da família, porque de fato ela era. Afinal, estava há quase trinta anos trabalhando com a gente.

Papai e mamãe se levantaram para cumprimentar a Lídia com um abraço caloroso, depois a fizeram se sentar e a encheram de perguntas.

Pedi que o Felipe me ajudasse com a jarra de suco e os copos.

Ele, como sempre, me ajudou, sendo cordial e prestativo.

Enquanto nos refrescávamos com a jarra de suco de laranja, conversamos muito, ali mesmo, no sofá, sobre diversas coisas ao mesmo tempo: trabalho, viagens, lar, família, futuro, novidades, amigos, lembranças, recordações etc.

Quando me dei conta já estava ficando tarde e quase perdemos a hora do almoço. Então lá fomos nós, almoçar a mesa, onde Lídia nos serviu educadamente e depois se juntou a nós.

Enquanto comíamos, não paramos de conversar nem por um momento. Tínhamos muitas coisas para por em dia.

— E vocês dois, não pensam em ter filhos não? – perguntou o papai, todo brincalhão. Ele a mamãe riram, se entreolhando.

Felipe e eu trocamos um olhar significativo, ambos desconfortáveis com a repentina mudança de assunto.

— Pai, ainda é cedo. Você não acha?

— Eu não acho. – foi à vez de a mamãe dizer alguma coisa, constrangendo ainda mais a mim e ao Felipe. — Na verdade, acho que vocês que são muito devagar. Estamos loucos para sermos avós! Mas e o casamento, já marcaram a data?

Mal sabiam eles que isso tudo estava muito longe de acontecer, não por falta de vontade – pelo menos não da minha parte – apenas porque as circunstancias não eram favoráveis no momento.

Percebendo nosso desconforto, papai e mamãe não insistiram no assunto. Só espero que não tenha percebido que eu e Felipe estávamos passando por uma crise em nosso relacionamento, que parecia interminável.

— E você, Felipe, como está se saindo no trabalho? – papai mudou de assunto, o que foi um alívio.

— Estou muito satisfeito com o resultado. – comentou Felipe, casualmente. Meu pai que sempre o admirou muito, passou a prestar atenção em tudo que ele dizia a respeito do trabalho na universidade.

— Tem algo acontecendo entre vocês? – perguntou a mamãe, inclinando-se na minha direção para que os dois não nos ouvissem.

Ai. Não. Ela percebeu!

— Não, mãe. Não é nada. – digo, forçando um sorriso. De jeito nenhum queria estragar essa tarde tocando nesse assunto. Pra mim chega! — Vocês vão ficar por quanto tempo?

— Na verdade, só até amanhã à noite. – disse ela, parecendo levemente aborrecida. — Passaremos o dia de hoje com você e amanhã iremos visitar sua prima e alguns amigos.

Continuamos a conversar normalmente até que todos terminassem de comer. Lídia tirou a mesa e nos serviu a sobremesa, um delicioso mousse de chocolate com avelã.

Mais tarde, levei a mamãe até o andar de cima, para o meu escritório, onde mostrei a ela a nova coleção de roupas da empresa. Ela amou tanto quanto eu e ficou admirada com a qualidade de cada peça.

Papai e Felipe ficaram conversando na sala de estar, sobre coisas de homem: como política e futebol.

Enquanto minha mãe verificava alguns documentos da empresa do meu notebook, percebi que chegara três mensagens de texto no meu celular. Todas do Danilo.

“Estou louco para te ver!”

“Quando poderemos sair?”

“Queria te ver agora. Não paro de pensar nisso!”

— Quem é? – perguntou minha mãe de forma curiosa, inclinando-se na direção do meu celular.

— Lembra-se do Danilo? – perguntei, sorrindo muito. Eu não conseguia me conter, sempre que ele me escrevia essas coisas, eu sorria. E olha que ele me escrevia muito, muitas vezes por dias. Fazendo-me sorrir todo o tempo.

— Claro que lembro! Ele foi seu primeiro namoradinho. É um loiro alto, não é? – assenti, confirmando. — Não sabia que vocês ainda mantinha contato! Como ele está?

Então contei a ela sobre meu reencontro com ele no aeroporto, quando eu voltava para o Brasil, depois da minha estada na Itália.

No final da tarde, mamãe e eu descemos e nos juntamos aos rapazes. Foi à vez de a minha mãe roubar o Felipe um tempinho para ela e meu pai se aproximou de mim, querendo saber como estavam às coisas no trabalho.

Em detalhes.

Durante nossa conversa senti meu celular vibrar sobre o meu colo, quando o peguei vi que era o Danilo de novo e sorri instantaneamente.

“O que você está fazendo? Será que posso me juntar a você?”

Respondi o rapidamente, contando que meus pais estavam ali a passeio. Ele acabou pedindo desculpas por estar atrapalhando esse momento e pediu que eu mandasse um beijo aos dois. Coisa que eu não fiz. Não queria causar transtornos.

Quando me voltei ao meu pai, que ainda tagarelava sem parar percebi que os olhos do Felipe estavam sobre os meus. Ele me olhava da maneira peculiar, me fazendo estremecer. Será que ele percebera que eu estive distraída com meu celular? Ele andava muito mais misterioso que o habitual e isso me dava medo. Até porque eu não estava sendo cem por cento justa com ele ultimamente, com essa coisa de manter contato com o Danilo.

— Nós poderíamos sair para dar um passeio! – sugeriu a mamãe, chamando a atenção. — Alguém tem alguma ideia?

— Eu já sei! – disse meu pai, todo entusiasmado. — Poderíamos ir àquele restaurante que tem um jardim...

Felipe levantou-se e veio até mim.

— Será que poderíamos conversar a sós?

— Agora?

— Sim. Vamos?

Levantei-me e subi com ele até o quarto.

Não estava entendendo nada.

Ele fechou a porta cuidadosamente, ficou um tempinho de costas, passando a mão pelos cabelos de maneira nervosa e quando se virou para mim, vi que seus olhos claros continham uma fúria até então desconhecida para mim.

— Posso saber com quem você estava conversando no celular?

Aquilo me pegou desprevenida, admito.

— Com uma amiga.

— Mentira! – ele gritou e veio até mim em passos duros. — Por favor – ele baixou totalmente o tom de voz. — Me conte a verdade. Quem era no celular? Para quem você mandava mensagem?

— Já disse, Felipe: uma amiga. – repeti, surpresa com a minha própria coragem e a minha cara de pau em mentir assim, na maior cara dura.

— Então posso ver seu celular? – ele estendeu a mão aberta na minha direção antes que eu pudesse responder.

— Hum... Não. Porque isso agora, hein? Você nunca desconfiou de mim. Nunca foi tão invasivo. Será que podemos esquecer tudo isso e voltar lá pra baixo e...

— Você está surda? – ele novamente elevou o tom de voz. — Me dá aqui seu celular, me deixa ver.

Meu coração batia forte no peito.

— Não...

— ME DÁ AQUI A MERDA DO SEU CELULAR! – ele gritou, puxando-o de minhas mãos com força.

Felipe olhou para o celular por um momento, depois voltou os olhos raivosos para mim novamente.

— Você vai me contar a verdade ou eu vou precisar ver?

Engoli em seco. Senti que não conseguiria dizer nada. Estava tensa, nervosa e muito assustada com a postura dele.

— Eu só queria que você fosse sincera comigo. – disse ele, normalmente, Fitando o celular com certo desprezo. — Mas eu já sei do que isso tudo se trata.

Então ele jogou o celular com força sobre a cama, que acabou quicando sobre o colchão e caindo no chão.

— Porque você está fazendo isso comigo? – de repente ele pegou meu braço, apertando-o com força de maneira agressiva e me fazendo olhar no fundo de seus olhos. — Você me tira do sério, sabia disso? Porque você não pode simplesmente me contar a verdade?

Eu estava chocada demais para reagir a respeito.

— Você tem mentido pra mim! – ele voltou a gritar, sacudido meu braço com força. — Mentindo pra mim como se isso fosse normal. Porque, hein? Eu só queria saber porque...

Subitamente ele mudou de comportamento, e de bravo ele passou a ficar triste, com lágrimas nos olhos.

Felipe me soltou e se afastou, na defensiva.

— Você não entende...

Mesmo de costas para mim, vi que ele estava chorando e tudo isso por minha causa, porque eu começara com aquilo.

Eu menti primeiro.

— Felipe – tive medo de me aproximar e minhas pernas babas se relutavam a sair do lugar. — Me desculpe, eu...

— Ei, crianças. – ouvimos então uma batida na porta. Era a minha mãe. — Vamos? Está ficando tarde.

— Mãe, espera só um minuto. Já vamos descer! – gritei de volta, na esperança que ela escutasse e entendesse.

Ouvi os passos dela se afastando.

Fiquei calada pelos próximos minutos, fitando minhas próprias mãos, sem saber ao certo o que dizer e por onde começar.

Eu estava tremendo.

— Eu não vou. – disse ele, se virando para mim. Tentando limpar as lágrimas que escorriam dos olhos descontroladamente. — Diga aos seus pais que a comida não me fez vem. Depois me desculparei com eles pessoalmente.

Apenas assenti, sem alternativas.

Desci, sem qualquer clima para sair e fingir que estava tudo bem, e encontrei com meus pais já do lado de fora, me esperando. Disse a eles exatamente o que o Felipe me pediu quando me perguntaram por ele.

— Coitadinho. Espero que ele fique bem. – disse minha mãe, tentando me reconfortar de alguma maneira.

Tentei sorrir, mas fui falha.

Senti as lágrimas preencherem meus olhos, enquanto meus pais entravam no carro. Antes de fazer o mesmo, olhei uma ultima vez para trás e lá do alto, na janela do quarto, eu vi a imagem do Felipe, olhando para mim, cheio de tristeza.

Senti um aperto muito grande no coração.

— Vamos, querida. – chamou a minha mãe. Eu entrei no carro e fechei a porta com força.

E lá fomos nós.

A noite tinha tudo para ser incrível. Meus pais tinham me levado a um lugar lindo, com um jardim imenso, cheio de flores perfumadas e coloridas mesmo em meio à noite de poucas estrelas no céu.

Eu juro que tentei me divertir, tentei sorrir e parecer feliz. Tudo isso por eles. Porque não queria que eles percebessem o quanto minha vida estava destruída e um caos total. Queria que eles pensassem que me tornei uma mulher forte e plenamente realizada, tanto no trabalho quanto emocionalmente.

Mas não. Na real, não era nada disso. Eu tinha acabado de decepcionar ainda mais o homem que eu amava e o queria por perto. Tinha o feito perder o controle e chorar por minhas mentiras descontroladas. Porque sim, admito, eu estava me sentindo fortemente atraída por outro cara quando na verdade deveria estar lutando por nós dois.

Quando chegou a hora de me despedir dos meus pais, eu chorei pra valer. Mas não era porque eles estavam indo embora de novo, e sim porque eu estava farta de segurar tudo que eu estava sentindo naquele momento, quando o que eu mais queria é que o Felipe estivesse ali conosco e estivesse tudo bem entre nós.

Papai e mamãe nem perceberam que meus motivos eram outros e apenas me abraçaram e me acalentaram.

Quando voltei para casa, de táxi mesmo, já era muito tarde e eu nem esperava por nada. O quarto estava vazio, Felipe não estava ali e tinha ido dormir no quarto de hospedes, longe de mim e de minhas mentiras sujas.

Deitei-me na parte dele, na esquerda da cama, sentindo seu perfume no travesseiro eu chorei até pegar no sono.

Acordei com o celular vibrando. Uma mensagem atrás da outra. Muitas delas eram da Luiza, que pelo visto tinha presumido que eu não estava nada bem, como se fato tivéssemos uma ligação psíquica.

Deixei para respondê-la depois e vi que a ultima mensagem era do Danilo.

“Você ainda quer me ver? Podemos marcar isso logo?”

Mesmo sonolenta, peguei meu celular direito e digitei uma mensagem rápida para ele como resposta.

“Claro! Qualquer dia desses para mim seria ótimo. Estou ansiosa também.”

E a pergunta é: porque mesmo depois de tudo eu lhe dei uma resposta positiva? A verdade é que eu não tinha mais nada a perder, pois isso concordei em aceitar aquele convite.


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Notas finais do capítulo

Mais tensão para a história haha E aí, odiaram a Bianca por isso? Estão contra ela ou contra o Felipe por ele ter sido tão agressivo? Comentem! É importante saber o que vocês acham.