Doutrinas Fatais escrita por J R Mamede, Klariza, Celso Innocente, Pedro Henrique Sales, Jean Pereira Lourenço


Capítulo 3
Janeiro


Notas iniciais do capítulo

Olá! :D

Eu sou a Klariza, e a one shot de hoje será da minha autoria. ^^

Porém, primeiro quero deixar um agradecimento a todos os autores maravilhosos que me ajudaram a levar este projeto em frente e que contribuíram com belíssimas estórias para esta colectânea.
Deixo um especial agradecimento à minha beta, Jessica (J R Mamede).

E, sem mais delongas, desejo a todos uma ótima leitura! :D



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/602155/chapter/3

Toda a justiça e bondade que um dia existira naquele bloco operatório fora limpa pelos litros de sangue que pela maca haviam escorrido, pingando o chão e manchando a imagem daquele que já fora um local de esperança.

Júlia não dormia uma noite seguida desde que abraçara a sua nova carreira. Os sonhos que tinha remontavam à sua ingenuidade de adolescente, quando sonhava seguir enfermagem e “salvar vidas”. Essa menina tinha-a morto, anos atrás.

Hoje, restava dela uma mulher. Pobre e desprovida de qualquer riqueza espiritual. Naquilo consistia a sua sobrevivência. Em suportes de alma ou apenas suportes de órgãos. Ela preferia a segunda. Exigia-o a sua humanidade (que teimava em conservar em frascos de formol).

Era mais uma vítima do tráfico de órgãos, do qual são vítimas os próprios traficantes. Como num acidente de viação: não são apenas vítimas aqueles que perdem a vida, como também aqueles que veem a sua debilitada. Ali, assim era. Não apenas as vítimas que viam seus corações extraídos, como também os “vilões” que viam os seus corações tocados.

Eram essas as imagens que tinha, sempre que fechava os olhos. As pestanas cruzavam-se, transmitindo-lhe choques. Estes percorriam-lhe o corpo, sob a forma de recordações. Noite após noite, eram filmes a tons de vermelho que se interligavam. Nunca aguardara tempo suficiente para conhecer o final. Acreditava que terminasse com a ficha técnica como todos os outros. Com o seu nome gravado numa lápide e exposto o seu papel insignificante naquela miserável vida.

Mas ela não estava sozinha. Sim, porque todos ali sabiam o que se passava. Todos. Os mais inteligentes cerravam os olhos e bloqueavam a audição. A culpa é a pior das epidemias e todo o cuidado é pouco. Ela, que cometera o erro de pestanejar, sabia melhor que ninguém o quanto a consciência pesava.

Sempre fora “insensível”. Era aquela aluna que se chegava à frente no momento de dissecar ratos, aquela que se focava nos vídeos de transplantes, sem desviar uma única vez o olhar, aquela que via no sangue a mais comum das substâncias e que não se intimidava no momento de operar um paciente. Mas, no fundo, fazia-o por humanidade: orgulhava-se do seu trabalho, dos seus feitos e guardava no coração uma listinha com as pessoas que já ajudara, independentemente de estas se lembrarem ou não dela.

Agora, as coisas complicavam-se. Recebera, naquele dia, a nova de um transplante falhado – uma vida recolhida, sem quaisquer frutos. Aquilo deixava-a com um saldo negativo. As vidas que salvara não cobriam mais as vidas ceifadas. Carregava agora um cadáver nos braços – uma menina de seis anos a quem extraíra as córneas, o coração e o fígado. Envergava-se com o peso daquela que, por ironia, fora a sua vítima mais leve.

No fundo, sabia que as insónias eram a última arma de que dispunha o destino para lhe alertar do que se seguiria. A sua mente provava agora do mesmo vazio que, um dia, deixara no peito daquela criança inocente. E não podia culpar ninguém por isso.

Provavelmente, estão a debater-se com o número de palavras que me resta. Pretendem saber se cinquenta, sessenta, setenta caracteres chegarão para um ato heroico. Querem saber a resposta? Não chegam.

Porque eu podia até enrolar (e eu sou boa nisso), mas com que objetivo? Nem um milhão de palavras chegariam para narrar uma revolução!

Não existem modelos de pessoas, existem circunstâncias. A mesma menina que fora morta cruelmente nesta versão da história, seriam a médica compelida a extrair os órgãos de uma criança, noutra. O espetador passivo nesta vida, poderá ser a vida ceifada na próxima. E, provavelmente, não existe nada que possamos fazer para alterar esta realidade. No entanto, faz-nos bem abrir os olhos. Na terra não cabem já todos os defuntos do nosso egoísmo. Cabe-nos a nós carregar um pouco dessa crueldade e tentar com ela viver o melhor possível.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

~Eu novamente

Espero que tenham gostado da minha pequena narrativa.
Deixem as vossas opiniões e críticas nos reviews!
E não deixem de ler as restantes estórias!

Pronto, terminei. ;)

Beijos e até uma próxima! :*



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Doutrinas Fatais" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.