Quando Eu Me For, Não Deixe de Sorrir escrita por TimeLady


Capítulo 4
Não Seja Bem-Vindo Ao Novo Lar!




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Mary sentia que podia chorar a qualquer instante. De novo. Seus olhos queimavam e seu corpo inteiro tremia com a força que ela fazia para não fazê-lo, porque os últimos dois meses já tinham sido o suficiente. Agora ela tinha a obrigação de ser forte, como mãe e mulher.

Entrelaçou os dedos no colo, apertando as mãos. Ela ainda sentia a palma direita arder, pulsando de leve e ela teve de morder o lábio até doer para se impedir de olhar para trás.

Olhar para seu filho desaparecido, sentando em silencio no banco de trás.

Havia uma parte sua que já estava arrependida de tê-lo acertado com tanta força, não desculpando a onda esmagadora de raiva e a decepção que controlou seu corpo no instante que viu Hiro sentado através de uma cela com roupas que ela nunca tinha visto (e que, pelos deuses, ela esperava fervorosamente que ele havia comprado), pela talvez quinta vez na sua vida, depois de 60 dias sem nenhum aviso ou sinal de vida. Essa parte ficava lhe jogando a imagem da expressão estranhamente aberta que Hiro lhe deu depois que ela o acertou, com os olhos arregalados e a boca ligeiramente aberta, suas mãos indo devagar até a região que já havia ficado vermelha. Os dedos da sua mão direita estavam manchados de sangue.

O garoto lhe lançou uma postura chocada, como se ele jamais tivesse esperado isso dela e por um segundo, Mary sentiu a culpa sufocando-a quando ela lembrou o que era o mesmo lado que Tomeo havia acertado.

Então um brilho prateado chamou seus olhos e ela viu as algemas decorando os pulsos do seu filho mais velho.

Sua culpa foi propriamente espancada até uma forma de submissão que agora ela fazia de tudo para ignorar. Porque sua outra parte, a maior e mais escandalosa parte de si, dizia que dessa vez Hiro havia passado dos limites. Limites além dos limites que ela um dia pensou que teria de criar. Agora ele era um adulto, legalmente responsável e mesmo assim havia feito algo para ser preso.

O que o gênio do seu filho parecia não compreender era que exatamente por ele ter 18 anos que agora ele tinha que dar satisfação para mais pessoas ainda, mais do que somente ela e Tomeo. Pessoas que não o conheciam, que o julgariam baseando-se no presente e, portanto, incrivelmente longe de terem a atitude perdoadora que Mary e Tomeo conseguiam adotar.

Mas talvez, na realidade, Hiro soubesse disso muito bem e havia apenas ignorando essa informação, como ele ignorava a maioria das coisas que ele não julgava digno da sua atenção, porque ele era bom demais, esperto demais para isso.

[Como, por exemplo, sua família?]

Respirou fundo devagar e olhou para fora da janela, vendo sem ver a paisagem desconhecida passar.

Tomeo não disse nada a viagem de volta, igual à da ida e quando eles finalmente chegaram em casa, seu marido apenas estacionou o carro e saiu sem dizer uma palavra. Mary o observou dar a volta ao redor do veículo em passos duros até o lado em que Hiro estava e abrir a porta, fazendo o garoto – que se apoiava na mesma, dormindo – se desequilibrar e quase cair no chão. Tomeo não mexeu um centímetro para ajudar seu filho.

Ela prendeu a respiração, esperando uma briga no instante em que Hiro ergueu os olhos e encarou o pai, suas sobrancelhas franzindo e a mandíbula prendendo de um jeito familiar e que fazia gelo escorrer no seu estomago.

Enquanto na maior parte das suas brigas com Hiro envolviam mais ela chorando e os dois gritando, desde o incidente com Tadashi a dois anos, Tomeo não hesitava mais em erguer os punhos contra seu filho. Mesmo porque Hiro também não tinha medo de revidar com garras e dentes. O rapaz já havia perdido um molar e o próprio Tomeo havia quase quebrado o braço.

Sua mão pulsava levemente e Mary tentou não tremer. Aquela havia sido a primeira vez em 18 anos que ela havia erguida a mão para seu filho e ela não pretendia faze-lo uma segunda vez. Mary odiava violência, independente da pessoa merecer ou não, porque nada bom nunca saiu de algo assim e ela jamais havia deixado uma briga – luta, na verdade, com socos e chutes e raiva e dor – durar se ela conseguia. Se ela podia fazer algo para parar duas das pessoas mais importantes da sua vida de se machucarem, mesmo se ela se machucasse no lugar, mesmo se eles a machucassem.

[Mary tinha sua cota de machucados também]

Seu cinto soltou quase como de vontade própria e ela estava a meio caminho de sair do carro com um grito de prevenção na ponta da língua, seu corpo tenso e pronto para saltar no meio dos dois, quando ela viu o rosto de Hiro mudar.

Mary congelou.

Foi uma coisa de um segundo. Talvez até menos que isso. No instante em que o olhar de Hiro e Tomeo se encontraram, o garoto claramente irritado e o homem mais do que pronto para responder à altura, a mulher viu um reflexo do que aconteceu na estação policial. Foi uma mudança rápida, como uma micro-expressão, mas por um momento Mary poderia jurar que viu o rosto de Hiro se abrir honestamente, vulneravelmente e-

O choque do que ela viu a prendeu no lugar e ela só pode assistir enquanto tudo sumia veloz e impecavelmente como se nunca tivessem existido em primeiro lugar e Hiro voltasse a usar a expressão em branco que ele vinha mantendo desde que eles o pegaram na estação policial. O garoto se ergueu sozinho e sem olhar ou dizer nada a seu pai, saiu do carro e começou a caminhar para a porta de entrada.

Tomeo, tão silenciosamente quanto seu filho mais velho, fechou a porta do veículo com mais força que o necessário. O som alto a tirou do torpor em que estava e Mary saiu do carro a tempo de conseguir seguir ao lado do marido, não sem uma sensação desagradável se revirando dentro de si.

Os três chegaram diante da entrada e em movimentos rígidos, Tomeo rapidamente abriu a porta e se afastou para o lado, ainda com um olhar duro fixado em Hiro. Mary observou, tensa, seu filho não devolver o olhar – mas parecendo incrivelmente consciente dele, se as suas costas eretas como se ele estivesse num campo militar indicavam qualquer coisa. Ela teve que segurar fisicamente sua mão para se impedir de estender o braço e toca-lo, sabendo muito bem que o gesto não seria apreciado como provavelmente seria desprezado também.

Pensando bem, a tapa que ela havia desferido mais cedo era a primeira vez em anos que ela tocara Hiro sem que ele retalhasse, afastando-a ou afastando ele mesmo.

O fato de que havia sido violento fazia seu peito encolher dolorosamente.

O jovem hesitou no batente da porta, seus pés parando no exato limite do interior da casa e a descendente de japonês automaticamente se preparou para ver o menor tentar fugir de novo.

Mas então Hiro respirou fundo, seus ombros subindo e descendo num movimento longo, antes de dar um passo para frente e entrar na casa. Sua imagem sumiu pelo interior escuro.

Mary pestanejou e admirou o que havia acontecido e estranhou, mas assim que Tomeo virou e seguiu os passos de Hiro igualmente tenso e rígido, ela se obrigou a banir esses sentimentos que ela reconhecia tão bem. Era como um formigamento na ponta do seu coração, brincando de dar nós no seu estomago e deixando-a na ponta dos dedos. O início de ter esperança. Ela sabia bem que não podia lidar mais com isso.

Suspirou em silencio uma vez antes de entrar na casa, sentindo-se meio tremula e fechou a porta atrás de si.

Dentro, na escuridão geral e a falta da presença dos outros ocupantes da casa, Mary notou a luz branca da cozinha e se dirigiu para lá, deixando sua bolsa no mancebo da entrada. Ao chegar lá, apenas Tomeo ocupava o lugar, limpando a mesa que eles haviam largado às pressas ao ter recebido o telefonema da delegacia.

“Querido...” Mary chamou, baixinho, mas que ecoou pelo lugar vazio.

“Eu o mandei para o quarto. Ouvi a porta bater, então ele deve ter obedecido por enquanto.” A voz grossa, mas suave de Tomeo a respondeu, tão estranha nesse tom frio e inflexível quando se encaixava melhor com gentileza que ele sempre emanava. Os pratos foram sendo empilhados na pia cuidadosamente, e a comida guardada na geladeira nos lugares certos.

Tomeo nunca foi de descontar sua raiva nas coisas ao seu redor. Por um lado isso poderia ser visto como bom, mas Mary sabia que isso só ajudava a manter as coisas borbulhando dentro dele, prontas para explodir e destruir o seu recipiente.

Ela havia tentando tira-lo desse hábito, mas em vão. Com ela trabalhando fora e Tomeo podendo fazer seus projetos do escritório da casa, Mary sabia que, em parte, ele ainda se culpava por tudo o que havia acontecido.

Em passos silenciosos, ela se aproximou de seu marido e gentilmente o abraçou por trás, encostando o rosto contra suas costas. Tomeo parou por um momento e então relaxou contra si, virando e devolvendo o abraço. Mary sentiu-o apoiar a cabeça sobre a sua. Eles ficaram em silencio, apenas se confortando na presença um do outro. Ela conseguia ouvir o coração de seu marido começar a se acalmar, devagar.

Ainda um pouco machucado, como o dela.

“Eu vou faltar amanhã no trabalho.” Falou ela, quietamente. Sentiu Tomeo ficar tenso de surpresa, mas ela rapidamente apertou o abraço, impedindo-o de se afastar. “E você deveria ir ver Tadashi. Levar algumas roupas e o material da escola. Deixamos ele na minha irmã com apenas as roupas do corpo.”

Mary sentiu o outro suspirar, o peito apertado contra o seu rosto tremendo de leve. Então Tomeo se inclinou para trás, se apoiando na pia, ainda abraçando-a e ela arriscou erguer a cabeça. Através dos óculos de aro escuro, o mármore de raiva havia se dissolvido em um mar de tristeza resignada.

Ela teria se sentindo mais frustrada em não conseguir poder ajuda-lo se não estivesse no exato mesmo estado.

“Você quer deixar ele dormindo na sua irmã por alguns dias?” Ele indagou, mais como se apenas pedindo confirmação. Ambos sabiam melhor do que deixar Hiro perto de Tadashi, ainda mais depois desses dois meses onde ele sumiu para Deus sabe aonde.

Mary acenou de leve. “Cass não se importa. Além do mais, eu disse que estávamos indo buscar o Hiro.” Ela ainda conseguia ver o rosto chocado da sua irmã mais velha ante as novidades e o modo como ela instintivamente abraçou com mais força o sobrinho adormecido no seu colo. Mary abriu um espaço no seu coração lotado para sentir uma onda de carinho pela sua onee-chan, que cuidava e amava de Tadashi como se fosse seu próprio filho, mesmo com seu terror infindável de crianças.

Mas então ela lembrou que até nove anos atrás Cass costumava fazer o mesmo pelo seu outro sobrinho, até o dia que ela declarou que era para ele nunca mais pisar na sua casa outra vez. Fechou os olhos e voltou a encostar o rosto contra o peito do seu marido, ouvindo os batimentos do seu coração. “Ela também vai querer ajudar a manter Tadashi longe daqui, pelo menos até as coisas acalmarem.”

“Ou até ele fugir de novo.” Tomeo murmurou, mais para si do que para ela.

Mary não disse nada, não sentindo necessidade de mostrar que ela compartilhava da mesma apreensão.

Tomeo suspirou mais uma vez, tirando uma mão das suas costas para deslizar pelo seu rosto, massageando a testa. “Você tem certeza que consegue lidar com ele até eu voltar?”

Ela segurou um sorriso amargurado. “Ele provavelmente não vai sair do quarto o dia inteiro. E se ele sair, não vai se dignar a falar comigo.”

Ambos os braços de seu marido voltaram a abraça-la, apertando-a contra ele. “Você não está ajudando a me assegurar.” Murmurou ele contra o topo da sua cabeça e dessa vez Mary conseguiu sorrir de verdade. Ergueu-se sobre a ponta dos dedos o máximo que podia e conseguiu altura o suficiente para depositar um selinho sobre os lábios de Tomeo.

O homem quase duas cabeças maior que ela piscou os olhos, encarando-a curioso. Ela sorriu e ocupou ambas as bochechas do outro. “Você sempre se preocupada demais.”

“Não, eu não me preocupo demais.”

“Sim, você se preocupada demais.” Ela replicou e penteou com os dedos alguns fios grisalhos. Então o encarou diretamente nos olhos e disse com firmeza, sem deixar espaços para questões. “Eu sei me virar, Tomeo. Posse ser muitas coisas, mas não sou boba. Ele não vai me atingir. Eu não vou deixar.”

Os olhos castanhos escuros a encararam, talvez meio surpresos com sua repentina onda de determinação. Mas então Tomeo sorriu pequeno e ele relaxou ao seu redor, engolfando-a inteiramente no abraço. “Mas que grande pequena mulher.”

Mary revirou os olhos diante da primeira cantada que Tomeo havia lhe lançado, quando os dois ainda estavam no ensino médio, mas devolveu o abraço com a mesma força.

Fechou os olhos e suspirou, deixando sua resolução se cimentar dentro do seu peito.

Hiro parou no meio do corredor, sem saber o que fazer diante das cinco portas ao seu redor. Havia duas de um lado, duas do outro e uma solitária no fim do corredor. E ele não tinha ideia de qual supostamente era dele.

Quando Tomeo o mandou ir ao seu quarto no instante em que entraram na casa, ele disse com uma voz tão incrivelmente cortante que Hiro não teve a coragem de perguntar onde, exatamente, era o seu quarto. Porque quando ele virou, o homem que ele deveria ser seu pai (ele ainda não tinha ideia do que fazer com relação aos pronomes possessivos) continuou parado, ereto no meio da sala escura, encarando-o através dos óculos de aro escuro e por um segundo alucinado, Hiro pode ver Callaghan encarando Krei sobre uma roupa negra e uma máscara escura.

Depois disso ele fugiu com o rabo entre as pernas, subindo as escadas num puro palpite.

Hiro suspirou e esfregou a região entre seus olhos com a ponta dos dedos, tentando evitar o início de uma dor de cabeça. Ele não tinha como lidar com algo assim. Pura e indistinguível decepção furiosa, tão visivelmente no lugar de algo que antes foi tão morno. Como uma vela derretida e apagada. Tanto o seu pai como sua mãe tinham esse mesmo olhar, queimando sua pele toda vez que eles se encaravam.

Qualquer animação que ele sentiu sobre a perspectiva de conhecer sua antiga casa – a casa que ele havia vivido pelos primeiros três anos da sua vida, mas que ele conhecia apenas por fotos – havia sido irremediavelmente destruída agora, porque-

“... porque tudo aqui é uma merda! É por isso! A gente nunca deveria ter se mudado!” Gritou para a direção da escada.

“Hiro!” Exclamou sua mãe, surgindo nos primeiros degraus. Carregando o bebe de novo. “Não use esse linguajar!”

Era nisso que ela se focava? Ele pode sentir sua fúria escalando dentro de si, esquentando suas veias e o fazendo fechar as mãos em punhos cerrados. “Eu faço o que eu quiser!” Berrou com todas as suas forças e virou sobre os calcanhares, disparando para o seu quarto.

“Hiro!”

Antes de fechar a porta com tudo, ele ouviu com satisfação o bebe começar a chorar.

Hiro se sobressaltou, soluçando de susto.

O que- Outra memória do outro Hiro?

Piscou os olhos, sentindo uma raiva alheia acelerando seu coração e, engolindo através de uma garganta repentinamente seca, se virou para a esquerda e observou a porta solitária no fim do corredor, para o onde seu outro eu havia corrido na lembrança.

Automaticamente, ao fazer isso, seus olhos se voltaram para a escada ao seu lado e ele pode ouvir sua própria voz de criança gritando até fazer seu irmão acordar. Hiro já havia feito isso antes – acordar Tadashi dos modos mais criativos sempre fora um dos seus hobbies favoritos, havia até um vídeo que ele havia feito uma vez com a tia Cass. Mas sempre tivera uma conotação de brincadeira. E ele sabia onde os limites ficavam.

Mas essa versão, com um sentimento vingativo quase malicioso, era tão... alienígena.

Hiro se perguntou pela décima vez naquela noite o que havia dado de errado com o seu eu daqui.

Ele descascou distraidamente o sangue seco da sua mão, um suspiro exausto no seu peito e então outro pensamento o ocorreu. Haviam cinco quartos. Ele já havia descoberto qual era o seu. Um certamente era do casal da casa e outro talvez um banheiro (a não ser que todos os dormitórios fossem suítes, nesse caso seria muito maneiro), mas isso ainda deixava sobrando dois. Se virou e observou curioso os prováveis aposentos restantes.

Ele havia visto pouco, mas o suficiente para saber que Tadashi e ele certamente não dividiam um quarto nesse universo. Um dos dois restantes provavelmente era um quarto de hóspedes. Então deixava a dúvida: qual seria o quarto do seu irmão?

Uma vontade esmagadora de ir de porta em porta o inundou, chegando a fazê-lo dar um passo involuntário para frente. Sangue bombeou nos seus ouvidos e sua mão involuntariamente entrou no bolso da sua jaqueta e apertou o boné preto entre seus dedos.

[Dez anos.]

[Fazia dez anos desde a última vez que ele viu seu irmão.]

Não- não faria mal dar uma espiada, certo? Ele provavelmente estava dormindo ou algo assim, se não havia descido com o barulho do carro. Se Hiro fosse silencioso e rápido, talvez ele... ele conseguisse descobrir qual quarto era sem perturbar ninguém.

Ele estava prestes a dar um segundo passo quando uma possibilidade cruzou a sua mente – e se ele não desceu porque ele não queria?

Hiro congelou.

A ideia era tão assustadoramente plausível. Ele mesmo havia dito. Era pouco o que sabia e mesmo assim ele entendia que seus pais jamais iriam deixa-lo dividindo um quarto com Tadashi. Isso era uma via de mão dupla, porque e se Tadashi não queria dormir no mesmo lugar que ele? Ele tinha todos os motivos do mundo para não gostar de Hiro.

Pior, pensou com amargura, todos os motivos para teme-lo.

Quem não teria? Apesar de não ter visto nenhuma memória do outro Hiro devolvendo o soco para o seu pai, algo o dizia que isso era só uma questão de tempo.

Engoliu através da sua garganta de repente fechada e, sem olhar para as outras portas, abaixou a cabeça e seguiu em direção ao seu “quarto”.

O local estava um breu total e Hiro lutou contra a escuridão até achar um interruptor no lado esquerdo do batente, derrubando alguma coisa no processo. A luz se acendeu com violência e ele foi forçado a fechar os olhos com o brilho forte e repentino.

Ow.”

Ele permaneceu cego por alguns segundos, tempo no qual ele fechou a porta com cuidado atrás de si, mas quando pareceu que ele não ia mais perder os olhos derretidos, Hiro voltou a abri-los, piscando freneticamente. Demorou um segundo para conseguir assimilar o quarto diante de si, mas logo as formas começaram a fazer sentindo e ele não pode não erguer uma sobrancelha curiosa.

Era um lugar relativamente espaçoso, de teto inclinado e com uma janela tomando quase toda a parede do lado oposto da porta. Onde o teto era mais alto estava encostada a cama e onde o teto não distava mais do que um metro 1,60 do chão estava uma enorme escrivaninha. Havia um micro corredor a sua esquerda que levava a uma daquelas entradas de porões, que pareciam ter sido feitas para ou anões ou para crianças pequenas, mas que estava bloqueada por um baú enorme e um armário – que, por sinal, estavam revirados, com as gavetas e portas escancaradas e roupas jogadas pelo chão todo.

Na verdade... Hiro observou confuso o resto do lugar... O quarto inteiro estava revirado. Revirado, não só bagunçado. Tudo que podia estar aberto estava escancarado, expondo seu conteúdo no local ao seu redor. A mesa estava encoberta de papeis e livros jogados sem cuidado, ao lado de gavetas arrancadas inteiras e viradas de ponta cabeça e havia um bolo de fios mal enrolados espiando de um buraco na mesa que indicavam um laptop desconectado as presas dos vários equipamentos espalhados embaixo e sobre a escrivaninha.

Hiro navegou com cuidado pelo quarto, tentando evitar pisar em qualquer coisa muito importante. Se aproximou da mesa e, após uma leve hesitação, ergueu um pedaço de papel aleatório. Uma camada de pó deslizou da superfície branca para o ar e ele espirrou.

Limpou o nariz contra a manga da sua jaqueta. “Urgh. Por acaso alguém sequer entrou aqui nesses dois meses?” Murmurou, sentindo o início de um possível ataque de rinite.

Fazendo uma nota para abrir a janela o quanto antes, Hiro virou o papel e observou o seu conteúdo. Parecia algum tipo de rascunho... um robô de luta talvez. Havia linhas demais se sobrepondo, além de várias anotações nas bordas que eram mais linhas convulsionadas do que letras propriamente ditas. Hiro reconheceu brevemente um trabalho para tirar o estresse. Ele fazia isso quando havia coisa demais ao seu redor e seu cérebro estava se sobrecarregando e ele precisava fazer algo para tirar o zunido. Para não estragar seu caderno de ideias, ele pegava folhas soltas e começava a desenhar sem compromisso.

Pela quantidade de folhas soltas espalhadas, o Hiro daqui costumava fazer o mesmo.

Devolveu o papel a mesa e vagou pelos outros conteúdos. Havia vários livros de engenharia robótica e tecnologia e alguns cadernos de anotações. Esses últimos Hiro deixou onde estavam.

Regra Hamada #023 – Jamais olhe no caderno de ideias do outro sem permissão.

Poderia parecer contraditório, levando em conta que eles eram tecnicamente seus, mas Hiro havia acabado de chegar aqui. Ele podia esperar mais um pouco antes de invadir a privacidade alheia porque ao contrário do que a maioria parecia pensar, ele tinha um senso básico de educação.

Terminado de olhar a mesa, Hiro se voltou para o resto do quarto. Seus olhos vagaram sem compromisso enquanto se dirigia para a janela. Realmente, aquele lugar era espaçoso, bem maior do que qualquer quarto que ele havia tido durante sua vida. Havia vários vazios entre os moveis, mesmo com a bagunça. Trazendo a memória do seu quarto, fosse o seu antigo no Café Lucky´s Cat ou seu atual, o lugar parecia sempre a ponto de explodir de coisas, mesmo que Hiro nunca conseguisse lembrar como ou quando ele havia acumulado tanto tralha. E era sempre lotado de estantes. Milhares delas, abençoadas estantes, que guardavam dos mais variados objetos.

Sua mão parou no meio do processo de abrir o trinco e ele franziu o cenho. Olhou para trás mais uma vez. Algo o estava incomodando desde que ele havia pisado aqui, e ele estava começando a entender o quê. Esse quarto parecia... vazio em comparação. Faltando alguma coisa que não o permitia pensar naquele recinto como seu, mesmo se de uma versão alternativa sua.

Então o atingiu com a força de um muro de tijolos.

Não havia uma única invenção naquele lugar.


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