Blue Jeans escrita por LuhCarneiro


Capítulo 7
O corvo




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Ana Lua sempre foi do tipo de menina difícil de se compreender. Sempre amou demais... Amou de menos. Todo dia ela deixava um rastro de confusão. Mas o que ela podia fazer? Nada, afinal. No dia seguinte, Ana Lua não enviou mensagens de bom dia para Pedro, como tinha o costume de fazer. Ainda não sabia como reagir. Niko já estava fora da sua cama e tomava leite. Lua checou o celular e não viu nenhuma novidade, exceto uma mensagem da amiga da faculdade a chamando para a praia. Ana Lua negou o chamado, mas a menina continuo a insistir. Ficaram quase meia hora no telefone. No fim, Lua se deu por vencida e resolveu ir. Era sábado e quase 9h da manhã. Ela precisava se distrair, mesmo não querendo. Arrumou as coisas e partiu em rumo a praia. Ela parou em frente ao 505 antes de pegar o elevador. Respirou fundo e continuou seu caminho. Quando chegou na praia foi recebida com um abraço caloroso da amiga que havia vindo correndo ao seu encontro.
— Nem acredito que consegui te tirar de casa! E pelo visto você mudou de fase, Lua.
— Pois é, você conseguiu, Amanda. Sinta-se orgulhosa. Gostou do cabelo?
— Eu estou muito orgulhosa! E gostei muito do novo visual — As duas riram juntas e andaram em direção ao grupo de amigos. Ana Lua olhou pro horizonte e viu um pequeno barco velejando na linha do mar. Estava longe, mas ela reconhecia aquela figura em qualquer lugar. Era Pedro. O sol brilhava e causava uma sombra nele. Achou engraçado o fato de estar tocando "Quando o sol se for" na caixinha de música dos amigos. Respirou fundo e sentiu vontade de sair correndo. Ignorou o fato de ter o visto. Deitou em sua canga e fechou os olhos. Até chegou a cochilar por algum tempo. Quando abriu os olhos novamente, olhou de forma turva que havia uma pessoa sentada ao seu lado, olhando pro mar. Sua visão melhorou e viu Pedro ao seu lado. Pensou em voltar a dormir ou pelo menos fingir. Pedro olhou pra ela por cima do ombro e abriu um belo sorriso. Daqueles que ele sempre sorria quando a encontrava
— Bom dia, mina-satélite.
— Bom dia... — Ana Lua se levantou e viu entre os dedos dele um cigarro artesanal. Sentiu o cheiro adocicado e não teve dificuldade de descobrir o que era. Já havia fumado muitos baseados quando era mais nova antes dos problemas com o pai.
— Aceita um trago? — Pedro estendeu a mão até Lua. Ela pegou o cigarro e deu alguns tragos. Passou o cigarro para um outro amigo sentado um pouco mais longe. Soltou a fumaça com leveza, fechando os olhos. Pedro começou a encará-la. Quando ela abriu os olhos, eles se entre olharam — Está fechando muito os olhos hoje.
— Estou tentando fugir da realidade.
— Existe formas melhores pra isso.
— Não quero sair do baseado hoje, Pedro.
— Eu não estava falando de drogas, na verdade. Venha comigo.
Ele estendeu a mão pra ela e foram andando até o pequeno cais na praia, onde estava parado o barco de Pedro. Ana Lua se sentou numa beirada, onde conseguia se segurar em um corrimão. Pedro foi pra área onde se conduzia a vela do barco. O barco era branco com alguns detalhes azulados. Suas velas eram marfim, bem limpas. Pedro ligou o pequeno motor mas logo depois começou a velejar.
— Nunca me disse que tinha um barco.
— Tem muitas coisas que você ainda não sabe de mim, mina-satélite.
— Tipo, o que?
— Tipo que eu tenho uma kombi.
— Sério? Você tem uma kombi?
— Sim! Eu adoro. Sem falar que soa muito hippie dizer que eu tenho uma kombi.
— E o que mais você tem que eu não sei?
— Um elefante, talvez — Ambos riram da piada dele. Ana Lua se concentrou no mar. Ele estava belíssimo. Suas ondas estavam escassas e tranquilas. O mar parecia em paz. O oposto de Lua, que se sentia em guerra. Dentro dela sentimentos brigavam tentando achar um pouco de razão. Nada fazia sentido dentro dela. Cada vez ela se tornava mais uma lua no universo.
— Depois vamos dar uma volta na cidade com minha kombi.
— Você trouxe ela hoje?
— Claro que trouxe.
Até o fim da viagem eles ficaram em silêncio. Pedro deixou o barco numa área com vários barcos porém pequena. Como um mini porto. Entregou-o para um homem de cabelos grisalhos que o cobriu com uma espécie de lona. O grupo de amigos se separou, alguns foram pra casa. Sobrando Ana Lua, Pedro, Amanda e mais um amigo. A kombi de Pedro era diferente, personalizada. Tinha um tom de verde claro. Havia os bancos da frente, mas na parte de trás, era mais alta e invés de bancos havia um colchão fazendo uma cama enorme. Também havia um teto solar na kombi. Entravamos pela porta da mala. As meninas abriram o teto e ficaram nele, como se fossem estrelas em suas limusines. Pedro e o outro rapaz foram dirigindo e rindo das meninas na frente. Todos estavam sobre os efeitos do cigarro. Riam sem parar, inocentemente. No rádio tocava "Don't Stop" que era a musica perfeita pro momento. Lua e Amanda davam "tchauzinho" e mandavam beijos para as pessoas da rua. Era momentos assim que valiam a pena estar vivo. Quando chegaram ao centro da cidade, estacionaram a kombi. Ana Lua foi logo correndo na frente. Olhava em volta sem muita atenção. Até encontrar uma loja de discos. Ela foi até a loja com pressa, entrou quase caindo na porta. Era uma lojinha arrumada. Haviam prateleiras por toda a loja. Os discos eram separados por gêneros musicais. Ela foi vendo os discos e quando se deu conta já tinha uns 4 em sua mão. Ela caminhou até o caixa e ficou paralisada. Não acreditou. Ela pensou em colocar todos os discos no lugar e ir embora. Olhou aquele rosto com sorriso sarcástico.
— Olá, Ana Lua — Daniel a encarou ainda com o sorriso no rosto. Ana Lua o ignorou por completo, apenas entregou os discos pra ele.
— Olha só! A guria do hospital.
— Oi, Alexandre. Como vai?
— Eu tô de boa, e você?
— De boa também.
Daniel deu uma pequena risada e começou a passar o código dos discos.
— Pistols, Iron, Metallica e Lana. Uma escolha bem exótica.
Lua deu apenas um sorriso de canto. Olhou o preço na pequena tela do caixa e começou a mexer na carteira. Estendeu seu cartão para Daniel.
— Ô guria — Alexandre a chamou — Vai ter uma festa da minha casa, fim de semana que vem. Se tu quiser vir, aqui o endereço.
Ele entregou um papel bem dobrado e amassado pra ela. Ela pegou seu cartão após ter pago os discos. Ela deu um sorriso gentil pro rapaz.
— Tá bem, valeu.
Ela estava saindo da loja quando entrou Pedro, quase gritando.
— Ei, Satélite. A gente tava procurando você!
— Parece que você me achou.
— Tava começando a achar que você tava na lua nova.
Ambos deram uma risada e saíram da loja. Lua olhou pela vitrine da loja e seus olhos se encontraram aos de Daniel. Ela o cumprimentou com a cabeça e foi andando. Ela olhou pro céu e brigou com o cosmo.
— Tá falando sozinha? Pirou de vez? — Pedro perguntou de forma debochada.
— Quem dera estar num hospício tomando gelatina de graça.
— Sua meta de vida é acabar num hospício tomando gelatina? Sei que seus futuros alunos vão te enlouquecer mas não espero vê-la assim.
— Compor música também vai deixar você meio depressivo e pirado com o tempo.
— Se esse for o caso, guarde algumas gelatinas pra mim.
Ana Lua o empurrou de leve e deu uma risada tensa. A presença de Daniel e Pedro no mesmo espaço a deixava nervosa. Pedro olhou pra ela e depois pra frente. Andava com as mãos no bolso. De longe, Ana Lua podia ver Amanda surtando numa liquidação de frutas orgânicas com o rapaz da kombi ao seu lado. Pedro continuou a olhar sem ponto fixo.
— Cê conhecia os caras da loja né?
— Porque você acha isso?
— Vi você conversando com eles pela vitrine.
— Anda me espionando?
— Ainda não tenho grana pro detetive — Pedro deu uma risadinha.
— É, eu conheço eles. O que tava na caixa é o meu vizinho. E o outro eu conheci no hospital.
— Eu reconheci ele daquele dia. Cruzei com ele no elevador.
— Eu sei disso. Isso é tão injusto com você — Ana Lua colocou as mãos nos bolsos e abaixou um pouco sua cabeça. Logo depois a levantou e olhou pra Amanda novamente.
— Ana Lua, eu não sou criança. Sei esperar e te respeitar. Mas será que esse cara sabe?
Ela não o respondeu. Apenas continuou olhando fixo até Amanda e caminhando em sua direção. Ela estava com uma sacola cheia de frutas e legumes.
— Isso dá pra quase um mês de tanta fruta.
— Quero fazer uma horta.
— Boa sorte — Pedro sussurrou com deboche. Deu uma risada após.
Estava escurecendo quando o grupo parou em um bar pra lanchar. Havia um karaokê no local e estava vazio. Os dois rapazes se levantaram e foram até o karaokê. Selecionaram uma música escondidos das meninas. Ambos riam um bocado.
— Essa é pra você, Ana Lua!
Ana Lua abaixou a cabeça e começou a rir quando notou o ritmo da musica. Logo percebeu que era a musica "Ana Julia" dos Los Hermanos. Invés deles cantarem Ana Julia cantavam Ana Lua, perdendo alguns pontos da pontuação geral do karaokê. Pedro era bem afinado, cantava bem. Já não podia se dizer o mesmo do outro rapaz.

Lua chegou exausta em casa. O passeio havia valido a pena. Niko estava a esperando no sofá. Ele havia o arranhado um pouco. Ela sentou ao lado dele e o gatinho pulou no colo dela. Ela respirou fundo e se afundou no sofá cada vez mais. Fechava os olhos, tentando relaxar. Seu gato seu um pulo e foi pro quarto. Alguém havia batido na porta. Ela permaneceu sentada. Só levantou quando bateram novamente. Foi se arrastando até a porta, quando abriu Daniel estava nela, fumando um charuto cubano. Ele parecia diferente hoje. Usava uma camiseta social branca aberta, mostrando o peitoral e a barriga, junto a uma calça jeans azulada. O charuto impregnava todo o corredor.
— Boa noite, Ana Lua.
— Brinquedo novo?
— Ganhei de presente do meu chefe. Aceita um trago?
— Agradeço sua generosidade, mas não.
— Não se nega um José Piedras.
— Roupa legal.
— Ah, tive umas coisas pra fazer hoje de noite. Comprei o carro do meu amigo.
— Que legal. Bateu na minha porta pra contar a novidade?
Daniel deu uma risada e outro trago no seu charuto.
— Não vai me convidar pra entrar?
— Não sei. Ainda estou pensando.
Ele deu outra risada acompanhado com outro trago.
— Então eu continuo a infectar o corredor.
— Tá, Daniel! Entra!
Ele entrou devagar e ela bateu a porta atrás dele. Abriu a porta da varanda depois enquanto Daniel se sentava no sofá.
— Tenta não matar meu gato sufocado com o charuto.
— Eu tentarei, Lua — após outra baforada — Fiz uma tatuagem nova.
— Tá querendo se despir pra mim? É isso?
— Nunca precisei disso pra se despir pra você.
— Que tatuagem você fez?
— Fiz um corvo.
— Por que? Por que um corvo?
— Porque eu me pareço com um.
— Por que você faz isso? Por que faz isso comigo?
— Não fiz nada.
— Claro que fez. Tatuou um corvo depois que eu disse que você se parecia com um. Você me evita e me persegue ao mesmo tempo. Diz que sente algo por mim mas que não pode ficar. Você está jogando comigo. Mas eu não sou um brinquedo nem um pino de tabuleiro.
Daniel a puxou pro sofá e ela caiu em seu colo. Ele a beijou com vontade e ardência. A segurava com força em seu colo e não a deixava sair. Bagunçava todo seu cabelo com a mão na nuca dela. Ana Lua continuou sentada no colo dele porém colocou as pernas dele entre as suas, ficando de frente. Ambos respondiam a mesma sintonia. Quase pegavam fogo. Dessa vez, o beijo era diferente. Ele continuava ardente mas tinha certo carinho. Ana Lua parou de beija-lo e levantou-se com pressa. Colocou as mãos na cabeça e se encostou na parede.
— Você me enlouquece, Daniel! Me enlouquece de verdade.
Ela se virou de costas e apoiou a cabeça na parede. Daniel veio por trás dela e a abraçou. Levou sua boca próxima a orelha dela. Lua sentiu seu corpo se arrepiar. Ela ouvia e sentia a respiração dele. Ficou sem movimento. Resolveu apenas sentir aquela sensação.
— Eu amo você, Ana Lua.
Sua respiração parou. Por um momento, ela achava que seu coração também havia parado. Seus pêlos ficaram ainda mais eriçados.
— Eu só não sei por quanto tempo e nem como lidar com isso. Quero que você seja minha mas também não quero ao mesmo tempo. Não sou dos melhores caras do mundo, nem pretendo ser. Detesto ser controlado e sufocado. Realmente, eu não sei lidar com sentimentos. Eu não sei lidar comigo mesmo.
Ele a soltou e caminhou até a varanda. Lua se encostou na parede e olhou pra ele. Mordeu os lábios e respirou fundo.
— Você realmente não é das pessoas mais fáceis do mundo. Mas eu também não sou. Sentimentos são coisas complicadas. E eu realmente não quero brincar com os meus. Mas sei que meus pensamentos se voltam pra você quase todas as noites. E eu também não sei lidar com isso mas eu tento. Eu tento desesperadamente entender você. Eu detesto relacionamentos rotulados. Mas eu só quero ter você. Quero poder estar com você pro que bem vier.
— Não vai durar até o fim dos tempos, Ana Lua.
— O tempo que você tiver já vai ser valioso.
— Não trate isso de forma poética, por favor.
— Vai durar o quanto precisar durar. Nada mais nada menos. Só preciso que você se lembre de mim. Só preciso que você prometa que vai se lembrar que é meu. Diga que você se lembrará e vai me ter até seu ultimo adeus.
— Isso não muda quem eu sou ou o que fiz no passado.
— Não muda nada. Não importa o que você fez. Eu estarei ao seu lado.
— Eu matei um homem. Sou um criminoso.
— Deve ter tido um motivo bem sério pra você fazer isso. Não foi? Você não faria isso se não estivesse com muita raiva ou com um bom motivo.
— Teve um grande motivo. Mas acho que ainda não estou pronto pra dizer.
— Eu ainda estou ao seu lado. E estou esperando você.
— Espero que não se arrependa e jogue tempo da sua vida no lixo.
— Querido, nós nascemos para morrer...
— Minha vida inteira esteve no lixo. Não tenho medo da morte. Vou acolhe-la muito bem quando ela chegar. Provavelmente vou recebê-la com um sorriso no rosto e uma cerveja na mão. E dizer o quanto ela demorou.
Ele jogou o pouco que restou do charuto no cinzeiro. E abaixou a camisa ainda de costas pra Ana Lua. Ela pode ver o desenho de um belo corvo com penas negras e graciosas.
— É lindo... Maravilhoso! Exatamente como eu vejo você. Um corvo majestoso.
— É melhor eu ir pra casa, o dia foi muito cheio. Tivemos muitas emoções também — Ele colocou a camisa e deu um beijo no rosto dela — Boa noite, Lua. Brilhe como sempre você faz no céu.
— Boa noite, Dan.
— Vejo você na festa.


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