Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 8
Magia Natural




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Estava anoitecendo quando adentramos o bosque. Oliver parecia conhecer muito bem os bosques e florestas dali assim como Zachary, embora tivesse um andar mais sábio e orientado do que Zac, que parecia sempre vagar sem rumo enquanto caminhava.

— Para onde estamos indo?

—Quero que conheça a famosa cachoeira azul de Blue Falls – disse-me. – Na verdade todas são azuis, mas essa que iremos é a maior de todas. Falando nisso, então você estava lendo sobre os mitos da cidade?

— Na verdade peguei o livro pensando que se tratasse sobre pedras – disse me lembrando do título dele. – Mas me interesso bastante por mitologia, não sabia que a cultura Celta tinha relação com a lenda de Blue Falls.

—Ah, e como tem. Nossas florestas foram um abrigo para os pagãos fugitivos do cristianismo na idade média, em sua maioria celta. Diz-se que muitos druidas e as chamadas feiticeiras da época, que a igreja perseguia, recolheram-se em nossas montanhas e aos poucos foram criando sociedades secretas. Isso perdurou por séculos, por isso essa cultura continua viva até hoje na cidade. Por exemplo, nós comemoramos os festivais célticos de solstícios e equinócios anualmente aqui.

Cada dia eu descobria algo novo sobre minha cidade. Ergui as sobrancelhas expressando minha surpresa. Ele continuou:

— Aquela parte toda dos índios é a versão “cristianizada” da lenda, o que foi contado em meados de 1600 quando a feitiçaria passou a ser considerada crime. A lenda foi alterada para que não se iniciasse uma caça às bruxas na cidade, assim estava sendo em Salem nos EUA. Só no último século a verdadeira história celta voltou a ser difundida. Ainda restam bruxas por aqui sabia? – Indagou ele, olhando-me pelo canto do olho para ver minha reação. Lembrei-me de Laurie e ri baixinho.

—Nossa... - respondi ainda deslumbrada, imaginando todas as situações que ele descreveu. - Mas isso não é muito difundido, certo? Eu não sabia pelo menos.

—Ah, adotamos uma política de guardar para nós mesmos o que é nosso. Se a mídia considerasse relevante nossas histórias, mitos ou celebrações provavelmente transformaria Blue Falls em uma cidade turística que acabaria com a nossa paz. É só ver o que aconteceu com Salem por exemplo. O comércio e a mídia dominariam, banalizando as tradições. São coisas que só morando aqui para se saber, e mesmo assim nem todas as parcelas dos habitantes detém esse conhecimento – contou-me.

Já havíamos percorrido um bom trecho e estávamos seguindo paralelo a um riacho com águas cristalinas. Provavelmente sua origem era nosso destino. Pequenas borboletas davam voltas pelo ar e os feixes de luz do entardecer que entravam pelas brechas entre as copas das árvores faziam tudo parecer mágico.

—Admiro que você conheça assim a história local, você parece gostar bastante daqui Oli – observei enquanto seguia os passos dele. – Isso é tão bom sabe? A maioria dos meus colegas do Masefield parece achar essa cidade um tédio, creio que nem conheçam direito toda essa cultura.

—Bem, eu nasci e cresci em meio a estas florestas Johanna, eu amo Blue Falls – ele parou de andar e se virou. - Há uma magia natural aqui, soprando através do ar, você pode sentir? – E dizendo isso segurou minhas mãos, enquanto olhava ao redor. - Se você escutar cuidadosamente agora você vai ouvir.

Ficamos em silêncio. O som do riacho passando pelas pedras ecoava no ambiente e o vento soprava o suficiente para bagunçar nossos cabelos e jogar uma mecha dos cabelos de Oliver sobre seu rosto. As pupilas de seus olhos dilatavam-se conforme escurecia, dando aos seus olhos acinzentados certa escuridão. Ele colocou sua mão fria em meu rosto, muito suavemente, percorrendo a linha de meu maxilar com os dedos. Seu pulso era um emaranhado de vias azuis.

—Já estamos quase chegando – disse, ainda com os olhos mergulhados nos meus.

Mais alguns minutos se seguiram até que o som de uma queda d’água começou a ser ouvida em segundo plano. O céu tinha tons vermelhos e a lua cheia já aparecia entre as nuvens. Passamos por alguns arbustos e em uma curva, a surpresa: uma enorme clareira foi revelada, onde ao longe uma série de montanhas escuras abrigavam a maior e mais azul cachoeira que eu já vira. A água caía violentamente, porém formava uma cascata com a delicadeza de um véu. Seus tons azulados refletiam a luz perolada da lua e contrastavam com o negro das pedras, deixando tudo com uma atmosfera quase que etérea. O lago que se formava logo abaixo à cachoeira dividia a clareira em duas margens.

Corremos até a beira do lago, e então Oliver começou a tirar a camiseta.

—Vamos até o outro lado? – riu ele, provavelmente de minha expressão de pânico.

—Mas nesse frio?

Mal terminei a pergunta e ele deu um salto, pulando ruidosamente na água. O lago formado era cristalino, com profundidade razoável. Oliver tinha movimentos muito harmônicos enquanto nadava, e não pude deixar de notar a forma de seus ombros largos. Ao emergir do outro lado ele colocou os cabelos molhados para trás enquanto ria nervoso, tremendo de frio, fazendo sinal para eu ir até lá.

Resolvi atravessar o lago caminhando e pulando pelas pedras. Eu estava usando meus coturnos, não seria tão arriscado tentar. Enquanto atravessava, um vento frio passou pelo meu vestido jeans, o fez com que meus pêlos se arrepiassem. Encolhi-me em meu enorme suéter cinza que eu usava por cima. Chegado perto da outra margem, Oliver me deu a mão e me ajudou a saltar para terra firme, recebendo-me com um abraço desequilibrado.

Então eu senti como ele estava gelado, o que me fez emprestar meu suéter para que ele se secasse. Quando ele o devolveu, já estava tão frio como sua pele. Aquela margem só era acessível via nado, então era como se estivéssemos ali isolados em uma pequena ilha secreta. Sentamo-nos na grama fina que crescia por entre os arbustos, sobre a raiz de uma enorme árvore. Ao redor dela cresciam pequenas flores silvestres. A vista daquele lado parecia mais encantadora, como se aquele fosse um ponto privilegiado para se assistir àquela maravilha natural. Sentada ao lado de Oliver, notei que embora largos e imponentes, seus ombros eram cobertos por pequenas sardas que lhe conferiam certa delicadeza.

Permanecemos em silêncio contemplando a paisagem por certo tempo. O céu pintou-se de roxo.

—Sabe quando percebo que gosto de alguém Johanna? – ele perguntou alguns minutos depois.

Ergui as sobrancelhas como quem espera a resposta.

— Quando posso compartilhar silêncios com ela. É muito fácil tagarelar horas a fio. Mas o silêncio, esse é precioso.

Oliver sabia ser muito instigante às vezes. Dei um meio sorriso.

— Não está tentando me conquistar novamente, não é? – perguntei com tom humorado tentando desviar o clima, mas sua expressão era séria.

—Ah garota, você é boa demais pra eu te conquistar com frases baratas. Mas sabe, eu sinto que gosto de você. Não te traria para cá caso contrário. E bem, gosto do silêncio também, com você é uma boa combinação – disse sorrindo enquanto olhava para baixo.

Nunca fui boa com sentimentos, não sabia ao certo o que deveria dizer.

—Oli, você está sendo muito bom comigo, de verdade. Eu estou adorando conhecer você, e quero continuar te desbravando – confessei. – Só não quero ser precipitada.

Ele estava olhando em meus olhos o tempo todo enquanto eu falava. Quando terminei, ele pareceu refletir por alguns minutos, quando finalmente sorriu de maneira terna.

—Tudo ao seu tempo.

Eu não sabia o que sentia por ele ainda. Eu gostava da sua companhia e algo nele me atraia de fato, talvez seu constante mistério. Mas eu não queria tomar algum rumo difícil de desfazer.

Desta vez, com seu braço totalmente à mostra, parei para observar sua tatuagem. Era um cervo que se estendia por toda a parte interna de seu braço, com enormes chifres emaranhados em galhos e folhas de árvores. Havia algo escrito em baixo dele, em alguma língua que eu desconhecia, junto à símbolos peculiares, talvez runas. Deitei em seu colo e fitei a floresta na escuridão, enquanto ele suavemente acariciava meus cabelos. Tudo parecia calmo e seguro com ele.

O céu já estava totalmente escuro, e algumas estrelas começaram a aparecer. Minhas pálpebras lutavam para se fechar, tinha sido um longo dia e uma longa caminhada. Eu deveria estar em casa. Mas em uma fração de segundo, entre devaneios e piscares de olhos, pareci ver uma silhueta conhecida dentro do bosque outro lado da margem. Aquele velho calafrio me percorreu a espinha, talvez meu inconsciente já tivesse a identificado antes de meu consciente. Apertei os olhos. Quando os abri, pareci ver a imagem de Zac nos olhando secamente por entre as árvores.


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