Blue Falls escrita por Florels


Capítulo 9
Atitudes Entregues




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Fiquei visivelmente perturbada com a visão que tivera, e muito embora Oliver houvesse repetido diversas vezes que seria impossível alguém ali àquela hora, voltamos para a praça central da cidade conforme insisti. No caminho de volta, era como se toda a atmosfera mágica que havia se criado na floresta se desfizesse, dando lugar à uma aura sombria e ameaçadora. Não falei para Oli exatamente o que vi, mas cada vez que relembrava da imagem de Zac um frio me percorria a espinha. Comecei a me perguntar por que esse frio sempre surgia quando eu o via, aliás, por que diabos eu sempre o via?

Chegando à praça central, Oliver me levou até minha casa em seu carro. Fiquei quieta por todo percurso, despedindo-me rapidamente quando chegamos. Eu não estava mais com cabeça para cordialidade.

–Oli, me desculpe, acabei ficando um pouco perturbada. Mas não queria estragar o dia de hoje por isso, foi tudo realmente muito bom. Obrigada por me levar à cachoeira, sério – disse em um sorriso tímido, enquanto ia saindo do carro.

–Tudo bem Johanna, mas eu já disse para você se acalmar. Deve ter sido só alguma das ninfas ou elfos da floresta – disse ele rindo.

Fiz uma careta enquanto fechava a porta do carro e me dirigi a meu portão. De longe, ele me mandou um beijo e manobrou o carro, seguindo pela minha rua a baixo silenciosamente.

Após passar por meu portão, percorrendo o caminho de jardim até a porta de casa, um gato preto atravessou minha frente correndo ágil e elegantemente, até que parou aos pés de uma pequena menina. Quando a vi, levei um susto que fez meu coração acelerar novamente. Eu não estava em condições físicas ou mentais para sustos naquele momento. A menina pegou o gato no colo com a expressão séria, em seguida levantou os olhos e me encarou. Ela tinha cabelos loiros em cachinhos, algumas sardinhas no rosto e usava um vestido branco cheio de rendas e bordados, combinando com a meia calça e sapatos pretos esmaltados. O conjunto formava um visual muito vintage. Pisquei algumas vezes, ainda achando que estava vendo coisas.

–Quem é você? – Consegui perguntar.

–Você mora aqui? – Ela disse em vez de uma resposta. Não respondi. – Se mora, tome cuidado. – Completou ainda muito séria, se aproximando de mim.

Ela fez sinal para que eu me abaixasse até sua altura, e sussurrou em meu ouvido:

– Não pisque, eles estão observando.

Semicerrei os olhos em uma expressão interrogativa, até porque não haveria palavras para aquilo. A menina, ainda séria, seguiu rumo à floresta com seu gatinho. Que tipo de mãe deixava a filha andando por aí dentro de propriedades vizinhas a essa hora? Na verdade, que tipo de criança andava por aí dentro de propriedades vizinhas a essa hora? Eu teria achado aquilo muito estranho há algum tempo atrás, mas estranho estava gradativamente se tornando normal em Blue Falls. Antes que eu começasse a ficar nervosa novamente, entrei em casa.

Meu pai estava sentado em um sofá da sala em meio a pranchetas, canetas e papéis. Reconheci o cheiro de um de meus incensos no ar, o que foi estranho por eu ser a única a usá-los. Eu estava conversando apenas o trivial com papai recentemente, até porque ele estava engajado em seu novo projeto de construção de casas neovitorianas inspirado por, obviamente, nossa casa. Pelo menos quando ele estava ocupado parecia menos triste.

Já em meu quarto, deitei em minha cama e comecei a ter flashbacks da tarde com Oli. Eu me sentia muito confusa quanto a tudo que o envolvesse. Afastei os pensamentos e comecei a desenhar, como sempre fazia para tirar da cabeça algo que me perturbava. Peguei-me desenhando a silhueta que me apareceu na floresta, o qual coloquei junto ao retrato da silhueta na janela que havia visto tempo atrás. Estranhamente, aquilo já não me assustava. Observei minha parede, agora repleta de desenhos, entre eles o pequeno retrato de Polaroid. Afastei novamente o turbilhão de pensamentos que começaram a vir em minha cabeça e ao apagar as luzes, decidi tentar dormir um pouco.

x x x x

Na manhã seguinte, Stan me convidou para um picnic com Laurie, Izzy e Nathan. Após a aula seguimos até o bosque que ficava atrás do Masefield, onde Izzy estendeu uma toalha xadrez entre as folhas e colocou uma cesta cheia de sanduíches e cookies no centro. Estávamos entrando em outubro, em pleno outono, então já havia uma legião de folhas alaranjadas sobre o chão. Nathan tirou a mochila das costas ao sentar-se e começou a distribuir cervejas pra todo mundo. Sentamo-nos também e, dividindo cervejas, trocamos conversas e risos enquanto o vento frio balançava a copa das árvores, tentando ocasionalmente levantar nossa toalha xadrez. O clima era pacífico, até que Stan começou:

–O que faremos no Halloween desse ano caras? – uma onda de animação percorreu a todos com a pergunta.

–O mesmo de todo ano? – Nathan o respondeu com um tom instigante, e todos se entreolharam animadamente como se houvessem histórias internas no ar.

–Seria bem legal se pudesse vir com a gente – disse Izzy, ela se referia à Laurie.

Ela pensou um pouco antes de responder.

–Não sei gente, talvez eu viaje nesse Samhain como no ano passado...

–Sabemos com quem – Stan interrompeu sério. – Mas você vem com a gente não é Johanna?

Com sua pergunta, todos os olhares se voltaram para mim. Dei um gole em minha cerveja.

–O que vocês fazem exatamente? – Perguntei.

–Deixe-me explicar – começou Laurie. – Você conhece a história do Samhain certo?

Pensei um pouco. Até onde eu me lembrava era um dos festivais celtas que Oliver havia falado sobre ontem. Fiz sinal com a cabeça para que ela continuasse.

– O Samhain, Johanna, é conhecido como a nossa noite sagrada aqui em Blue Falls e representa o fim e o começo do ano Celta. Ele marca o início da parte escura do ano, já que estamos nos encaminhando para o inverno. Costumava simbolizar o fim da colheita e da luz. Esta é a noite em que o mundo mergulha na total escuridão da alma, nos preparando para a chegada das noites frias.

–Laurie, vamos direto ao ponto... – Stan começou a dizer revirando os olhos, mas todos fizeram sinal para que ele se calasse.

Laurie acendeu um de seus cigarros orgânicos e continuou sua narrativa:

“Mas o que torna a coisa interessante é que, para os celtas, este era um tempo onde o véu que separa os mundos, o mundo dos vivos e dos mortos, era muito mais tênue que nos outros dias do ano. Era como se as fronteiras entre este mundo e o outro parassem de existir, podendo ser atravessado por aqueles que tinham a permissão de fazê-lo.”

–E o que isso significa? – questionei.

Todos ouviam atentamente, como aquelas histórias que cada vez que lhes fossem recontadas, vinha com um significado diferente.

–Significa que é uma noite onde coisas estranhas acontecem, dizem que os mortos andam entre os vivos. Daí que veio o costume de usar fantasias e espalhar lanternas pelas casas e ruas. O famoso Halloween. Hoje, em muitos lugares se perdeu a tradição e os costumes pagãos, grande parte do mundo despreza ou até desconhece isso tudo. Mas embora poucos saibam, a magia desta noite continua a mesma – concluiu ela.

Fiquei pensativa sobre tudo aquilo. Sempre vi o Halloween como mais um feriado comercial e fútil, que era a maneira a qual ele era levado em minha antiga cidade. Percebi como por aqui, como sempre, iria ser diferente. Fiquei animada com a possibilidade.

–Então, a questão é – Stan interrompeu meus pensamentos – Costumamos participar do festival da cidade e sair nessa noite, embora Laurie vá para Bloomfield com os amiguinhos dela. Você quem sabe com quem quer ir.

Seu tom era desafiador, com certa chantagem implícita. Resolvi não responder de imediato.

–Essa tradição de vocês é incrível – comentei.

Eu ainda estava fascinada com a história e acho que transpareci isso.

–Vocês escorpianos adoram um bom mistério não é – Laurie me disse enquanto os outros já conversavam entre si, planejando o que iriam fazer e tirando finalmente o foco de mim. Como ela sabia que eu era escorpiana?

–Como sabe que sou de escorpião? – Verbalizei minha dúvida.

–Suas atitudes te entregam – ela riu. - Não há ninguém que ame um bom mistério mais do que Escorpião. Vocês navegam em águas escuras e magnetísticas, podendo facilmente se espreitar por dentro da psique humana melhor do que a maioria das pessoas. Não é a toa que você é cercada de mistérios. Você os atrai sem perceber – ela disse em um tom sombrio.

Permaneci fitando-a, como quem espera que algo mais fosse revelado, mas ela se virou e começou a conversar com Izzy. Laurie sabia a hora de se calar.

Com o cair dos primeiros pingos de chuva, todos começaram a guardar as coisas e se levantar. Formou-se um intenso chuvisco e a neblina que costumava se acumular na copa das árvores começou a descer para muito próximo do chão. Stan e Izzy começaram a correr um do outro e tentar se esconder pela névoa, enquanto Nathan e eu seguíamos a pé e Laurie vinha um pouco atrás, apreciando a chuva em sua pele. Todos nós já estávamos com os cabelos molhados. Andamos todos até a praça central, onde cada um se despediu e seguiu seu rumo. Fui a pé para casa, embora o forte nevoeiro misturado com a chuva impossibilitasse minha visão à longa distância. Desejei não estar sozinha.

Chegando à ladeira da rua de minha casa as coisas pioraram. Conforme eu me afastava do centro e me aproximava da floresta a visão turva aumentava, possibilitando ver cada vez menos à frente. Apressei o passo e fui para próximo à beirada da rua, caminhando até que avistei a velha grade preta pontiaguda e suas colunas cobertas de musgo: estava em casa.

Entrei o mais rápido que pude indo direto tomar um banho quente, com sorte não estaria doente no dia seguinte. Saindo do banho, coloquei meu suéter preto de lã e sentei-me debaixo das cobertas, enquanto rabiscava alguma página de meu sketchbook. Estava quase ficando com sono quando ouvi umas batidas na minha janela. Ao olhá-la, a surpresa, acompanhada pelo arrepio costumeiro: Zac batia do outro lado, completamente seco.


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