A Cor Púrpura De Teus Cabelos escrita por Letícia


Capítulo 73
Jantar em Família




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/600759/chapter/73

NARRAÇÃO DE LOLA

  A incompreensão ainda estava estampada nos rostos de todos naquela mesa do restaurante.
 Umedeci os lábios e uni coragem para começar a dizer de onde conhecia a Miranda, mas ela estava tão bela naquele vestido verde esmeralda, reluzindo ainda mais seus belos olhos, que me perdi em pensamentos.
  Então, ela teve o dom da palavra e explicou à eles de onde nos conhecíamos.
  - Ela é minha aluna no colégio onde trabalho lecionando língua portuguesa e literatura.
  Percebi que sobrancelhas sobressaltaram-se nas faces das pessoas ao meu redor, após entenderem tudo.
 - Tinha esquecido de que Miranda é professora de português. - desdenhou a senhora com uma flor na cabeça.
  Miranda olhou de relance para o marido e na troca de olhares percebi sua insatisfação com o tal comentário.
 - Bom, vamos nos sentar. - Henrique puxou uma cadeira para Miranda e ela se sentou em minha frente.
 - Muita coincidência o seu marido ser primo de minha futura esposa, não é mesmo Miranda? - disse meu pai.
 - Realmente, eu nunca imaginaria isso. - ela disse sem graça.
 - Bom, gostaria de agradecer a presença de todos vocês, pois são muito importantes em minha vida e neste momento especial, eu não poderia deixar de comemorar ao lado de vocês o início de um novo ciclo em minha vida - discursou Michele.
  Meu pai estava ao lado dela e emanava felicidade. Estava realmente feliz ao lado dela e se isto lhe fazia bem, não havia motivos para eu ser contra. Antes, eu não gostava da personalidade de Michele, pois a princípio, ela me passou uma imagem de ser uma pessoa fútil, rude e grosseira, mas ao passar do tempo, percebi que isto havia mudado nela. Talvez fosse o dom da maternidade. Não sei, mas dizem que esses hormônios na gravidez mexem muito com as grávidas, ou talvez ela apenas tenha evoluído como pessoa e reconhecera seus erros e sua maneira de ser. Assim como eu, que não aceitava de maneira alguma que meu pai encontrasse um novo amor, mas me coloquei no lugar dele e me dei conta de que se fosse o oposto, eu ficaria muito triste e frustrada. 
   Minha mãe havia morrido há anos e ele nunca havia se apaixonado como agora e creio que ela ficaria feliz ao vê-lo bem e seguindo a vida dele, tentando reconstruir sua vida. E após a descoberta da vinda ao mundo de uma criança, a importância de ''aceitar'' o relacionamento dos dois havia crescido em mim. Talvez esse novo filho fosse a segunda chance que avida tinha dado para meu pai, para que ele tivesse a oportunidade de ser um pai melhor. Um pai presente na vida deste bebê; algo diferente do que fora comigo. Essa é a vida, e ela segue. O tempo continua a correr sem esperar ninguém, as pessoas apenas devem acompanhá-lo. O tempo pode ser bondoso ou cruel, tudo depende das perspectivas dos seres humanos e de seus feitos. Espero, profundamente, que eu seja capaz de fazer com que o tempo e a vida, sejam bondosos para mim, como estão sendo para meu pai.

*********

 NARRAÇÃO DE MIRANDA

  Eu não estava esperando por aquilo. O dia, desde que começara, havia me pregado peças. Primeiro a chegada repentina de Henrique, agora me deparo com Dolores.
 Ah, Lola... a última coisa que quero na vida é feri-la.
Ah, doce e pequena Lola... posso compará-la a uma rosa cor de púrpura. Diferente de todas as outras. E você habita meu jardim secreto.
Apesar de dezenas de outras rosas, só tenho olhos para a sua beleza. Sua cor singular me prende a atenção. Me desnorteia. Se pudesse, conteria o desejo de tocá-la, mas ao tocar sem uma de suas pétalas e provar de seu néctar, me sinto mais atraída ainda. Este é o efeito que você tem sobre mim. Quanto mais provo de seu pólen, mais o quero provar. Quero lhe arrancar deste jardim e guardá-la só para mim, mas ter uma flor tão bela não é algo que se passa despercebido. Então não posso arrancá-la. Apenas posso apreciá-la ao longe. Tentar te esquecer é algo em vão, pois você, inacreditavelmente, sempre cruza o meu caminho e reaparece em minha vida. Não quero machucá-la e arrancar suas pétalas, quero apenas tê-la para mim e colocá-la em minha redoma de vidro. Mas como toda bela flor, seu dono adora exibir-se com sua ''posse''. Mas não é tão fácil quanto parece tirá-la desse jardim, haviam guardadores como jardineiros e abelhas zangadas que me impediam de tomá-la posse. Isso me machuca tanto.
 Poder vê-la e não tê-la.
 Poder cheirá-la mas não provar seu néctar.
 Apenas me questiono até que ponto me contentarei em apenas admirá-la ao longe e secretamente.





******** 

   Após todos da mesa escolherem o que gostariam de comer, cada qual estava se entrosando com alguém ou algo na mesa. Michele e Lúcio trocavam sorrisos de satisfação e beijos curtos e rápidos. Dona Marta e seu marido José, que eram os pais de Michele e do jovem garoto, trocavam burburinhos entre si na mesa. O jovem, irmão de Michele, ignorava à todos enquanto caçava zumbis em um jogo no celular. Henrique que era sobrinho de Marta e primo de Michele e marido de Miranda, apreciava sua esposa e a acariciava enquanto dava beijos curtos em seu ombro. Miranda recebia tais afetos, mas ficou desconfortável na presença de Lola. A menina, por sua vez, tentava desviar sua atenção do casal enquanto folheava um menu de bebidas que estava sob a mesa.

  Lola desviava seus olhos castanhos dos olhos verdes de Miranda. Enquanto isso a professora tentava se esquivar  das carícias do marido, mas sua tentativa não era bem sucedida pois ele estava afim de reconquistá-la de todas as maneiras possíveis e demonstrar à todos presentes que eles eram um casal feliz e estável, o que na verdade era uma grande mentira, mas apenas Lola sabia disso além dos outros presentes.
    O momento desconfortável deu-se quando dona Marta, em um de seus sussurros, deixou escapar um comentário sobre o cabelo de Lola. A menina, assim que a vira na mesa, percebeu que a senhora tinha torcido o nariz para o seu visual excêntrico. Marta era do tipo de pessoa não aceitava o ''diferente'' com facilidade e adorava criticar tudo o que não lhe agradava e não cansava de julgar à todos em sua volta, esquecendo o fato de que também poderia ser julgada por alguém, pois no fim ninguém consegue agradar todo mundo.
 - Ela tem um rosto bonito, mas a cor do cabelo estraga tudo. - sussurrou a senhora.
  Lola, que estava prestando atenção em tudo à sua volta, apesar de estar dando uma lida no menu, não se conteve e logo soltou uma frase sem rédeas. Ela era assim, cheia de personalidade e sem papas na língua.
 - Poderia saber porquê a cor do meu cabelo lhe incomoda tanto?
  Todos olharam para Lola e sem seguida para Marta, esperando uma resposta.
 - Não é isso... - disse Seu José, mas logo sua mulher lhe cortou.
— Ah... um rosto tão belo quanto o seu... Me pergunto porque seu pai lhe deixou fazer isso. Não me leve a mal, mas não ficou nada bonito com esta coloração.
  Lúcio franziu o cenho pois já sabia no que aquilo iria dar.
 Michele balançou a cabeça em desagrado.
 O jovem Matheus, tirou os olhos do celular e prestou atenção na conversa, enquanto Miranda e Henrique ficaram apreensivos.
 - Não me leve a mal, mas quem lhe pediu opinião sobre o meu cabelo? Gosto é particular de cada um e você deveria respeitar o meu.
  Lúcio levantou um braço e colocou sobre o ombro de sua filha tentando impedi-la de continuar falando, mas foi em vão pois ela continuo falando.
— Aliás, se eu fosse você ficaria mais preocupada em tirar essa flor ridícula da sua cabeça!
 A senhora ficou boquiaberta com o disparate da menina, pois não estava acostumada a ser repreendida e contrariada daquela maneira.
— Eita! - soltou Mateus.
— Olha o respeito com os mais velhos! - alertou Henrique.

Lola revirou os olhos com o comentário dele.
— Sua mãe não lhe deu educação e não lhe ensinou a respeitar os mais velhos? - José questionou.
— E a sua mãe não lhe ensinou a não se intrometer na vida alheia? - Lola argumentou.
— Ah, querido, não perca seu tempo... Deve ser por isto mesmo que ela é assim... Não tem mãe.
Ela sabia disto pois Michele havia contado para ela. Um sorriso maléfico e debochado se estampou na face da velha senhora.
Lola fechou os olhos, respirou fundo e fechou o punho em desagrado. Não a incomodava mais de ouvir que falarem da morte de sua mãe de um jeito desrespeitoso. Ela umedeceu os lábios, olhou para Miranda e deixou uma lágrima quente escorrer pelo seu rosto e levantou da mesa abruptamente, enquanto corria em direção ao banheiro feminino.
— Mamãe, que absurdo o que disse! Tem noção do que a senhora fez? - exaltou-se Michele.
— Mas a menina não tinha direito de tratar titia desta forma. - declarou Henrique.
— Isto mesmo, ela que começou com os insultos.
— Mas a senhora bem que mereceu, mãe. Por sempre querer dar pitaco na vida alheia. Quem diz o que quer, ouve o que não quer.
Depois de dizer isso, Mateus colocou seus fones de ouvido e voltou novamente sua atenção ao celular, ignorando todos em sua volta.
— Ora, vejam só! - esbravejou indignada a senhora.
— Peço perdão pelo desaforo de minha filha, dona Marta.
Marta aceitou o pedido e assentiu com a cabeça.
— Mas o que a senhora disse para Lola foi algo cruel. No caso, a senhora deveria pedir desculpas para ela. - Miranda defendeu Dolores.
— Isso é o fim dos tempos mesmo! Eu que tenho que pedir perdão? Faça-me o favor!
— Mamãe!
Miranda levantou da mesa e foi à procura de Lola. Vê-la mal a feria, mas ver alguém tratando-a mal, a feria duas vezes mais.
— Para onde é que sua esposa foi? - perguntou Seu Zé.
— Possivelmente atrás da aluna preferida dela. - debochou Henrique.
— E faz bem, pois Miranda é como uma mãe para ela. - disse Michele.
— Isso é verdade. Henrique, você não sabe o quanto a presença de sua esposa tem sido importante na vida de minha filha.
Henrique ignorou o comentário e o assunto se encerrou por hora, pois o garçom estava se aproximando naquele exato momento com as bandejas dos pratos pedidos.
Enquanto isso, Miranda abria a porta do banheiro feminino e para seu alívio, encontrou Lola em frente ao espelho, perto da pia e aos prantos. Aquela era a hora em que a apreciadora da rosa cor de púrpura protegeria e defenderia sua amada flor.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Cor Púrpura De Teus Cabelos" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.