A Cor Púrpura De Teus Cabelos escrita por Letícia


Capítulo 61
Lições de Companheirismo




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Após mais um dia de aula, Lola voltou para casa bastante animada, afinal era um dos dias em que teria aula particular com Miranda.
Chegando em casa, se surpreendeu ao ver seu pai sentado no sofá assistindo ao jornal em um canal de televisão aberta.

– Pai, não foi trabalhar hoje?
– Que tal trocar essa frase para um : ''Pai, que bom vê-lo em casa.''?
Lola ficou sem graça e passou uma mão pela cabeça.
– Foi mal...

– Nada filha, estava apenas brincando, mas então, como foi a aula hoje?

– Normal, pai. A cada dia a matéria está mais puxada mas o que me conforta é que estamos no meio do ano e logo logo estarei formada. Bom, pelo menos assim espero. - disse rindo.
– Claro que estará, mas posso saber o motivo dessa sua felicidade? - questionou o pai levantando uma de suas sobrancelhas enquanto esboçava um sorriso brincalhão e bobo na face.
– Felicidade? Ora, estou como sempre estive... - disfarçou a menina.
– Como sempre esteve? Aham, pensas que me engana...
– Porque o senhor acha que estou mudada? - perguntou a menina.
– Anda bastante feliz ultimamente e cantarolando por aí, pensa que não percebi?
– Ah, não. Isso de novo não... - tentou fugir do assunto enquanto passava direto da sala de estar e foi em direção ao quarto.
– Mocinha, pode tentar esconder o que sente, mas será impossível de disfarçar este brilho em seu olhar.
Lola já estava refugiada no quarto e soltou uma gargalhada ao ouvir tal comentário.
Após almoçar e tomar um banho, ela foi se despedir do pai antes de ir embora para casa de Miranda.
– ''Brilho no olhar?'' Ora vejam só... - debochou a menina enquanto se abaixava para dar um beijo na bochecha do pai antes de partir.
– Para onde a senhorita vai?
– Para a casa da professora Miranda. As aulas particulares, se esqueceu?
– Ah, sim claro. Mas antes, queria lhe comunicar algo...
– O que seria? - a incompreensão tomou conta do semblante da jovem.
– Bom, como lhe disse antes, conforme conversamos, Michele está grávida e com isto, bom... Ela... - Lúcio se enrolou ao tentar formar frases para explicar algo para filha.
– Ela...? Ande pai, fale logo, não posso me atrasar! - apressou a jovem.
– Bom, ela virá morar conosco em nossa casa e provisoriamente, enquanto não compramos uma nova casa e mais espaçosa, você terá que dividir o seu quarto com o bebê e tirei folga hoje, justamente para arrumar o berço no seu quarto, mas como vi que você estava de saída e que talvez não estivesse presente na mudança do ambiente, vi que era melhor lhe avisar antes.
Lola arregalou os olhos e gaguejou antes de tentar dizer algo. Para ela, que fora filha única a vida inteira, era difícil se imaginar dividindo as coisas com outras pessoas, ainda mais o seu próprio espaço, o seu refúgio como ela mesma o nomeava.
– Então eu vou ter que dividir o meu quarto? - perguntou incrédula.
– Filha, eu pensei que estávamos acertados sobre todo este assunto...
Lola contou até dez em sua mente para não explodir e ter um ataque de raiva. E para surpresa do pai, ao invés de ouvir seus gritos, ele ouviu a menina se despedir dele antes de partir.
– Olha, eu tenho que ir. Faça o que quiser com o meu quarto, afinal a casa é sua.
– Lola, eu não queria que voltássemos à estaca zero... Meu bem...
Mas já era tarde demais, Lola o havia deixado falando sozinho,como sempre fazia, e tinha batido a porta com força e seguiu caminho para casa de sua amada professora.

***************

NARRAÇÃO DE LOLA

Quem o meu pai pensa que é para roubar meu espaço e colocar um meio irmão no meu quarto? Sinceramente, eu havia aceitado e entedido o relacionamento dele com Michele. A notícia da chegada de um bebê,é claro, havia me devastado, mas também relevei este fato, afinal não havia como eu intervir nisto. O bebê já estava a caminho e a cabeça de meu pai estava feita. Eu não via Michele desde o incidente no restaurante italiano e vinha me remoendo e me preparando psicologicamente para encarar a tão temida fera, mas devo confessar que não tinha me corrido o fato em mente que eu moraria sob o mesmo teto que ela. Ou eu esqueci deste pequeno grande fato ou meu pai se esqueceu de me contar. Mas logo quando tudo ia muito bem entre meu pai e eu, fui surpreendida com isto. Sinceramente, apesar de eu ter quase 18 anos, a ideia de dividir meu pai com mais alguém, ainda mais um meio irmão, me tirava do sério. Se isto já era o fim pra mim, imagina então como eu recebi a notícia de que serei obrigada a viver no mesmo quarto que ele. Não consigo nem me imaginar tendo que acordar de madrugada por causa de um bebê chorão que não é meu irmão de verdade. Não quero nem imaginar, meu quarto, todo arrumado com o meu gosto tendo que ser invadido por enfeites e penduricalhos infantis do bebê e o pior, um berço!
Ao fazer o sinal para o ônibus e subir os degraus e me acomodar em um assento, enquanto esperava que ele me conduzisse para o lar de Miranda, veio em minha mente algo que eu havia já pensado antes: definitivamente eu teria que tomar um rumo em minha vida, arrumar um emprego ou entrar em um faculdade. De uma coisa eu estava certa; não queria e não iria morar por muito tempo com eles. Se meu pai queria construir uma nova família que assim o fizesse, mas como acontece quando se faz uma escolha aconteceria com ele; em troca de uma nova família ele me perderia aos poucos. E ao descer do ônibus e entrar no elevador, a ideia de morar sozinha se reforçava em minha mente. A cada passo que eu dava estava mais certa disso. Era a vida, desde cedo me obrigando a crescer, então, mais um vez, era isso que eu iria fazer.


*********

NARRAÇÃO DE MIRANDA

Não falei com meu marido após o dia ter nascido. Fomos obrigados a nos encarar na mesa do café da manhã. Ele havia preparado um café reforçado para ele com açúcar e ele fez de propósito, pois sabia que eu usava adoçante em meu café. Resolvi ser a primeira a tentar quebrar o gelo e então perguntei algo para ele, na verdade, pedi para que me passasse o requeijão e ele me passou sem nem ao menos me olhar nos olhos.
– Então vai ser assim?
– Assim, como? - os olhos azuis inquietantes finalmente miraram os meus olhos verdes e penetrantes.
– Então vai me tratar com desprezo? - perguntei enquanto dava um gole no café adoçado contra meu gosto - Aliás, muito obrigada pela consideração.
– Você mente para mim durante anos e acha que tudo ocorrerá normalmente? Você esconde uma gravidez e uma morte e acha que eu irei lhe servir café da manhã na cama com uma flor ao lado da bandeja em forma de agradecimento? Francamente, Miranda! - disse ríspido.
– Então a culpada agora sou eu? Eu que sofro todos os dias de minha vida por ter perdido meu filho e você que é a vítima da história? - disse tentando conter meu choro.
– E você acha que eu também não estou mal por saber da morte de um filho que seria meu? - Henrique engoliu em seco.
– A morte de um filho que você não desejado... Nunca desejou. É fácil sentir falta agora, não é mesmo? - arqueei uma sobrancelha.
Henrique balançou a cabeça em desagrado.
– Por favor, não venha me culpar pela morte de nosso filho por valhas suas - Henrique percebeu meu desagrado mas continuou falando e cortou minha fala - Eu sei que errei ao dizer que não queria ter um filho, mas é claro que lhe apoiaria se tivesse me contado a verdade, se não tivesse posto em sua teia de mentiras!
– Não estou certa de que faria isso, Henrique. Talvez, você até poderia ter sugerido um... aborto.
Soube que minha última palavra o machucaria e o feriria por completo como uma faca com ponta afiada. No fundo eu não queria ter que conviver com tal dor sozinha, agora que ele sabia eu queria mostrar para ele o quanto ele também tinha um dedo de culpa naquela história, na verdade não somente o dedo, como a palma da mão, o braço e todo o resto do corpo.
– Eu não acredito que você disse...
Henrique não quis discutir comigo, pegou suas coisas e vestiu seu paletó e me deixou sozinha em nosso apartamento.
Eu pensei que após me abrir para ele, teria total o seu apoio mas tudo girou ao contrário, ele se virou contra mim e eu não aceitaria ser a vilã dessa história sozinha. Tive a sorte que não daria aulas hoje, pois mesmo se tivesse, não teria forças para isto. Sentei no sofá e comecei a chorar desesperadamente. Como algo do passado vinha à tona e desmoronaria tudo o que eu havia construído com o tempo? A questão que mais me assustava, não era somente o fato da perda de um filho mas sim a ausência do apoio de Henrique como eu sempre tinha tido em minha vida, ou talvez pensava em ter. Quando contei a verdade, pensei que ouviria dele um '' vamos sair dessa juntos'' ou ''superaremos tudo isto junto, estou aqui para lhe apoiar''. Apesar de saber que fui errada em mentir, o que eu mais queria era o apoio dele e não tive, pelo contrário, como ele havia dito, consegui quebrar sua confiança e para ele era algo quase que irreparável. E lá estava eu, chorando no sofá da sala, pagando pelo meu fardo. Carregando aquela pesada cruz, que apesar de não ser sozinha minha, somente eu a estava carregando. E a falta de apoio era o que mais me doía.
*********

Acabei pegando no sono deitada no sofá e ainda muito arrasada olhei para o relógio e me surpreendi com a hora. Quando olhei em meu celular e vi percebi que era o dia da semana em que havia me programado para dar aulas à Lola, peguei o telefone ao lado e cogitei em cancelar a aula, mas algo me impediu. O toque da campainha me avisava, supostamente, que era tarde de mais e que ela já estava à minha espera do outro lado da porta e quando abri, ela percebeu de cara a minha fisionomia e como eu estava devastada.

**********

NARRAÇÃO DE LOLA

Então a porta se abriu e revelou uma Miranda que eu nunca havia visto antes. Me revelou uma mulher frágil, triste e arrasada. Em seus olhos e em sua face percebi rastros de lágrimas e quando ela disse para eu entrar, percebi em sua voz falha que havia chorado e estava realmente triste, e logo entrei e perguntei para ela o que houve.
– Professora, a senhora... O que houve? Está tudo bem?
Era óbvio que não estava, mas mesmo assim questionei-a.
– Querida, me desculpe. Eu esqueci completamente de nossa aula hoje...
Miranda se sentou no sofá e eu me sentei ao seu lado.
– Tudo bem se não estiver disposta a dar aula hoje, eu entenderei.
Miranda exibiu um sorriso rápido em sua face e então não exitei em perguntar sobre como estava.
– O que houve, professora? Aconteceu alguma coisa?
Levei uma de minhas mãos em seu ombro, ela levantou a cabeça que estava baixa e quando seus olhos verdes, que agora estavam tristes e opacos me olharam, pude ver que suplicavam por um ombro amigo.
– Eu não estou bem... Briguei com meu marido.
''Henrique, o que você fez com ela?''. Pensei em minha mente com raiva.
– E eu briguei novamente com meu pai. Podemos fazer assim: você me conta o que houve e eu te conto o que houve comigo.
– É que isto não seria assunto para uma jovem... - tentou fugir ela.
– Posso ser jovem de idade, mas você sabe que pelo que já passei nessa vida - peguei em sua mão e a encorajei a desabafar - Já lhe contei sobre tudo, sempre que precisei de um ombro amigo você estava disposta a me ajudar, então agora é a minha vez. Nada mais justo. E é muito ruim guardar o que sentimos para nós mesmos.
– Tudo bem, você tem razão. Mas antes, vamos à cozinha. Prepararei um chá para nós duas enquanto conversamos.
Ela ainda estava muito triste, porém havia baixado a guarda e aceitado o meu ombro amigo. Então fomos em direção a cozinha e enquanto ela fervia a aguá para fazer o chá de camomila eu resolvi contar toda a minha história para ela, e como sempre, me ouviu pacientemente e me deu um conselho. Após encerrar minha confissão, era a vez dela de abrir o coração. Apesar de ter sido difícil fazê-la falar, tomou fõlego, parou de gaguejar e disse:
– Não sei como lhe contar isto mas... Eu... Eu perdi um bebê há muito tempo atrás.
Quase deixei minha caneca cor-de-rosa com detalhes floridos cair no chão ao ouvir tal confissão. Miranda perdera um bebê? Como assim? E fiquei boquiaberta, espantada e um misto de pena e dor preencheu meu pai e foi ali que me dei conta de que por mais que pensamos que conhecemos as pessoas que nos rodeiam, não temos ideia dos segredos que elas guardam.


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