Nós estamos juntos escrita por Joana Guerra


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

O que era para ser um capítulo transbordou para dois. Posto agora a primeira parte do que tinha planeado. Obrigada a quem está do outro lado.



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Rio de Janeiro, 2002

A última vez que Jonas tinha estado no Brasil havia sido há mais de 10 anos. Naquela época, mais do que ter partido para os Estados Unidos em busca de uma vida melhor, Jonas havia fugido da vida que tinha vivido até então. E tinha sido em nome da vida que achava que merecia que tinha descoberto que dentro dele havia alguém capaz de tudo para vencer.

Jonas havia apagado da sua cabeça as memórias da sua infância e adolescência, quando se sentia o incompreendido e subestimado Jonas, à mercê de uma mãe trambiqueira e de um ambiente que o tinha obrigado a ser ele próprio trambiqueiro para conseguir escapar de tudo. Apenas o fantasma de Pedro, o seu honesto pai, por vezes o incomodava.

Na cabeça dele os meios tinham justificado os fins. Ele tinha-se erguido como um gigante entre os gigantes e não havia no planeta Terra quem não o conhecesse e temesse. Jonas tinha aprendido a amar o poder e se inebriava com a adulação que lhe era prestada. Só que, como maldição, quanto mais sucesso empresarial tinha, mais sucesso queria ter.

De vez em quando se sentia culpado por ser tão ausente da vida de Megan e Pamela, mas rapidamente surgia algum novo projecto na Marra que desviava a sua atenção novamente para o seu trabalho, que ele tinha a certeza que ia mudar o mundo.

Precisava de pensar no que iria fazer com Davi. Instintivamente, decidiu rumar à mesma praia onde tinha tomado a decisão que tinha mudado o rumo da sua vida. Descalçou-se e sentou-se na areia, devidamente protegido dos paparazzi pelos óculos escuros e pelo chapéu.

Contemplando um mar que ainda era o dele pedia a uma entidade desconhecida que o ajudasse a ser melhor. Melhor pessoa, melhor marido e sobretudo melhor pai. Agora teria outra pessoa dependendo dele. Só que no seu interior mais íntimo Jonas não se achava capaz de cumprir a sua própria promessa.

Jonas foi tirado da sua contemplação pelos gritos de uma jovem mãe que corria feito louca atrás do seu garotinho, que não devia ter mais do que 2 anos.

– Vicente! Vicente! – gritou a jovem, uma belíssima negra, carregada de sacolas, que na atrapalhação da corrida acabou caindo.

Jonas a ajudou a levantar, ficando fascinado com a beleza daquela mulher vista de tão perto. Ela agradeceu, sem graça, pegou no seu filho e se preparou para ir embora. Noutras circunstâncias ele não a teria deixado ir embora tão facilmente, mas naquele dia a cabeça dele já estava ocupada com um só pensamento. Chegara a hora do embate.

O primeiro passo dele foi pedir ao seu assistente e fiel capacho Murphy para agendar uma reunião com Rita, justificando a mesma com o interesse da Marra em apoiar causas sociais como a PLUGAR. Ainda que Herval tenha ficado desconfiado com a reunião e tenha tentado dissuadir Rita de ir, a verdadeira surpresa foi mesmo para a própria Rita quando chegou à reunião e deu de caras com Jonas Marra em carne, osso e charme inconfundível.

A investigação prévia de Jonas sobre Rita o havia convencido da sua idoneidade, pelo que não lhe foi difícil contar toda a verdade sobre a proveniência de Davi e o perigo que Herval representava para todos.

Atónita, mas consciente das implicações do que Jonas lhe contava, Rita concordou em ajudar Jonas, desde que o bem-estar de Davi fosse colocado acima de tudo. Visto que era imperativo desmascarar Herval, o tempo corria contra eles.

Naquela noite, Rita e Dante tiveram uma das conversas mais difíceis da sua vida. Conscientes do quão magoado Davi tinha ficado dois anos antes, aquando da morte dos seus pais adoptivos num acidente de viação, eles sabiam que ia doer fundo em Davi saber que era adoptado.

Rita, particularmente, sabia que Davi não ia aceitar ser filho de alguém como Jonas Marra. Os dois anos passados em convívio estreito com Herval tinham bastado para entranhar em Davi um ódio profundo por tudo o que uma corporação como Marra e principalmente uma figura como Jonas representavam. Egocentrismo, busca de lucro fácil, incapacidade de se preocupar com os outros.

Davi reagiu tão mal quanto previsto:

– Não, não, não. Os meus pais se chamavam Jorge e Rosa. A senhora está mentindo. – disse, com lágrimas brotando dos seus olhos.

– Davi, a gente sabe que não é fácil mas é a verdade. A minha irmã e o Jorge te adoptaram quando você era um bêbê e você foi a pessoa que eles mais amaram no mundo. Eu e o seu tio não sabíamos se um dia te íamos contar esta história, mas chegou o momento.

– A senhora tá me dizendo que os meus pais não eram os meus pais, o Herval quer me fazer mal e o meu verdadeiro pai é um homem mau. Acha pouco?

Davi saiu, batendo a porta e pegando a sua bicicleta. Precisava fugir do que tinha ouvido. A vida não podia ser tão retorcidamente cruel com ele.

Por muito que ele quisesse, Davi não poderia fugir para sempre. E, por isso, no dia seguinte já se encontrava a caminho da casa onde os Marra estavam secretamente pernoitando, vestindo a sua melhor roupa de domingo e de um modo ingénuo esperando que alguém que dissesse que tudo aquilo afinal tinha sido apenas uma pegadinha de mau gosto.

À sua espera se encontravam Sandra, Jonas e Pamela. Sandra foi a primeira a avançar para ele:

– Vinícius…- disse, num fio de voz.

– Davi, o meu nome é Davi.

–Davi, seja bem-vindo… – disse Jonas, avançando para Davi, que olhou emburrado para ele.

– Hi sweety. I´m Pamela, esposa de Jonas. Se você não se importar vou mostrar ali a thing no escritório aos seus tios, alright?

Davi olhou de um modo suplicante para os tios, mas todos compreenderam que naquele momento era importante deixarem pais e filho conversarem sozinhos.

Jonas e Sandra estavam conscientes que não podiam recuperar os 10 anos em que estiveram afastados de Davi, mas se assustaram com a resistência do garoto para com eles.

Inicialmente, Jonas havia pensado em levar Davi com ele para os Estados Unidos, mas rapidamente percebeu que ou teria que o fazer à força ou desistir, palavra que não estava no seu vocábulo. Por fim, pela primeira vez em muitos anos, talvez Jonas não conseguisse ir para a frente com um dos seus planos.

Entre os pais, madrasta e tios se discutia o futuro daquele garoto que se considerava nem tido nem achado naquele negócio. Só que o silêncio de Davi falava volumes. Falava de dor, insegurança e medo. Gritava que o deixassem em paz na única vida que tinha conhecido.

Foi complicado encontrar uma solução que fosse aceite por todos. No final acordaram que o melhor, por agora, para Davi, seria continuar a viver na Gambiarra com os tios e o primo e que ele deveria passar com os Marra as férias escolares. Os Marra se comprometiam a comprar uma casa no Brasil para ficarem mais próximos e comunicariam diariamente por telefone. Sandra se encontraria com Davi na mansão dos Marra sempre que possível. Tudo seria feito com a maior discrição para que ninguém fora da família soubesse de quem Davi era filho.

O passo seguinte foi desmascarar Herval.

Quando Herval entrou no seu escritório e encontrou Jonas Marra confortavelmente instalado na sua cadeira, pensou que estava alucinando. Afinal, o seu arqui-inimigo estava seguramente a milhares de quilómetros de distância. Quando Jonas abriu a boca e lhe contou que estava ao corrente dos seus planos, a surpresa de Herval não foi menor.

Jonas sabia que Herval era informador do FBI e, como tal, era intocável em alguns aspectos, mas Jonas Marra não se havia tornado em quem era sem motivo.

Mesmo com a protecção do FBI, Herval compreendeu que não tinha como lutar contra Jonas naquele momento. Como um bom vilão, Herval aproveitou a escuridão da noite para desaparecer, não sem antes esvaziar os cofres da PLUGAR dos parcos fundos que mantinham a OGN em funcionamento. E como bom vilão jurou para si mesmo que um dia ainda teria a sua vingança. Mais uma vez a figura de Jonas Marra se entranhava em todos os seus pensamentos, todos os minutos do seu dia.

Claro que a PLUGAR não poderia pagar pelos erros do seu ex-dirigente. Nesse sentido, Pamela obrigou Jonas a fazer com que a Marra patrocinasse a PLUGAR. O próprio Jonas cedeu um dos seus estagiários para dirigir a ONG. Clint Adams era um jovem escocês de 24 anos, um ruivo optimista de olhos azuis sorridentes. Demasiado brando para trabalhar numa empresa como a Marra, na opinião de Jonas; the perfect soul para trabalhar num projecto como a PLUGAR, segundo Pamela.

De quebra, Clint se tornava no novo mentor de Davi. Mais uma figura na vida tão curta de Davi. Davi não o recebeu nem bem, nem mal. Tornara-se demasiado comum na sua vida ter gente a entrar e a sair que ele já colocava em dúvida se o conceito de permanente existia mesmo. Se calhar era mais fácil não se apegar. Por isso, Davi regrediu até ao ponto de quase não falar, quase o mesmo estado em que tinha ficado quando os seus pais adoptivos, Jorge e Rosa, haviam morrido.

Clint não era do tipo de desistir, mas também sabia quando não insistir. E foi assim que com calma, paciência e amor se conseguiu, aos poucos, aproximar de Davi, fazendo com que ele voluntariamente baixasse as suas barreiras. E foi nessa época que Clint começou a ver o potencial que o garoto tinha para a programação. Parecia que estava imbuído no seu DNA.

Quando estavam juntos, Clint e Davi entravam no seu próprio mundo: um mundo idealista em que todos eram iguais, todos se respeitavam e imperava a entre-ajuda. Os valores morais dos dois eram bem semelhantes. Ambos eram almas honestas, preocupados com o bem-estar dos outros, ainda que pudessem cair no erro de serem eles a definir o que era o melhor para os outros.

São Francisco, 2002

Jack saiu de casa trauteando a sua canção favorita e dirigiu-se para a piscina. Dentro da mesma estava o tesouro da sua velhice: Megan, o seu little ray of sunshine. Um raio de sol altamente temperamental, mas menos não se esperaria da filha de uma das maiores actrizes da sua geração.

O empresário tinha noção que o ritmo de trabalho louco dos Parker-Marra tinha consequências na quantidade e qualidade de tempo que os adultos passavam com Megan, mas se consolava pensando que aquela garota tinha tudo que podia desejar e um dia se tornaria numa das herdeiras mais poderosas do mundo. Não existia uma garotinha no planeta que não quisesse ser Megan Lily Parker-Marra. Nenhuma, exceto a própria.

Megan estava particularmente arisca naquele dia, pelo que quando ela saiu da piscina Jack arriscou aquilo que pensava ser uma boa notícia:

– Sua mom e seu dad voltam amanhã para casa.

– Oh really? E trazem o little bastard com eles?

– Megan… que linguagem é essa para uma garotinha? Mas como é que você….

– How do I know about him? Oh grandpa como eu sempre fico sabendo das coisas. Escutei.

– E você não está feliz com a notícia?

– Can´t you see it in my face?

Jack não percebia como conseguia caber tanto sarcasmo numa criança de 7 anos. Mesmo uma que só conhecia a corrupção da vida do topo da elite. Por detrás de tanta ironia e cinismo o que é que realmente se passava dentro da cabeça da sua neta?


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Notas finais do capítulo

Desceu um espírito malévolo em mim. Só isso explica ter tão pouca Megan nesse capítulo. Já mandei o espírito dar uma volta, pelo que vai ter muito Megavi já no próximo capítulo. E vocês já sabem que, quanto Megavi se encontra já não se pode desgrudar mais. Até breve.

P.S. – Por vezes engano-me e escrevo de acordo com a ortografia antiga de Portugal e não de acordo com o novo acordo ortográfico. Mil desculpas se isso ocorrer.



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